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24/02/2018

Judas, cabra safado, ou não?

Almeida Júnior - O Remorso de Judas (1880)

Antonio Rocha
Trabalhei onze longos anos no campo das artes gráficas com os meus amigos e irmãos presbiterianos. Aprendi muito...
Belo dia um jovem pastor, que também era radialista e apresentava um programa em uma rádio evangélica carioca, de bastante sucesso, me contou:
- Fizeram uma paródia de um corinho evangélico, estou ensaiando com os jovens e todos estão adorando.
Pedi então que ele cantasse o hino para eu aprender. Sorrindo ele ensinou:
“Jesus morreu na cruz
Pelos nossos pecados
Judas o traiu
É um cabra safado.
Cabra safado
Cabra safado
Judas o traiu
É um cabra safado”.
Sucesso de público e de crítica. Assim que se ouvia, todos riam gravavam logo, por ser muito fácil a rima.
Agora vocês imaginem uma igreja lotada de jovens, mocidades como eles chamam. Todos de pé cantando o pequeno hino acima. Era uma bela cena de psicodrama*. Aliás, um dos sucessos do pentecostalismo e neo são esses cânticos das multidões. Verdadeira terapia.
Recomendava-se ainda: se você tem alguém que fez algo  contra você, te traiu, te prejudicou ou coisa parecida, esta é a hora coletiva da catarse. Lembra do fato, visualiza a pessoa e canta o corinho acima gesticulando com todo ardor.
Nessa hora não se pensa na Teologia, para saber se Judas Iscariotes traiu mesmo ou não. Eu, pessoalmente, acho que ele não traiu, ele não entendeu a mensagem do bom Jesus.
Já se sabe que Judas era um militante político, de um partido religioso da época, que pretendia libertar-se do jugo de Roma pela violência. Ele viu a pregação de Cristo e pensou que poderia juntar as duas coisas. Mas belo dia Jesus falou: 
- Meu Reino não é desse mundo.
E este é um dos motivos porque, na hora do julgamento de Jesus, diante do governador romano Pilatos, a população gritou e preferiu soltar Barrabás, que era “preso político” e tinha os mesmos ideais de Judas, tornar aquela região Independente do Império Romano.
Deste modo, Judas Iscariotes, não era traidor, nunca foi. Eu sempre refleti:
- Que triste sina a desse moço, nascer para trair Jesus, um homem tão bom...
Outro dia reproduzi no Facebook a entrevista de um conceituado escritor israelense, vivo, falando que os judeus  não consideram Judas um traidor, ao contrário, foi um grande herói pela independência de seu país.
No âmbito dos “Evangelhos Apócrifos” que a Bíblia não aceita, existe um volume chamado “O Evangelho de Judas” que os Espíritas também traduziram.
Aliás, por falar em Espiritismo, existe um livro ótimo que li ainda criança, do jornalista e radialista espírita José Fuzeira que realizou e publicou pela editora Eco, do Rio de Janeiro, o interessante “A Reencarnação de Judas Iscariotes como Joana D´Arc”.
Isso mesmo, o Espírito libertário de Judas Iscariotes renasceu na jovem francesa Joana D´Arc e ela ajudou a libertar a França, sendo hoje um dos ícones históricos daquela grande Nação.
A meu ver, Judas não é cabra safado, nunca foi.
(*) Psicodrama é uma terapia em grupo, onde os pacientes escolhem os seus papéis que vão desempenhar no contexto de determinada situação, com forte carga emocional. Criada por Jacob Levy Moreno (1889-1974), nasceu na Romênia e faleceu nos USA. Moreno era médico, psicólogo, filósofo e dramaturgo.


10 comentários:

  1. Francisco Bendl24/02/2018, 11:38

    Meu amigo e professor, Rocha,

    Reitero que aprecio os teus relatos sobre Buda, seus ensinamentos.
    Posso não concordar com alguns, mas eu os respeito, e nada contra - absolutamente nada contra - quem professa o Budismo ou outra filosofia que também propaga a reencarnação.

    Já fui mais crédulo com essa possibilidade de ir e vir do além, hoje tenho grandes dúvidas com relação ao critério adotado e o processo levado a efeito.

    Quanto ao Judas e seu papel para identificar Cristo para os soldados romanos ao lhe beijar a face, então a prisão de Jesus, o apóstolo deve ter tido as suas razões para trair o Mestre, mesmo que condenáveis e repudiáveis.

    Aliás, Judas deve ter inventado a delação premiada, pois recebeu trinta moedas pelo seu ato repugnante.

    Portanto, respeitosamente não creio que depois dessa atitude tão vil, ele tenha reencarnado como Joana D'Arc, e se tornado uma heroína, uma vinda mais uma vez para este planeta e com uma existência tão exitosa e meritória.

