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21/10/2012

O que saltou antes

O mundo inteiro viu as notícias, e milhões de pessoas acompanharam ao vivo o salto de paraquedas patrocinado pela Red Bull, quando depois de cinco anos de treinamento e preparação Felix Baumgartner saltou de uma gôndola pressurizada levada por um balão a 39.045 metros de altitude, caiu por 4 minutos e 22 segundos em queda livre, durante a qual quebrou a barreira do som e atingiu uma velocidade estimada de 1.343 quilômetros por hora antes de abrir o paraquedas. Foi um feito magnífico, ajudado por toda uma tecnologia de ponta. Felix usou um traje espacial desenvolvido especialmente para o salto, alimentado dentro da gôndola por uma mistura de nitrogênio e oxigênio líquidos, e durante o salto por dois cilindros acoplados a seu traje espacial.
Os recordes anteriores que Felix quebrou tinham sido estabelecidos cinquenta e dois anos atrás por um piloto de provas da Força Aérea Americana, o capitão Joseph Kittinger, em agosto de 1960 (Aliás Kittinger, hoje coronel reformado, funcionou como consultor no projeto da Red Bull). Kittinger saltou de 31.333 metros de altitude, num projeto da Força Aérea para testar um sistema de estabilização de paraquedas que permitisse aos pilotos escapar de aviões que na época estavam atingindo altitudes cada vez maiores.
Durante a Segunda Guerra Mundial, os aviões de combate atingiam altitudes de mais de doze mil metros, e havia uma controvérsia sobre qual seria a melhor maneira de escapar de um avião a esta altitude; se seria melhor abrir o paraquedas imediatamente e depender de um maior suprimento de oxigênio para flutuar até o solo, ou cair rapidamente uns dez quilômetros em queda livre e abrir o paraquedas numa altitude onde já se pudesse respirar.
Em 1943 um cirurgião aviador da Força Aérea resolveu testar ele mesmo, e saltou de  uma Fortaleza Voadora B-17 a 12.164 metros carregando um cilindro de oxigênio, abrindo o paraquedas logo após o salto. O choque da abertura do paraquedas fez com que ele ficasse inconsciente e arrancou as luvas das duas mãos. Por sorte o oxigênio funcionou e o manteve vivo até chegar a uma altitude mais baixa. Outro cirurgião aviador, o Coronel Mel Boyton, resolveu testar a técnica oposta, com queda livre longa, mas recusou-se a usar um dispositivo que abriria automaticamente o paraquedas a baixa altitude porque os pilotos de combate não dispunham do mesmo dispositivo. Saltou de pouco mais de 12.400 metros mas não chegou a abrir o paraquedas; pode ter perdido a consciência, e aparentemente ainda estava olhando para o cronômetro quando bateu no chão.
Depois deste acidente a Força Aérea interrompeu os testes.
Nos anos seguintes os aviões continuaram a voar cada vez mais rápido e cada vez mais alto, e em 1952 a Força Aérea começou um programa para desenvolver técnicas de escape que funcionassem entre 18.000 e 30.000 metros de altitude. E decidiu que o melhor meio de fazer os testes seria utilizando balões estratosféricos.
Testes lançando bonecos de grande altitude mostraram que o maior problema era que os bonecos começavam a girar durante a queda, chegando a atingir duzentas rotações por minuto, o que faria com que os pilotos perdessem a consciência e não pudessem comandar a abertura dos paraquedas. Com a baixa pressão de ar naquelas altitudes, seria também muito difícil para os pilotos controlar sua posição aerodinamicamente, utilizando a posição dos braços e perna como superfícies de controle, como os paraquedistas fazem em saltos em queda livre a altitudes mais baixas. Além disso, os pilotos de combate não são paraquedistas treinados. Era preciso encontrar uma solução que não dependesse do piloto.
Francis Beaupré, da Divisão Médica Aeroespacial da Força Aérea, projetou um paraquedas que deveria em três estágios:  Depois de dezoito segundos de queda livre, para atingir uma velocidade em que a pressão do ar fosse suficiente para um mínimo de controle, um pequeno paraquedas auxiliar com trinta centímetros de diâmetro se abriria, puxando um paraquedas estabilizador de um metro e oitenta, que deveria estabilizar o piloto na posição de pés para baixo. Chegando a uns seis mil metros de altitude, o paraquedas estabilizador puxaria para fora o paraquedas principal e interromperia a queda livre. Todo o sistema devia funcionar sem intervenção do piloto, para o caso em que ele tivesse perdido a consciência.
Depois de cento e quarenta testes do sistema Beaupré com bonecos lançados de até 30.000 metros,  Kittinger saltou de um Hércules C-130 a nove mil metros de altitude, e a Força Aérea considerou que o sistema estava pronto para ser testado saltando da estratosfera.
A Força Aérea não tinha uma gôndola fechada que permitisse um salto fácil, então resolveram utilizar uma gôndola aberta, projetada para vôos de balão de baixa altitude, pouco mais do que uma cadeira de braços pendurada do balão. Como o objetivo dos testes era provar que um piloto de combate poderia sobreviver ao salto, Kittinger tinha que usar um traje de vôo padrão de combate, parcialmente pressurizado, durante todo o vôo, e depender de garrafas de oxigênio para respirar. Qualquer falha da pressurização do traje, a grandes altitudes, poderia causar sua morte em poucos minutos. A sua única proteção adicional era um macacão de vôo com isolamento térmico, vestido por cima do traje, para protegê-lo do frio extremo lá em cima. Ele levava ainda uma mochila no peito, com instrumentos, câmaras e o oxigênio para mantê-lo vivo durante o vôo e o salto.
Usando esta "cadeira voadora", Kittinger fez um total de três saltos. No primeiro, de 23.000 metros, em 26 de novembro de 1959, o paraquedas auxiliar se abriu antes da hora, e a falta de pressão de ar fez com que ele chicoteasse e se enrolasse no pescoço do piloto. Sem a estabilização, Kittinger começou a girar e perdeu a consciência, que só recuperou a menos de dois mil metros, pendurado do paraquedas reserva. Devido à falha do auxiliar, o paraquedas estabilizador e o principal não se abriram, e Kissinger só se salvou por causa do sistema barométrico que abriu o paraquedas reserva  a três mil metros de altitude.
Com algumas pequenas correções no projeto dos equipamentos, Kittinger saltou de novo em 11 de novembro, desta vez de 22.700 metros. Tudo funcionou perfeitamente, e em 16 de agosto do ano seguinte ele subiu no balão até a altitude de 31.333 metros.
Durante a subida a pressurização da luva direita falhou, e a mão inchou até quase o dobro do seu tamanho original. Apesar da dor e do risco, Kittinger não avisou o controle do vôo antes de atingir sua altitude máxima por medo de que abortassem o salto. 
Numa queda livre de quatro minutos e meio e quase vinte e seis quilômetros, ele atingiu a velocidade de 1.012 quilômetros por hora.
Como piloto da Força Aérea, Kittinger não teve direito a nenhuma compensação pecuniária pelos riscos que correu no projeto, além de seu soldo de capitão.  Depois do programa de testes, pilotou balões para o projeto Stargazer, levando astrônomos em vôos a 25.000 metros de altitude, e depois ofereceu-se como voluntário na guerra do Vietnã, voando em 485 missões de combate até ser derrubado pelo inimigo e feito prisioneiro em 1972.
Depois de se reformar com o posto de Coronel, Kittinger continuou voando, e em  1984 foi o primeiro piloto de balão a fazer um voo solitário dos Estados Unidos até a Europa.
Tanto Felix Baumgartner quanto Joe Kittinger utilizaram nos seus saltos a  tecnologia mais desenvolvida de suas épocas, mas não deixa de ser interessante olhar a grande distância entre uma e outra.
A filmagem do seu salto (incluindo o primeiro feito do Hércules) pode ser vista aqui:


O site da Red Bull com a história da missão e os detalhes da tecnologia do salto de Félix está aqui:
http://www.redbullstratos.com/technology/
E uma história bastante  detalhada do projeto da Força Aérea está aqui:
http://stratocat.com.ar/artics/excelsior-e.htm


 

01/10/2012

Câmaras em sala de aula - atestado de falência (de quem?)

Dias atrás, um colégio particular tradicional de São Paulo (o Colégio Rio Branco) mandou instalar câmaras de vigilância em suas salas de aula. Os alunos protestaram, recusando-se a entrar nas salas com câmaras até que a diretora do colégio se manifestasse - e em vez de receberem explicações foram punidos com suspensão.
O episódio provocou polêmica, com opiniões diversas sobre a maneira como a escola tratou o protesto dos alunos e sobre a legitimidade da colocação das câmaras. Não vou entrar aqui nessa discussão, porque me faltam informações confiáveis sobre a maneira com que a escola preparou (ou não) os alunos para a introdução das câmaras. O que me chamou a atenção foi um artigo da psicóloga Rosely Sayão, na Folha de São Paulo, a respeito do caso.
Rosely, contestando a instalação das câmaras, diz no seu artigo:

"As escolas estão se rendendo ao aparato tecnológico que vigia alunos e professores. A justificativa para o seu uso é semelhante em todos os lugares em que as câmeras são instaladas: segurança.
A escola, sempre é bom lembrar, tem a função de educar. Para a cidadania, inclusive, como costumam documentar a maioria dos projetos pedagógicos.
E qualquer tipo de educação escolar só se concretiza a partir da relação entre professores e alunos. É a partir dessa relação que tudo acontece: ensino, aprendizagem, embates, conflitos, conhecimentos etc.
Podemos dizer que é essa relação, uma relação de confiança, que viabiliza a educação escolar.
Pois bem: a presença de câmeras em sala de aula é um atestado de falência, assinado pela própria instituição, dessa relação. Sinal de que imagens valem muito mais do que palavras, diálogos, conflitos, encontros e desencontros, regras e transgressões."

