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21/06/2021

A rota do tempo

 

Dennis Hopper e Peter Fonda em "Easy Rider" (fotografia Pilotguides.com)

Heraldo Palmeira

Um ícone vai sendo formado pelas histórias que se repetem ao longo do tempo. Quando se percebe, virou retrato de identidade de mais e mais pessoas.

A estrada foi inaugurada em 1926, dentro do plano nacional de autoestradas do governo dos Estados Unidos. Com cerca de quatro mil quilômetros, era parte de um conjunto de noventa e seis rodovias destinadas a facilitar a mobilidade dos norte-americanos para todos os pontos do país. Os trajetos Norte-Sul receberam números ímpares; os Leste-Oeste, pares.

Do ponto inicial em Chicago até o ponto final no famoso píer da praia de Santa Mônica, cruzava quase duzentas cidades espalhadas por oito estados (Illinois, Missouri, Kansas, Oklahoma, Texas, Novo México, Arizona e Califórnia). Um trajeto de mais de cinquenta horas no asfalto, enfrentando múltiplas paisagens, temperaturas, áreas inóspitas e sensações únicas. Em determinados pontos, ganhou tal importância que algumas cidades foram se formando ao redor e o asfalto virou área urbana. Há alguns anos o trajeto final foi estendido até o Sunset Boulevard, em Los Angeles.

Nas primeiras décadas serviu de rota para aventureiros ou gente que buscava melhores condições de vida na já famosa Costa Oeste. Também era um caminho novo por onde os jovens pioneiros iam se livrando dos costumes conservadores da Costa Leste, até sentir o vento marinho das praias do Pacífico na ensolarada e liberal Califórnia. Na verdade, todos queriam encontrar os próprios destinos que haviam projetado.

A estrada era um cenário de novidades. Estavam nela o Eagle, primeiro motel da história. A primeira lanchonete McDonald’s. O Joey Cafe oferecendo combustível, comida e local e hospedagem. O MidPoint Cafe indicando o ponto exato do meio da viagem. O pequeno 66 Motel, que funciona desde a década de 1940 e ostenta uma das placas de néon mais famosas do trajeto. O Cadillac Ranch com seus dez carros semienterrados na areia, mostrando a evolução do modelo de 1949 a 1963. Sem contar o parque Joshua Tree, onde o corpo do músico Gram Parsons foi cremado numa cena espetacular, depois que seu amigo Phil Kaufman roubou o corpo do criador do country rock – já estava no aeroporto, pronto para ser trasladado até a Flórida para as cerimônias fúnebres.

Na verdade, Kaufman apenas atendeu a um pedido do cantor e compositor porque, certa feita, ele havia dito que quando morresse não gostaria de ser enterrado, desejava que seu corpo fosse cremado naquele ponto do deserto.

Em razão da relativa proximidade geográfica com a estrada, a cidade de Las Vegas e o Grand Canyon terminaram somados às atrações originais do trajeto.

Desde que jogou suas câmeras sobre a Rota 66, o cinema iniciou o processo de construção do mito. As vinhas da ira, filme clássico de 1940 do lendário diretor John Ford, mostra a saga de uma família de agricultores obrigada a abandonar a fazenda onde vivia. Eles partem de Oklahoma e tomam a estrada para buscar uma prosperidade que idealizaram como redentora na Califórnia, sob a liderança do filho Tom, que acabara de sair da prisão e estava em liberdade condicional.

Repetiram outras tantas famílias que tomaram a estrada durante a Grande Depressão para deixar a região denominada Dust Bowl (Bolsão de Poeira) que se espalhava por Colorado, Kansas, Oklahoma e Texas. Esse êxodo pode ter inspirado a canção Route 66, gravada em 1946 por Nat King Cole e que ajudou a fortalecer o imaginário popular de liberdade e esperança que a estrada representava.

Em 1960, uma série de televisão da CBS denominada Route 66 – que ficou no ar até 1964 – pouco tinha a ver com ela, mas valeu-se da sua mítica. Inteiramente filmada em ambientes de (outras) estradas trilhadas por um encantador Corvette conversível, apenas nos três primeiros episódios fez alguma referência à Rota 66.

