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30/04/2017

A Mãe Desrespeitada

Monte Everest - fotografia aérea de Babasteve (wikimedia commons)


Wilson Baptista Junior
Numa entrevista alguns anos atrás ao jornal “The Independent”, o alpinista inglês Kenton Cool, um montanhista experimentado que já subiu dez vezes ao topo do monte Everest, pediu que a quantidade de montanhistas querendo subir a montanha mais alta do mundo fosse limitada.
Cool, que é um dos diretores da Dream Guides, uma empresa que organiza subidas ao Everest, disse que ficou estupefato ao ver uma fotografia mostrando filas de centenas de turistas pagantes tentando chegar ao topo. Algumas empresas, segundo ele, “oferecem a subida numa bandeja” a turistas sem a experiência necessária de alta montanha, que pagam até sessenta mil libras pela oportunidade. Só em 2012 pelo menos quinze pessoas morreram nas encostas da montanha. Em 2014 foram dezesseis, em 2015 dezenove. Nos sessenta e cinco anos desde que o Everest foi conquistado pela primeira vez até 2012, mais de três mil pessoas já chegaram ao seu topo. Pelo menos duzentas e oitenta e sete morreram tentando, cento e setenta delas nos últimos vinte e cinco anos.
Desde 1977 não se passou um ano sem que uma ou mais pessoas morressem tentando subir a montanha.
Eu ia fazer oito anos em 1953 quando li nos jornais a notícia de que Tenzing Norgay e Edmund Hillary tinham afinal conseguido subir ao alto do Chomolungma, a “Mãe Sagrada”, que é como os tibetanos chamam o Everest, e voltar em segurança. Me lembro até hoje da minha sensação de maravilhamento ao saber que afinal o ponto mais alto da Terra tinha sido atingido, depois de mais de trinta anos de tentativas sem sucesso. Em 1924 George Mallory e Andrew Irvine tinham desaparecido durante a última etapa de uma tentativa, e desde esta data se discute se eles conseguiram ou não chegar ao topo antes de morrer. Só em 1999 o corpo de Mallory foi descoberto por uma expedição organizada expresssamente para tentar descobrir a verdade, mas a posição e o local onde o encontraram encontrado deixam dúvidas até hoje se ele estava subindo ou descendo.
De trinta e cinco anos para cá, com a maior facilidade de se chegar até a base da montanha, e a disponibilidade de equipamentos aperfeiçoados, começou e se ampliou a comercialização da subida da montanha, na qual, segundo Reinhold Messner, um dos dois primeiros montanhistas que conseguiram fazer a ascensão sem o auxílio de cilindros de oxigênio, pessoas com muito pouca experiência são quase que “carregadas” até o topo pelos guias, em expedições nas quais o material de acampamento, a alimentação, os cilindros de oxigênio, são levados e cuidados pelos auxiliares, e os guias vendem aos seus clientes a ideia de que se trata de uma excursão sem riscos. Como se não se devesse mais respeitar a montanha mais alta do mundo, cujo pico está muito além da "zona da morte", a altitude em que o ar é tão rarefeito que nossos organismos não encontram mais a quantidade de oxigênio de que precisam para funcionar, e em que o frio e o vento são inimigos mortais. 
          Em 1996 uma tempestade surpreendeu um total de trinta e quatro pessoas tentando chegar ao topo, matando oito, e elevando o total daquele ano a quinze mortos. Jon Krakauer, um cinegrafista que fazia parte de uma das expedições, escreveu um livro impressionante, “Into Thin Air”, publicado no Brasil como "No Ar Rarefeito", expondo as razões do desastre.
Ralf Dujmovits, um alpinista alemão, tirou em maio de 2012 a fotografia que horrorizou Cool, mostrando a imensa fila de pessoas subindo pela face Lhotse do Everest.  Foi publicada no site “Outside”.
fotografia Ralf Dujmovics (Outside)


Dujmovits disse aos repórteres: “Tive a forte sensação de que nem todos voltariam. E me enchi de tristeza por esta montanha, pela qual sinto um imenso respeito. As pessoas a estão tratando como se fosse uma peça de equipamento esportivo, e não uma força da natureza”.
Nos cinco ou dez dias seguintes à fotografia morreram quatro pessoas.
Um vídeo (também publicado no Outside) mostra a fila de montanhistas subindo sem cessar, de dia e de noite - nas cenas tomadas à noite pode-se ver a fila de luzinhas subindo a crista da montanha:

O vídeo pode ser visto em maior tamanho direto no You Tube:

Messner disse em 2004 (citado na Wikipédia): “Antes, você podia morrer em qualquer das ascensões. Isto significava que você era responsável por você mesmo. Nós éramos montanhistas de verdade, cuidadosos, atentos e até amedrontados... Descobríamos como éramos frágeis, fracos e cheios de medo. Você só descobre isso se se expõe a grandes perigos. Eu sempre disse que uma montanha sem perigo não é uma montanha. Agora, o alpinismo de grande altitude se transformou em turismo e espetáculo. Estas ascensões comerciais ao Everest ainda são perigosas, mas os guias dizem aos clientes: Não se preocupem, é tudo organizado...”.
Mas a Mãe Sagrada continua e continuará sempre a mesma - forte e insensível na sua imprevisibilidade. E as pessoas continuarão morrendo em suas encostas, só que muitas, agora, surpresas e talvez revoltadas pelo inesperado do perigo, e sem saber muito bem o que foram fazer lá...

A reportagem do "The Independent" está aqui:


29/04/2017

O Cemitério é Nosso!