Eu queria discutir um pouco essa afirmação da Rosely, que parece implicar que a falência da relação de confiança é culpa da instituição escola.
O que infelizmente temos visto, repetidamente, no noticiário são agressões físicas de alunos a professores, dentro das escolas, e, mais preocupante ainda, agressões físicas de pais, mães, e outros parentes de alunos aos professores.
Na minha opinião isso não indica uma falência das escolas, reflete uma falência da sociedade como um todo. Em primeiro lugar, uma falência dos pais. Sim, dos pais. Que não ensinam mais aos filhos o respeito ao próximo. Porque isso, apesar de ser uma coisa que se leva toda a vida aprendendo, se aprende primeiro em casa.
(Respeito ao próximo não significa obrigação de aceitar as opiniões do próximo. Eu fui criado, e junto com minha mulher, que também é assim, tentei passar isto para meus filhos, para não aceitar passivamente uma opinião de ninguém sem examiná-la e questioná-la à luz do conhecimento que eu já tivesse a respeito do assunto. Isso me levou a ter muitas discussões com professores, do grupo escolar à universidade. Estive certo algumas vezes, errado noutras. Com todas elas aprendi mais um pouco. Para mim, eram coisa normal, faziam parte de estar na escola. Mas, tanto quanto posso me lembrar, creio que nunca deixei de respeitar, no meu comportamento, a relação professor / aluno dentro da sala de aula. E nem depois, passando para o outro lado, nos muitos anos em que dei aulas e treinei pessoas).
Em qualquer relação de convivência, seja na escola, no trabalho, no esporte, na rua, em qualquer tipo de sociedade,  é preciso haver uma coisa que se chama "civilidade".
Uma palavra que se ouve pouco hoje, e que muita gente que gosta de falar em liberdade, em direitos e em cidadania desconhece. Vem do latim "civilis", que significa "próprio do cidadão". "Cidadão", por sua vez, vem do latim "civitas", cidade. É aquele que vive numa cidade. E é do ser cidadão que vem a palavra cidadania.
Civilidade, então, significa o comportamento próprio de uma pessoa que vive numa cidade, quer dizer, a maneira como deve se comportar alguém que não vive isoladamente, vive perto de outras pessoas. É ela que faz com que as pessoas consigam viver numa sociedade. As civilizações existem porque as pessoas vivem em sociedade. O progresso existe porque as civilizações existem. E a cidadania tanto tem direitos quanto deveres. Uma coisa não existe sem a outra. Senão a conta não fecha.
A civilidade pode ser definida, de maneira simples, como o respeito pela pessoa do outro. E a sua regra mais básica, mais essencial, do respeito pela pessoa do outro não tem nada a ver com hierarquia, com autoridade, com posição. Ela diz simplesmente "Não faças aos outros o que não queres que te façam". Ou, de outra maneira, "Trate o outro como você gostaria de ser tratado". É simples assim.
Mas se é tão simples, porque os pais já não conseguem ensinar aos filhos o respeito ao outro? Talvez porque a vida moderna venha tornando isso mais difícil? Porque eles têm menos tempo para passar com os filhos e assim acham que podem delegar à escola esta parte da sua formação? Ou, talvez, porque eles mesmo respeitem menos o próximo?
Eu acredito nesta última razão.  E acredito porque a maneira de se ensinar a civilidade não é falando dela, é pelo exemplo. É vendo a maneira com que os pais tratam um ao outro, os filhos, os que estão perto e os que não estão tão perto, que os filhos aprendem a fazer o mesmo. Não adianta pregar uma coisa e e não fazer o que se prega, as crianças não são burras, elas percebem muito bem como agimos. E o que elas veem?
Veem os pais dentro de uma sociedade onde se diz uma coisa e se faz outra, onde a pequena corrupção (aquela do jeitinho para resolver os problemas imediatos do indivíduo, das carteiras de estudante compradas fraudulentamente para pagar meia entrada, do parar o carro em qualquer lugar porque "é só um instantinho, não vai atrapalhar ninguém", das redes de aviso das blitzes da lei seca nos celulares, da venda de recibos falsos por profissionais para diminuir o imposto de renda dos outros, e de tantos outros exemplos), onde tudo se torna aceitável porque "não faz tanto mal assim, os políticos roubam muito mais", vai tomando conta, onde a violência nas ruas se torna cada vez mais gratuita e os assaltantes matam os assaltados para mostrar ao público que não se deve resistir a eles, ou simplesmente porque não se incomodam mais com isso, e porque sabem que provavelmente não serão presos e condenados. Uma sociedade onde o povo já não respeita a classe política porque ela não respeita o povo que a elegeu. Mas onde o mesmo povo reclama da grande corrupção e acha natural praticar a pequena.
Como vamos querer que eles ajam com civilidade? Como vamos querer que se tornem cidadãos?
Se não souberem viver em sociedade, a sociedade vai falir. Quando uma sociedade cresce, ela só tem dois caminhos: civilização ou barbárie.  Que eu saiba, ainda não conseguiram descobrir outro.

O link para o artigo da Rosely está aqui: http://www1.folha.uol.com.br/educacao/1161476-opiniao-camera-em-sala-de-aula-e-um-atestado-de-falencia.shtml

28/09/2012

A música das esferas - bem, quase...

Um astrônomo do observatório de Harvard, Alex Parker, querendo tornar mais interessantes as suas palestras sobre astronomia, começou a fazer animações sobre dados de observações astronômicas, e produziu os dois vídeos que mostro abaixo.
Um, intitulado "Supernova Sonata - Music of the (exploding) Spheres", contém imagens de supernovas ao som de uma música composta a partir de algumas das propriedades destas supernovas - a distância delas determina o volume do som, a velocidade do aumento e diminuição da luminosidade da explosão determina o tom, e a massa da galáxia onde ocorreu a supernova define o instrumento, variando de um contrabaixo a um piano de concerto.
O outro, intitulado "Kepler 11 - A Six Planet Sonata", segue os movimentos dos seis planetas da estrela Kepler-11, da constelação do Cisne, com o som baseado nas propriedades de suas órbitas e de seus trânsitos pela frente da estrela. Os vídeos foram licenciados pelo seu criador pelo sistema Creative Commons.
Parker não faz apenas animações; a primeira notícia que vi sobre ele foi no blog da professora Fátima Conti, "Um Pouquim da Net", que mostra um mosaico que ele montou a partir de fotografias do telescópio Hubble, formando a imagem do quadro de Van Gogh "Céu Estrelado".





O endereço do post de que falei do blog "Um Pouquim da Net", mostrando o mosaico, é: http://faconti.tumblr.com/post/32102431806

24/09/2012

Construindo uma réplica de um Bugatti de corrida - mas não é um carro, é um avião!

O nome "Bugatti" sempre significou automóveis de grande classe - desde os modelos clássicos do começo do século XX até os modernos Veyron - e quase sempre carros esporte e ganhadores de corridas. Os antigos Bugatti são reverenciados pelos colecionadores, e incontáveis réplicas já foram construídas com diversas motorizações.
Mas pouca gente sabe que Ettore Bugatti projetou e construiu um avião, que nunca chegou a voar, porque sua construção, quase finalizada, foi interrompida pela Segunda Guerra Mundial, que era destinado a ser o avião mais rápido do seu tempo.
O Bugatti 100P foi projetado para concorrer à taça Deustche de La Meurthe de 1939, a principal corrida de aeroplanos da Europa. Bugatti contratou o engenheiro aeronáutico belga Louis de Monge, e os dois projetaram um avião pequeno e leve,  construido de contraplacado de madeira balsa com madeira de lei, pesando menos de 1.500 quilos e propulsionado por dois motores automotivos Bugatti T50B turbocomprimidos, colocados atrás do piloto,  cada um deles com 450HP e cada um girando uma hélice, as duas montadas no mesmo eixo e girando em sentidos opostos, o que compensava o efeito do torque das hélices, que nos aviões convencionais fazia com que o avião tendesse a girar no sentido contrário.
Os motores eram refrigerados por radiadores colocados dentro da fuselagem, para reduzir o arrasto aerodinâmico, e o ar para resfriamento era captado por entradas situadas no bordo de ataque dos estabilizadores e conduzido para os radiadores.
Bugatti e Monge esperavam que o avião atingisse uma velocidade entre 500 e 550 milhas por hora (809 a 890 quilômetros por hora). Em 1939  o recorde mundial de velocidade era do avião alemão de corrida Messerschmitt ME209, construído em 1937, com 756Km/h, e foi explorado para fins de propaganda pelo governo alemão, que nas notícias oficiais atribuía ao avião a designação de ME109R, para que o público pensasse que o caça da Luftwaffe ME109, muito diferente e que só tinha em comum com o ME209 o motor Daimler Benz, era o mais rápido do mundo.
Bugatti e Monge queriam ultrapassar essa marca usando apenas metade da potência do ME209, peso muito menor e uma solução aerodinâmica mais avançada.

