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26/02/2021

Chorei, chorei

Glorinha Oliveira - capa de disco (fotografia de Giovanni Sérgio)

Heraldo Palmeira

Chorei, chorei

Até ficar com dó de mim

E me tranquei no camarim

As perdas são certas, as notícias delas são péssimas. E ouvi a notícia no rádio, dada com suavidade por dois amigos do rádio. Aliás, foi no rádio que tudo começou.

A voz nunca teve igual por nossas paragens, o vibrato era celestial, não havia senões na afinação. Anos e anos e anos de música, como se a vida não tivesse dado trancos, como se os barrancos vencidos com tanta dignidade fossem apenas melodias esquecidas.

Todos ao redor já disseram tudo, as frases e adjetivos que não podiam faltar. Seria melhor que não tivesse chegado a hora de serem ditos, mas o Tempo é senhor de tudo. Traz e leva sem perguntar, sem querer saber o que a gente acha.

GLORINHA OLIVEIRA foi assim, maiúscula! Eu era um menino velho besta – como dizemos “aqui em nós” –, na altura dos meus catorze anos. Comecei a vencer a disputa das promoções com os ouvintes e ganhar os brindes do programa Show da manhã, apresentado pelo querido e saudoso Ademir Ribeiro. Isso era 1974, Natal uma deliciosa província feliz, aquilo era a histórica Rádio Poti, emissora dos Diários Associados. Que um dia foi Rádio Educadora de Natal. Que um dia teve uma moleca magrela fazendo campanha para arrecadar dinheiro destinado à sua construção.

De tanto ir buscar meus brindes no programa de Ademir Ribeiro – a entrega era sempre aos sábados –, terminava vendo aquela senhora dentro do “aquário” começando a apresentar o programa Almoço musical, que começava depois do Show da manhã. Comecei a entender quem era quem naquele jogo do bicho.

Foram uns três anos nessa onda AM. O suficiente para, já sem interesse naqueles brindes de ouvintes, eu usufruir um prêmio maior, ser o responsável pela programação musical do Almoço musical dos sábados. Como se não bastasse, aquela senhora distinta me colocou sentado ao lado dela, me transformou em coapresentador do programa!

Aquilo virou uma farra tremenda, nos divertíamos a valer. De vez em quando, eu resgatava a GLORINHA radioatriz com a personagem Dona Escolástica, uma velha ranzinza que chegava aos gritos e fazendo balbúrdia. Aqui e acolá era a vez de Lili, a menininha criada a partir da interpretação que ela fazia, com voz de criança, para a canção americana Hi, Lili, hi, Lili, hi lo, tema do filme Lili (1953).

Parecia coisa de maluco, eu conversando com uma velhota impaciente e uma menininha inocente ao mesmo tempo, dentro de um estúdio de rádio. Muitos ouvintes achavam que as personagens eram reais e estavam presentes no programa, tamanho o talento dela para aquelas incorporações (de personagens) e de fazê-las conversar alegremente.

Naquele tempo éramos todos muito precoces na busca e no amor pela arte. Eu já vivia enfurnado na produção de shows, nas picapes das boates (Apple e Augustus) e na noite da cidade. Alcateia Maldita, Almir Padilha, Arruda Sales, Babal Galvão, Banda Imaginária, Carlinhos Moreno, Carlos Pontanegra, Carlos Santa Rosa, Carlos Zens, Cleudo Freire, Fluidos, Galvão Filho, Gato Lúdico, Lelé Alves, Léo Ventura, Nelson Coelho, Pedro Mendes, Rachel Grossman, Romildo Soares, Sueldo Bibiano, Tarcísio Flôr, Tico da Costa, Wigder Valle... Estávamos todos colocando as caras à tapa, pisando os primeiros palcos, fazendo o circuito dos bares, participando de festivais. Onde houvesse música e horizontes, lá estávamos todos nós.

GLORINHA já era soberana há muito tempo, a nossa mais querida e acolhedora unanimidade. Continuava ativa na noite e passou a me levar para cantar junto em bares. Passamos um bom tempo na Galeteria do Chiquinho, na esquina da Prudente de Moraes com a Miguel Castro.

GLORINHA e Toinha Palmeira, minha mãe, tinham a mesma idade, vieram ao mundo no mesmo ano da graça de 1925, com diferença de poucos meses entre suas datas de nascimento. Tornaram-se, por minha causa, amigas. Eu pedi a mamãe o direito de chamar GLORINHA de mãe musical – ela não precisava abrir seus palcos para mim, aquilo foi mesmo coisa de mãe.

Nas nossas noitadas, cantar Ave Maria no morro, o clássico de Herivelto Martins, virou obrigatório, uma espécie de carimbo musical dos nossos duetos, as pessoas ficavam pedindo.

GLORINHA seguia inteira, mas distante do reconhecimento que merecia. Aliás, ela mesma me disse algumas vezes, andava cansada das tradicionais tapinhas nas costas, das palavras bonitas, dos títulos que marcam apenas papel de jornal e falas ao vento. Até ali, haviam feito com ela discos que não foram suficientes para traduzi-la no tamanho exato, muito menos estavam à sua altura.