Cemitério São Francisco Xavier - Caju (foto Halley Francisco de Oliveira - Wikimedia Commons)



Antonio Rocha
O artigo do Moacir Pimentel que falava de cemitérios em Paris, me fez lembrar da experiência mística que um amigo teve, na década de 1990.
Ele já é falecido, não vou revelar o seu nome. Era engenheiro importante, tipo chefe de setor de um órgão público do Estado do Rio de Janeiro. Pertencia a uma família tradicional da Zona Sul carioca.
Belo dia ele se converteu a uma linhagem filosófica do Hinduísmo. Peço licença para não citar o nome da denominação, pois a cerimônia que vou relatar era uma iniciação religiosa.
Apenas esclareço que é Hinduísmo e não Budismo. Essa corrente nasceu na Índia, mas está espalhada em várias países.
Numa das iniciações eles dançam com um crânio e um punhal, claro uma imitação de crânio humano, que se compra nas lojas de Umbanda.
Talvez por isso, já nos anos 1950, o Espírito Ramatis em um de seus livros informava que apesar da Umbanda ter nascido em Niterói, suas raízes estão na Índia e ele, Ramatis, escreve Aumbanda, referindo-se a um sagrado mantra hindu escrito AUM, que muitos dizem equivale ao som OM que é Deus.
Curiosamente em grego ON significa “SER”... Um professor antigo, na Faculdade, me dizia que este On grego podemos interpretar como Deus, o Criador. Diga-se de passagem que este professor era um franciscano leigo.
Talvez por isso, o fator Ramatis, e é bem provável que o compositor baiano tenha lido a obra psicografada, Gil fez uma música, que deu nome a um antigo LP “Um Banda Um”. No link acima o leitor pode ouvir a música e acompanhar a letra.
Mas voltemos ao título da matéria. Aconteceu o seguinte:
Bela noite o meu referido amigo iniciado na tal Ordem Hindu, juntamente com outras pessoas ia receber importante iniciação esotérica. Consistia em fazerem os ritos, à meia noite em um Cemitério.
Para não chamar muito a atenção, escolheram um cemitério em um bairro de subúrbio. E lá foi o tal grupo. Naquela época não tinham muitos carros e foi fácil estacionarem nos fundos do “Campo santo”, bem antigamente se chamava assim, ou então necrópole.
Como o portão estava fechado pularam o muro dos fundos, graças a uma pequena escada que haviam trazido. Homens e mulheres vestidos de branco e o sacerdote responsável, com um turbante na cabeça na cor branca.
Curiosamente avistaram, não muito longe de onde estavam, um outro grupo também pulando o muro do cemitério. Perceberam logo pelas roupas, era o pessoal da Umbanda.
Democraticamente cumprimentaram-se e combinaram harmoniosamente que a metade do cemitério era para um grupo, e a outra metade era para outro. O vigia do cemitério apareceu, mas vendo que se tratava de religiosos, voltou para o seu sono com as almas do outro mundo.
Só posso falar do grupo hindu do nosso amigo engenheiro. Os umbandistas segundo ele, se distanciaram e ninguém ficou patrulhando a religião do outro, um bonito gesto de tolerância.
Então, à meia noite, começou a cerimônia com cânticos e danças orientais. Afirmam que esta coreografia esotérica com os crânios e um punhal ajuda a despertar a Kundalini, uma energia interior que desenvolve poderes psíquicos, paranormais e afins.
Imagino que os vizinhos dos cemitérios já devem estar acostumados com cerimônias, cânticos e tambores após a meia noite. Um encontro fraterno entre as almas de vários mundos...


28/04/2017

As Pretinhas

Fotografia: Petar Milošević (Wikimedia - Creative Commons Share Alike)


Moacir Pimentel
Tenho profundo respeito pelas palavras que carinhosamente chamo de pretinhas. Adolescente, eu ficava imaginando como surgira a linguagem humana. Ainda hoje apenas se supõe que alguma coisa aconteceu no cérebro e no sistema vocal do prezado Homus ancestral, em algum momento entre cem e cinquenta mil anos atrás.
Certa vez escrevi uma redação sobre dois caçadores pré-históricos mui amigos. Um deles, distraído, não percebia que um rinoceronte bravio vinha em sua direção. O outro movia os braços desesperado para alertar o desavisado do mortal perigo, mas, incapaz de estabelecer contato visual, não teve outro jeito senão soltar o verbo:
ARRRRRGH!
Deu certo! Fora feita, na pré-história, a comunicação vocal! Tenho certeza de que os nossos ancestrais antes daquele berro salvador se comunicavam por gestos, usavam uma linguagem de sinais. Pois quando evoluímos para a modalidade vocal, nela permaneceu o resíduo gesticular, a expressão corporal e facial, uma intensa linguagem corporal.
Penso que muito lentamente o homem foi desenvolvendo um vocabulário básico, códigos sonoros para os principais marcos e rotinas da sua geografia cotidiana e que, gradativamente, seu cérebro foi evoluindo neurologicamente e seu aparelho fonador fisicamente se adaptando à articulação.
Ou seja, os sons passaram a ser utilizados para representar uma variedade cada vez maior de coisas. Depois deve ter sido assim um tal de…. me, tarzan e you, jane…, uma protolíngua como aquela balbuciada pelas crianças. O certo é que ao criar uma linguagem, nós abstraímos pela primeira vez.
Maravilha-me que a linguagem humana tenha se tornado tão sofisticada ao ponto de expressar absolutamente todos os pensamentos da nossa espécie. Falamos porque éramos especiais. E porque de sê-lo, desenvolvemos novas capacidades cognitivas, a habilidade de imitar os sons e de memorizar informações, o desejo de comunicar nosso entendimento, a necessidade de perceber as vontades alheias e uma vocação para cooperar.
Em seguida, os homus da vez – confundo-me com os seus sobrenomes – resolveram moer minerais como óxido de ferro, ocre e carvão vegetal. Ao pó acrescentaram gordura animal e com as tinturas obtidas e usando as próprias mãos como pincéis, foram pintando animais e humanos e estrelas e símbolos esotéricos pelas paredes de suas cavernas, inclusive a de Lascaux que, para mim, é a Sistina pré-histórica. 
imagem Wikimedia