                                                                    Desenho do Bugatti 100P

                                                               Desenho original do Bugatti 100P,  Louis de Monge

O governo francês, que conhecia bem a competência de Bugatti, ficou tão impressionado com o projeto que antes mesmo da conclusão do avião lhe deu um contrato para produzir um avião de caça baseado nele, que deveria ser o Bugatti 110P.
 A construção do avião foi iniciada no segundo andar de uma fábrica de móveis em Paris, mas não pode ser completada a tempo de inscrevê-lo para a competição de 1939. Em 1940 os alemães invadiram a França, e Ettore Bugatti desmontou o protótipo e o escondeu num celeiro na sua propriedade rural no interior da França.
Bugatti morreu em 1947, e o avião em 1970 foi vendido a um colecionador americano, que só estava interessado em obter os motores originais para restaurar seus carros de corrida. O comprador vendeu a carcaça do avião a outro colecionador, que começou a restaurá-la, desistiu depois de alguns anos e doou o avião à Fundação Museu da Força Aérea, com a esperança de que esta pudesse restaurá-lo. A Fundação ficou mais uns quinze anos sem saber o que fazer com ele, e acabou doando-o, em 1996, ao EAA Airventure Museum, em Oskosh, Wisconsin, onde está hoje em exibição, sem os motores.
Mas o conceito do avião mexeu com a cabeça de um grupo de entusiastas, que se reuniu para um projeto ambicioso: Construir uma réplica o mais fiel possível, capaz de voar, do que eles consideram como o avião mais elegante e tecnologicamente mais avançado de sua época, para que pudesse ser conhecido dos entusiastas da aviação . A idéia  era extremamente ambiciosa, porque não existem mais nem os projetos nem os cálculos para o avião, além de uns poucos desenhos de De Monge; eles então partiram para fazer um projeto "as built", tomando as medidas a partir da estrutura original preservada no museu, refazendo os testes em túnel de vento, encontrando motores modernos que pudessem ser utilizados, modelando e construindo todo o sistema de transmissão e toda a parte mecânica o mais próximo possível da original.
Chamaram o projeto de "Il Sogno Blu", o sonho azul, e abrem o seu website com estas palavras de um oficial inglês que é mais conhecido como Lawrence da Arábia:
"All men dream, but not equally. Those who dream by night in the dusty recesses of their minds, wake in the day to find that it was vanity: but the dreamers of the day are dangerous men, for they may act on their dreams with open eyes, to make them possible."
(Todos os homens sonham, mas não do mesmo modo. Os que sonham à noite, nos poeirentos recessos de sua mente, acordam de dia para descobrir que tudo não passou de vaidade; mas os que sonham de dia são os homens perigosos, porque podem agir, de olhos abertos, segundo seus sonhos, para torná-los possíveis). 
O trabalho deles é maravilhoso. O avião deve ficar pronto no final de 2012 ou começo de 2013. Está sendo montado com dois motores Suzuki Hayabusa, de 200HP cada.
O site do projeto (vale a pena dar uma olhada)  é:
                          http://www.bugatti100p.com/
e, enquanto a réplica verdadeira não voa, vai aí o vídeo do vôo de um modelo em escala, para a gente ter uma idéia:

10/09/2012

Um helicóptero controlado pelo pensamento

Pesquisadores do mundo inteiro estão trabalhando na tentativa de identificar e utilizar impulsos cerebrais para controlar dispositivos, o que pode significar avanços surpreendentes para a reintegração de pessoas com deficiências físicas. Ao mesmo tempo, a indústria de entretenimento também tem desenvolvido sensores simplificados, no mesmo princípio dos utilizados nos eletro-encefalógrafos, capazes de identificar algumas ondas cerebrais, para uso em jogos e controle de televisões, e alguns já se encontram disponíveis no mercado.
Uma equipe chinesa da Universidade de Zhejiang desenvolveu um sistema que usa um sensor destes acoplado a um laptop para controlar um modelo de helicóptero (um "quadricóptero") vendido no mercado de aeromodelismo. O sensor manda os sinais gerados pelas ondas cerebrais para o laptop, que traduz estes sinais nos comandos para o helicóptero e os envia por Wi-Fi.
Por enquanto conseguiram alguns poucos comandos simples, como: o piloto pensa "direita" e o helicóptero voa para a frente; pensa "esquerda" e ele gira no sentido dos ponteiros do relógio, pensa "empurre" e ele sobe, e assim por diante. Com estes comandos um piloto consegue controlar o aeromodelo, filmar vídeos com a câmara que ele tem embutida e tirar fotografias.
A universidade publicou no YouTube um vídeo sobre a experiência.  Depois de uma introdução de aproximadamente um minuto, explicando o sistema,  eles mostram dois aeromodelos iguais, um controlado por um piloto com os joysticks normais do radiocontrole, outro controlado por um piloto numa cadeira de rodas usando o sensor de ondas cerebrais, realizando as mesmas manobras:

                                                   Vídeo - Universidade de Zhejiang

Como todos os componentes utilizados no sistema já são encontrados normalmente no mercado,  e a preços bastante razoáveis, é fácil prever que teremos uma grande quantidade de equipes trabalhando em projetos deste tipo, o que promete avanços bastante interessantes.

O link para a reportagem original, do site de aviação AVWeb, é:
http://www.avweb.com/eletter/archives/avflash/2316-full.html#207322
 

31/08/2012

O Museu, o Acordo e a língua brasileira

Acabo de ler uma reportagem na Folha de São Paulo (edição digital) de hoje, com o título "Museu da Língua Portuguesa não respeita novo Acordo Ortográfico".
A reportagem começa reclamando do trema usado na frase "A valorização da fala oral e os atrativos lingüísticos", que, continua, faz parte da "defasada linha de tempo do Museu, que parou em 2000 - seis anos antes da sua própria inauguração".
E diz, mais adiante: "Responsável pela instituição desde o mês passado, a OS (organização social) Instituto da Arte do Futebol Brasileiro enviou um relatório à Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo no qual considera ser a adequação dos textos do museu ao novo acordo ortográfico um "ajuste prioritário". 
 Cá entre nós, o mais interessante da reportagem não é o seu tema, que é o Acordo Ortográfico qne foi ratificado, em 2008, por alguns dos países de fala lusófona. Dele falarei mais adiante. O interessante é uma organização social chamada "Instituto da Arte do Futebol Brasileiro" ter ganho a concorrência para administrar o Museu da Língua Brasileira.
Não critico aqui nem o Instituto nem a Poiesis, administradora anterior do Museu. Ambas são "Organizações Sociais", que, de acordo com a Lei federal n. 9.637, de 18.5.1998, são "pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades sociais sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde, atendidos os requisitos previstos nesse mesmo diploma."
Nada tem de estranho ou de inconveniente que a administração de um museu que é uma unidade da Secretaria de Cultura do Governo do Estado de São Paulo seja feita por uma entidade de direito privado (bem, talvez apenas o fato de que a adequação da página do site do Museu que fala de sua administração (http://www.museulinguaportuguesa.org.br/parcerias.php) não seja também um "ajuste prioritário", e muito mais fácil e barato de fazer , porque embora tenha o logotipo do Instituto como assinatura ao pé da página, na data de hoje ainda diz que a administradora é a Poiesis :)
O que me parece estranho é que esta administração seja periodicamente colocada em licitação, podendo mudar de entidade administradora dependendo dos critérios da licitação, que incluem naturalmente o retorno financeiro, e não necessariamente em função da qualidade da administração e dos resultados culturais obtidos.
Bem, quanto ao tão falado Acordo Ortográfico, na minha opinião é um trabalho inútil, ineficaz, e que traz prejuizos operacionais e financeiros ao nosso país.
Explico:
Segundo o documento assinado pelo então Ministro da Educação do Brasil, Carlos Alberto Chiarelli, "o projecto de texto de ortografia unificada de língua portuguesa aprovado em Lisboa, em 12 de Outubro de 1990, pela Academia das Ciências de Lisboa, Academia Brasileira de Letras e delegações de Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe, com a adesão da delegação de observadores da Galiza, constitui um passo importante para a defesa da unidade essencial da língua portuguesa e para o seu prestígio internacional".
O Acordo é inútil porque o português falado no Brasil e o português falado em Portugal (como também, em maior ou menor grau, nos outros países signatários) vem evoluindo de maneira diferente em cada país desde os tempos do descobrimento do Brasil.  São países diferentes, em continentes diferentes, de raças nativas assimiladas diferentes, e culturas naturalmente diferentes. Cada vez mais empregamos palavras diferentes para o mesmo significado, damos significados diferentes para as mesmas palavras, incorporamos palavras de línguas nativas diferentes, construímos as frases de modos diferentes, e não vou nem falar na pronúncia dessas palavras.
O Acordo é ineficaz, porque isso é parte natural da evolução da língua. A longo prazo falaremos línguas diferentes em cada um destes países (se é que não já falamos), como o português, o espanhol e o catalão são diferentes, como o francês e o provençal são diferentes.
Perto disso, as diferenças ortográficas existentes hoje importam muito pouco e há muito tempo já estão incorporadas à maneira de escrever e de falar de cada país.
A língua de maior prestígio internacional, se podemos usar este termo no sentido de utilidade de uso, é o inglês. Um inglês escreve "theatre", "colour", "cheque" e "aluminium" quando o americano escreve "theater", "color", "check", e "aluminum", e nem por isso deixam de se entender ou se preocupam em uniformizar sua ortografia (aliás, se alguém um dia tentar vai ser violentamente atacado pelos dois, cada um dos quais vai dizer que o outro é quem está errado :)
A perda de tempo e os prejuízos operacionais e financeiros de ter que retreinar professores, alterar livros de escola, dicionários, documentos, e rever todas as obras literárias anteriores ao acordo para suas novas edições não precisam de explicação.
Ainda me lembro de uma reportagem da revista "Quatro Rodas", lá pelos idos de 1966, quando a revista resolveu levar para mostrar em Portugal um automóvel Fissore, novidade desenvolvida no Brasil pela DKW. Durante a viagem de navio o carro ficou amarrado pela suspensão para não se deslocar, e a vibração contínua das ondas desregulou os freios. Desembarcando em Portugal e percebendo isso  a equipe levou o carro a uma oficina, e tentou em vão explicar aos mecânicos que queriam que regulassem os freios do carro, até que um mecânico português que tinha trabalhado no Brasil chegou, ouviu, e salvou a situação traduzindo para o dono da oficina: "Ah, o gajo quer que se lhe afinem os travões" :)
Isso foi há quarenta e seis anos, e vocês ainda duvidam que os dois países falam línguas diferentes, ou acham que algum acordo ortográfico vai mudar isso?

