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18/12/2019

A Casa Encantada

fotografia Heraldo Palmeira


Heraldo Palmeira
Era casa era jardim
Noites e um bandolim
Os olhares na varanda
E um cheiro de jasmim
Era um telhado e um pombal
Melodia e madrigal
E ninguém nem percebia
Que o real e a fantasia
Se separam no final
A casa estava ali no cantinho dela, numa rua pequena e bucólica.
A rua era reservada e eu entrei com a curiosidade da primeira vez, deixando o portão para trás, vencendo os degraus da escadaria amarela. E logo me instalei como se estivesse em casa, vivi os primeiros tempos como se fossem os de sempre, tal foi a intimidade que senti.
Escrevi tantas linhas que perdi as contas, porque a casa me inspirava com seu sossego, sua janela que desfraldava um grande vale além dos telhados da rua calma, cheia de árvores e pássaros e outros pequenos animais. Bastava abrir as cortinas para ter à vista uma cidadezinha do interior dentro da metrópole, uma aquarela de coisas antigas tão boas de viver que parecia mentira ou um sonho bom.
Numa folha qualquer
Eu desenho um Sol amarelo
E com cinco ou seis retas
É fácil fazer um castelo
Vi os traços amarelados nas velhas fotos dos meninos soltos pelos espaços amplos, o desenho do que foram e viveram antes de virarem homens feitos e comprovarem que o real e a fantasia se separam no final – aos poucos, eles foram indo embora cuidar das próprias vidas, deixando seus silêncios e ausências como lembranças cada vez mais vagas e que não voltam nas visitas ocasionais.
Os cabelos foram ficando grisalhos e quietos, uma espécie de contabilidade registrando os lucros e prejuízos acumulados, um balanço das marcas do tempo que não poupa ninguém.
Eu vi a chegada de um novo amor tomar e arejar a casa em pleno outono daquelas vidas, que esquentou o inverno, trouxe as flores da primavera e o calor do verão, e ficou para repetir muitas vezes as quatro estações. De tão feliz, transformou a prata dos cabelos num reflexo da Lua.
Eu vi a pequena menina correndo pela casa, tão especial, tão catarina, peça da engrenagem de marcar o tempo, de renovar a vida com sua inocência de acreditar nas vozes que inventei e criar um gato falante – e a fábula foi atribuída ao gato da casa. O mesmo que me faz companhia sem dizer palavra, que tem certeza de ser o dono da casa.
fotografia Heraldo Palmeira

Eu desconfio que há ali uma magia ajudando a montar o sonho de que a vida pode ser boa.
No quintal por trás de casa
Tem um pé de sonho
Que não para de florar
Florar a noite inteira
Eu vivi as delícias e os medos de todos os tempos, do calor e do frio, das garoas, chuvas e tempestades, das brisas, ventos e ventanias, das pessoas simples e complexas, das presenças e saudades, das tristezas e alegrias... Todas as lições ensinando que nem tudo pode ser como se quer, mas pode ser que seja como der para ser.
Há varandas e quintais com flores e frutos da temporada e temporãos, uma vida que passa por casas, calçadas e lojas, carros apressados, gente que está ali todos os dias com algum sentido – sim, ainda resta sentido e isso é bom.
Varandas e quintais
Oitões do amanhecer
Um galo, um canto de cristal
O rubi do dia no céu
Vem no fio da ventania
Na dança dos varais
Na água dos lençóis
Na dança dos varais
Varandas e quintais
Memórias infantis
Menino, pasmo os olhos
Eu me entrego
E me atiro em mim
Pelas varandas e quintais
Eu vejo as madrugadas pela janela – que virou minha –, porque haverá sempre uma janela e uma madrugada, namorada, de onde pensar o movimento de bater pernas atrás da vida. Não importa o tamanho do passo, basta abrir o compasso e traçar o círculo do mundo e o raio de caminhar.
Numa folha qualquer
Eu desenho um navio de partida
Com alguns bons amigos
Bebendo de bem com a vida
De uma América a outra
Consigo passar num segundo
Giro um simples compasso
E num círculo eu faço o mundo
Há o tempo de ir e de voltar, de sair e de chegar, de querer ficar. E haverá o tempo de parar em algum lugar, que ainda não sei como é ou será. Como há o tempo de ainda não pensar, de aproveitar o resto, de desviar do óbvio.
Preferi ver tudo se enfeitando para o fim de ano, as combinações para as festas. Era o tempo daquele mesmo balanço de todos os anos, do que ficou e do que se espera. Não custa renovar os desejos, fazer planos, acreditar que um velhinho de vermelho e uma virada de noite com algazarra e fogos têm algum condão, alguma magia. Por que não?
Amanhecerá o ano-novo já envelhecendo tudo o que fizemos até a véspera, oxidando a vida, descolorindo um pouco mais os desenhos que fizemos em qualquer papel de desenhista, em qualquer guardanapo, em qualquer papel de embrulhar pão.
Numa folha qualquer
Eu desenho um Sol amarelo
Que descolorirá
E com cinco ou seis retas
É fácil fazer um castelo
Que descolorirá
Giro um simples compasso
E num círculo eu faço o mundo
Que descolorirá
Nenhuma cor é eterna. Nenhum castelo terá um único tempo e um único rei. Toda casa perderá o encanto quando as pessoas se forem. Nenhuma certeza fará incerta a dor, mas será possível fazer tudo de novo, descobrir o poder da alegria e do desejo, sair da lona dos nocautes cotidianos.
A casa reabrirá suas portas e janelas, ficará arejada. Memórias voarão para os seus cantos de esquecimento ou insignificância. Crianças correrão livres, infantis. Adultos nem pensarão que um dia elas irão embora adultas porque deixaram de ouvir gatos que falam. E virão novos viajantes do destino que ajudarão a contar histórias e irão embora de novo – que talvez sejam parecidos comigo ou sem qualquer semelhança, apenas viajarão.
Haverá a mesma rotina dos ciclos, os balanços de fim de ano indo e vindo na algazarra, Papai Noel em seu mistério de ser ou não ser – o que importa a verdade?
Não fique triste, acredite. A vida é assim mesmo, ora límpida e clara como um cristal ora um amontoado de cacos imprestáveis dos cristais que se foram. Nada que uma boa faxina não resolva.
A casa encantada pode ser qualquer uma, pode estar em qualquer lugar porque, na verdade, ela estará em nós. Ao fim, a gente percebe que ela não é alegre ou triste, é a poesia que foi escrita nela enquanto o tempo passava. Sim, é bom lembrar que cada verso tem a nossa caligrafia.
Casa em Tiradentes - fotografia WBJ




