28/06/2025

Quando os pares se encontram

 


 

                                         Ana Nunes

Daqui eu só via

a saia como um sino

e as sandálias de borracha.

E as pernas grossas

como tronco de abajur.

Me tampavam o rosto

os fios e as ramas verdes.

Estava ali parada

como à espera

que da comida a quilo

viesse uma surpresa

que o cheiro estava bom!

 

Da outra ponta da rua

lá da subida forte

desceu um sem teto

ainda meio vestido

ainda um pouco limpo

ainda calçado em tênis

e o cabelo espicaçado.

Às costas a mochila

traz os cacos colados.

Na mão

uma sacola sem indícios

e, na outra, um copo

de café com certeza

que bebia pouco a pouco

com prazer bastante

em goles seguidos.

 

Assim se encontraram os pares.

Ele parou

ela se achegou.

Disseram palavras perdidas.

Depois ele se assentou no meio-fio

um cigarro uma fumaça.

E ela sumiu um pouco.

E pouco depois ela voltou

e ficou a postos.

Ele se levantou

e como chegou foi embora.

 

 

 

E é mesmo assim

É só ter papel à vista

e um lápis disponível.

 

E lá se vão

letras tiradas à janela

num sábado perdido

no céu de junho

azul azul como sabe ser,

sem nuvens ou cores supérfluas.