http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/1145838-museu-da-lingua-portuguesa-nao-respeita-novo-acordo-ortografico.shtml



28/08/2012

Música subatômica: A Sinfonia do Boson de Higgs

No dia 4 de julho, os cientistas do CERN (a Organização Européia para a Pesquisa Nuclear) anunciaram a descoberta de uma partícula subatômica que correspondia às previsões teóricas para o boson de Higgs, uma partícula elementar cuja existência é fundamental para a coerência do "modelo padrão" da física subatômica atual.
Não vou falar aqui da partícula, a imprensa do mundo inteiro já deu grande destaque à sua descoberta. O que achei interessante para mostrar para vocês foi outra coisa:
Os cientistas perceberam a existência da partícula por um "pico" no gráfico  dos dados obtidos com o Large Hadron Collider, o maior e mais potente acelerador de partículas existente, que foi construído especialmente para pesquisar a existência de partículas deste tipo. O pico pode ser visto no gráfico abaixo, na faixa de 126 GeV (Giga electronVolts) que era exatamente a faixa prevista para o boson de Higgs:

                                                              (Imagem: Atlas Collaboration - CERN)

A equipe da LHC Open Symphony, uma organização que trabalha com o que chamam de "sonificação de dados", que é resumidamente a transformação de dados numéricos em música, para proporcionar  uma maneira alternativa de analisar os dados e perceber seus padrões,  usando os ouvidos em lugar dos olhos, trabalhou estes dados, usando uma rede participativa de computadores (a Italian Grid Infrastructure) e chegou à seguinte partitura:

                                                           (Imagem: LHC Open Symphony)



Abaixo, você pode ouvir a música em três versões diferentes, a primeira tocada num piano de concerto Bosendorfer, a segunda com o piano acompanhado de uma marimba, e a terceira numa versão "de concerto" com piano, marimba, flauta, contrabaixo e percussão:

http://soundcloud.com/lhcopensymphony/higgs-boson-sonification-for

http://soundcloud.com/lhcopensymphony/sonification-of-higgs-boson

http://soundcloud.com/lhcopensymphony/higgs-boson-atlas-complete-mix

Um resumo do algoritmo usado para transformar os gráficos em música, que não vamos colocar aqui por causa da sua extensão, pode ser visto no site da LHC:
https://lhcopensymphony.wordpress.com/the-first-higgs-boson-data-sonifcation/



23/08/2012

"Medalha Obrigatória", por Teca Lobato

Apenas para complementar meu post anterior, acabo de ler na edição online do Estado de Minas, seção "Divirta-se", uma matéria da Teca Lobato que exprime perfeitamente minha opinião a respeito do modo pelo qual os espectadores brasileiros manifestaram sua reação às medalhas ganhas e não-ganhas pelos nossos atletas. Tentei entrar na parte de "comentários" da página dela para lhe dar os parabéns, mas não consegui, parece que havia alguma coisa errada no link para comentar do UAI. Então tomei a liberdade de colocar aqui o link para a matéria dela, para quem quiser ver:

http://www.divirta-se.uai.com.br/html/sessao_50/2012/08/21/ficha_mundoela_comportamento/id_sessao=50&id_noticia=57174/ficha_mundoela_comportamento.shtml

20/08/2012

O brasileiro e os resultados do Brasil nas Olimpíadas

Durante os dias da Olimpíada de Londres, tive a oportunidade de acompanhar via internet, pela ampla cobertura do Terra, a maioria das provas, inclusive algumas que não foram divulgadas pela televisão brasileira. O mais curioso foi acompanhar, na mídia, os comentários de jornalistas e internautas sobre os resultados dos atletas brasileiros. A cobrança feita aos nossos atletas pelos resultados beirou a irracionalidade.
Quando a Fabiana Mürer, por exemplo, não conseguiu chegar à medalha no salto com vara porque perdeu o tempo para sua terceira tentativa por causa das condições do vento, os jornais deram a notícia como "um fiasco" e uma "amarelada", e lembraram o seu problema na Olimpíada anterior, quando suas varas de salto foram perdidas por confusão do pessoal do Comitê Olímpico, dando a impressão de que a atleta, comprovadamente uma das melhores do mundo, a não tinha as condições psicológicas necessárias para competições de nível olímpico.
Mais tarde, as declarações tanto da medalhista de ouro como da de prata de que elas também não teriam se arriscado a saltar nas condições de vento do momento do salto da Fabiana não mereceram mais do que uma pequena nota em um dos jornais.
Pouco depois da Olimpíada, competindo na Liga Diamante, a Fabiana ganhou das duas, que não conseguiram ultrapassar os mesmos 4,55m que a impediram de chegar à medalha olímpica. Mas não vi ninguém usar este resultado para colocar o outro na sua devida perspectiva.
Quando a seleção brasileira masculina de vôlei esteve a dois pontos de ganhar a partida final por três sets a zero e acabou perdendo a medalha de ouro para a Rússia no tie-break, a maioria dos comentários foi de que a seleção não estava preparada para enfrentar uma mudança tática como a feita pelo técnico russo ao colocar um jogador numa posição diferente daquela em que sempre tinha jogado; pouca gente falou do desempenho excepcional do jogador russo de dois metros e dezoito centímetros de altura, que nos dois sets e meio em que jogou na nova posição conseguiu fazer vinte e oito pontos.
Grande número de comentários de internautas criticou a delegação brasileira dizendo que o Brasil gastou dinheiro mandando uma quantidade de gente sem condições de competir apenas para "passear" em Londres, e chegando a dizer que aqueles que não conseguiram chegar pelo menos a uma semifinal deveriam ser obrigados a devolver o dinheiro das passagens. Se esquecem, ou provavelmente nem sabem, que não vai a uma Olimpíada quem quer; para poder ser inscrito o atleta passa por um processo duríssimo de qualificação. Apenas atingir o índice olímpico em um esporte individual já coloca o atleta entre os melhores do mundo. Numa competição de equipe, significa que a sua seleção foi a melhor, ou uma das melhores, nas eliminatórias do seu continente.
Chegar a uma semifinal olímpica já é se colocar como um dos melhores entre os melhores. Nos esportes de equipe e em alguns dos individuais, pelo critério de eliminação, já é ser um ou uma dos quatro melhores do mundo naquele momento.
Para tentar chegar lá, um atleta de alto rendimento sacrifica tudo aquilo que nós, torcedores e comentaristas, consideramos como os prazeres normais da vida, para colocar em seu lugar uma dura rotina de preparação física, preparação mental, treinamento, treinamento, e mais treinamento. De quatro em quatro anos, se for um dos melhores, tiver feito tudo isso e tiver tido também sua parcela de sorte, ele vai tentar uma medalha olímpica de ouro, de prata ou de bronze (e a Olimpíada é uma competição ingrata, porque o público pensa em medalhas e ninguém se lembra do quarto colocado em diante. O Brasil colocou três maratonistas entre os treze melhores: Um no quinto, um no oitavo e um no décimo terceiro lugar. Nenhum outro país conseguiu esse resultado. Quantas pessoas falaram disso?). E nessa única oportunidade, além dos competidores, ele enfrenta também todos os imponderáveis da competição, que podem num segundo desfazer todo este esforço apesar de toda a sua competência.
Se algum dos jornalistas ou dos internautas alguma vez tivesse chegado a competir pelo menos no nível de um campeonato brasileiro de qualquer esporte, teriam sido menos levianos ao julgar nossos atletas. Saberiam também que das propaladas grandes somas de dinheiro gastas pelo governo com o esporte muito pouco chega a cada atleta individualmente. Saberiam também que um país consegue medalhas é cuidando de sua infância e de sua juventude, de sua saúde, da sua educação, colocando gente que entende de esporte e educação física em vez de políticos para comandar o Ministério do Esporte, colocando a prática de esporte nas escolas desde a infância, cuidando do esporte colegial e universitário, incentivando a prática de esportes que o brasileiro médio nem sabe direito o que são, criando centros de treinamento com técnicos competentes, para assim conseguir formar as dezenas de milhares de atletas de onde vai poder selecionar os que se tornarão campeões.
E além de formar os atletas, seria bom preparar melhor alguns dos comentaristas das nossas redes para saber do que falam; antes da partida final de futebol entre Brasil e México, o locutor do Terra comentou que o representante mexicano no Comitê Olímpico Internacional era quem ia entregar as medalhas de ouro ao vencedor, e que ele, um mexicano, se arriscava a ter que entregá-la aos jogadores do Brasil; e completou dizendo que em vez "desse político" deveriam ter escolhido algum grande atleta mexicano. Quando ouvi isso sacudi a cabeça, porque o locutor não sabia que o senhor Olegário Vazquez, o representante mexicano, foi um dos maiores atletas mexicanos do tiro esportivo, que competiu por seu país em quatro Olimpíadas e em diversos campeonatos mundiais, foi por duas vezes recordista mundial e ainda é detentor de diversos recordes nacionais de tiro de carabina, além de uma longa carreira como dirigente esportivo...
E ainda teve o prazer de entregar as medalhas de ouro aos seus compatriotas mexicanos :)

10/08/2012

O Passadiço do Rei - um dos caminhos mais perigosos do mundo

No começo do século XX, durante a construção de duas usinas hidrelétricas na província de Málaga, na Espanha, foi construido um passadiço ao longo de uma garganta de montanha, para que os trabalhadores pudessem transportar material e inspecionar o canal. Começado em 1901, o passadiço foi terminado em 1905. Tinha um metro de largura e era construido em lajes de concreto apoiadas em trilhos, sustentados por suportes metálicos cravados na parede rochosa, a cem metros de altura sobre o curso do rio.
Em 1925, durante a inauguração de uma das represas, o rei Alfonso XII da Espanha atravessou o passadiço, que daí em diante passou a ser conhecido como "El Caminito Del Rey".
De lá para cá o caminho foi abandonado, e foi-se deteriorando por falta de manutenção; com o tempo as lajes se romperam em diversos trechos, os guarda-corpos caíram, e o passadiço, procurado como trilha de aventura por excursionistas, acabou tendo seus acessos fechados ao público, após vários acidentes fatais.
O vídeo abaixo, publicado por Revia Romberg, foi filmado por um excursionista percorrendo toda a extensão do passadiço, ajudado apenas por um cabo metálico fixado ao longo dele. Assistam e me digam se vocês teriam coragem de tentar a travessia. Já houve um tempo (há muito tempo) em que eu provavelmente teria. Hoje sinceramente me arrepiou só assistir.