Ao fazer arte, representando o seu mundinho com cores, formas, linhas, pontos, volumetria e até mesmo sobreposições, o homem abstraiu pela segunda vez. As imagens eram uma nova língua, uma outra linguagem porque contavam uma história, digamos, de uma expedição de caça, em vez de enfileirar simplesmente imagens de animais e pessoas
E finalmente, no que foi para mim a mais revolucionária tecnologia jamais inventada, os nossos ancestrais misturaram numa só, as suas duas abstrações anteriores. Ou seja, deram cor aos sons, forma aos fonemas, linhas às sílabas, ordem pictórica às vocalizações e criaram...
A PALAVRA ESCRITA!
A terceira abstração da espécie humana. O fim da pré-história.
Os nossos ancestrais rabiscaram garranchos cuneiformes em blocos de barro, fazendo exatamente o que fazemos com os nossos laps nas caixas de comentários do blog. A comunicação. Esta escrita, as marcas específicas em argila molhada, feitas com um objeto pontiagudo, foi desenvolvida, a priori, para elencar posses. E então passaram a descrever conflitos (rsrs)
A mais antiga forma de escrita foram pictogramas – símbolos que representavam objetos – e serviram para ajudar a lembrar coisas como quantas vacas pastavam lá fora ou quantas ovelhas seriam ofertadas como sacrifícios nos templos, ou barris de cerveja nos celeiros.
Dos pictogramas pulamos para os fonogramas, que tinham uma forma dinâmica para transmitir o movimento para ou a partir de uma localização. Daí para o alfabeto, foi só uma piscada de olhos da Dona História, que teria sido impossível sem a palavra escrita que contextualizou as evidencias físicas que nos ficaram do passado e que logo tornou-se peregrina, um meio de comunicação à distância necessária em virtude do comércio.
Os escritores puderam, então, passar a indicar o significado as coisas tinham e, assim, começar a expressar ideias. Em meados do terceiro milênio AC, as pretinhas já moravam em documentos econômicos, religiosos, políticos, literários e acadêmicos.
Este novo meio de comunicação permitiu aos escribas criar uma forma de arte que não era possível antes da palavra escrita: a literatura. Nasciam os hinos aos deuses e os poemas aos homens e foram inventados os primeiros contos e poesias épicas. Os mitos, as histórias de deuses e heróis, os métodos de construção, o sepultamentos das gentes, os dias de festa dos povos ancestrais puderam ser gravados para a posteridade.
A literatura primordial surgiu como cânticos clericais ou encantos mágicos, recitada pelos sacerdotes. Carmina, como os romanos chamavam a poesia, significava tanto verso quanto encanto. Uma ode, entre os gregos, significava originalmente um feitiço mágico. Nelas o ritmo e a métrica, sugeridas, talvez, pelos ritmos da natureza e pela vida corporal, foram aparentemente desenvolvidos por mágicos ou xamãs para preservar, transmitir e reforçar a magia de seus versos.
Fora destas origens sacerdotais, o poeta, o orador e o historiador foram diferenciados e secularizados: o orador como o porta voz oficial do rei; o historiador como o gravador das ações reais; o poeta como o formulador e preservador das lendas. Não nos esqueçamos dos trovadores democráticos, que colocavam nos contos ancestrais a música, para a instrução tanto do povo quanto dos nobres.
O papel dos que têm as pretinhas como matéria foi um dos mais importantes em culturas de todo o mundo antigo. Todas as grandes obras da humanidade, só foram possíveis por meio do advento da escrita. Aqueles primeiros escribas trogloditas estabeleceram um sistema que iria mudar completamente a natureza do mundo em que viviam. O passado pode ser preservado através da escrita.
Os materiais usados pelos escritores têm evoluído, a partir das canas cortadas dos escribas da Mesopotâmia, para as canetas de junco e o papiro dos egípcios, os pergaminhos dos gregos e romanos, a caligrafia dos chineses, as iluminuras medievais, a imprensa de Johannes Gutenberg até os dias atuais povoados por composições informatizadas e multimídia.
Em qualquer tempo, desde a sua criação, a escrita tem servido para comunicar os pensamentos e sentimentos do indivíduo, a cultura na qual está inserido, sua história coletiva, suas experiências humanas, e preservar essas experiências para as gerações futuras. A transferência de informações mais complexas, ideias e conceitos de um indivíduo para outro, ou a um grupo, foi a adaptação evolutiva mais vantajosa para a preservação e a evolução da nossa espécie.
Pergunto: como é que podemos, apesar de todas e tantíssimas razões em contrário, não acreditar na evolução do homem que desceu das árvores, ficou de pé e dominou seu habitat? Como não nos orgulharmos dessa história que começou nas cavernas? Como não valorizar o nosso destino humano?


27/04/2017

ROLANTE NÃO É PARIS!

