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31/08/2016

Conversando com as Cobras

Antoine de Saint-Éxupéry - Desenho original


Antonio Rocha

Nesta vida, o meu primeiro contato com as cobras foi aos seis anos, um tio me deu de presente “O Pequeno Príncipe”, de Antoine de Saint – Exupéry.

Eu estava iniciando o abecedário e ele me entregou uma preciosidade que guardo até hoje. Publicação da editora Agir, 1958. Tradução de Dom Marcos Barbosa, do Mosteiro de São Bento, RJ, e da Academia Brasileira de Letras. Conceituado jornalista, onde semanalmente pontificava uma crônica.

Tive a honra de conhecê-lo, graças a uma amiga da família que era ex-freira e prima dele. Certa feita, em memorável noite, na época da Semana Santa, à meia noite apagam-se as luzes do convento, todos vão para o pátio, monges e visitantes. Acende-se a fogueira e entoam-se inesquecíveis hinos e cânticos gregorianos.

Após a cerimônia, nossa amiga nos levou, eu e minha esposa, para o refeitório e participamos da ceia com os monges. Haviam outros leigos, então conheci o consagrado escritor Dom Marcos Barbosa.

Mas, voltemos às cobras...

Na página 2 do citado livro tem o desenho do autor: uma jibóia que engoliu um elefante.

Seguindo nessa linha do tempo e visitando um antigo Templo Budista que ainda existe no bairro carioca de Santa Teresa, RJ, vi o monge, nascido no Sri Lanka, varrendo uma cobra para a floresta.

Lá eles não matam nada. Questionei e o monge me respondeu: “Tem tantas por aqui, se matar uma vem outra, eu prefiro varrê-las”.

Depois, um outro monge que chegou, também do Sri Lanka, ganhou um gato de presente e resolveu o problema, disse-me:

“Onde tem gato não tem cobra”.

E é verdade, as cobras sumiram, de vez em quando o heróico felino pegava uma cobra... seleção natural... não houve interferência do ser humano.

Assim que casei fomos morar em uma casa que se coligava com o terreno da Floresta, do alto de Santa Teresa, já no Parque Nacional da Tijuca. E como tinha cobra...

Fui aprender nos livros os hábitos das mesmas.

Aprendi também, budisticamente, a fazer preces e orações a um determinado plano no astral invisível onde ficam os espíritos das cobras pedindo proteção, pois minha filha acabara de nascer.

Belo dia ela ganhou um patinho de presente, quando cresceu vimos que era uma pata (colocava ovos) e uma vez a pata encarou e botou para correr uma cobra.

Nas minha aulas de autodidata em cobra, estudei que a época de reprodução delas é no mês de maio e, então, era um problema pois apareciam cobras demais, venenosas, uma delas, mordeu e matou uma cadelinha vira lata que tínhamos.

Que fazer?

Mediante os meus aprendizados esotéricos decidi “conversar” com as referidas. Fui para o meio do mato, o terreno era grande, entoei mantras, preces, orações, proteções e falei que estava estabelecendo um limite.

Da parte onde eu estava para baixo, elas podiam viver felizes. Todavia, se subissem eu, a contra-gosto, teria que matá-las, sabendo budisticamente que eu iria receber carma negativo, mas era uma questão de sobrevivência da minha família e amigos.

Depois disso, apareceram poucas... tive que assassiná-las em legítima defesa. Fervíamos um caldeirão e quando a água estava em ebulição jogávamos na cobra.

Lamento, por elas, triste fim, mas era um mal necessário.

Tenho outras crônicas de cobras e similares, depois conto.

Obs.: De acordo com o Budismo, qualquer pessoa, pode e deve conversar com todos os seres vivos e também os seres invisíveis.

Acredite se quiser, mas por enquanto, tem dado certo.



30/08/2016

Felicidade

imagem www.pursuitofhappiness.org


Francisco Bendl

Definitivamente o ser humano não pode conhecer o que vem a ser felicidade plena, tampouco sentir a devida sensação deste estado, que incluiria o físico e mental.

Drummond de Andrade dizia que, “ser feliz sem motivo é a mais autêntica forma de felicidade.”

Penso que sem qualquer impulso não se sabe o que é felicidade, pois alguém que vive o seu mundo é egoísta, desinteressado, e sem que as pessoas que lhe rodeiam não sintam o mesmo, discordo desta definição dada pelo gênio mencionado.

A menos que seja um completo alienado, desinteressado pelos outros e, mesmo assim, a tal felicidade estaria incompleta porque haveria a solidão, o isolamento, e como defini-la desta maneira, sem companhia?

Admito que, em certos momentos da vida, algumas pessoas possam ter tido uma emoção que as levasse perto da felicidade, pois a vida lhe sorriu e seus familiares estavam bem, momentaneamente, porém, com o tempo, esta alegria se dissipou e a existência voltou à normalidade, e seus inerentes obstáculos diários.

Agora, podemos classificar a intensidade desta felicidade, a ponto de podermos afirmar que todos nós, indistintamente, tenhamos tido uma pequena amostra desta sensação e emoção que se tornam únicas, incomparáveis, inigualáveis.

Por exemplo:
O indivíduo estar de posse de seus cinco sentidos, independente da sua situação pessoal, profissional, familiar, social, econômica... Ter a audição, olfato, paladar, visão e tato, é uma bênção, que devemos agradecer diariamente possuirmos esses dons.

Outro momento de felicidade, indiscutível, é o sexo com a mulher amada, pouco importando a condição do momento.