Feliz Natal e um ano-novo dos bons!
-> Para a casa querida de Perdizes e todas as vidas que nela importam.

Trechos de:
Canção em dois tempos (Vital Farias)
Aquarela (Maurizio Fabrizio-Guido Morra-Toquinho-Vinícius de Moraes)
Pé de sonhos (Petrúcio Maia-Brandão)
Varandas e quintais (Babal Galvão-Jotabê Campanholi)



15/12/2019

UERJ – CCS – Proeper – 1º Lar – Literatura – Arte – Religiosidade

Devotos celebram dia de Iemanjá no Rio (imagem Agência Brasil / Wikimedia Commons)

Antonio Rocha
No dia 26/11/19, estive na parte da manhã, participando como  palestrante no Encontro acima citado.  UERJ é a Universidade do Estado do Rio de Janeiro; CCS é o Centro de Ciências Sociais e Proeper é o Programa de Estudos e Pesquisas das Religiões. Fui representando o Budismo e havia representantes de outras religiões ecumênicas, aquelas que aceitam o pluralismo dos Caminhos que levam ao Sagrado.
Os organizadores foram muito felizes. Considerando a data 20/11 – Dia Nacional da Consciência Negra e a proximidade do Natal. De uma forma ou de outra, sendo ou não cristãos, todos os que moramos e nascemos nesta Terra Brasilis somos influenciados pelo Cristianismo em suas mais variadas vertentes.
Na abertura houve exposição de esculturas afro-brasileiras, panos, vestidos, tecidos afins. Recitação/Declamação de Poesias com motivações Indígenas. Livros, folhetos e livretos. Dança Cigana, Dança do Ventre, Capoeira etc.
Um dos itens abordados era “Devoção” e preparando os meus mementos, não confundir com os modernos memes, consultei o Dicionário de Etimologia da Língua Portuguesa, do Mestre Antonio Geraldo da Cunha, editora Nova Fronteira, 1986.
O vocábulo “devoção” entrou em nossa Língua no século XVI, oriundo do Latim. É o verbo devotar, oferecer em voto, consagrar (veja, com – sagrar; tornar Sagrado), tributar, desejar.
Budisticamente faz sentido, devoção é um desejo, de ficarmos próximos aos assuntos do Criador, que tem vários nomes e formas.
Mas a devoção não é só religiosa, pode ser a um time de futebol, no recente caso do Flamengo que se tornou Campeão de futebol da América do Sul. Devoção pode ser a uma ideologia política. Nestas duas interfaces futebol/política o sentido “religioso”, “ritualístico” torna-se quase um cerimonial transcendental.
Certa feita, conheci um sambista que dizia: “Carnaval é minha religião”, ora, ele ficava o ano todo preparando-se, bem como sua escola, para o desfile apoteótico no período momesco. Então, partindo desse gancho, pensei a palavra “Diversão” que é distração, recreio, recrear-se e o termo vem do século XVII., alegrar-se.
Lembrando que de acordo com o Professor Buda, “alegria é um dos fatores da iluminação”, da santidade ou se quiserem, da elevação espiritual.
Assim, devoção e diversão tem muito a nos dizer e cada um tem as suas experiências e vivências com os termos citados.
No campo da Literatura e das Artes, a Literatura sempre esteve presente e são muitas as antologias de contos natalinos, peças teatrais e poemas de fim de ano. No âmbito das Artes, idem, podemos considerar os presépios como manifestações artísticas englobando esculturas, pinturas, decoração etc.
Aí estão os quatro domingos do Advento, que anunciam o nascimento/renascimento do menino Deus em nós., Cristo Jesus. Respeitosamente almejo a todos o melhor dos Natais e Venturoso Ano Novo. E para quem não é religioso (a), sem problemas, aproveite a Ceia de Natal, os amigos, os parentes e a proposta desse época é tornarmos a nossa vida e a dos demais melhor.
Abração !