Igreja Matriz de Rolante - foto Prefeitura Municipal de Rolante

Francisco Bendl
Rolante, a cidade que pertence ao RS e onde resido não é Paris.
Apesar de ser a terra onde nasceu um dos artistas e cantores mais famosos do Brasil, o gaúcho Teixeirinha, Rolante não é Paris.
Rolante não tem metrô, bistrô, museus, rio navegável que possibilita a navegação de barcos lotados de turistas, catedrais, parques, arco do triunfo, bairros de artistas, teatros, cinemas... Rolante não é Paris.
Rolante não tem pintores notáveis, escultores magníficos, atores e atrizes de renome internacional, estádios de futebol, cabarés famosos, não teve qualquer revolução... Rolante não é Paris.
Rolante tem uma iluminação razoável, sequer lembra muito de longe a Cidade Luz, igualmente não tem trens que andam a grandes velocidades, os TGV, não teve imperadores e reis, não tem guilhotina, não foi invadida por estrangeiros nas guerras, jamais assinou tratados de rendição... Rolante não é Paris.
Rolante é uma cidade minúscula, onde a quantidade de veículos que possui caberia na Avenue George V, muito menos tem casas de moda, boutiques, da mesma forma não tem vários jornais conhecidos pelo mundo, apenas um informativo mensal e de graça, e se perguntarem para algum morador da cidade o que é uma gare, ela não saberia responder, pois Rolante não é Paris.
Rolante não tem refugiados políticos, também não tem perseguidos políticos. Não tem terrorismo, atentados, caminhões jogados em cima da população e atiradores suicidas, que matam seus semelhantes em face do ódio e preconceitos ideológico e religioso porque Rolante não é Paris.
Rolante não tem uma torre como a Eiffel, muito menos uma edificação parecida. Temos poucos prédios, e os mais altos não passam de cinco andares, a ponto que apenas um deles tem elevador! E não existe na cidade escada rolante, desconhecemos Shopping Center, então Rolante não é Paris.
Rolante é aquela localidade dos sonhos de paz, de calma...
Rolante é uma cidade bucólica, situada entre três rios pequenos, cercada de montes e árvores por toda a cidade, que tem um povo humilde e trabalhador, que ganha pouco, mas sabe se divertir nos fins de semanas quando a maioria das casas faz o tradicional churrasco de domingo, e as famílias se reúnem em torno da mesa e brinda e festeja a vida!
Rolante tem pouco asfalto, as ruas são calçadas com paralelepípedos, alguns até mesmo irregulares, onde a velocidade dos carros são limitadas porque muitas avenidas têm lombadas, impedindo que afoitos possam causar algum acidente e machucar as pessoas, os nossos moradores.
Rolante tem o Rolantchê, um largo e grande espaço de terras onde anualmente oferecemos para os adeptos desse esporte um reconhecido rodeio, festival de corridas de cavalo, laço, danças gaúchas, campeonatos, música e torneios diversos.
Rolante tem a Festa da Cuca, um local específico para esta festividade que atrai milhares de pessoas também a cada ano, com apresentações de artistas nacionais e regionais, oferecendo esta tradicional iguaria alemã em sabores os mais diversos, laranja, uva, pêssego, marmelada, recheios de chocolate, goiabada, uma delícia.
Rolante é famosa pelos festivais de Orquídeas e uma das cidades mais reconhecidas na oferta de Bonsai, que também atrais milhares de turistas que se encantam com essas belezas naturais.
Somos famosos pelas cascatas existentes em Riozinho, um município ao lado, pacato, destinado à lavoura e produtos hortifrutigranjeiros, com cinco mil habitantes. 
fotografia Prefeitura Municipal de Rolante

Rolante tem um CTG (Centro de Tradições Gaúchas), onde a maioria das festas que necessita de um ambiente maior e com estrutura para receber um bom número de convidados, encontra neste local exatamente o que procura e necessita.
Rolante é uma cidade onde seus habitantes acordam pela manhã e vão trabalhar. Param para almoçar, retornam às 14h, encerram seus expedientes às 18:30h e voltam para casa para jantar e descansar para o dia seguinte. Não temos vida noturna.
Rolante possibilita a seus moradores que suas casas podem ficar abertas, diante da inexistência dos “amigos do alheio”!
Rolante não tem assassinatos, a violência das grandes cidades, os assaltos, a intranquilidade, o medo de sair às ruas e de frequentar algum restaurante ou pizzaria ou bar ou cinema.
Rolante tem apenas um pobre, que tem casa própria! Sem renda, humilde, uma pessoa de idade, com um pequeno distúrbio mental, para quem ele vê pede um real. Não adianta dar cinco, dez reais. O pedido é de um real, e mais nada.
Rolante enaltece o ser humano. Não as grandes construções, os prédios históricos, o parques, os bairros, as ruas, as igrejas, os museus, Rolante trata bem seus habitantes.
Os alimentos em Rolante custam menos que na capital, proporcionando que quem pode e gosta, a carne é de primeira qualidade e barata, assim como ovos, leite, queijo, frutas e legumes, verduras e cereais.
O povo é saudável, forte, e longevo.
As mulheres de Rolante carregam consigo a beleza da mulher gaúcha e, se loiras ou morenas, negras ou pardas, elas são lindas, belas, atraentes, dedicadas a seus maridos, namorados, companheiros, e mães extremadas no cuidado de seus filhos.
As suas casas, se imponentes ou simples, grandes ou pequenas, recebem dessas mesmas mulheres atenções especiais quanto aos seus jardins, suas áreas, seus pátios limpos e ajeitados e, no Natal, elas se enfeitam com luzes as árvores cobertas de enfeites adequados ao evento, e Papai Noel em trenós adornam sacadas e janelas das casas de pobres e ricos.
Rolante tem um povo tão bom e honesto, que armazéns e supermercados – três - mantém com seus clientes o famoso caderno, onde são anotadas as compras dos fregueses para pagamento a cada final de mês! E é praxe esta conduta, que significa confiança mútua, respeito e fidelidade entre consumidor e fornecedor, em uma relação hoje em dia absolutamente em desuso nas cidades maiores.
Rolante é tão pequena que não temos concessionárias de veículos!
Nenhuma. Tanto para automóveis quanto camionetes e caminhões.
Mas, Rolante tem uma rua coberta, onde apresentações de colégios e da localidade possam estar protegidos da chuva quando a data coincidir com mau tempo. 
fotografia Paulo R. S. Menezes, Wikimedia Commons

Rolante é maravilhosa porque humana, uma cidade onde as pessoas se conhecem, se cumprimentam, se ajudam. A nossa vizinha nos oferece volta e meia ovos, um pernil de porco, laranjas, um bolo que fez, uma torta...
Da nossa parte, lhe presenteamos com um pudim de leite condensado, alguns bifes à milanesa, que a Marli é uma especialista, uma toalha de mesa, panos de prato, essas delicadezas trocadas entre as mulheres que se dão bem, que são amigas.
Entre mim e o marido desta vizinha, assim como outros amigos que tenho e não conhecem Porto Alegre como eu a domino, eu os levo no meu carro quando precisam ir à capital, uma forma de retribuir as gentilezas entre vizinhos e conhecidos, tanto por eu ter uma larga experiência como motorista como por conhecer a estrada muito bem, gerando segurança e a certeza de que vamos e voltamos em segurança.
Quando acordo aos domingos, embalado pelo tocar do sino da Igreja às 6h, agradeço a Deus morar em Rolante, pertencer a esta comunidade pacífica, trabalhadora, ordeira, educada e respeitadora.
Rolante não é Paris, Rolante é diferente, Rolante é melhor que Paris!