No ano passado os governos regionais da Andaluzia e de Málaga anunciaram um projeto de restauração, que deve gastar uns três anos, com o objetivo de devolver ao Caminito Del Rey suas características originais, e transformá-lo em atração turística. Aí, então, quem sabe :)

09/08/2012

O Curiosity - um smartphone em Marte?

Na noite de 5 para 6 de agosto o jipinho Curiosity (que tem o nome oficial de Mars Science Laboratory) pousou com sucesso em Marte, depois de uma das manobras mais complexas já tentadas na exploração espacial. O alvo escolhido para ser atingido depois de uma viagem de mais de quinhentos e sessenta milhões de quilômetros foi uma área de quatro por vinte quilômetros, no fundo da cratera Gale. Pesando quase uma tonelada, o jipinho começou a descida dentro de uma cápsula que atingiu a atmosfera de Marte a mais de vinte e um mil quilômetros por hora. A atmosfera marciana, cento e sessenta vezes mais tênue do que a da Terra, causa atrito capaz de destruir uma espaçonave que a atinja no ângulo errado de entrada, mas por outro lado não é densa o suficiente para depois permitir uma descida de paraquedas suave para uma massa como a do jipinho, mesmo se utilizasse airbags como foi feito com as sondas anteriores, bem menores. O processo de descida, então, teve que ser feito utilizando uma sucessão de técnicas diferentes, algumas das quais nunca  tentadas antes, e com a complicação adicional de que não podia ser controlado aqui da Terra, porque a distância daqui a Marte no momento da chegada era tão grande que os sinais de rádio levavam quatorze minutos, viajando à velocidade da luz, para atravessar de um planeta para outro. A nave tinha sete minutos para passar da entrada na atmosfera, a vinte e um mil quilômetros por hora, até a parada do jipinho na superfície. Entrando na atmosfera, a nave seria freada pelo atrito durante pouco mais de quatro minutos, e enquanto isso seria dirigida por pequenos foguetes direcionais para manter a orientação certa; quando a velocidade caísse para perto de mil e quatrocentos quilômetros por hora, dispararia um paraquedas que em mais dois minutos a frearia até uma velocidade de queda de duzentos e noventa quilômetros por hora. Mas se a nave atingisse o chão nessa velocidade o jipinho seria destruído. Então nesse momento, a pouco mais de um quilômetro e meio de altitude, ela deveria soltar o jipinho, carregado por uma estrutura (que a NASA chamou de "Guindaste do Céu") dotada de motores foguete que seriam acionados primeiro para se desviar lateralmente, saindo de baixo do paraquedas, e depois para frear a queda e descer até perto do solo. Mas a estrutura não poderia pousar com os foguetes, porque a fumaça, a poeira e os detritos que eles levantariam do solo marciano danificaria os equipamentos do jipinho. Então, ainda no ar, o guindaste teria que descer o jipinho na ponta de oito metros de cabos, colocá-lo no solo, soltar os cabos e subir de novo com os foguetes para ir cair bem longe, onde o seu impacto não pudesse prejudicar a sonda. O processo, como vocês podem ver, era mesmo muito complexo, com uma enorme quantidade de coisas que poderiam dar errado, e teria que ser todo conduzido de modo automatizado e controlado pela própria nave, porque a distância impedia qualquer possibilidade de intervenção. Por isso a NASA chamou estes sete minutos de "Os Sete Minutos de Terror".

                                             Diagrama do processo de descida (imagem da NASA) 
Com toda essa a complexidade e essas coisas que nunca haviam sido tentadas, tudo funcionou perfeitamente, e o jipinho, com propulsão nuclear, está agora terminando um ciclo de testes para começar sua exploração em busca de sinais de vida em Marte, que deve durar vinte e três meses. As primeiras imagens de suas câmeras já chegaram à Terra.
Ao lado de tudo o que essa exploração pode trazer de conhecimento, um dos aspectos mais importantes, talvez, do sucesso dessa missão, e do qual ninguém falou por aqui, é que a NASA agora tem uma tecnologia capaz de enviar cargas de uma tonelada e colocá-las suavemente em Marte numa área predefinida. Isso quer dizer que ela pode, agora, mandar quantidades de suprimentos, água, alimentos, oxigênio, e estocá-los num local determinado da superfície de Marte, preparando o caminho para a expedição tripulada cujo planejamento tem sido sucessivamente adiado pelos cortes de verbas do orçamento americano.  Quem sabe?
Bom, mas afinal porque o título deste post é "um smartphone em Marte"?
É que o jipinho, com toda a sua tecnologia, suas 17 câmeras, seus lasers de exploração, suas perfuratrizes e seus instrumentos de coleta e análise de material, é controlado por um computador com um processador de 200 megahertz de velocidade, com 256 megabytes de RAM e dois gigabytes de armazenamento flash - alguma coisa como metade da capacidade de processamento de um bom smartphone atual :)
Para quem quiser saber mais, o site oficial da missão na NASA, com muita coisa interessante, está aqui:
http://www.nasa.gov/mission_pages/msl/index.html





27/07/2012

O Crime dos Caminhoneiros

Em greve por melhor remuneração, contra o aumento do diesel e contra algumas determinações do governo que, com boas intenções mas talvez sem um estudo tão aprofundado quanto seria preciso, impõem certas condições de limitação ao seu tempo de trabalho ininterrupto e obrigam a pausas para descanso ao longo das viagens, os caminhoneiros bloquearam por estes dias vários trechos de diversas rodovias Brasil afora. Se tivessem bloqueado apenas a passagem de caminhões que não tivessem aderido ao movimento, seria uma ação ilegal porém compreensível dentro do espírito da greve. Mas em diversos trechos eles bloquearam a passagem de todos os outros veículos, provocando engarrafamentos de muitos quilômetros e fazendo com que viajantes passassem às vezes dez ou mais horas parados nas estradas. Imagine o que é ficar preso por tanto tempo num engarrafamento destes, onde você não tem como movimentar o carro nem para tentar alcançar um posto ou algum ponto de socorro, sem maneira sequer do seu carro ser alcançado por algum veículo de socorro se alguém passar mal dentro dele, porque o engarrafamento se estende por quilômetros à sua frente e atrás de você, sem água para beber, sem uma instalação sanitária ao alcance, e imagine ainda que você tenha crianças pequenas dentro do carro, ou pessoas de mais idade, ou pessoas com problemas de saúde. Pois isso foi o que aconteceu a dezenas de milhares de pessoas nas nossas estradas, anteontem, ontem, hoje pela manhã. Milhares de pessoas que não são as que fixam os preços do diesel, que não são as que decidem a remuneração dos caminhoneiros, que não são as que criam as normas de segurança nas viagens dos caminhoneiros. Pior ainda, que são aquelas que, por falta do cumprimento destas normas, são as atingidas quando um caminhão dirigido por um motorista cansado, tresnoitado, acordado à base de rebite, erra uma curva, perde os freios ou faz uma ultrapassagem proibida e esmaga um ônibus ou um carro de passageiros. Isso que os caminhoneiros fizeram foi um crime. Nada, por mais justas que pudessem ser suas reivindicações (e nem todas são), justifica a prepotência, a inconsciência e o abuso de força com que agiram ao extrapolar o bloqueio para os veículos que não eram de carga. E o que fez o governo? Não falo de atender ou não reivindicações, de negociar ou não com os caminhoneiros. Falo de garantir aos cidadãos o seu direito de livre trânsito. E, mais ainda, de libertar os que estavam numa situação - de fato - de sequestro nas estradas. O que? Pergunto, vai ficar por isso mesmo? Tentem me convencer de que, se eles tivessem bloqueado da mesma maneira o acesso aos prédios do Congresso, à Esplanada dos Ministérios, ao Palácio do Planalto ou aos tribunais, dentro de pouco tempo a polícia e as forças armadas não teriam conseguido acabar com o bloqueio ao menos dos veículos que não fossem de carga. Ou tentem me convencer de que qualquer categoria profissional tem direito a cometer um abuso destes.