    Tá bem, critérios divinos, e quem sou eu para contestá-los, mas eu me preocupo agora, em razão desse teu conto, Rocha, que os delatores da nossa Lava Jato voltarão em vidas futuras como heróis do povo brasileiro, exatamente como aconteceu com Judas!

    Um abraço.
    Saúde e paz, meu caro.

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    1. 1) Oi Bendl, mas a proposta do artigo é dizer que ele não foi traidor, citei inclusive escritor israelense atual e conceituado intelectual, logo ...

      2)Em jornalismo nós chamamos de "copidescar" vem de copy-desk. Deste modo, como a Bíblia durante séculos foi copiada, manuscritamente, muitos copidescaram... e falo isso com todo o respeito aos que discordam.

      3)Abraços.

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  2. Wilson Baptista Junior24/02/2018, 12:40

    Mestre Antonio,
    Cá entre nós, nunca acreditei que Judas fosse o mau caráter que fizeram dele. Porque, para que funcionasse o plano de Deus para a salvação dos homens, Jesus tinha que ser preso, condenado e morto. E para que isso acontecesse, alguém teria que entrega-Lo à força policial romana que foi atrás dele. Se Ele se entregasse espontaneamente não seria tão forte a conotação de injustiça. Para mim o papel de Judas era indispensável, algum dos discípulos teria que ser o delator. Por que insondável motivo Deus escolheu justamente o Judas, guerrilheiro da resistência contra os romanos, nunca saberemos. Mas tanto ele como Pôncio Pilatos e Barrabás (outro que muita gente acredita que fosse também um guerrilheiro zelote (e talvez por isso e não por zombaria o povo tenha preferido que fosse ele o libertado) foram figurantes escolhidos para seus papéis pelo diretor de uma peça infinitamente maior e mais complexa.
    Um abraço do Mano

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    1. 1) Salve Mano, vc escreveu bem, eu concordo com a sua primeira frase. Já a segunda, discordo.

      2)Outro dia, conversando com um teólogo protestante, com doutorado na Alemanha ele me disse que "o plano de Deus não era esse, foi a loucura dos homens que estragaram tudo..."

      3)Segundo ele, Deus, um Pai tão bondoso, não iria "soltar" seu filho entre as feras humanas para ser crucificado...

      4)Mas essa história mesmo, só poderemos ficar sabendo a verdade, do outro lado...

      5)Abraços !

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  3. Flávio José Bortolotto24/02/2018, 15:04

    Prezado Prof. ANTONIO ROCHA,

    Até aonde podemos interpretar da História, o Apóstolo JUDAH da cidade de Kerioth, não foi um simples Traidor de N. S. JESUS CRISTO.

    JUDAH era um ardente Patriota Judeu do Partido Libertador ZELOTE e esperava ansiosamente o MESSIAS ( Ungido ), que conforme as Profecias
    seria um descendente do Rei DAVID, (da Tribo de JUDAH), que restituiria a Liberdade e a Soberania à Nação de Israel, e traria PAZ ao Mundo.
    Vendo os Poderes Kabbaliísticos de N. S. JESUS CRISTO, vivendo na intimidade do Grupo de N.S. JESUS CRISTO sendo mesmo o Tesoureiro do Grupo, e assistindo in loco à curas milagrosas, multiplicação de pães e peixes, etc, e mesmo a ressurreição da Filha da Viúva e de LÁZZARO irmão de MARIA E MARTA, etc, acreditou que N. S. JESUS CRISTO fosse mesmo o Messias Israelense esperado, fez então o que fez para que o Messias encurralado, sem saída, colocasse em ação seus Poderes e iniciasse a Revolução Libertadora de Israel.
    Infelizmente as coisas não se passaram como JUDAH previu, N. S. JESUS CRISTO foi crucificado, e atestando a sua obra de Boa Fé, JUDAH voltou para casa, Kerioth, colocou suas coisas e papeis em ordem, e se enforcou. Suicídio é muito raro em Judeus, tendo toda a Bíblia mencionado Suicídio em apenas dois ou três casos.

    Abração.

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  4. 1)Prezadíssimo Mestre Bortolotto, concordo 99% com tudo o que o sr. falou.

    2)Estudei Teologia Protestante Presbiteriana e até hoje tenho alguns amigos e visito igrejas evangélicas e oro com eles.

    3)Mas...queira me perdoar, respeitosamente é difícil eu ver Judas como um traidor.

    4)No mais, agradeço suas palavras.