26/04/2017

As desvantagens de ser inteligente

Albert Einstein (fotografia de Yousuf Karsh, Metropolitan Museum of Art)


Wilson Baptista Junior
Para quem tiver ficado preocupado com meu post de dias atrás, que perguntava se a raça humana está ficando menos inteligente, talvez o post de hoje faça pensar mais um pouco...
Satoshi Kanazawa é professor de administração na London School of Economics and Political Science, e pesquisador no departamento de psicologia da Universidade de Londres. Publicou há alguns anos um livro com o título instigante de "The Intelligence Paradox: Why the Intelligent Choice Isn't Always the Smart One" ("O paradoxo da inteligência: Porque a escolha inteligente não é sempre a escolha esperta"), onde estuda a relação entre a inteligência e a evolução da raça humana.
Numa entrevista ao "The Economist" Kanazawa explica que as pessoas menos inteligentes fazem melhor a maior parte das coisas. A razão disso é que, segundo ele, o próprio processo da evolução equipou os seres humanos com a capacidade de resolver a grande maioria dos problemas relacionados com a sobrevivência e a reprodução da espécie: basta que eles façam simplesmente as coisas para as quais a evolução os disciplinou: comer a comida que seja gostosa, acasalar-se com os companheiros que mais os atraiam. Para isso não é preciso raciocínio, as escolhas já foram programadas em nós.
Entretanto, de vez em quando ocorrem problemas que não foram encontrados por nossos antepassados, e para isso a evolução nos equipou com o que chamamos de inteligência geral. Em termos da evolução, estes problemas são raros e espaçados. Por exemplo, para lidar com desastres naturais que ocorriam apenas de vez em quando era preciso ter essa inteligência geral, que nos permite encontrar soluções para problemas para os quais não fomos programados.
À medida em que o progresso tecnológico foi se acelerando o nosso ambiente foi se tornando cada vez mais cheio de situações que são inéditas em termos da evolução, e a inteligência geral passou a ser cada vez mais necessária. Como nos sairmos bem na escola, como fazermos cada vez mais coisas usando computadores, como encontrar um emprego na sociedade de hoje, tudo isso são problemas novos onde as pessoas inteligentes se saem geralmente melhor. Mas nas coisas importantes - como encontrar um bom companheiro ou companheira, como educar uma criança, como fazer amigos, as pessoas inteligentes não levam nenhuma vantagem, e às vezes ficam em desvantagem.
Kanazawa diz que, como a inteligência geral apareceu para resolver problemas inéditos, as pessoas inteligentes tendem também a preferir situações e adotar características inéditas, que não são aquelas da sociedade em geral, que foi condicionada pela evolução. Segundo ele as pessoas inteligentes tendem por exemplo a serem liberais, porque nossos antepassados foram conservadores, preocupando-se mais em proteger suas famílias e seus amigos. Tendem a ser mais ateias, porque a evolução projetou as pessoas para acreditarem em Deus.
Ele explica isso dizendo que os seres humanos evoluíram para serem paranoicos: eles preferem acreditar que há um agente intencional por trás dos fenômenos naturais. E isso porque pensar assim é potencialmente menos custoso do que acreditar em coincidências - quem acredita que o fato de alguém estar querendo matá-lo é apenas uma coincidência tem menos probabilidades de sobreviver do que alguém que acredite que a ameaça seja intencional. Os paranoicos sobrevivem mais do que os descuidados.
Nessa linha de pensamento, as escolhas das pessoas inteligentes não são necessariamente boas ou más, certas ou erradas, mas sempre tenderão para o que for inédito em termos da evolução. Essas pessoas tenderão mais a serem homossexuais, porque a raça humana sobreviveu porque evoluiu para a reprodução heterossexual; tenderão a gostar mais de música instrumental, porque a música começou como uma expressão vocal, e assim por diante. Estarão sempre um pouco na contramão da evolução.
Questionado sobre quais seriam as coisas importantes que segundo ele as pessoas menos inteligentes fazem melhor, Kanazawa perguntou:
“Você preferiria ser um neurocirurgião ou um bom pai? Um bom executivo ou um bom amigo? As pessoas mais inteligentes não se tornam sempre bons pais ou bons amigos. As mulheres mais inteligentes são o pior tipo de mães, simplesmente porque são as que tem menos probabilidade de se tornarem mães (...) Isso porque, como o sucesso na reprodução é o objetivo último do processo evolutivo, as mulheres inteligentes tenderão a ir contra este objetivo.(...) A nossa inteligência não nos permite sermos melhores do que a evolução nos projetou para sermos. Como Saint Éxupéry escreveu - Voici mon secret. Il est très simple: on ne voit bien qu’avec le cœur. L’essentiel est invisible pour les yeux. »"
É... Dá uma discussão bem interessante... De que lado cada um de nós quereria estar?