10/12/2019

Os Leonardos Perdidos

Leonardo Da Vinci - Auto retrato (imagem huffingtonpost.com)



Moacir Pimentel
O rebuliço causado pela descoberta de supostos trabalhos de Leonardo da Vinci é sempre emocionante pois nenhum outro artista exerce tanto fascínio quanto ele. Além disso, o número de pinturas desaparecidas de Leonardo é quase igual ao de suas pinturas conhecidas. A sua Leda e o Cisne, por exemplo, um nu mitológico e provocante, é uma das pinturas perdidas mais famosas do mundo.
O que pode ter acontecido com a famosa Leda, a mulher de Tíndaro, rei da Lacônia, tão bela que Zeus assumiu a forma de um cisne para possuí-la, pelo menos no mito grego e nos versos de Yeats?
“Ela assumiu-lhe a ciência junto com o poder,
 Antes que a abandonasse o bico indiferente?”
Sabemos que a pintura estava na lista de posses de Leonardo quando ele morreu, mas só a conhecemos a partir dos esboços preparatórios nos cadernos de Leonardo e das cópias inferiores feitas por outros artistas a partir da obra concluída.
Leonardo Da Vinci - Estudos e pintura final - Leda e o Cisne (imagens leonardo-da-vinci-biography.com, mlahanas.de/Greeks/Mythology/LedaLeonardoDaVinci.html  e  wikiart.org)

A última notícia que se tem dessa Leda pintada por Leonardo sobre madeira, é que fazia parte da coleção de arte do rei francês Francisco I, no seu castelo em Fontainebleau, enfeitando o conjunto de salas que incluía aquela de banhos.
Acredita-se que pintura tenha sido ou destruída por um membro da família real francesa - chocado na sua religiosidade e pudores pelo erotismo da imagem - ou que, mais provavelmente, tenha se deteriorado, numa época na qual as pessoas não tinham a menor reverência para com pinturas danificadas.
Se sobreviveu à censura e à umidade circundantes, a pintura da Leda e do Cisne de Leonardo provavelmente conheceu o mesmo destino de tantas outras obras renascentistas, sendo terrivelmente repintada por cima. Assim, pode ser que a Leda e o seu Cisne estejam hibernando hoje em algum sótão empoeirado da vida, sob um centímetro de hediondo excesso de tinta.
Outra obra supostamente desaparecida de Leonardo que se tornou icônica e mundialmente conhecida é A Batalha de Anghiari que - dizem! - por questões políticas teria sido destruída a mando dos Medici, além, é claro, de uma Mona desnuda, a Mona Vanna, que sumiu da face da Terra sem deixar rastros.
As pesquisas acadêmicas sobre tais pinturas desaparecidas são sempre muito noticiadas e as obras se tornaram lendárias, tão imensas que chegam a eclipsar suas irmãs reais, as obras de Leonardo que realmente existem.
A busca do pesquisador italiano Maurizio Seracini, por exemplo, pelos vestígios do afresco A Batalha de Anghiari que teria sido supostamente pintado por Leonardo no Palazzo Vecchio de Florença, garantiu ao historiador o apelido de “detetive” e até mesmo uma citação no badalado romance “Inferno” da lavra do famoso escritor Dan Brown.
Pode até ser divertido avaliar essa adoração pop de Leonardo da Vinci como uma loucura bizarra divorciada de sua verdadeira arte e vida, mas simplesmente não é verdade que a sua fama seja uma fantasia cultural moderna. Ele vem sendo continuamente reverenciado desde o final do século XV e sua celebridade sempre envolveu um nevoeiro de mistério e especulação.
Mesmo vivo Leonardo já era um enigma. Na sua primeira biografia, escrita pelo pintor e historiador de arte Giorgio Vasari, em 1550, as fábulas de suas obras perdidas que podem ou não ter existido já se entrelaçam com as descrições de suas obras reais, ajudando a criar a imagem mitológica do gênio.
Nós só temos que ver a obsessão dos artistas de épocas posteriores àquela de Leonardo pelos esboços que ele fez da Batalha de Anghiari, para entender como a sua fama é antiga e quão apaixonante continua sendo o seu talento. As poderosas imagens desta batalha desaparecida rascunhadas nos cadernos do pintor têm assombrado a imaginação europeia há séculos.
Leonardo Da Vinci - Estudos para A Batalha de Anghiari (imagens leonardodavinci.cc e wikiwand.com)