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  5. Olá mestre Antonio,
    Achei ótimo conhecer Judas sob este ponto de vista, nunca tinha pensado nisso. Foi me apresentado como traidor e assim ficou sólidamente conceituado.
    Fiquei pensando, incomodada, que é esse o papel das religiões, impor sem margem a questionamentos, aproveitando-se da inocência das crianças e da ignorância das gentes. Assim como o hino presbiteriano, que comove, incita e reforça. E cada vez mais a mídia traz exemplos que não consigo compreender, como o povo se submete a essas catequeses, entrega o pouco que tem e, em muitos casos vira servo. E os pastores,e assim falo de qualquer lider religioso, cada vez mais ricos. Se ainda usassem essa riqueza para fins humanitários...
    Desculpa se o que provocou em mim não foi o objetivado, mas sabe como é, "eu sou eu e minhas circunstâncias".
    Que seu domingo seja de paz e alegria como você é.
    Ate mais.

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    1. 1) Certíssima Ana.

      2)Seu contraponto foi muito importante para refletirmos.

      3) Valeu !

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  6. Moacir Pimentel25/02/2018, 11:57

    Antonioji,
    Um post excelente, que nos faz pensar. Não li os evangelhos apócrifos mas sei que os quatro evangelhos validados pelos príncipes da Igreja não nos dizem absolutamente nada sobre Jesus desde o dia da sua circuncisão - de acordo com a lei judaica no oitavo dia de vida - até seus trinta anos, com uma única exceção: de acordo com Lucas, quando tinha doze anos, Jesus viajou com seus pais para Jerusalém para celebrar uma Páscoa. É é isso aí. É tudo o que temos: trinta anos de silêncio absoluto. Jesus foi o homem mais influente da história humana ocidental e não sabemos nada sobre ele até depois que ele começou seu ministério no máximo três anos antes de sua crucificação. Não sabemos se antes de falar às gentes ele teve irmãos, se casou e teve filhos a exemplo de todos os judeus do seu tempo, se foi eremita, se estudou os textos sagrados, se era um zelote como Judas e muito menos porque militou pela paz e não para inspirar os judeus a se levantarem contra seus donos romanos como faria o prometido profeta. Nada! A pergunta é: a quem interessava nos deixar por milênios nessa ignorância? Porém, veja você, sabemos que na Primeira Carta aos Coríntios Paulo escreveu simplesmente que Jesus “fora traído”. Ou seja, por quem e onde e como, eram então detalhes irrelevantes. A morte para nos salvar e a ressurreição para nos garantir o Paraíso eram os únicos fatos que Paulo considerava como os eventos fundadores do cristianismo. Ponto parágrafo.
    No entanto, quando Marcos escreveu o primeiro evangelho, decidiu que esse ato de traição sem rosto era muito vago e identificou Judas como o traidor. Os outros três evangelhistas posteriores seguiram-lhe a dica e construíram o caráter do traidor com todos os detalhes que agora nos são familiares - as moedas, o beijo, a árvore e o pior dos crimes : o suicídio. Por que? Quem sabe usaram o personagem como símbolo da determinação do cristianismo de se separar de suas raízes ao mostrar que os judeus eram do "mal". Deu no que deu. Ou talvez eles tenham simplesmente dado ao prezado público um "culpado", um bandido para odiar - uma necessidade profundamente enraizada na natureza humana. Nós gostamos de uma história bem abotoada, com começo , meio e fim, bem explicadinha, os bonzinhos de um lado e os mauzinhos do outro, cujos méritos e recompensas e crimes e castigos tenham sido devidamente cometidos e/ou recebidos. Enfim, a literatura explica.
    O fato é que há dois mil anos Judas é o rosto humano do mal sem que ninguém jamais tenha tentado dar-lhe humanidade ou cogitar se havia alguma fumaça de ética na sua traição. No caso, a libertação terrena do povo judeu. Para ele, nunca houve perdão e a cada sábado de Aleluia, encarnado num boneco grotesco, é malhado não só por ter entregue Jesus aos carrascos mas pelo que de pior tiver rolado naquele ano: assume as feições do político corrupto, do tirano da vez, do assassino, do jogador que bateu o pênalti na trave.
    Last but not least o cristianismo prega em voz alta a mensagem de perdão e tolerância do próprio Cristo, na qual eu ponho fé - "Quem não tiver pecado, que atire a primeira pedra!"- em um mundo geralmente implacável. Alguns até reivindicam ser o perdão a virtude cristã definitiva. E dá-lhe confissão e... dízimo. Muito estranho, então, que a igreja através dos séculos não consiga praticar o que prega. As lacunas e descontinuidades e contradições no discurso católico institucional são tão patentes que fica fácil de entender o atual revisionismo evangélico e a multidão de teólogos, arqueólogos, dramaturgos, romancistas, artistas, ovelhas decepcionadas em busca de um novo pastor e / ou malucos de plantão anunciando todo dia uma nova "teoria" tanto sobre o Jesus histórico quanto o metafísico. Pudera! Desculpe a verborragia, abração e namastê!

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    Respostas
    1. 1)Obrigadíssimo Moacir, gostei muito do que vc comentou.

      2) Concordo plenamente, assino embaixo.

      3)Abração de domingo e votos de boa semana.

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