16/07/2012

Porque é pior anular o seu voto

Aproximam-se as eleições, e o descontentamento de muitas pessoas com a nossa atual situação política faz com que elas resolvam anular os seus votos como uma forma de protesto. E algumas mais ingênuas repassam pela internet mensagens que dizem que devemos anular os nossos votos porque se forem anulados mais de 50% dos votos a eleição também será anulada, e isso seria uma forma de fazer um protesto ainda mais forte.
Só que não funciona assim. Anular o voto como forma de protesto é uma maneira de aumentar as probabilidades de que ganhem as eleições justamente aqueles candidatos que a gente não quer que sejam eleitos, e a história da anulação das eleições não é verdade.
Anulando nosso voto, a gente abre mão da única arma que tem para conseguir mudar esta desgraça que está aí. É como se num duelo de morte você jogasse fora a sua espada pensando que fazendo isto o seu adversário iria parar de brigar. Infelizmente, estes adversários de que estamos falando são covardes e nem um pouco cavalheiros, e vão adorar nos golpear sem o risco de serem golpeados de volta.
Marcelo Soares, em seu blog "Afinal de Contas", explica bem porque é pior anular o voto; por isso hoje passo a palavra para ele. Leiam o blog dele aqui:
http://afinaldecontas.blogfolha.uol.com.br/2012/07/15/a-lenda-do-voto-nulo/
E se quiserem ver uma explicação do presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Marco Aurélio de Mello sobre porque a história de anular as eleições votando nulo é bobagem, podem ler aqui:
http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u82610.shtml


13/07/2012

PIB não mede nação? Fala sério, Dilma!

Confrontada com as perspectivas cada vez mais baixas para o crescimento econômico do Brasil em 2012, em desacordo com o seu discurso otimista do início do ano, quando disse que nossa economia ia se recuperar e crescer bem mais do que em 2011, a presidente Dilma disse agora, em seu discurso na IX Conferência dos Direitos da Criança e do Adolescente, que um país não deve ser medido pelo seu Produto Interno Bruto (PIB), e que "Uma grande nação deve ser medida por aquilo que faz pelas suas crianças e seus adolescentes".
Talvez ela esteja reconhecendo, afinal, então que toda a propaganda ufanista do governo sobre o Brasil ser "a sexta economia mundial", porque nosso PIB era o sexto maior do mundo, era balela (como já dissemos aqui). Porque, embora o PIB absoluto seja realmente uma medida da quantidade de riqueza gerada pelo país, ele não quer dizer nada enquanto não o confrontamos com o tamanho da população, para saber quanta riqueza o país gerou por habitante. E, mais ainda, como essa riqueza é aplicada para o benefício destes habitantes.
Antes tarde do que nunca, Presidente. Só que a continuação do discurso não convence. Porque se medirmos o Brasil pelo que ele realmente faz pelas crianças e pelos adolescentes, vamos ter que mostrar o péssimo estado de nossa educação fundamental e média, com escolas mal conservadas e mal equipadas, com professores mal pagos, pouco qualificados e estressados, formando jovens que em muitos casos são pouco mais do que analfabetos funcionais, sem a preparação necessária para querer que entrem num sistema de ensino superior que é onde o País concentra seus gastos com a premissa falha da "universidade para todos". Vamos ter que mostrar o estado do nosso sistema de saúde, que deveria atender a estes jovens para que tivessem boas condições para o estudo, e aos seus pais, para que tivessem condições de trabalhar para cuidar deles, vamos ter que mostrar a falta generalizada de segurança e o domínio do tráfico que atrai estes jovens, que não conseguem trabalhar porque não têm a qualificação que precisam e porque o tráfico os seduz com dinheiro mais fácil e a falsa sensação de poder dada pela impunidade. Vamos ter que mostrar a falta de credibilidade do nosso sistema político, que cada vez mais, em vez de bons exemplos, dá a estes jovens exemplos de irresponsabilidade, desonestidade no trato do dinheiro público e impunidade. E tira deles o ânimo e a esperança de poderem vir a consertar alguma coisa por uma atuação política que pudesse assegurar a matéria prima para a indispensável renovação de valores no legislativo e no executivo.
Agora, Presidente, pense também que, ainda que queira sinceramente consertar isso tudo, com o PIB caindo cada vez mais há cada vez menos dinheiro para fazer os investimentos que são precisos, e para assegurar os empregos para a quantidade de jovens que atinge a idade produtiva a cada ano. E tenha ao menos a humildade de reconhecer que uma parte muito grande da responsabilidade pela incapacidade do Brasil de reagir melhor a essa crise mundial, que não é passageira, e que a senhora tanto disse que teríamos condições melhores do que os outros países  para atravessar, é do governo, do seu e dos anteriores. Tanto dos que fazem as leis quanto dos que deveriam fazer cumpri-las. Aí talvez a senhora consiga mobilizar o país para consertar os erros anteriores, reduzir a ineficiência e combater a corrupção que estão prendendo nossos pés quando precisamos desesperadamente de sair do atoleiro da falta de competitividade para assegurar um futuro para estes mesmos jovens de quem a senhora falou.

10/07/2012

Saiba quem são, quanto custam e quanto produzem (ou não) os nossos parlamentares

Uma iniciativa muito interessante da organização Transparência Brasil é o site "Excelências", onde podemos encontrar para cada integrante atual do Senado Federal, da Câmara Federal, das Assembléias Legislativas estaduais e das Câmaras Municipais das capitais brasileiras uma série de informações, incluindo um breve currículo, seus dados de presença e ausência no plenário e nas comissões de que faz parte, as proposições que apresentou em seus diversos mandatos, seus bens declarados à Justiça Eleitoral, os processos em que está implicado, um apanhado das notícias em que seu nome foi citado relativas a corrupção e integridade do Estado, o seu uso das verbas indenizatórias e, no caso dos integrantes da Câmara Federal, como votou em cada proposição que foi apreciada pela casa.
Além disso o site traz informações sobre o orçamento das casas legislativas, onde podemos ter uma ideia de quanto cada parlamentar de cada casa custa (diretamente) a cada cidadão brasileiro. Nesta análise, obviamente, escandaliza o leitor o custo de cada senador brasileiro, superior a quarenta milhões (isso mesmo, QUARENTA MILHÕES) de reais por ano. Este custo é aproximadamente duas vezes e meia o que custa cada senador dos Estados Unidos (um país com uma população bem maior e que em 2011 teve um PIB mais de seis vezes maior do que o nosso) (1).
O site faz também uma comparação de quanto custa todo o legislativo brasileiro (federal, estadual e municipal) comparado aos legislativos de alguns outros países, como porcentagem do PIB per capita.
Se compararmos o custo total dos legislativos em termos do PIB per capita, de acordo com os dados do site para sustentar o nosso cada cidadão brasileiro paga por ano quase SEIS VEZES MAIS do que cada cidadão americano para sustentar o deles.  Esta medida não leva em conta as diferenças de distribuição de renda nos dois países, se considerássemos isso veríamos que o impacto deste custo sobre o cidadão brasileiro médio é maior ainda.
Agora, se o leitor comparar estes custos com a produtividade dos nossos legisladores (que também pode ser aferida pelos dados do site), terá uma idéia ainda mais assustadora de quanto custa a ele escolher mal os seus representantes...
O endereço do "Excelências" é  www.excelencias.org.br
Vale a pena passear um pouco por ele antes de votar nas próximas eleições.


(1) https://realitybloger.wordpress.com/2011/04/04/the-senate-how-much-does-it-cost/

07/07/2012

O que o setor produtivo precisa é o mesmo que o Brasil precisa

A cada dia vemos o governo dizer ou que o Brasil está preparado para enfrentar a crise, ou então que está tomando novas medidas para incentivar a economia. Com as notícias de que a nossa produção industrial está em declínio, cada vez mais evidente, apesar do câmbio mais favorável, o governo tem anunciado medidas para incentivar o setor produtivo. Num seminário na UNICAMP o professor e economista Luiz Gonzaga Belluzzo, conforme citado por Paulo Peres num artigo de ontem na Tribuna da Internet,  disse que a economia brasileira se preparou bem para enfrentar abalos econômicos nos últimos dez anos e mostrou uma postura competente assim que a crise chegou ao país em 2009, e prossegue dizendo: “Nós fomos competentes com as políticas anticíclicas e na nossa reação à crise. Resistimos bravamente, viemos de um ciclo de investimento e consumo muito elevado, o que foi determinante na nossa reação”.
Com todo o respeito pelo professor Belluzzo, discordo dele. Primeiro, por dizer que viemos de um ciclo de investimento muito elevado. O Brasil nas últimas décadas  investiu pouco e mal onde realmente seria necessário para se preparar para um progresso econômico com alguma solidez. E segundo, por dizer que fomos competentes; a nossa reação à crise consistiu principalmente em tentar estimular o consumo, mas sem cuidar das condições de base para que este consumo fosse sustentável. A nossa tão propagandeada posição de sexta economia do mundo se deve muito ao tamanho do nosso país e muito pouco à qualidade de nossa economia. Pouco adianta ser o sexto PIB do mundo em valor absoluto se o PIB por habitante é muito baixo.
O que o setor produtivo brasileiro precisa é o mesmo que o  Brasil todo precisa: que o governo (seja qual for) invista de verdade na infraestrutura (estradas, ferrovias, portos), para reduzir os custos e perdas no transporte de matérias primas e produtos, que reduza o custo da energia elétrica (uma das mais caras do mundo), que diminua a burocracia com seu custo de perda de tempo e de trabalho, que invista (muito, em quantidade e qualidade) em educação, saúde, saneamento básico e segurança, para poder melhorar e aperfeiçoar a capacitação dos trabalhadores de todos os setores. Sem isso continuaremos, como agora e desde sempre, tomando medidas pontuais e de curto prazo, que surtem efeitos também pontuais e de curto prazo, com cada vez maior custo e menos eficácia, e continuaremos vulneráveis a cada nova crise. O Brasil tem o potencial, pelo volume de sua população, de ter um dos maiores mercados internos do mundo, capaz de nos levar a uma situação de país desenvolvido, mas só conseguiremos desenvolvê-lo com sustentação se conseguirmos gerar volume de emprego produtivo com níveis de salário que permitam a integração desta população atual e dos que nascem a cada ano ao mercado consumidor pela sua inserção no mercado de trabalho, e mais tarde a continuação digna de sua sobrevivência depois de aposentados.
Enquanto os nossos impostos forem gastos em propaganda inútil do governo, em desperdício com a estrutura ineficiente da administração, na falta de continuidade de planejamento e execução, na cooptação do legislativo pelo financiamento de emendas para que façam o que já deveriam fazer apenas pela obrigação que têm com os cidadãos que os elegeram, e o pouco que sobra para ser aplicado continuar sendo corroído pelas negociatas, a corrupção e a apropriação indébita para financiar a manutenção dos partidos, continuaremos nos comportando como atletas sem condições físicas, sem treinamento e sem equipamento querendo disputar uma olimpíada onde o prêmio é a sobrevivência do povo e da nação. Há mais de cinquenta anos que vejo os nossos governantes, de todos os partidos, falarem muito e fazerem pouco, e o Brasil continuar na situação cruel de ver, a cada ciclo de crescimento num momento favorável da economia mundial,  a falta de infraestrutura e investimento interromper este crescimento por um aumento perverso da inflação.