Sabemos que em 1505 Leonardo Da Vinci começou um afresco na mesma parede onde, bem mais tarde, Giorgio Vasari pintaria a sua Batalha de Marciano. E como sabemos disso? De várias fontes históricas.
Ele próprio, nos seus Cadernos, fez aqui e ali além de esboços algumas menções ao afresco da Batalha de Anghiari que pintaria a seguir, um projeto para lá de ambicioso, talvez a mais grandiosa encomenda da vida dele onde eternizaria a vitória dos florentinos sobre os milaneses em 29 de junho de 1440 em um painel de sete metros de altura por dezessete de largura. Escreveu o pintor:
“A mistura de ar, fumaça e poeira parecerá muito mais clara do lado de onde vem a luz que do lado oposto. Quanto mais os combatentes encontrarem-se neste tumulto, menos serão vistos, e menor será o contraste entre as luzes e sombras.”
Além disso nessa altura da conversa aparece outra testemunha histórica do afresco, um personagem chamado Niccolò Machiavelli, que encontrou a fama graças ao seu controverso livro O Príncipe, baseado em grande parte nas suas observações sobre os atos implacáveis de Cesare Borgia.
Na verdade, foi através de Borgia que Maquiavel foi apresentado a Leonardo da Vinci e passou a defender o nome e a perícia do pintor para a mais importante encomenda cívica da época, o afresco da vitoriosa Batalha de Anghiari, o grande orgulho da história militar florentina que Soderini - o então governante da cidade - queria ver pintada no recém construído Salão do Grande Conselho do Palazzo della Signoria, hoje conhecido como Palazzo Vecchio
O papel de Maquiavel na defesa da candidatura de da Vinci é evidenciado pelo fato de que o seu secretário Agostino Vespucci ter oferecido por escrito ao pintor uma descrição detalhada da batalha, traduzida de uma antiga elegia em latim.
Portanto registros históricos comprovam que Leonardo pintou sim um afresco da Batalha de Anghiari que foi – pasme! - a metade de uma competição famosa entre ele e Michelangelo que defronte daquela de Leonardo, supostamente teria pintado mais uma batalha, a de Cascina, também desaparecida exceto pelos esboços iniciais de Michelangelo.
Giorgio Vasari também mencionou com entusiasmo o afresco de Leonardo da Vinci em seu livro Vidas:
“Ele projetou um grupo de cavaleiros lutando, uma obra excelente por causa das idéias maravilhosas que ele teve na composição da batalha. Nela a raiva, a fúria e a vingança são percebidas tanto nos homens como nos cavalos, entre os quais dois com as patas dianteiras entrelaçadas estão lutando não menos ferozmente com seus dentes e cascos do que aqueles que os estão montando”.
Vasari descreveu minuciosamente a força nos ombros dos soldados, como eles esporeavam suas montarias em fuga, suas mãos levantadas manuseando espadas, um velho guerreiro com um gorro vermelho gritando, enquanto com uma das mãos erguia uma bandeira e com a outra uma cimitarra, soldados tombados no chão lutando furiosamente entre as patas dos cavalos, dentes rangendo, punhais sendo enterrados em gargantas, todos fazendo o que podiam para escapar da morte.
Mas o que aconteceu com tais obras de arte?
Não se sabe ao certo mas diz Dona Lenda que Vasari não destruiu a obra de Leonardo, como lhe fora ordenado pelo poderoso de plantão, pintando por cima dela a sua própria Batalha de Marciano, também chamada Batalha de Scannagallo, que rolou a 2 de agosto de 1554 nos vales de Marciano della Chiana, perto de Arezzo na Toscana e resultou na derrota da República de Siena que foi então incorporada ao ducado de Florença.
Em vez de cometer tal idiotia Giorgio Vasari teria construído uma falsa parede e deixado uma lacuna entre o seu novo afresco e a Batalha de Anghiari leonardesca.
Muitos historiadores de arte apostam todas as suas fichas na teoria de que Vasari, por ser um grande admirador de Leonardo, não teria sido capaz de destruir uma obra prima do gênio do Renascimento e mais, que ao esconder o afresco da Batalha de Anghiari com o seu próprio, nele teria deixado uma confissão de seu ato de rebeldia em favor da arte. As palavras “Cerca Trova” ou traduzindo:
“Busca e Encontrarás”.
Giorgio Vasari - A Batalha de Marciano (imagens wikipedia.org e leonardodavinci.cc)

De fato no seu afresco Vasari pintou tais palavras em uma pequena bandeira verde nas mãos do exército rebelde lutando contra Florença. Trata-se de um famoso provérbio italiano que geralmente é usado em referência a alguém procurando por problemas, como uma espécie de lembrete das consequências de suas ações.
Mas seriam as palavras no afresco de Vasari uma pista para que se faça uma caça ao tesouro escondido de autoria de Leonardo?
Muitos são de opinião de que, mesmo que Dona Lenda tenha razão e mesmo se houver uma lacuna entre a tal parede afrescada por Vasari e o anterior afresco de Leonardo por ela emparedado, com o passar dos séculos e graças à umidade e diferenças de temperatura nada mais restaria das tintas e do gesso.
Em 2012 foram feitos alguns testes, usando tecnologias avançadas e, através de pequenos buracos feitos no trabalho de Vasari, foram encontrados pigmentos que seriam compatíveis com aqueles usados por Leonardo Da Vinci em outras obras.
O certo é que as palavras “Cerca Trova” recentemente correram o vasto mundo. O escritor Dan Brown, em seu último romance, usou a mensagem oculta na Batalha de Marciano de Vasari como uma pista para que seu herói e protagonista - o famoso professor Robert Langdon - resolvesse um mistério. Quem leu o livro ou viu o filme lembra que, quando Langdon acordou naquele hospital florentino, a misteriosa doutora Sienna Brooks lhe disse que ele repetira várias e agoniadas vezes, enquanto dormia, duas palavras: “very sorry”.
Elas significam “sinto muito” mas se pronunciadas por um americano da gema soariam mais ou menos assim: “vasari”. Ainda no primeiro capítulo do Inferno, o professor Langdon se recorda de mais um detalhe: de uma mulher estranha e velada sussurrando-lhe as palavrinhas mágicas: “Busca e Encontrarás”.
O certo é que as imagens da batalha perdida de Leonardo, que só conhecemos através das pretinhas e tintas alheias e dos desenhos que o artista deixou em seus cadernos, estão por todos os lados. A Galeria Nacional de Londres tem uma ampla coleção desses esboços de Leonardo, repleta de alusões enigmáticas a essa batalha que foi sem ter sido.
Veja como o rosto do velho guerreiro da pintura de Leonardo ressurge gritando de angústia no canto esquerdo inferior da Alegoria que Bronzino inventou para Vênus e Cupido, e note como a Caça ao Leão de Rubens é uma reformulação sangrenta da luta dos guerreiros de Anghiari.
Bronzino - Alegoria do Triunfo de Vênus (imagem tonykospan.wordpress.com) /
Rubens - Caça do Leão (imagem wikimedia.org)