Eu já não morava em Natal, mas comecei a matutar a respeito de um álbum concebido para ela como alta-costura, na medida certa e exata. Contei com quatro amigos, o parceiro musical Nelson Freire, o jornalista Roberto Medeiros, a professora Patrícia Whebber e o jornalista Zé Wilde, acompanhando de perto com apoios diversos, sugestões e entusiasmos.

É claro que a aventura de fazer um disco no Rio de Janeiro àquela altura da vida levou GLORINHA aos tempos de mocinha assustada com o mundo. Claro que ela estava insegura nos primeiros dias, o que era ótimo para apimentar as emoções que precisariam ser entregues à cápsula daquele magnífico microfone Neumann. Não tive dúvidas em levar na viagem o filho Aécio Oliveira, seu fiel escudeiro. Que ainda nos brindou tocando harmônica em uma das faixas. Não demorou, ela estava senhora de tudo, com todo mundo no bolso.

Eles ficaram hospedados num hotel da rede Luxor, do outro lado da calçada do prédio em que parte da minha família vive, no bairro do Leme. Todos os dias, Alduir Oliveira ou PC Vieira, nossos carioquíssimos transportadores, nos pegavam e traziam. Nos fins de semana, nada de gravações. Saíamos a bater pernas e tomar umas biritas, porque ninguém é de ferro e aquilo era Rio de Janeiro em tempos bem mais amenos.

Eu não tive qualquer dúvida, o nome do álbum seria Meu tempo, o tempo dela. Compus a música-título em parceria com Pedro Mendes. Um reggae, exatamente para tirar GLORINHA daquele armário cheio de amarras do tempo. Claro que tive todo o cuidado com o repertório e os arranjos que ajudei a conceber, mas eu sabia o tamanho da fera, da versatilidade tão pouco explorada. Claro que eu cantei a música junto, como forma de ela se sentir segura para dar passos tão distantes da zona de conforto. E foi uma delícia, parecia que a gente estava surfando num litoral feliz, abrindo o álbum como quem entra no mar e vai navegando sob um céu de estrelas.

Escolhi algumas canções conhecidas, recebi outras de Babal Galvão, Diógenes da Cunha Lima, Nelson Freire, Regina Justa e uma parceria da própria GLORINHA com Fernando Luiz. Também compus em parceria com João Salinas a música Tema, uma das coisas mais emocionantes onde pus minha assinatura – perdi a conta de quantas vezes chorei enquanto produzia essa canção. Lembro dos olhos arregalados que traduziram o enlevo da cantora Jane Duboc, quando nos visitou no estúdio!

Altamiro Carrilho, Ademilde Fonseca, Clauton Alves (Neguinho), Milton Guedes, Mingo Araújo, Sérgio Cleto e Victor Biglione aceitaram meu convite e vieram ajudar na festa, deixando participações especiais memoráveis.

Escolhi grandes músicos para executar os arranjos escritos pelo inesquecível maestro Sérgio Cleto, um amigo extraordinário que tanto ajudou nos meus caminhos no Rio de Janeiro, e que certamente recebeu GLORINHA agora nos portões do céu.

Na hora em que ela foi colocar a voz em Tema, pediu que eu ficasse lá dentro, juntinho dela. Paramos a gravação várias vezes, emocionados. A partir de determinado momento, estendeu a mão e ficamos de mãos dadas, como se quisesse de mim um pouco mais do espírito da música. Imagino que se não tivesse acabado eu teria perdido um pedaço do coração.

Como posso falar do privilégio de ter estado ali ao lado dela, em silêncio litúrgico, ouvindo-a cantar redundantemente divina, palavra a palavra, e de forma definitiva, uma música que Salinas e eu havíamos composto especialmente para ela?

As gravações foram avançando e chegamos ao momento de cantar juntos Ave Maria no morro. Falamos um pouco a respeito da sorte de estarmos ali, com um clássico esperando por nós. Não deixamos de lembrar que tínhamos um elemento especial, tudo que aquele dueto significava em nossas vidas, tantas foram as vezes repetidas entre amigos, bebidas e aplausos nas mesas das noites da vida. Chegamos à conclusão de que seria uma oração musical de agradecimento a Maria. E assim fizemos.

A gravação de História difícil, um famoso “trava-língua”, foi sensacional! Primeiro, pela raridade da música, de poucos registros. Depois, pela presença ilustríssima da também potiguar Ademilde Fonseca, considerada a rainha do choro cantado, e do monumental flautista Altamiro Carrilho.

A sessão começou pelo reencontro de três velhos amigos que há muito não se viam, afetos e gargalhadas a granel relembrando boas histórias. Na hora da função, as duas amigas no velho duelo da cantoria em grande velocidade. Ao fim, empate técnico justo e merecido daquelas duas vozes tão especiais.

Todos os que naqueles dias de 1999 estiveram no estúdio novinho em folha na Barra da Tijuca – foi GLORINHA quem estreou a agenda de gravações –, fizeram questão de se curvar respeitosamente diante de uma grande dama da música. Eram todos especialistas com anos de estrada, tiveram a exata noção do que estavam vendo, vivenciando e, mais do que tudo, ouvindo. Era uma mulher de setenta e quatro anos com uma voz cristalina, plena em sua música de vida inteira e aberta a todas as ousadias que propus como produtor.