O texto integral da entrevista de Kanazawa ao The Economist está em: http://www.economist.com/blogs/prospero/2012/06/quick-study-satoshi-kanazawa-intelligence


25/04/2017

Poesias do Butão

Katsuchika Hokusai - Dragão

  
Antonio Rocha

O Dragão perfumado de Sândalo*
Eu sou o Dragão
Eu sou você
O Dragão somos nós.
Dragões são eles
Dragão é o todo
Dragão é ninguém.
O Poder do Dragão
Está aqui e agora
Dentro de cada um
Mas fora de cada ser
O Dragão também é
O Dragão é a consciência:
Ela pode ser brilhante
Ela pode ser frágil.
Depende de você
O Dragão
É a sua mente.
Aroma
Sou perfumado porque espelho as alturas
Venho das esferas celestiais
Para ensinar aos homens e mulheres
O bem supremo da vida.
O lugar onde habito
É impregnado de aroma sutil
O perfume encantador da espiritualidade.
Transpira a Doutrina Budista
E dela não me liberto jamais
Porque ela sou eu
Eu sou você
Ela é você.
E quando você compreender
Que a união está muito além da libertação
Que uma e outra são equivalentes
O sofrimento cessará,
Acontecendo uma, temos a outra
E se você quiser desfrutar deste aroma ótimo
É só enveredar por este caminho.
Estou convidando...
O único requisito é a força de vontade
É a força da fé,
Mas o que alimenta esta força
É o coração.
Linguagem
Eu falo através de versos
De frases soltas
Porque venho de muito longe
Do outro lado do mundo
No sopé da Cordilheira
Do meu querido Himalaia
Mas os versos,
Observe bem, seguem
Um encadeamento natural
Que o desperta para uma vida melhor.
Minha língua é tão distante da de vocês
Que ao me comunicar
Utilizo o recurso mais próximo
Que são estas frases aparentemente soltas,
Mas eivadas de substâncias
Tal como a terra que detém a
Substância seiva
Que dá viço à tenra plantinha.

(*) O título no remete ao Butão, um reino budista encravado nas montanhas do Himalaia. É o único país do mundo onde o PIB – Produto Interno Bruto tem a ver com a Felicidade de todos os seres vivos.
- Dragão, na simbologia é a nossa mente, quem bem trabalhada pode ser poderosíssima.
- A imagem do sândalo é um ensinamento do Buddha: “seja como o sândalo que perfuma o machado que o fere”. Visualize a cena: um lenhador vai cortar a árvore sândalo e em cada golpe do machado, a ferramenta fica perfumada e o lenhador também com o aroma dessa árvore. Dificílimo de praticar, reconheço.
- Os três textos, de minha lavra, parecendo poesias foram retirados do meu livro “O Poder do Dragão – Proteção e Sabedoria no Budismo”, editora Espaço e Tempo, 1993.



24/04/2017

Descendo de Montmartre

fotografia Moacir Pimentel

Moacir Pimentel 
A foto que inaugura o post comunica exatamente a sensação que se tem ao descer a butte de Montmartre por caminhos tranquilos e distantes das multidões: uma ambiência de paz, verdura e silêncio. A cada esquina, a cada lance de escada, a cada curva aparecem novas alamedas, fontes e estátuas, casas magníficas, becos interessantes e os cemitérios povoados por arte da melhor qualidade.
Um dos nossos recantos prediletos nessa esquina de Paris é a Allée des Brouillards - a Alameda das Neblinas - estreita e romântica, rodeada por jardins e frequentada diariamente pelos moradores do bairro em busca de sossego. Ah, se essa alameda falasse! (rsrs)
Ela nos leva da Praça Dalida ao Castelo das Neblinas - onde viveu e morreu e escreveu seus sonetos e quimeras o grande poeta Gérard de Nerval – e, ao fim e ao cabo, e em meio às folhagens, ao musgo, às grades de ferro, aos lampiões e às velhas pedras, ainda nos oferece visões das cúpulas brancas da Sacré Coeur.
fotografias Moacir Pimentel
  
Hoje restaurados e abertos ao público, a Alameda e o velho Castelo das Neblinas são joias ofuscadas pela Praça Dalida idealizada e construída em homenagem à famosa cantora de origem italiana Yolanda Cristina Gigliotti, a Dalida, que encantou a Europa cantando canções como Soleil, Soleil, Mamy Blue, Paroles, Paroles e Ciao, Amore, Ciao.
Conhecida como A Viúva Negra porque vários de seus amores – o marido e dois amantes, um deles o compositor e ator Luigi Tenco – cometeram suicídio, Dalida morou em Montmartre até que também acabou com a própria vida em 1987.
O que nos surpreende nessas ladeiras de Montmartre é a grande concentração de casas e jardins. A Villa Léandre, bem escondida das hordas de turistas, é um exemplo dessa sombreada verdade que merece ser conhecido. Ela é, nada mais nada menos, do que um beco de casas enfileiradas que diferem entre si, para discordar, em seguida e lindamente, da arquitetura do resto de Paris.
A Villa que foi construída no local de um antigo moinho em 1926, costumava ser chamada de Villa Junot mas foi rebatizada em homenagem a Charles Léandre, um humorista de Montmartre.
Algumas de suas casas são de tijolo vermelho em um estilo claramente anglo-saxão, várias delas têm telhados inclinados, todas têm diferentes cores, um pequeno jardim e uma lanterna tradicional na porta. A rua é iluminada por postes antigos.
A Villa des Platanes é outro oásis tranquilo do bairro, com seus esplêndidos edifícios de apartamentos do século XIX agrupados em torno de pátios verdes. Não muito distante se descobre o Hameau des Artistes e, circundado por jardins, o seu obelisco de pedra, erguido em 1736 para marcar a linha do meridiano de Paris. Mais adiante nos espera a Cité du Midi, outro bequinho sem saída que tomou seu nome emprestado dos seus primeiros proprietários que vieram do sul da França.
No sopé da colina, mesmo a Avenida Junot - batizada em homenagem ao famoso general apelidado por Napoleão de “A Tempestade” - tem muito verde nas suas casas e escadarias laterais maravilhosas nos provando que, quando Montmartre era ainda um “maquis”, pouco mais que um terreno baldio coberto de mato, lá se construiu uma bela avenida.
fotografias Moacir Pimentel