Assim como Bronzino e Rubens o foram, muita gente ainda é fascinada pelos trabalhos perdidos de um Leonardo que, em vida, esbanjou da capacidade para criar mistério sobre si mesmo.
O mesmo mistério que fez com que há cinco anos atrás, cinco séculos depois de ter sido pintada, fosse montado um show midiático em torno da apresentação oficial de mais uma pintura do grande artista florentino – o Salvator Mundi sobre quem depois conversaremos.
Ainda é Leonardo agitando a imaginação humana, enquanto os especialistas debatem uns com os outros para ter certeza se o trabalho da vez pode ou não ser mesmo atribuído a ele.
Nos tempos modernos a mídia sem dúvida ajuda Leonardo a tornar-se um fenômeno pop. Suas obras perdidas alimentam esse culto que, por sua vez, adiciona não só mais glamour e brilho mas valor - $$$$!! - às obras do mestre renascentista.
Haverá mais descobertas?
A resposta é sim. Um desenho perdido de Da Vinci retratando São Sebastião acaba de ser encontrado na França por acaso entre os papéis que uma família levou à casa de leilões Tajan. Os especialistas pensaram a princípio se tratar do desenho de outro artista florentino do século XV, até verificarem que no verso do papel se encontravam dois esboços científicos e duas anotações em “escrita especular” – aquela que só é legível no espelho - técnica usada com frequência por da Vinci. O esboço do mártir acaba de ser avaliado em quinze milhões de euros.

            E ainda há pouco um retrato de Nicollò Machiavelli, aquele que, como dissemos atrás, defendeu que Soderini escolhesse Leonardo para pintar o afresco da Batalha, foi descoberto no Castelo de Valençay e um registro antigo nos arquivos do castelo diz que foi pintado pelo florentino. Um estudo detalhado está sendo levado a efeito por especialistas para saber se realmente deve ser, ou não, atribuído a ele.
Provavelmente manuscritos e desenhos e pinturas continuarão a emergir, mas as chances são cada vez menores de que tenham sido cometidos pelo gênio renascentista, porque as pessoas ficaram espertas para tais tesouros faz tempo.
Tanto que a penúltima atribuição de uma pintura a óleo à Leonardo da Vinci aconteceu no início do século XX, quando foi encontrada e reconhecida unanimemente uma de suas lindas Madonas. Quando da aparição do Salvator Mundi, fazia mais de um século - mais exatamente cento e sete anos - que a Madona Benois ressurgira das telas mortas para ser atribuída ao artista.
Mas a Madona já será outra conversa...


06/12/2019

Inadequação



Ana Nunes - gravura em metal

Ana Nunes

Inadequação - ausência de adequação, que não está adequado ou adaptado ou conforme;
Inadequado - que não se adequou, impróprio, inconveniente, não ajustado ou adaptado; (Houaiss)

Ando me sentindo assim, inadequada. Uns sinais disso, ainda discretos, já me incomodam há algum tempo. Mas, recentemente, tive sinais estrondosos. Não pude deixar de ouvir. E pensar e pensar. E me incomodar. E me indagar num sem fim de tempo.
Um desses sinais aconteceu numas fotografias tiradas por uma pessoa muito querida, íntima, parte do clã. Eu, muito bobinha, pedi para deletar (disse depois, o Mano, que isso não se pede a um fotógrafo). Ora, pois, Mano e eu ficamos na foto os próprios Família Buscapé. E eu me achando linda!!! Minhas irmãs riram demais de nós, dois caipiras felizes à beira da estrada. Mano e eu rimos às lágrimas. Foto impecável mas só para consumo interno. Não, não vai ilustrar o texto! Nunca!
Tentei explicar que não deletaria a nossa. Em vão!
“Nossinhora!”como diz o amigo. Ganhei uma resposta e tanto! Falava ter sido um registro carinhoso de um momento feliz. Tudo pelo Zap, para complicar. Pedi desculpas. Nada de resposta. Fiquei mais sentida do que quem fotografou. E, o pior, um filho já havia me dito isso, de não pedir a um fotógrafo para deletar foto , a propósito de umas fotos suas que aconselhei deletar.Inconvenientes no meu ponto de vista. E aí pergunto: o que é mais inconveniente, o pedido ou a foto?
Fato é que me senti inadequada! Infeliz!

Outro dia, no atelier onde faço cerâmica, fui brigada! Pedi desculpas sem me achar culpada. Maldito bocão! “Volto pra casa abatida”... (assim como frango desbotado) tão aborrecida que não achei como acender o farol do carro. Meliante na viatura!
Como sempre, ao chegar em casa, o Mano perguntou: Como foi hoje? Resposta : Briguei na escola!
Sincera demais talvez. Inadequada. Nesses dias seguintes, de profundos pesar e confusão, fiquei me perguntando e acusando, Inadequada! Inadequada!

Consultei meu querido precioso Houaiss. E surgiu a palavrinha “conforme”. O quê? Odeio essa! Adaptar-se sim, conformar-se nunca! Só em casos especiais ou extremos. Como a morte, por exemplo.
E como uma coisa leva à outra, uma palavra leva a um texto, me vieram ideias. Dúvidas. Será essa inadequação sinal do MEU tempo? Já sou de outra época, meus filhos têm quase cinquenta (eles ficam bravos quando digo isso, são só quarenta e seis). Estou vivendo no tempo deles e fiquei assim, fora do contexto? Ou será a sabedoria do viver que já me prepara para “a velha senhora”? Como se a gente fosse largando pelo caminho, do meio ou das beiradas, uns conceitos que já não nos servem mais, umas exigências desnecessárias, a visão, enfim, de um mundo diferente. Onde se procura entender o outro, onde a verdade não precisa se fantasiar, vestida de hipócrita no carnaval das palavras. Também tem o outro lado, quando às vezes é melhor ficar calada. Penso tudo isso, tropeço, me embolo nos fiapos do pensamento até que se esgarça de vez.