Claro que também nos divertimos muito, demos risadas incontáveis nos chistes da alegria sempre companheira de GLORINHA. Fizemos juntos o álbum Meu tempo, e hoje entendo de onde tirei esse nome para o disco e para a música-título: GLORINHA guarda na voz as chaves do tempo.

Deixei o estúdio com a convicção antiga renovada, e que seguirá perene, de que GLORINHA é um diamante verdadeiro. Agora atemporal.

Quem sabe, um dia, a gente tenha a glória de cantar no céu Ave Maria no morro diante de Maria Santíssima?

Cantei, cantei

Jamais cantei tão lindo assim

 

Trechos de Bastidores (Chico Buarque) citados no texto.

Ouça aqui Meu tempo, Tema e Ave-Maria no morro:

https://youtu.be/6GZLN_Hy7yg

 


21/02/2021

SMS – A missão continua

 

Fotografia Carlos Monteiro

Carlos Monteiro

Como os leitores já sabem, recebo de uma operadora de cartão de crédito SMSs confirmando compras de outra pessoa que, suponho, seja alguém que se identifica com o gênero feminino já que seus hábitos de consumo – salões de cabeleireiro e depilação, loja famosa de lingerie, confecção genuinamente feminina, etc. - assim o indicam ou, pelo menos indicavam.

Na última vez, nossa personagem, que batizei de “Lady Godiva de Pilares”, bairro carioca onde estão concentradas 95% das compras, parecia ter encontrado novo amor, nova paixão; estava toda contente, serelepe e faceira. Mudou os hábitos alimentares, passando a fazer compras em locais mais fit, estava mais frequente na esmalteria, cabeleireiro, depilação e academia.

Comprava roupas e calçados, fez matrícula na academia, enfim, merecidamente se cuidando. Tais conclusões estavam baseadas em outros acontecimentos de fins de semana anteriores, aliados a um certo ranço machista que ainda, confesso, muito que sutil, habita em mim.

Não que eu ache que alguém deve entregar-se a si por outra pessoa, muito pelo contrário, acho que outra pessoa pode ser incentivo, caminho, inspiração, porém, jamais motivo. Entendo o ‘cuidar-se’ como gostar-se, autoestima e inspiração. Vida saudável para o amor-próprio.

Mas, nossa querida Lady anônima, anda amuada. Parece triste e sem caminhos diante dos olhos. Este mês não pagou a academia, não foi uma vez ao salão de beleza e todos os afins, não comprou roupas... a única lembrança que a liga ao seu passado recente é o parcelamento de um, acredito, provavelmente tênis, pagos em suaves oito prestações que só serão quitadas no ano vindouro, numa grande rede de calçados espalhada pelo país.

Até a frequência no uso do Uber e do 99Táxi diminuíram consideravelmente, tanto em quantidades, quanto em valores, logo, anda ‘passeando’ pelos arredores e adjacências.

No entanto, os hábitos alimentares hard, voltaram com carga total. É um tal de podrão ‘pra’ cá, lanchonete ‘pra’ lá, hamburgueria ‘pra’ ali e cachorrão ‘pra’ acolá. Haja estômago e fígado. Talvez por isso visitas às drogarias e farmácias tenham aumentado. Não, ela não está doente; pelos valores e horários são compras, típicas de quem vai em busca da solução para azia que queima por dentro, será que será, ressaca assoladora e devastadora de quem não tem juízo, enjoo provocado pela salada geral, mistureba gulosa e gordurosa, dos self-services maravilhosos de trinta recheios que acompanham a salsicha, o pão de leite com ou sem gergelim e o molho especial. Resumo total em Chico: “...E todos os meus nervos estão a rogar/E todos os meus órgãos estão a clamar/E uma aflição medonha me faz implorar/O que não tem vergonha, nem nunca terá...” do “nunca mais”.

Haja Sonrisal, Eparema, Xantinom, Engov, Eno e Epocler. Sim, confesso: adoro um podrão e tenho, lá uma vez ou outra, uma ressaca. Nada que se compare a Nazaré, no máximo um terral no Arpoador.

Outro novo hábito é, para além da compra mensal no “menor preço total” e no “tudo por você”, prestigiar o pequeno local. São as vendinhas e mercadinhos do bairro sendo enaltecidos. Também foi incorporado, à nova dieta líquida, o Zé Delivery. Está comprando bem no app.

Lady parece estar sofrendo de desamor, por si ou por alguém. Parece estar passando pelo momento Loba, Cauby, Altemar e Waleska. Abriu uma conta (paga) no Deezer...

E o tapete? O tapete deve estar atrás da porta!

Terá devolvido ou recebido o Neruda?

 

18/02/2021

Amor nos tempos do Cólera

 

Ana Nunes - Guache e colagem

Ana Nunes

O título é emprestado de um amor antigo.

Mas o texto é meu. Mas tem tudo a ver.