02/07/2012

Estudantes americanos conseguem tomar o controle de um UAV

Uma equipe de estudantes da Universidade de Austin, no Texas, foi desafiada pelo Department of Homeland Security dos Estados Unidos a penetrar no sistema de controle de um avião sem piloto semelhante aos UAV (Unmanned Attack Vehicle), utilizados pelas forças armadas americanas na vigilância e ataque a organizações terroristas no Oriente Médio.
Os estudantes, liderados pelo professor Todd Humphreys, do Laboratório de Radionavegação da universidade, usaram pouco mais de mil dólares de equipamento GPS para conseguir interferir com o sistema de navegação do avião, fazendo com que este passasse a seguir o novo rumo determinado por eles. A técnica utilizada, chamada "spoofing", consiste em enganar o sistema do avião de modo que ele aceite os sinais falsos emitidos pelo equipamento dos hackers como se fossem os verdadeiros.

                                                                      Predator UAV (foto U.S. Air Force)

O que mais preocupou o pessoal do Department of Homeland Security foi que eles próprios já estão utilizando UAVs para vigilância interna e de fronteiras nos Estados Unidos, existindo planos de aviões sem piloto desarmados passarem a ser utilizados também por entidades civis, tão logo a F.A.A. (a agência federal de aviação americana) autorize seu uso, com uma previsão de vários milhares deles em operação por volta de 2020. A relativa facilidade com que os estudantes conseguiram tomar o controle da aeronave colocou em pauta o risco de que terroristas possam tomar o controle de aviões sem piloto e utilizá-los para ataques da mesma maneira que empregaram aviões de passageiros nos ataques de 11 de setembro.
Em agosto do ano passado o governo iraniano mostrou fotos e vídeo de um UAV americano muito avançado de reconhecimento, um RQ-170 Stealth, que segundo eles teria sido abatido pelas forças armadas do Irã ao invadir o espaço aéreo do país, caindo mais de duzentos quilômetros para dentro da fronteira. O vídeo, porém, que mostra a aeronave em estado aparentemente perfeito, sem nenhum estrago visível, levantou suspeitas de que o UAV teria aterrissado em vez de cair, o que só seria possível por um defeito pouco provável no seu sistema de navegação, ou por uma interferência deliberada.
O governo americano, na época, preferiu a hipótese de um defeito no sistema, já que ficaria mal assumir publicamente uma invasão do espaço aéreo iraniano, e pior ainda que os iranianos tivessem sido capazes de tomar o controle de um equipamento tão avançado. Mas a demonstração dos estudantes faz a gente pensar...

                                
                          O RQ-170 capturado pelo Irã (vídeo TV iraniana)

Links para as noticias: 
https://rt.com/usa/news/texas-1000-us-government-906/
http://www.popsci.com/technology/article/2011-12/video-iran-puts-its-captured-rq-170-drone-display

29/06/2012

Perder para os chineses - ou construir a Enterprise?

As divergências políticas entre os Estados Unidos e a China impediram esta última de participar do programa da Estação Espacial Internacional; os chineses então resolveram construir uma para eles. O primeiro módulo (Tiangong 1, ou "Palácio Celestial") foi colocado em órbita em setembro de 2011, com a previsão de ficar dois anos no espaço, servindo para o treinamento de astronautas e preparação da construção de uma estação mais definitiva. Em 16 de julho uma equipe de três astronautas decolou do espaçoporto de Jiuquan na nave Shenzhou 9 e fez o primeiro acoplamento de uma nave tripulada com o módulo Tiangong1. O vídeo abaixo, da televisão chinesa, mostra a entrada dos astronautas no módulo Tiangong:



Treze dias depois os astronautas desligaram a nave Shenzhou do Tiangong e voltaram à Terra, descendo no deserto da Mongólia. O vídeo abaixo, também da televisão chinesa, mostra a chegada da nave:



Enquanto os Estados Unidos, atingido o fim do ciclo de vida dos ônibus espaciais, cuja aposentadoria os deixou dependentes das caronas nas espaçonaves russas Soyuz (ironicamente chamadas "União") para o acesso dos seus astronautas à Estação Espacial Internacional, cortam cada vez mais o orçamento da NASA, desativaram o projeto Constellation de voltar à Lua em 2925 e passaram a apostar nos recursos das empresas privadas para o desenvolvimento e operação das naves de transporte à orbita baixa, os chineses preparam a construção de sua estação, que deve ter seu primeiro módulo lançado em 2015, planejam colocar astronautas na Lua entre 2025 e 2030 e em Marte entre 2040 e 2060. À medida em que o programa espacial chinês toma impulso, e avaliando o progresso econômico que a China tem conseguido nos últimos anos, parece bem provável que ela se torne o país líder da exploração espacial dentro de poucas décadas.
Um engenheiro americano lançou a idéia, que à primeira vista pode parecer absurda, de mudar radicalmente os rumos do programa espacial americano e partir para a construção, em vinte anos, de uma nave espacial parecida com a "Enterprise" da série Viagem nas Estrelas, a um custo aproximado de um trilhão de dólares. Parece loucura? Pois ele argumenta que o programa Apollo, durante sua duração, custou perto de meio por cento do PIB americano a cada ano, e que a nave que ele propõe custaria pouco mais de metade disso, 0,27 por cento do PIB durante trinta e cinco anos. Ele produziu um site com um programa bastante bem fundamentado e estimativas detalhadas de custo para a produção da primeira nave e, depois dela, da produção de uma nova nave a cada trinta e três anos, incorporando a cada geração os progressos tecnológicos que forem sendo alcançados nesse período.

                                                         Fotografia: Paramount Pictures

A nave Enterprise funcionaria como um laboratório espacial, tomando o lugar da Estação Espacial, que pode ter que ser abandonada já em 2020, como uma plataforma de carga e como uma nave de exploração. A primeira nave seria capaz de atingir Marte em noventa dias de viagem, com propulsores de tecnologia já conhecida. E depois, quem sabe, continuar "where no man has gone before"?
Vale a pena dar uma olhada no site do engenheiro (em inglês) para ver até onde ele chegou nos seus estudos:
http://www.buildtheenterprise.org/

26/06/2012

O governo incentiva o uso da gasolina, em detrimento do álcool e do país

Para poder aumentar um pouco o preço da gasolina que a Petrobrás cobra das distribuidoras sem aumentar o preço para os consumidores, o governo zerou esta semana a CIDE - Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico - incidente sobre a gasolina. A notícia de redução de imposto aparentemente é boa para os consumidores brasileiros, mas não é boa para o Brasil.
A CIDE, incidente sobre a importação e comercialização no mercado interno de combustíveis líquidos, foi criada em 2001 para "pagamento de subsídios a preços ou transportes de álcool combustível, de gás natural e seus derivados e de derivados de petróleo; financiamento de projetos ambientais relacionados com a indústria do petróleo e do gás; e financiamento de programas de infraestrutura de transportes".
Em 2002 a incidência de sua taxa sobre a gasolina era vinte e três vezes superior à incidência sobre o álcool combustível de mesmo volume, o que representava um incentivo real ao uso do álcool, com todas as suas vantagens ambientais.
De 2003 a 2012 a CIDE, que representava 25% do preço da gasolina e do óleo diesel, foi progressivamente reduzida para não aumentar os preços ao consumidor; estava em 2,7% até a semana passada e agora foi reduzida a zero. Com isto, o governo veio diminuindo gradativamente, até acabar, essa fonte de recursos para investimentos em infraestrutura de transportes e em projetos ambientais, e reduzindo cada vez mais, pelo desequilíbrio cada vez maior nos preços comparativos, o consumo do álcool combustível e consequentemente o incentivo para sua produção, ao mesmo tempo em que veio incentivando, pela manutenção de um preço artificialmente baixo, o consumo dos combustíveis fósseis com todos os seus prejuízos ambientais, e o aumento da quantidade de veículos em circulação, na contramão das deficiências da infraestrutura de que estes mesmos veículos precisam para circular.
Com o virtual congelamento do preço da gasolina o seu consumo aumentou substancialmente, o que, aliado à falta de investimentos na produção, refino e distribuição do petróleo, faz com que o Brasil importe cada vez mais derivados de petróleo - em 2001 importamos dezoito bilhões de litros, em 2010 vinte e sete bilhões.
O resultado final disso tudo, então, embora pareça bom para o consumidor, acaba sendo também ruim para ele, que convive com um trânsito cada vez mais saturado, com uma poluição cada vez maior e com um país cada vez mais despreparado para enfrentar as demandas do seu crescimento.