Dia desses conversando com um primo amigo, um cara sem eira nem beira, que diz ser bi, viúvo, avô de dois netinhos, bonitão tipo De Niro, poderoso tipo eu faço e aconteço, ameaçado agora com uma carótida entupida e inoperável, e uns nódulos no pulmão fumante, se diz infeliz por querer ficar em casa, dorme cedo e levanta tarde. Eu disse, você também é inadequado, melhor ficar em casa. E entre um café e outro meado de pão de queijo, rimos das nossas inadequações e falamos bobagens e acabamos assim, ele dizendo, Viver é tão bom, não é? Concordei, lógico, mesmo inadequada.

Parte do problema resolvida. Sou mesmo, levei setenta anos para ser este ser, feliz, sincericida, leal, lúcida, amorosa, tentando cada dia ser mais simples no viver e no falar(?!?!), brava e desbocada. Mais tolerante, melhorei bastante. Nas escorregadelas, inadequada!
Problema equacionado, reconhecimento sincero de causas e efeitos. E agora, o que fazer? Reclusão sem merci? Já tenho tendências e na tv dialogo com pessoas incríveis que aparecem de vez em quando. Inteligentes, sábias, que me trazem senão respostas, muitas perguntas interessantes. As idiotas, aqui sim, posso deletar de cara. Das caras e bocas. E da obtusão compulsiva.

Então meus amigos, perdoada ou condenada?
Vamos tentar não dar mais de Buscapé. Talvez um Urtigão, no morro, de chapéu e espingarda. Como o casamento é em regime de comunhão de bens, eu fico com o chapéu e o Mano com a espingarda.
Coitado, ele nem é inadequado...


Queridos amigos,
Este é meu último post do ano. As proximidades do Natal estão reservadas para o Heraldo com, certamente, alguma de suas belezuras.
Aproveito, então, para fazer a vocês os votos de um final de ano de muita paz e saúde como diz o amigo dos Pampas, e um Ano Novo mais suave. Muita alegria, muito carinho.
Gratidão por tudo que recebi de vocês durante nossas conversas.
Beijos e abraços natalinos. Distribuam como quiserem.
Até sempre mais.


02/12/2019

O cinema novo

Othon Bastos como Corisco, em Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Gláuber Rocha (divulgação)