Ao longo da vida coisas antigas vão ficando mais antigas. Vão perdendo sua significância e outras novas tomam seu lugar. Projetos conseguidos ou confiscados, desejos, afãs e entusiasmos vão ressecando, perdendo folhas no vento das estações. Natural, parte do viver.

A pandemia entretanto faz o tempo passar mais rápido no marasmo do confinamento. Isso é um paradoxo mas se existe a palavra é porque existe o fato.

E se, nesse tempo de um ano e uma vida, fiz planos, fiz falar atividades caladas, elaborei listas de coisas desejadas e não terminadas, tirei pó de livros de alongamentos, peguei o Cervantes de jeito, tudo aos poucos foi perdendo a graça. As listas caíram no desuso, os planos perderam sentido, os papéis aconchegados de volta ao escuro da gaveta, a vitalidade dos alongamentos adormecida no mormaço do dia, os sonhos escandalosos do Cervantes acalentados no sossego da noite. O cansaço triste das cruzes em terra fofa recente do cavar, a solidariedade vã ao luto alheio, o sem fim das bobices incríveis cotidianas secaram até o desenho no caderno preto.

Parece que estou brincando de ser feliz e alegre, de bem lidar com a saudade dos abraços e dos beijos, do cheiro dos filhos e do calorzinho dos netos, do perfume das irmãs. Pensei até ter perdido a sensibilidade e emoção no dia a dia do brincar de casinha.

Preocupei comigo e preocupei com tudo. E a perda da amiga antiga que, juntas nos ajudamos tanto, a alegria e gratidão dos velhinhos vacinados me fez chorar lágrimas esquecidas. Poucas e sofridas. E descobri que os calafrios que sinto temendo ser covid, são as lágrimas secas percorrendo a pele na sua identidade com a tristeza do mundo.

Pensei tanto tanto nesse ócio forçado entre arrepios e incertezas que descobri paradoxos e realidades, incoerências utópicas. Tudo tudo embrulhado em papel pardo amarrado com barbante em pacotes disformes bem dentro de mim.

Meu grande amor foi à primeira vista. Olhei para ele e disse para mim mesma, esse cara servia para casar comigo! Mas que coisa, não acredito em amor à primeira vista!

E quanto ao casamento, ah!, não acredito no casamento! Todo o realismo do meu pensamento racional abagajado com lampejos de psicologia, rabiscos de sociologia, vagas insinuações da biologia, me diz, casamento não é um bom projeto, não pode dar certo, não é justo lutar pelos próprios direitos e enfrentar a dureza da luta de duas liberdades todo dia, todo dia! Não pode ser desejo! E ainda criar crianças, o completo desafio do desconhecido! Não pode dar certo! É mais como os paulistas dizem, casamento começa no Paraíso e termina na Consolação! Muito barulho por nada.

E pensando assim chegam-me as Bodas de Ouro. Sem aviso sem permisso.

O que é isso? Sozinhos os dois velhinhos perdidos na quarentena dos mil dias, maldita e sombria, mantendo os queridos à distância, que vídeo é bom mas não é corpo, calor e cheiro?

E aí, as incoerências do pensamento, o pragmatismo das elocubrações pandêmicas viram ruínas como morro em tempo de chuva fina.

E ganho de surpresa a mais bela e amorosa festa virtual dos filhos! Perfeita no planejamento secreto de meses, no amor maior que pais podem esperar! Ganhamos, eu e o companheiro do caminho, eu incoerente de paradoxos e ele tranquilo de certezas, brinde de bolhas douradas e sabores inesquecíveis preparados por queridos sobrinhos, gratidão!, junto com os irmãos e irmãs numa live feliz e única, que de outras eu não soube! Uma reunião de amor cheia de bagunça e falas atropeladas, do jeito que gosto! Sem sobrinhos, isso é triste, porque a família é grande e a tela pequena. E foi pequena pra tanta surpresa e felicidade!

Fomos dormir, eu e ele, nós, felizes, ainda em bolhas douradas, entre lençóis macios de tantos fios e quantas tramas!

E vamos juntos até quando der.

Porque já o disse lindamente Gibran Khalil Gibran: 

“Enchei a taça um do outro, mas não bebais na mesma taça...     
 Pois as colunas do tempo erguem-se separadamente,
 E o carvalho e o cipreste não crescem à sombra um do outro”.   

14/02/2021

E se acabarem com seu carnaval?

Fotografia Carlos Monteiro


Carlos Monteiro

Ô abre alas que eu quero passar...

Este ano não vai rolar, ninguém vai passar. Não vai passar nem a Lira, nem Rosa de Ouro. Não adianta pedir passagem, esse ano não será igual ao que passou. Não tem Banda de Ipanema, Cordão da Bola Preta, não tem Orquestra Voadora, não tem Monobloco, quanto mais Stéreobloco. Não vamos subir para Santa porque As Carmelitas ficarão enclausuradas, rogando aos céus que tudo se resolva aqui na Terra. Não tem Simpatia; o amor se perdeu no estandarte da angústia e da solidão.