21/06/2012

Impacto ambiental da geração de energia solar

Respondendo à pergunta do José Augusto, no seu comentário no post anterior sobre a geração eólica de energia, os impactos ambientais da geração de eletricidade a partir da luz solar podem ser de dois tipos:
Primeiro (e comum a todos os tipos de geração de energia) é o impacto ambiental relativo à fabricação das instalações de produção de energia. No caso dos painéis solares, para os painéis fotovoltaicos de silício estima-se que em regiões ensolaradas a energia gasta na sua fabricação pode ser recuperada num prazo aproximado de dois anos. Então a partir de dois anos o balanço energético já é positivo.
Existem também possíveis impactos relativos ao manuseio e processamento dos materiais utilizados na fabricação dos painéis, mas esses são análogos aos da maioria das operações industriais.
Segundo, o impacto relativo à sua operação. Para os painéis instalados em telhados de casas e de edifícios, não existe impacto de uso de terreno; já nas instalações maiores deve ser considerado o impacto ecológico da ocupação do terreno pelos painéis, que conforme o seu tipo podem gerar de 20 a 60 megawatts por quilômetro quadrado de superfície. Para reduzir este impacto deve-se considerar a localização dos painéis em terrenos já ambientalmente degradados. Conforme o tipo de geração existe também o consumo de água, para instalações que trabalham convertendo a energia solar em vapor para acionamento de geradores.
De modo geral, os impactos da geração solar de energia são bem inferiores aos das outras formas de geração.

                                                                  Instalação de energia solar no estado de Nevada - foto U.S. Department of Energy


Alguns links pesquisados:

http://www.ucsusa.org/clean_energy/our-energy-choices/renewable-energy/environmental-impacts-of.html
http://renewableenergyindex.com/solar/environmental-impact-of-solar-panels
http://www.voiceofsandiego.org/science/article_37811382-9d69-5936-adeb-5db1395225e3.html
http://greenliving.nationalgeographic.com/positive-negative-effects-solar-energy-2684.html

18/06/2012

A energia eólica é mais limpa... mas também mata.

Uma das fontes alternativas de energia consideradas mais limpas são as "fazendas de vento", onde grandes turbinas movidas pelo vento movimentam geradores para produzir eletricidade. O uso da energia dos ventos vem se expandindo cada vez mais pelo mundo, e deve se tornar um dos principais modos de geração à medida em que se tenta substituir o uso de combustíveis fósseis.
Mas um aspecto de que pouco se tem falado na grande imprensa é que as turbinas eólicas matam uma considerável quantidade de pássaros, seja pelas colisões entre eles e as pás das turbinas, que acontecem principalmente com os pássaros predadores e os pássaros migratórios, seja pelo seu "efeito espantalho", onde sua presença perturba o movimento normal dos pássaros, isolando umas das outras partes do seu ecossistema, ou ainda pela perturbação sonora que pode influir no alcance de seu canto e na sua reprodução.
Um estudo do U.S. Fish and Wildlife Service, citado em http://www.abcbirds.org/abcprograms/policy/collisions/pdf/Bird_mortality_estimate_032212.pdf  estima que em 2009 as turbinas americanas matavam quase meio milhão de pássaros por ano, o que, com os projetos de aumentar a participação da energia eólica na matriz energética americana com o aumento das vinte mil turbinas em operação em 2009 para mais de cem mil turbinas em 2030, pode resultar numa mortalidade muito maior.
Os pássaros predadores, como os falcões, as corujas e as águias, são particularmente afetados pelas colisões com as pás  das turbinas porque o seu instinto de perseguir qualquer coisa que se mova nos ares faz com que eles se aproximem delas em vez de se afastarem.
Já os pássaros migratórios são mais vulneráveis porque a melhor localização das turbinas, no caminho dos ventos dominantes, corresponde também aos melhores caminhos para eles voarem.
O vídeo abaixo, do U.S. Fish and Wildlife Service, mostra uma águia sendo atingida e morta pelas pás de uma turbina.



Isto não quer dizer que as turbinas sejam as maiores vilãs das mortes de pássaros. Um número muito maior deles morre a cada ano ao colidirem com as fachadas envidraçadas dos edifícios das grandes cidades, ou ao serem atropelados por automóveis nas rodovias, ou pelos efeitos ambientais da construção das grandes barragens que são a outra fonte, supostamente limpa, de energia elétrica.
O que eu quero aqui é chamar a atenção dos leitores para o fato de que, como diz o adágio, "não existe almoço grátis". Também no caso da energia eólica existem impactos ambientais que é preciso tomar providências para reduzir o mais possível.  Providências que já vêm sendo estudadas, como situar as turbinas foras das rotas de migração de pássaros, iluminar as pás para evitar colisões noturnas, equipar as "fazendas de vento" com radares que detectam a aproximação dos grandes grupos de pássaros em migração e desligam as turbinas para dar tempo que eles passem, situar as fazendas preferencialmente em áreas que pela sua ocupação já estejam degradadas ambientalmente em termos do habitat dos pássaros, e assim por diante. 





 

09/06/2012

West with the Night


Wilson Baptista Junior
Faz muito tempo (uns vinte anos), passeando pelas prateleiras de um sebo, eu encontrei um livro e o trouxe para casa.
O livro (que, pelo que eu saiba, não foi traduzido para o português) é a história de uma menina inglesa que com quatro anos de idade, em 1906, foi levada pelo seu pai para morar numa fazenda na África Oriental Inglesa, no país que hoje se chama Quênia.
A pequena Beryl cresceu vendo o pai transformar a selva numa fazenda de produção de trigo e de criação de cavalos de corrida. Cresceu brincando com os meninos da tribo dos Nandi Murani dos Masai, e tratada por eles como uma igual aprendeu a caçar como os Masai caçam, correndo descalça e usando uma lança.
Quando ela tinha dezessete anos uma longa seca destruiu as plantações de trigo da região, e seu pai teve que vender a fazenda e todos os seus bens para honrar os contratos de fornecimento de trigo que tinha assinado e que se recusou a quebrar. Foi então para o Peru tentar recomeçar a vida, mas Beryl não quis ir com ele, preferiu ficar na África e foi ganhar a vida trabalhando como treinadora de cavalos de corrida.
No seu livro ela conta como mais tarde aprendeu a voar e se tornou a primeira mulher piloto profissional da África, os seus vôos transportando passageiros e correspondência e ajudando os caçadores brancos que organizavam safaris (quem tiver lido o livro de Karen Blixen “A Fazenda Africana”, ou assistido o filme baseado nele, “Entre Dois Amores”, com Meryl Streep e Robert Redford - no filme Beryl, que foi amiga de Karen na vida real, aparece como uma garota chamada Felicity - vai se lembrar dos dois personagens masculinos principais, o barão Bror van Blixen, marido de Karen, e o inglês Dennis Finch-Hatton, namorado dela. Os dois são os caçadores profissionais que aparecem no livro de Beryl, que teve a delicadeza de não escrever, talvez porque não considerasse importante para o assunto, que ela também foi namorada deles. Aliás, em nenhum lugar do seu livro ela fala de sua vida sentimental, apesar de ter sido casada três vezes e de ter tido vários outros namorados).
Beryl foi a primeira piloto a fazer sozinha a travessia do Atlântico do oeste para o leste, voando da Inglaterra para a América do Norte, em 1936, contra os ventos dominantes, no sentido contrário do vôo de Lindbergh. Depois voltou para a África, construiu uma carreira de sucesso como treinadora de cavalos de corrida, e lá morreu aos oitenta e quatro anos, em 1986.
O livro dela é apaixonante; não vou falar aqui de sua qualidade literária, prefiro dar a palavra a Ernest Hemingway, alguém que certamente conhecia bem a África e melhor ainda o ofício de escritor. Hemingway escreveu numa carta a seu editor Maxwell Perkins, recomendando que ele lesse o livro:
“Ela escreveu tão bem, e tão maravilhosamente bem, que estou completamente envergonhado de mim mesmo como escritor. Senti-me como se eu fosse simplesmente um carpinteiro das palavras, que pega simplesmente o que lhe dão pra trabalhar e vai pregando os pedaços e às vezes consegue fazer um chiqueiro razoável. Mas ela é capaz de escrever dando voltas em torno de todos nós que nos consideramos escritores”.

“West with the Night” foi publicado em 1942; depois, talvez pela época pouco favorável, não foi reimpresso e caiu no esquecimento até 1983, quando foi  afinal republicado e se transformou num sucesso.

A capa do livro
                                                                       
 
Mas se eu comecei a contar esta história toda para vocês não foi por causa do livro, foi por causa de uma coisa interessante que descobri quando o abri chegando em casa - a pessoa que deu  esse exemplar para seu primeiro dono ou dona escreveu uma dedicatória, numa letra feminina e delicada, sem dizer de quem nem para quem - apenas os primeiros e os últimos versos do Quarto Motivo da Rosa, de Cecília Meireles:
“Não te aflijas com a pétala que voa
também é ser, deixar de ser assim
                           ...
e por perder-me é que vão me lembrando,
por desfolhar-me é que não tenho fim”.

Sempre que me lembro dessa dedicatória fico imaginando porque quem deu o livro escolheu esses versos, porque não colocou o seu nome nem o do presenteado, e porque o presente, com uma dedicatória que talvez tenha querido dizer tanto, foi parar no sebo onde o encontrei em 1992, nem tantos anos assim depois de ter sido dado (porque a sua edição já é a décima terceira depois de sua primeira reimpressão em 1983).
E como só quem deu o livro e  quem o recebeu é que sabem, e provavelmente não vão nunca ler esta história aqui no blog, nós, eu e vocês leitores, não vamos nunca ficar sabendo.