Francisco Bendl
Desde que me conheço por gente gosto de cinema.
Ao longo dos meus setenta anos assisti a tantos filmes e seriados, que eu não saberia dizer a quantidade vista nesse meio tempo.
As minhas observações, no entanto, não se prendem tanto à participação dos artistas, suas interpretações que dão vida ao enredo do filme.
Interesso-me pelo país de origem;
O idioma;
O recado que o filme quer deixar para os espectadores;
O local das filmagens;
Modos e costumes regionais;
Tradições das nações e povos onde se realizaram os filmes;
Comparações que faço desses países conosco, povo brasileiro, e com o nosso Brasil;
As épocas que foram realizados e o que traziam de contestação, de contracultura ou de ampliação de algum movimento;
Os movimentos sociais, políticos e religiosos.
Dito isso, se na minha época não havia Bollywood (invasão de filmes indianos e alguns até mesmo excelentes), muito menos no idioma árabe, em iídiche, filmes finlandeses, suecos (somente pornôs), dinamarqueses, noruegueses, raros alemães, uma boa quantidade de filmes franceses, onde alguns foram espetaculares, italianos e seus renomados diretores e exuberância de suas atrizes, espanhóis, canadenses, australianos, atualmente as empresas de streaming nos possibilitam uma enorme variação de filmes e seriados nos idiomas mais desconhecidos para o brasileiro e locais nunca antes imaginados.
Assisti, recentemente, um filme no idioma BASCO, realizado no País Basco, na cidade de Bilbao, Espanha, alguns filmes argentinos excelentes, mexicanos (bons seriados), uma boa variedade dos filmes turcos e feitos com esmero, filmes russos e seus dramas;
Também assisti dois poloneses, um feito na República Tcheca, país dos meus avós paternos, então a curiosidade, americanos e os nossos, os brasileiros.
E venho sendo um cinéfilo (cuido muito não errar e escrever cinófilo) desde a década de cinquenta, a fase ouro dos Estados Unidos, sendo a sequente, sessenta, a conquista do mundo pelos filmes franceses e italianos, e o surgimento nosso Cinema Novo.
No entanto, as diversidades de enredo são incontáveis:
Ficção; Científicos; Guerras; Guerra fria; Guerra atômica; Guerra em busca da independência das nações; Melodramas (cinema de lágrimas); O mal-estar dos filmes na década de sessenta; Filmes latino-americanos; Comédias; Dramas; Românticos; Sagas; Faroeste; Os filmes “noir”; Biográficos; Comentários; Intimistas; Religiosos; Políticos; Esportes; Moda; Rebeldes; Musicais; Filmes transpostos de livros famosos (adaptações); Pornográficos; Sensuais; Futurísticos; Desastres; Tragédias; Sobre a pena de morte; Suspense; Policial; Terror; Ficção Científica;
A variedade é tanta que peço perdão se, lá pelas tantas, esqueci de alguma.
Portanto, eu não poderia abordar essa quantidade enorme de filmes, sob pena de eu cometer um erro grave, além de ocupar páginas e mais páginas do nosso Conversas do Mano.
Logo, resolvi dividir os filmes e seus países, abordando nesta crônica o Cinema Brasileiro, evidentemente na minha ótica, nas minhas observações, nos filmes que vi ao longo do tempo, consequentemente aceito opiniões em contrário.
Pretendo me deter no aclamado Cinema Novo, que iniciou justamente na década de sessenta, de grandes transformações no continente americano e demais nações no mundo.
O cinema brasileiro teve essa definição porque foi um movimento de renovação da linguagem cinematográfica no início dos anos sessenta, do século e milênio passados, quem diria!
O Brasil passava por transformações naquele período, além do impacto provocado pela Revolução Cubana, criando pela primeira vez um país socialista muito próximo aos Estados Unidos, alimentando o imaginário de artistas e intelectuais brasileiros afinados com o pensamento de esquerda, surgindo a possibilidade de transformar o país pela via socialista, eliminando as contradições econômicas mediante reformas sociais, a Reforma Agrária, por exemplo.
Os jovens cineastas brasileiros lançam-se à direção, realizando filmes que extraíam da precariedade de recursos uma concepção estética.
E elaboram filmes desesperados, para tratar de uma situação também desesperada:
Fome, seca nordestina, favelização, exploração no trabalho, temas da chamada primeira fase do Cinema Novo.
Assim, explodem na tela imagens contundentes de um Brasil miserável, inóspito, marginalizado, corpos dilacerados, falas gritadas, planos abertos da paisagem árida evidenciando o sol, a fome e a seca do Nordeste.
Cinco Vezes Favela, uma coletânea de cinco filmes de curta-metragem, dirigidos por Cacá Diegues, Miguel Borges, Marcos Farias, Joaquim Pedro de Andrade e Leon Hirszman, de 1962, pode ser considerado como o detonador, o estopim desse movimento.
O ano seguinte o consolida:
Deus e o Diabo na Terra do Sol - de Glauber Rocha, Vidas Secas – de Nelson Pereira dos Santos, Os Fuzis - de Rui Guerra - pode-se afirmar que são as produções que marcam a explosão do Cinema Novo.
Filmes que exibem na tela um Brasil pobre, triste, habitado por uma população miserável, obrigada a perambular em busca de melhores condições de existência.
Pessoalmente testemunhei essa procura por uma vida menos atribulada quando morei em Brasília de 1959 até 1967, e diariamente eu via os caminhões chamados de paus-de-arara, trazendo dezenas de nordestinos em viagens terrivelmente desconfortáveis porque os “passageiros” iam sentados em bancos de madeira na carroceria do caminhão, justamente pela chance que a construção da nova capital brasileira oferecia a quem se aventurasse sair de  seus locais de origem, porém trazendo consigo a esperança, a determinação!
Filmes que se destacaram com seus personagens angustiados:
Manoel, secos e amargos, Sinhá Vitória e Fabiano, em Deus e o Diabo;
Gaúcho, em Os Fuzis, revoltado com a inércia do povo e país.
Tornam-se produtos da miséria, da exploração e do abandono.
O sucesso internacional desses filmes, apresentados em festivais europeus, anima o grupo e consagra um espírito de coletividade já existente.
Os roteiros eram debatidos por todos, surpreendentemente, e as funções se intercambiavam.
O diretor Glauber Rocha torna-se o porta-voz do movimento e de seus objetivos.
Lança, em Gênova, no ano de 1965, o manifesto “Por uma estética da fome”, propondo uma arte que marcasse a característica dos países pobres.
“Nossa originalidade é nossa fome”, dizia o manifesto, que deveria ser exposto sem qualquer pudor, estabelecendo uma postura ética e estética, “dando ao público a consciência da própria miséria”.
A queda de Jango, em 1964, obrigou ao Cinema Novo que mudasse os seus rumos.
A desilusão causada pela não reação da população à destituição de um presidente eleito democraticamente, deixa a esquerda estupefata e sem ação!