O Suvaco de Cristo será somente o Redentor em sua ‘tarefa hercúlea’ de zelar pela Cidade Maravilhosa, com tantos rotos inconsequentes e esfarrapados irresponsáveis que a transformaram num jardim das perdidas ilusões, como os velhos blocos de sujos que nunca tiveram fantasia. Eles, os blocos, assim como o ‘futebol das piranhas’, pelo menos, traziam alegrias ao povo. O Baixo Gávea também não é mais igual, mesmo se estivéssemos em festa já não teríamos o chope no Hipódromo e o sorriso do Sassá se perderam na multidão, Minas não há mais. Não teríamos o Me Beija que eu sou Cineasta, já não se beija como d’antes na Santos Dumont. Com as máscaras e a pandemia já não se beija mais em lugar algum. Saudades daquele beijo. Quero matar a saudade num corso ou numa marcha-rancho.

E os bate-bolas, Clóvis suburbanos multicoloridos, genial genuína cultura carioca, onde estarão? Como Vincent Rosenblatt vai registrá-los em prosa e alegria. Como Evandro Teixeira fará contraluzes sensacionais, em preto e branco, naqueles incríveis planos abertos?

Os ensaios nos barracões em retalhos de cetim, purpurina salpicada, escondem as fantasias entornadas pelos chãos. Madureira chorou. Chora de dor, “...Mil paetês salpicando/O chão de poesia/A vedete principal/Do subúrbio da Central foi a pioneira...”.

Este ano seremos palhaços das perdidas ilusões, num Carnaval que não existirá, com máscaras negras de pesar pela festa que acabou e o povo sumiu drummonianamente. Quando fevereiro chegar as polêmicas em relação às fantasias politicamente corretas ou incorretas dos nomes de blocos ofensivos e das músicas e marchinhas de conteúdo homofóbico, misógino, sexista, racista e preconceituoso não inundará às redes sociais com acaloradas discursões. Bailarina pode? Pirata então... Vou de Pierrô e ela de Colombina, não pode? Mas é Carnaval, não me diga quem é você, seja o que Deus quiser. Peter Pan e Sininho, podem? O que pode afinal?

Também não seremos testemunhas de quantos blocos os amigos seguiram. Não haverá postagens nem mensagens de onde cada um está. É bem capaz de que assistiremos a bailinhos residenciais em lives intermináveis, algumas delas chatíssimas, blocos e mais blocos com o lema “concentra [na sala] mas não sai” e retiros espirituais nas varandas e jardins de casa. Vai ser um “oṃ maṇi padme hūṃ” uníssono e vibrante anunciando o fim da pandemia.

As marchinhas andarão pelas JBLs da vida. Qual será o grande sucesso? “Xô Corona” do Emmerson Morvan ou “Xô Pra Lá Covid” dos palhaços Teleco e Teco Nova Geração? Oremos! O Sambas-enredo e as temáticas brasileiras sergioportianas. “...Assim se conta essa história/Que é dos dois a maior glória/A Leopoldina virou trem/E dom Pedro é uma estação também/Oô, oô, oô, o trem ‘tá’ atrasado ou já passou”. Vão tonitruar? O trem passou na história, perdemos o bonde.

A Passarela da Sapucahy estará iluminada em homenagens, luzes especiais, uma avenida sem o colorido das fantasias, apenas leds. Pista e arquibancadas formando o bloco da solidão. Somente o surdo de marcação repleto de banzo, melancólico, triste, angustiado e misantropo. Mesmo com o palco iluminado, apagado pela soturnidade, a apoteose se mostrará infinita e as estrelas brilharão nos céus.

Também não terá a célebre frase anual, justificativa da espera para negócios e acontecimentos e da mornaça dos dois meses que abrem o ano. “O ano só começa [comercialmente falando] depois do Carnaval”. Agora é que Momo chora, se não temos folia, o ano não começará? Frase de efeito talvez. O ano começará depois que a vacina estiver disponível para todas e todos, então será: “o ano só começa depois de todos vacinados”. Haja Carnavais.

E quarta-feira, um ano inteiro em cinzas, mas 2022 está logo ali, com vacina e sem pandemia. Deixa o dia raiar, amanhã voltará tudo ao novo normal. A águia altaneira da Portela será Phenix, ressurgirá dessas cinzas, o conde, fantasia de plumas azuis lembradas por Joaquim Ferreira dos Santos: azuis YInMn Blue. Batam palmas, aplaudam quem sorri!

Fotografia Carlos Monteiro

Nos restará chorar um rio de lágrimas, derramar nossas mágoas pelo Rio que passou em nossas vidas, nos guardando para quando o Carnaval de 22 chegar e botarmos nosso bloco na rua com ginga e gemedeira.

E agora José Pereira, para onde?

 



11/02/2021

Monges Budistas Chineses “descobriram” a América mil anos antes de Colombo.