Exatamente em 1969, no crepúsculo de uma década espetacular para a cultura pop, dois homens desarvorados sobem em suas motocicletas Harley-Davidson e seguem gastando o mesmo asfalto numa representação daqueles tempos de sexo, drogas, rock’n’roll, cabelos ao vento, liberdade sem lenço e sem documento, no melhor do estilo hippie.

O filme Easy rider (Sem destino) foi o limiar de uma nova linguagem cinematográfica do que ficou denominado “Nova Hollywood”.

Apesar do clima conturbado das filmagens, muito em razão dos ataques de fúria e consumo cavalar de drogas do diretor e ator Dennis Hopper, a produção resultou num dos road movies mais icônicos do cinema, levado pelos guidons de Wyatt (Peter Fonda) e Billy (Dennis Hopper), dois caras comuns cujo estilo de vida era um retrato mais do que realista daqueles tempos de contracultura. Na verdade, os personagens representavam muito de perto tipos como os próprios atores naquelas alturas das suas vidas. De lambuja, a participação soberba de Jack Nicholson (George), outro easy rider da melhor estirpe.

Esse filme deu um impulso monumental para transformar a Rota 66 em ícone americano e na estrada mais famosa do mundo. E comprovando que a ficção pode consolidar o retrato de identidade de mais e mais pessoas, Tom, o filho que liderou o clã Joad na saga de 1940 – que iniciou a história cinematográfica da rodovia –, foi um dos grandes papéis da carreira de Henry Fonda, o pai de Peter Fonda, produtor, um dos roteiristas e protagonista da aventura sobre duas rodas, cuja personagem também vivia em desarmonia com a lei.

Se isso fosse pouco, 1969 também registrou a morte do escritor Jack Kerouac, que traçou os parâmetros de uma geração sem parâmetros, os beatniks. Não por acaso, autor de On the road (Pé na estrada), um livro escrito a partir das intermináveis andanças sem destino em condições miseráveis que ele fez durante sete anos (nos anos 1940) pela vastidão dos Estados Unidos. Vagou na companhia do amigo Neal Cassady principalmente pela Rota 66. Nascia ali a idealização de viver na estrada, a fantasia de encontrar saída fugindo das agruras cotidianas num cenário sempre em trânsito, que inundou a cultura pop com grande intensidade nos anos 1960.

O cinema continuou transitando com suas câmeras pela estrada. Golpe de Mestre (1973), Bagdad Cafe (1987), Thelma & Louise (1991), Forrest Gump – O contador de histórias (1994) e o filme de animação Carros, com personagens e cenários inspirados em partes da estrada.

Mesmo conhecida como “Estrada Mãe” e “Rua Principal da América”, começou a dar sinais de envelhecimento a partir de 1950, quando as autoestradas interestaduais apareceram nos mapas com mais funcionalidade, simplificando trajetos e cheias de avanços tecnológicos. Essa novidade provocou o desaparecimento dos viajantes e do dinheiro que movia todos os negócios e pequenas cidades nos oito estados por onde ela se estendia.

Apesar de resumir a cultura e a contracultura norte-americanas, de ter sido fonte e rota de fuga de diversos paradigmas, em 1985 deixou de fazer parte do US Highway System, o sistema de autoestradas do governo dos Estados Unidos. Desde então ganhou um daqueles títulos eméritos que soam como um consolo mal disfarçado: “Histórica Rota 66”. Passou a viver do passado mantendo alguns prédios, monumentos e uma boa indústria de souvenires.

Ao ser retirada do sistema viário, pedaços do seu trecho original terminaram incorporados por outras vias expressas mais novas, largas, rápidas, seguras e modernas. Diversas partes que ficaram inúteis à malha rodoviária oficial foram abandonadas, mas continuam disponíveis para os aventureiros.

Teve início um grande trabalho de marketing e investimentos privados de restauração. Tudo para convencer as pessoas a reviverem o apogeu da estrada, cujo espírito parecia transitar em motos Harley-Davidson e Indian, triciclos, motorhomes, Mustang, Camaro e Corvette conversíveis...