Vários diretores repensam o Cinema Novo.
Trabalham, agora, com temáticas urbanas em que os personagens são da classe média, como eles, ou seja, voltam-se para o próprio umbigo, numa espécie de mea culpa por vezes arrastado:
O Desafio, 1965, de Paulo César Saraceni, quase sempre amargo;
A Falecida, 1965, de Leon Hirszman;
A Grande Cidade, 1966, de Cacá Diegues;
O Bravo Guerreiro, 1968, de Gustavo Dahl;
O desesperado Terra em Transe, 1967, de Glauber Rocha.
Na tentativa de conquistar o público, o Cinema Novo recorre ao musical:
Garota de Ipanema, 1967, de Leon Hirszman;
A comédia Macunaíma, 1969, de Joaquim Pedro de Andrade.
Glauber Rocha, que fora preso em 1965, deixa o país em 1970, retornando seis anos depois.
O Cinema Novo diante das censuras e monitoramento político interrompe a sua trajetória.
Os anos 70 no Brasil serão dominados pela pornochanchada, filmes que exploram cenas de sexo e piadas de duplo sentido.
Mas, o reconhecimento do movimento Cinema Novo foi mundial.
Entre 1963 e 1965, os filmes brasileiros conquistaram prêmios em 22 festivais internacionais.
Até hoje, Glauber Rocha é admirado e citado por cineastas nacionais e estrangeiros, como Martin Scorsese, por exemplo.
A temática da pobreza nordestina ainda surge na tela cinematográfica de filmes nacionais:
Eu, Tu, Eles, 2000, de Andrucha Waddington.
Faço questão de deixar registrado algumas informações sobre esses desbravadores do cinema nacional, que elevaram esta arte a patamares que não podem ser esquecidos, e que devem ser elogiados e reconhecidos por quem gosta de cinema, que é o meu caso:
Cacá Diegues. alagoano, Maceió, 19 de maio de 1940.
Alguns de seus filmes:
Cinco Vezes Favela – 1962, Ganga Zumba – 1964, A Grande Cidade – 1966, Os Herdeiros – 1969, Quando o Carnaval Chegar – 1972, Joanna a Francesa – 1973, Xica da Silva – 1976, Chuvas de Verão – 1978, Bye Bye Brasil – 1979, Quilombo – 1984, Um Trem para as Estrelas – 1987, Dias Melhores Virão – 1989, Veja Esta Canção – 1994, Tieta do Agreste – 1996, Orfeu – 1999, Deus é Brasileiro – 2003, O maior Amor do Mundo – 2006, Giovanni Improtta – 2013, O Grande Circo Místico – 2018.
Miguel Borge, piauiense, Picos, 21 de fevereiro de 1937/São Lourenço, Minas Gerais, 17 de junho de 2013.
Alguns de seus filmes: O Caso Cláudia – 1979, Pecado na Sacristia – 1975, O Último Malandro – 1974, As Escandalosas – 1970, Maria Bonita, Rainha do Cangaço – 1968, Perpétuo Contra o Esquadrão da Morte – 1967, Canalha em Crise – 1965, Cinco Vezes Favela – 1962.
Marcos Farias, Campos Novos, Santa Catarina, 1935/Rio de Janeiro – Rio de Janeiro, 1985.
Alguns de seus filmes: Bububú No Bobobó – 1980, Fogo Morto – 1976, A Cartomante – 1974, A Vingança dos Doze – 1970, Cinco Vezes Favela – 1962
Joaquim Pedro de Andrade, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 25 de maio de 1932/Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 10 de setembro de 1988.
Alguns de seus filmes: Garrincha, Alegria do Povo – 1963, O Padre e a Moça – 1966, Macunaíma – 1969, Os Inconfidentes – 1972, Guerra Conjugal – 1975, O Homem do Pau-Brasil – 1982
Leon Hirszman, Lins de Vasconcelos, Rio de Janeiro, 22 de novembro de 1937/Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 15 de setembro de 1987.
Alguns de seus filmes: Imagens do Inconsciente – 1983/86, Eles não Usam Black-tie – 1981, ABC da Greve – 1979/1990, Que País é Este? – 1977, Rio, Carnaval da Vida – 1977, Partido Alto – 1982, São .Bernardo – 1972, Garota de Ipanema – 1967, A Falecida – 1965, Maioria Absoluta – 1964.
Glauber Rocha, Vitória da Conquista, Bahia, 14 de março de 1939/Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 22 de agosto de 1981.
Alguns de seus filmes: Barravento – 1962, Deus e o Diabo na Terra do Sol – 1964 (Indicado à Palma de Ouro, Festival de Cannes), Terra em Transe – 1967 (Indicado à Palma de Ouro, Festival de Cannes), O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro - 1968 (Vencedor como melhor diretor, Palma de Ouro, Festival de Cannes), Cabeças Cortadas – 1970, O Leão de Sete Cabeças – 1971, Câncer – 1972, Claro – 1975, A Idade da Terra – 1980 (Indicado ao Leão de Ouro, Festival de Veneza).
Ruy Guerra, Maputo, Moçambique, 22 de agosto de 1931.
Alguns de seus filmes: Os Cafajestes – 1962, Os Mendigos – 1962, Os Fuzis – 1964, Os Deuses e os Mortos – 1970, Aguirre – 1972 (ator), A Queda – 1976, Erêndira – 1983, Ópera do Malandro – 1986, Kuarup – 1989, Estorvo – 2000, O Veneno da Madrugada – 2004, Quase Memória – 2015.
Nelson Pereira dos Santos, São Paulo, São Paulo, 22 de outubro de 1928/Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 21 de abril de 2018.
Alguns de seus filmes: Rio 40 Graus – 1955, Mandacaru Vermelho – 1961, Boca de Ouro – 1962, Vidas Secas – 1963, Fome de Amor – 1968, Como era Gostoso o Meu Francês – 1971, Tenda dos Milagres – 1977, Memórias do Cárcere – 1984, Jubiabá – 1987, Brasília 18% – 2006,
Recomendo que assistam alguns desses filmes originários do Cinema Novo.
Vale a pena reverenciarmos ideais contidos nos filmes que impactaram o brasileiro, e deixaram excelentes impressões em outras nações.
Curiosamente, se foi a miséria do Brasil a causa desse movimento onde a estética era a fome, o abandono do povo, o seu desespero, afirmo, categoricamente, que após sessenta anos do surgimento de um Brasil real nas imagens cinematográficas, caso esses notáveis diretores, roteiristas, atores, tivessem condições de nos brindar com as suas criatividades, talentos, uma visão de país verdadeiro, encontrariam as mesmas condições do passado, lamentavelmente.
A fome, a miséria, a seca do Nordeste, a favelização do povo, o analfabetismo absoluto e funcional, a pobreza, acrescidas pelo consumo de drogas e bolsões de dependentes químicos, as cracolândias, demonstrando a total incompetência e descaso do governo com essas pessoas que sofrem, e perderam as suas vidas, pois esses nomes célebres, de gente idealista, de propósitos definidos, encontrariam um campo muito maior que o utilizado à época quando criaram o movimento Cinema Novo.
Eu até ousaria denominar a restauração desse movimento como Cinema Velho, onde eu apresentaria filmes que se contrapusessem com os da década de sessenta com a época atual, de modo a comprovar a revolta do Gaúcho no filme os Fuzis, ao se deparar com a estagnação que ainda nos encontramos!
Quem sabe, se o Mano autorizar e concordar com o tema, na próxima vez eu aborde os filmes nacionais que tiveram a maior bilheteria até hoje e, em um outro momento, a riqueza dos filmes regionais, Mazzaropi, Teixeirinha, e alguns documentários específicos, realizados nas Regiões desse imenso país...