 

O deus Quetzalcoatl (desenho deUriel Hidalgo)


Antonio Rocha

É claro que a História Oficial Ocidental nunca registrou o fato, mas, a bem da polêmica, foi o monge budista chinês Hui-snhan que em 499 regressou à China e fez ao então imperador um detalhado relato da viagem ao Fu-Sang (que vem a ser a América Central e, mais precisamente, o México. O registro se encontra no “Liang Shu: Anais da Dinastia Liang”:

- Antigamente estes povos não viviam conforme as Leis de Buda. Aconteceu que durante o segundo ano da Grande Luz dos Sung (458) cinco monges peregrinos chegaram a este país (Fu-Sang) e propagaram a religião do Buda e, com ela, os livros sagrados e as sagradas imagens. Eles ensinaram ao povo as regras de vida monástica e mudaram seus costumes”.

Esse texto veio à lume em 1761, através do pesquisador francês J. de Guignes. De lá para cá, sucedem-se livros e centenas de artigos de natureza científica.

O famoso Alexandre von Humboldt, em 1816, escrevia sobre as “surpreendentes analogias” nos simbolismos de culto entre astecas e budistas, na forma dos monumentos, nos calendários, na divisão do tempo em épocas e as cosmogonias. Falava inclusive nas “semelhanças bastantes notáveis na hierarquia eclesiástica”, nas autoridades religiosas etc.

Havia os que discordavam de tais teorias, achando tudo um absurdo, e entre estes estava o cientista Adam Lucien que, mesmo julgando as afirmações de Humboldt de pura fantasia, reconheceu, em 1875, no 1º Congresso Internacional de Americanistas, realizado em Nancy, a importância da ação missionária do budismo nos primeiros séculos da era cristã.

- “É certo que no século V, numerosos monges budistas cumpriram, por motivos exclusivamente religiosos, viagens tão longas e muito perigosas como a do monge budista Hui-snhan que chegou às costas da Califórnia”.

Em 1922, durante o XX Congresso Internacional de Americanistas, no Rio de Janeiro, o pesquisador chinês Toung Dekien declarou, ente outras que “Quetzalcoaltl, figura lendária dos astecas, seria um monge budista chinês” visto que, na antiguidade, alguns monges usavam barba. E a representação desse deus asteca é com pelos no rosto. Dekien disse ainda: “Do mesmo modo, missionários budistas foram divinizados como Votan, chefe fundador dos Maias (na Guatemala) e como Bochica, entre os Incas do Peru”.

Os dados acima estão na obra de Walter Gardini “Influências de Ásia en las Culturas Precolombinas”, publicada em 1978, em Buenos Aires pela editora Depalma.

A polêmica é boa! Se observarmos um mapa mundi veremos que da China pelo Oceano Pacífico, se chega em linha reta às costas da América Central.

Os monges budistas conscientes da recomendação do próprio Buda, seguiam o princípio de Sidarta Gautama, expresso no último Sutra, pronunciando antes de falecer:

“- Ide, ó monges, e bendizei as massas, levai a felicidade por compaixão a todo o mundo, ide pelo bem estar e alegria de todos os seres (...) ide e difundi o ensino que é belo no seu início, belo na sua metade e belo no final”.

Curiosamente lembra o que disse Jesus: “Ide e Pregai”... mas isso é para outro artigo.

 

07/02/2021

O Piolho Viajante

 

Capa por Paula Taitelbaum para a edição digital da Editora Piu

Wilson Baptista Junior

Nesta pandemia tenho lido alguns livros interessantes. Um deles foi um livro publicado pela primeira vez dois séculos atrás, em 1821, com o título inusitado de “O Piolho Viajante – Viagens em Mil e Uma Carapuças”, de Antonio Manuel Policarpo da Silva.

O narrador é um piolho (isso mesmo) que viaja por setenta e duas cabeças – na época piolhos eram muito comuns qualquer que fosse o nível econômico e social de seus hospedeiros – e de caminho vai nos contando um pouco da vida e atitudes dos seus portadores. E com isso fazendo uma crítica divertida e muitas vezes mordaz à sociedade e aos costumes da época.

O livro chegou a ser uma das obras mais lidas no Brasil, na época, e o imperador Dom Pedro I usou como pseudônimo para suas escritas em jornais o apelido “Piolho Viajante”. Por isso o seu retrato na capa que ilustra o post.

As cabeças são de pessoas as mais variadas – de estudante a filósofo, de poeta a juiz, de boticário a médico. E o narrador se isenta de qualquer veleidade literária ou filosófica (embora o autor filosofe por ele nos prólogos que antecedem cada uma das partes em que se dividem os capítulos) ao nos avisar que “Sou piolho, mas o meu espírito é verdadeiro. Não sou capaz de lisonjear e também incapaz sou de levantar testemunhos. Sou um verdadeiro e hábil retratista”.

O autor começa o livro explicando como conseguiu a obra do piolho:

“Tendo-me ocupado em algumas coisas sérias, nunca me renderam nada. Eu, que sempre fui muito inclinado a traduzir línguas alheias, ainda que, a falar verdade, não sei muito bem a minha, encontrando este manuscrito em poder de um Mouro, que esteve cativo em Argel, e achando os caracteres muito estranhos, porque alguns pareciam-me caranguejos, fui desenganado pelo dito Mouro, mas debaixo de muito segredo, (e o mesmo peço a todos, que este lerem) que era língua piolha, obra antiquíssima, feita no tempo em que se inventaram as esteiras. E todos sabem que as esteiras é invenção dos Orientais, e que ainda hoje são as suas camas. Esta obra foi achada numa terra que ainda se não descobriu, mas que brevemente se espera esteja descoberta.