Cada vez mais turistas chegam para fazer uma espécie de viagem no tempo por pontos lendários. Há trechos que levam a lugar nenhum, cidades fantasmas no meio do nada e centros urbanos nervosos que aparecem tentando quebrar o encanto com semáforos e engarrafamentos.

A velha estrada é um enorme portal de acesso para as diferenças culturais e costumes particulares de cada região – indígenas, velhos caubóis, outsiders e urbanoides tecnológicos. Se algo parecer meio empoeirado, basta pisar no acelerador e seguir adiante ouvindo o ronco do motor, o vento e a trilha sonora.

Viajar pela Rota 66 revela o retrato do mundo que se pretende reino das diversidades, mas segue repetindo muito do que já foi um dia, emperrado numa espécie de museu de grandes novidades. E a velha estrada corroída pelo tempo parece rir entrementes, ciente de que permanece no mesmo papel de eixo de ligação entre sensações que nunca envelhecem. É certo que o desgaste dos pneus levará apenas ao território de um passado idealizado como se fosse melhor do que tudo que veio depois; nada além de nostalgia. O calor, o frio, o vento, três fusos horários, a poeira, as sucatas do abandono, a tristeza, o desencanto, a solidão, os motociclistas seguem todos zanzando ali. Implacáveis. Sem destino.

Conhecer ou rever aquele mundo de faz de conta movido a gasolina é uma comprovação de que um ícone foi sendo formado pelas histórias que se repetem ao longo do tempo. Quando se percebe, virou retrato de identidade de mais e mais pessoas que parecem as mesmas, apenas deslocadas no tempo. É assim que sempre foi; deverá continuar sendo por muito tempo.

Embarcar na rota do tempo pela Rota 66 será sempre uma aventura inesquecível. Boa viagem!


13/06/2021

Neuróticos Anônimos e Assumidos

 



Antonio Rocha

Foi na década de 1990 que travei contato com a “Irmandade de Ajuda Mútua” acima. Através de uma amiga psicanalista, falecida, ela nos encaminhou aos mais diversos grupos que existem na cidade do Rio de Janeiro. Interessante que ela tendo títulos universitários na área “psi”, não abria mão das reuniões semanais. Ou seja, era uma neurótica assumida. E dizia que funcionava para vivermos melhor ante as nossas pirações diárias.

Um dia fui visitar o escritório do RJ e vendo o meu entusiasmo em comprar os livros e livretos do tema o funcionário me perguntou:

- Companheiro, você é um neurótico anônimo ou assumido?

- Olha amigo – respondi – a esta altura do campeonato eu sou um entusiasta assumido e divulgarei sempre, onde for possível, para que mais pessoas possam beber nesta fonte de Sabedoria.

Os grupos geralmente funcionam em igrejas católicas, nos emprestam uma sala para as reuniões, mas tem encontros anuais, regionais, nacionais e até internacionais. São 180 países com representações. Não se paga nada, mas semanalmente, cada um paga o que pode, desde um simples realzinho até mais, para a manutenção.

Existem grupos abertos, onde qualquer pessoa pode frequentar e grupos fechados, quando por exemplo reúnem pessoas famosas/celebridades que não querem estar expostas nas mídias.

A Irmandade Mãe, primeira no mundo, foi o AA – Alcoólicos Anônimos, nos EUA, depois vieram muitas outras como N/A – Neuróticos Anônimos (a barra ou cajado ou bastão é importante para diferenciar do) NA – Narcóticos Anônimos, mas tem os FA – Fumantes Anônimos, Devedores Anônimos, DASA – Dependentes de Amor e Sexo Anônimos, Alanon – Amigos e Familiares dos Alcoólicos Anônimos, Comedores Compulsivos Anônimos (também faço parte, para os glutões) e outras congêneres.

Uma reunião de N/A começa com a “Oração da Serenidade: Concedei-nos Senhor a Serenidade necessária para aceitar as coisas que não podemos modificar. Coragem para modificar aquelas que podemos e Sabedoria para distinguir uma das outras”.

Fala-se em Deus ou Poder Superior, mas é como cada um o concebe, não tratamos de religião, nem de política, nem de temas que causam polêmicas como futebol, por exemplo.

Mais adiante escrevo mais.