             A fachada modesta e verde escura e envidraçada que se vê na última foto inferior à direita da montagem tem, para todos os amantes da arte, uma importância muito grande. Trata-se de um predinho restaurado que na primeira década do século XX era chamado de Le Bateau Lavoir - numa alusão às barcaças usadas pelas lavadeiras de roupas à beira do Sena. O endereço é um dos mais famosos da cidade, por ter servido de atelier e moradia para artistas como Picasso, Juan Gris e Modigliani. Esse
pardieiro sem eletricidade, aquecimento ou água corrente no número 12 da Rua Ravignan, numa das laterais da Praça Emile Goudreau, foi o berço do cubismo.
E já que estamos na Praça posso recomendar o terraço à sombra do bistrô Le Relais de la Butte para um bom café expresso em um ambiente tranquilo e descontraído com vistas agradáveis.
fotografia Moacir Pimentel
              Todo o fascínio de Montmartre se esconde nesses ambientes, nas escadarias estreitas, nos prédios baixos colados uns aos outros, nas padarias, mercearias, cafés, e floriculturas do bairro. Todos os cartões postais icônicos são ofuscados por esses recantos simpáticos e pacíficos frequentados pelos nativos.
Nada é mais agradável em Montmartre do que essas áreas sem tráfego ou agito, espalhadas pelo bairro, onde os moradores mais idosos passam o tempo jogando conversa nas mesas externas dos cafés e as crianças brincam nas pracinhas. E tem os cemitérios...
Devo admitir que quando a minha então namorada e hoje avó de meus netos, começou a manifestar a vontade de, nas nossas férias - Cruz Credo! - visitar os cemitérios das cidades que visitávamos eu fiquei preocupado (rsrs) Após mais de três décadas de visitas confesso que fiquei viciado na beleza e na paz que eles oferecem.
Nas aldeias europeias os moradores têm a tradição de, aos sábados, cuidar dos túmulos de seus entes queridos. É quase um programa. Antes de irem ao Café para o primeiro do dia, colocam nos carros os apetrechos necessários para a faxina e a decoração. Do Café vão às flores e de lá para os cemitérios. Vizinhos se encontram e conversam enquanto estão polindo os bronzes e arrumando as flores. E pronto: dever cumprido e hora de aproveitar a vida.
Os portugueses emigrados, ao deixar Portugal, confiam aos parentes ou amigos ou vizinhos “os dinheiros das tumbas” para que as últimas moradas dos seus continuem a ser bem cuidadas. Quem visita qualquer pequeno cemitério de aldeia na t’rrinha após as missas na manhã de qualquer domingo o encontra colorido como um jardim em flor. A mesma coisa acontece em qualquer aldeiazinha do velho mundo.
Mas é a beleza, notadamente aquela das esculturas e não as flores ou os famosos moradores que fazem os cemitérios na Europa serem visitados por multidões.
fotografias Moacir Pimentel

A bem da verdade na região na qual nos encontramos eu prefiro o vizinho Cemitério de Montparnasse, talvez porque alguns de meus velhos amigos se encontrem por lá: os filósofos e autores Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir e o grande poeta Charles Baudelaire.
Na companhia dos dois dramaturgos  Eugène Ionesco e Samuel Beckett, do poeta e cantor Serge Gainsbourg, do escritor Guy de Maupassant e daquele beijo de Brancusi, no topo do túmulo de Tania Rachevskaia, uma anarquista russa que se suicidou por amor.
Mas Montmartre também tem belos cemitérios. O primeiro deles foi inaugurado em 1824, em uma pedreira de gesso abandonada. Durante a Revolução Francesa, as pedreiras foram usadas como sepulturas coletivas. Após a revolução, a pedreira de Montmartre tornou-se um verdadeiro cemitério, inicialmente chamado Cimetière des Grandes Carrières - das grandes pedreiras – antes de se tornar o Cemitério de Montmartre.
Na Rua Caulaincourt um belo viaduto de ferro trabalhado em treliça e chamado de Pont Caulaincourt passa sobre o campo santo onde o túmulo de mármore Art Nouveau de Émile Zola ainda pode ser visto embora seus restos mortais tenham sido transferidos para o Panteão.
Depois de terem vivido no bairro, dormem seus sonos eternos naquela paisagem tranquila o cientista Jean Foucault, Adolphe Sax, o inventor do saxofone, o diretor de cinema Marcel François Truffaut, os pintores Edgar Degas e Gustave Guillaumet, Alexandre Dumas, o filho, o poeta suicida Heinrich Heine e o compositor Hector Berlioz.
Já na Rua des Saules se encontra, desde 1831, o Cemitério de Saint-Vincent onde foram sepultados os pintores Gen Paul, Eugène Guignard e Maurice Utrillo, os compositores Arthur Honegger e Jacques Offenbach, o escritor Marcel Aymé, a linda Dalida e a lendária Léontine Aubart - conhecida como Ninette - uma das mais famosas cantoras do cabaret Au Lapin Agile por quem o milionário e colecionador de arte Benjamin Guggenheim perdeu a cabeça – dizem! – logo depois dela ter sobrevivido ao Titanic.
Eu contemplo aquelas estátuas soberbas, leio os nomes de bronze de estranhos e a duração das vidas que tiveram e imagino como teriam sido e vivido aquelas pessoas ali tão pungentemente homenageadas.
Para mim um cemitério é um livro, cada lápide uma metáfora da desimportância das coisas ou um lembrete do quanto estamos à mercê do inesperado. Vislumbro naquelas alamedas sombreadas milhares de testemunhos da nossa incontornável vulnerabilidade ao amor e à falta dele.
Cada tumba é uma crônica de dores das quais, de saída, não se consegue falar a não ser na terceira pessoa do singular e de como, ao fim e ao cabo, tudo vira saudade e simplesmente se sobrevive às perdas. Em cada mármore leio um relato triste de amores audíveis no silêncio dos bronzes brilhantes que vão se tornando mais opacos enquanto o tempo passa, polidos que eram durante visitas sofridas que vão diminuindo, se tornando cada vez mais esparsas, enquanto a vontade de viver se impõe e a vida e sua trivialidade maravilhosa vencem a morte.
E assim, com calma e quase sem nos dar conta, descendo vagarosamente, já estamos noutra região encantadora de Montmartre: Les Abbesses.
A não perder na Praça des Abbesses, em primeiro lugar, a entrada do metrô, que foi projetada e desenhada pelo arquiteto e desenhista que representa o próprio espírito da Art Nouveau: Hector Guimard. Na verdade, esta maravilha não era a entrada original do metrô das Abbesses. Instalada inicialmente na estação do metrô do Hôtel de Ville, ela foi trazida para Montmartre na década de 70. É um dos poucos originais concebidos por Guimard, em 1912, que permanece em uso na cidade.
fotografias Moacir Pimentel