E passa a palavra ao Piolho, que nos informa que nasceu na Ásia e, com a morte do seu pai, catado pela pessoa que hospedava a família depois de sentir coceira por causa de uma briga entre ele e o professor que namorava a mãe com a desculpa de dar lições ao filho, o que resultou na morte dos dois rivais, sua mãe “vendo em mim a causa de sua desgraça, além de eu já estar bastante robusto e fazendo bem por viver, pôs-me à vida, dando-me alguns conselhos e um abraço, de que lhe fiquei muito obrigado, porque entre nós há pais que nem isto dão.”

E com isso o Piolho foi procurar sua primeira cabeça (ou “carapuça”) fora de casa.

Como são ao todo setenta e dois capítulos, embora curtos, correspondendo às setenta e duas carapuças, vou falar aqui apenas de um ou outro mais significativo, que interessantes são todos eles.

Esteve na cabeça de um dono de armazém, que tirando parte de honesto roubava no peso. Vale a pena mostrar algumas frases:

“Numa cabeça destas é que é estar! Então que caridade de homem! Ensinava o público a ser económico, tirava nos molhos de carqueja ramos para fazer mais e dizia: — Quanto mais grandes são, mais gastam.

Os queijos, para serem mais frescos, punha-os em parte onde houvesse água para receberem aquela humidade; e ainda que entravam mais no peso eram menos salgados. Manteiga sempre a pesou em papel grosso e sujo. Tinha uma receita para disfarçar o vinagre que ninguém diria senão que era água. Medida de azeite era como alcatruz, sempre tinha buraco no fundo. Medida de pau, toda tinha dois fundos, o natural e outro pela banda de dentro.

(...)

Ouviu dizer uma vez a um médico que a aguardente secava e mirrava a gente por ser um espírito muito forte. Olhe lá, não a tornasse ele a vender sem lhe botar primeiro uma terça parte de água! Está na neve: Sabem o que ele fazia ao arroz para lhe tirar a pedra e não entrar no peso? Lavava-o, esfregava-o e botava-lhe areia e desta forma unia o asseio ao benefício.”

E por aí vai. 

Esteve na cabeça de um boticário, especialista em vender aos clientes receitas que de nada valiam e convencê-los de que eram úteis:

“Tinha também o tal boticário uma receita para olhos que era coisa nunca vista e a um seu vizinho que teve esta moléstia curou-o em três dias. Quero dizer a receita por ser coisa útil. Meteu-o numa casa às escuras e depois sacou-lhe todos os trastes da casa e pintou-lhe vários bonecos com carvão pelas paredes. Disse ao homem que podia sair, que estava bom. O doente, que não viu traste nenhum em casa, clamou que estava pior porque não via nada. Mas o boticário teimou que era mentira e perguntava-lhe: — Vossemecê não vê estas pinturas pelas paredes? — Vejo sim senhor, respondia o pobre homem. Reperguntava-lhe: — E vossemecê, antes de eu o curar, via-as? — Não senhor. — Então para que se queixa, se vossemecê está vendo tão bem? Até vê o que não via antes da cura.”

Depois de muitas peripécias foi ter à cabeça de uma cigana, daquelas que tirava a sorte e lia a buena dicha. Que, para convencer um velho em que estava de olho de que era capaz de adivinhar qualquer coisa, lhe disse:

“— Eu hei de adivinhar quanto vossa mercê traz no pensamento e sente no coração. Primeiro que tudo, mande vir um copo de água e umas brasas com alfazema. Mande recolher todos aos seus quartos, as janelas fechadas, as portas da rua abertas e quatro velas acesas. Mande vir tinteiro e papel, retirem- se todos para dentro, feche as portas para lá e em eu dando três espirros, saiam, abram as janelas, e leia o que estiver escrito no papel. E se não for tudo verdade, eu corto a cabeça. Mas é preciso cuidado em não espreitar, senão tudo se perde e o mesmo é preciso para quando vossa mercê a fizer, depois de eu lhe ensinar.

Fez-se tudo como a arengueira quis, estando todos com a boca aberta e eu vendo em que parava aquela tramoia. Que foi apenas a cigana se viu só na casa, e com todos fechados, sacou as velas dos quatro castiçais (que eram de prata), pingou sobre as bancas onde as segurou, agarrou numa bandeja de prata que estava sobre a banca de um tremó e depois escreveu sobre o papel estas palavras: — Levo quatro castiçais e uma bandeja. Desceu pela escada abaixo, pôs-se ao fresco e eu com ela, que senti bem não ver a espera dos três espirros, mas creio que ainda iria a horas, porque lá estarão à espera pois ainda não se deu o primeiro. E então, adivinhou ou não adivinhou? E é o que tal cigana sabia fazer. Era uma embusteira redonda.”

E por ali à frente foi o nosso narrador, que se fossemos falar de todas as cabeças em que andou melhor seria se copiássemos aqui o livro, o que não posso nem quero fazer por respeito aos herdeiros do autor. E quanto mais interessante a cabeça maior seria o trabalho do copista.

Andou nas cabeças de procurador, de estudante, de mentiroso, de homem ciumento, de moça formosa e solteira, de viúva rica, de corretora de criadas, que ensinava a servir e a roubar, de bêbado, de político, de dentista, de mestre de esgrima, de estalajadeiro, de caseiro de quinta, de arrendatário e muitas mais. E a história de cada uma dessas cabeças é uma crônica deliciosa de época e de costumes misturada com os esforços de sobrevivência do narrador sempre ameaçado pelas unhas dos seus hospedeiros.

Ao leitor que se interessar recomendo o livro, existe, foi reeditado e anda por aqui em novas roupagens nas casas dos livreiros e nessa coisa chamada a nuvem, que no seu tempo só trazia a chuva. E perceberá ao ler que muita coisa que deveria ter mudado mudou pouco, ou nada, daquele tempo para cá...

  

02/02/2021

SMS – A saga

 

Fotografia Carlos Monteiro

Carlos Monteiro

E a saga continua.

Como já comentei, recebo da operadora do pequeno pedaço de mau caminho plástico para financiamento, também conhecido por cartão de crédito, SMS de compras de outra pessoa que, suponho, seja alguém que se identifica com o gênero feminino já que seu hábitos assim o indicam – esmalteria da Milena, “Pelo Sim – Pelo Não”, salão de cabeleireiro da Madá, “Loungerie”...

Um engano do sistema sem solução já conversado com a bandeira. Então, já que chegaram os limões, pus açúcar mascavo, umas pedras de gelo, duas doses de 50ml de vodca, mexi e venho me divertindo com a saga da minha personagem.

Da última vez que escrevi sobre ela, pelo perfil de consumo, parecia ter arranjado um novo(a) amor, andava toda contente e cuidadosa. Culminou com um pagamento, realizado na madrugada de domingo, ao que tudo indica, ser de um motel.

Naquele domingo compras básicas de supermercado, desta vez o Campeão, segundo eles 'sem comparação', um lanche no “Churrasquinho Um” e uma corrida de 99Táxi, no valor de doze reais.

A surpresa veio na segunda: inscrição numa academia de Pilates na região, almoço, ao que indica o nome do estabelecimento, saudável – “Roger Lanches Fitness”, limpeza de pele, suponho, na “Jourgette Estética”, Di Santinni 126 reais – seria um tênis? - e compra na loja “Modafit”; 158 reais.

Minha personagem estaria em momento ‘vamos-cuidar-do-corpo-porque-o-coração-já-está-sendo-cuida-do?’ Tendência de todos os apaixonados, independente de gênero, parecia o pensamento mais plausível, ainda que, no meu ponto de vista, devamos ficar bem para nós mesmos, mas, se há um empurrãozinho, nada melhor para seguir em frente com barriguinha lava-roupas.

Fiquei feliz; o amor é sempre muito bem-vindo, principalmente, neste momento-mundo tão cheio de ódios e desamores. Amor maior, reconhecidamente fogo que arde sem se ver ‘camonianamente’ divagando em verso.

Durou pouco. Já na quinta-feira, nossa personagem voltou com tudo no ‘podrão’, pizza, “Guanabara tudo por você” e aquele empurra-empura no aniversário, 99Táxi ‘pra’ lá, Uber ‘pra’ cá. Os SMSs mais intensificados davam conta que estava comendo compulsivamente. Passaram a chegar sei ou sete ao dia. Sua média anterior não chegava a dois também não sendo diária. O que teria acontecido? Ó dúvida cruel que atormenta este escriba, como saber? Terá brigado com o professor na academia? Se indispôs com o crush? Ansiedade de pandemia? Desafio a balança?

E tome McDonald's, Burger King e KFC... deixou até de consumir no pequeno do bairro. Será revolta?

Elocubremos: começou um namoro com o dono(a) da carrocinha de ‘podrão’ já que sua frequência ao estabelecimento era constante. Início empolgante ele ou ela ofereceu um buquê de salsichas e um megasupermaster X-Tudo mesmo. Tripla camada de carne e linguiça mineira com porção dupla de batata palha, petit-pois – só para implicar com o Ancelmo - e milho em conserva; dez finas fatias de bacon, três queijos derretidos, maionese, ketchup, mostarda e molho inglês à gosto.  Um brinde com “Guaraviton” ou “Guaravita” para acompanhar e “Skol Beat” para refrescar a noite, sempre uma criança até ao alvorecer e o primeiro raio de Sol. Uma delícia que só perde para a famosa batata de Marechal.

Fotografia Carlos Monteiro

Tudo ia muito bem, promessas de amor e bacon infinitas, juras trocadas ao pé da lata de molho de tomate, beijos com sabor de maionese... uma deliciosa geleia geral envolvendo gastronomia e sentimento. Brigaram, feio, voou mostarda... motivo: a espessura do hambúrguer. Nada pode dar mais confusão que a espessura do hambúrguer!

Espero uma reconciliação. Que seja breve, plena e salutar para ambos ou ambas.

Bebendo caipirosca, espero!