 Devido às árvores é difícil fotografar a igreja, ao fundo, a primeira construída em concreto armado na Paris de 1904. O que é uma pena pois os seus belos arcos Art Nouveau e a sua fachada de inspiração mourisca conversam muito bem com a pracinha. As linhas limpas e geométricas e os materiais ásperos da construção são destacados pelo notável colorido dos modernos vitrais e pelo altar de mosaicos policromados do templo.
Trata-se da Igreja Saint-Jean L’Evangéliste de Montmartre que, graças à fachada, foi agraciada com o apelido de Notre Dame des Briques ou Nossa Senhora dos Tijolos.
A pracinha oferece aos miúdos nativos e estrangeiros escorregas e gangorras para felicidade dos pais e hospeda outra legítima fonte Wallace para a alegria dos turistas jovens e de orçamento apertado onde não cabem as águas minerais.
Normalmente a pracinha é enfeitada por um pequeno carrossel decorado com pinturas de crianças no estilo do pintor Francisque Poulbot, um dos mais queridos do bairro, que aliás nomeia a rua onde visitamos o Museu Dalí.
Tem mais. Atrás da Praça des Abbesses existe uma outra pracinha. Só quem realmente caminha pelo espaço com um olhar atento percebe esse outro parque fechado por portões de ferro e cheio de árvores e bancos, de nome Praça Johan Victus, que é popular por causa de uma obra de arte na sua parede lateral, se bem que os antigos arcos da velha Abadia na parede ao fundo têm muito encanto. Veja no canto superior esquerdo da montagem.
fotografias Moacir Pimentel

Porém neste cantinho de Montmartre, onde os idosos ainda fazem ramos de lavanda para vender nas calçadas, a modernidade está ganhando disparado. 
Apresento-lhe o muito fotografado Le Mur des Je T'aimes - O Muro dos Eu Te Amo. Na parede a frase de amor está escrita trezentas e onze vezes em duzentos e oitenta idiomas diversos. O painel é de autoria do artista plástico Frédéric Baron que, com a ajuda da calígrafa Claire Kito, imitou as frases originais escritas por centenas de pessoas de nacionalidades diferentes.
Auxiliado por um especialista em azulejos, Baron ergueu um muro de quarenta amorosos metros quadrados em azul. É um trabalho incomum, feito com o intuito de unificar, de juntar povos e indivíduos em uma época de conflitos e violência.
O melhor da festa é sentar e assistir de camarote como todos os tipos de pessoas vão até à parede e interagem com ela e com seus acompanhantes e/ou caras metades. Diz a lenda e os “guias” que, do casal , quem encontra primeiro o “eu te amo” na sua língua nativa tem mais amor no coração.
Uma dica de quem sabe o que diz: deixe-a ganhar, amigo!
E não caia na besteira de “filosofar” sobre o que diz a lindíssima Rita Hayworth acima da parede dos amores:
"Amar é uma bagunça... então vamos amar!"
E depois ?
Bem, são as pequenas coisas que nos dão alegria nessa vida e elas, geralmente, são de graça. Viajar é uma maneira de se aprender isso.
Então eu presto atenção ao que está diante de mim e cuido de fotografar com cuidado - já antecipando a alegria dela ao olhar as fotos no lap mais tarde - as coisas pequenas que minha companheira de vida e de viagem vai apontando encantada: uma parede antiga transformada em floresta, uma escultura efêmera, uma janela florida, uma vitrine cheia de vidros coloridos e – “que liiindas!” – muitas caixinhas.
fotografias  Moacir Pimentel

Tudo bem que eu preferia ver os cartazes da lendária Nana La Cascadeuse, a bailarina e estrela das quadrilhas de cancan do Moulin Rouge que, segundo dizem, tinha as pernas mais belas de Paris na loja. Mas fazer o quê?
É a hora das “comprinhas”.
E aí a visão periférica registra um pessoal se esbaldando a comer um enoooorme pedaço de queijo derretido sobre pães, batatas, presunto, salame e pepinos e cebolas em conserva...
@$#&@$#&@!!!!
Fazer o quê? Jantar às sete horas da tarde – sim, pois o sol luta contra o céu noturno até às nove! - numa calçada da Rua des Abesses ao som da serenata que um sujeito e o seu violão fazem nas redondezas.
Uma e meia garrafas de Riesling mais tarde, à beira de uma indigestão e nem um pouco arrependidos do pecado da gula, o jeito é seguir de braços dados e pernas cambaleantes até a estação do metrô mais próxima.
Afinal se vai a Paris é para ser feliz, amanhã será outro dia e ainda estaremos Sous Le Ciel de Paris