O nascimento dos filhos - são tido e havidos como superiores na felicidade que transmitem aos pais, que predomina sobre a forma como se encontram econômica ou socialmente.

Igualmente quando esses filhos são netos, e ocasionam nos avós uma felicidade que a maioria descreve como quase plena, eu sou um desses que atestam esta emoção e sensação.

Uma viagem dos sonhos que finalmente é realizada, certamente acarreta uma felicidade imensa.

Depois descamba para alegrias no que tange a compras de objetos muito estimados e desejados, tais como a casa própria, um carro, férias em hotéis de luxo ou agradáveis, aquisições de relógios, roupas, livros...

Porém são momentos que não duram a vida inteira, que se perdem pelo caminho ou desaparecem de nossas vidas no transcorrer do tempo, gerando sofrimentos infindáveis e quase insuportáveis, em consequência.

Assim, definir felicidade é impossível, ainda mais quando o intelecto atinge níveis de questionamentos que transcendem a matéria, os metafísicos, a busca de nossas origens, objetivos e destino.

Por outro lado, não acredito que a felicidade seja o poder que temos para dificultar a existência nossa e dos outros, de causarmos problemas graves, uma espécie de sentimento ao contrário de êxtase para sofrimento, de sadismo para o masoquismo. Acho que não, apesar de haver pessoas que se comprazem na dor alheia e de si próprias!

Também não pode ser a felicidade estarmos vivos, pois a morte é inevitável como consequência de se viver, então seria uma explicação muito simplória.

Como definir a felicidade?

Não sei, confesso. No entanto, acredito que a falta de elementos que tenho para defini-la esteja na razão direta que sou humano e emoções, sentimentos, sensações de grande prazer e constantes nos são proibidos porque somos limitados, estamos atrelados à sobrevivência, à comida, à bebida, ao vestuário, a remédios, ao envelhecimento, a tempo de vida, a companhias, de se fazer parte da sociedade...

Entretanto, não existe um caminho para a felicidade. A felicidade é o caminho, diz o monge budista e vietnamita Thich Nhat Hanh.

Pode ser esta a definição mais realista, por subentender-se que, a capacidade de luta, de decisão, é um tipo de felicidade, como a opção feita para se levar a vida adiante é a felicidade almejada, a liberdade!

Particularmente, uma definição sobre felicidade que mais gosto e que mais se aproxima da vida que tive, é fornecida por Sócrates, quando o filósofo grego assim a define:

“Meu conselho é que se case. Se você arrumar uma boa esposa, será feliz; se arrumar uma esposa ruim, se tornará um filósofo.”

Na razão direta que me identifico como um feliz marido, pai e avô, e jamais filósofo, justamente pelas minhas perguntas rotineiras e que não encontro as respostas, o sábio da Grécia tinha plena razão, obrigando-me a concluir que encontrei a felicidade e que dura muitos anos, quarenta e seis, ao me casar com a mulher amada, e mantê-la comigo todo esse tempo!


29/08/2016

A Não Negação de Pedro


Moacir Pimentel

Eis outra joia rara que mora no Rijksmuseum da bela Amsterdam. A NEGAÇÃO DE PEDRO é o nome deste Rembrandt. Um tema bíblico que pretendia seguir ao pé da letra o Evangelho:

«E vendo-o a criada, tornou a dizer aos que ali estavam: Este é um deles. Mas de novo o negou.» ( Marcos 14:69-70)

Só que a tríplice traição, na realidade, não chega a acontecer nesse espaço cênico, que tem algumas das densidades mágicas e irreais de um Vermeer. Quando eu olho para essa tela, que me desculpe o Mestre, tudo o que vejo são as duas figuras no centro da tela. O homem velho e a jovem mulher.



É estupenda essa cena noturna iluminada pela chama, essa aparição aí dos dois protagonistas, que se descobrem, com imprevista surpresa, quando ela acende uma vela, cuja luz dá aos dois consistência e, ao mesmo tempo, os torna surreais e fantásticos pela contraluz.

Ao redor deles, uma verdadeira orquestração de tons vermelhos, castanhos, cinzas, e sanguíneos libera ou abafa esplendores. É com dificuldade que, em torno dos dois atores principais, percebemos os claros e escuros que dão forma aos soldados em primeiro plano, figuras tão tristes e trágicas que desaparecem entre pinceladas, desfocadas e desagregadas. À direita e à margem mal percebemos outras figurinhas sumárias como que absorvidas pelo fundo.

O fato luminoso, provocado pela vela, priva de qualquer credibilidade a narrativa bíblica, criando uma estranha inversão de valores, um outro script paralelo, mágicos avanços e recuos , um novo espaço denso, tenso e psicológico. A tela foge de controle, torna-se maior do que o nome com o qual foi idealizada, descreve sua própria história, se recusa a cumprir o seu destino, passa a emoldurar apenas a surpresa iluminada que se apossa do velho senhor e desta jovem mulher.

As figuras roubam o show e passam a ser donas do palco. Quem seriam essas pessoas? Pai e filha? Senhor e serva? Marido e mulher? Amantes se encarando com uma ponta de desejo? O que este homem e esta mulher significariam um para a outra, e o estariam se dizendo nessa noite escura?

Presenciamos, então, o convívio da irrealidade e do símbolo, da desmaterialização dos personagens e da superação do episódio a ser descrito, num todo que enfatiza a profunda participação humana e passa a ter muitas interpretações - misteriosa, comovida e até patética ou agudamente dolorosa - dos dois personagens, sempre irresolvidos, numa atormentada captação de vibrações de duas almas que apenas se olham com assombro.


28/08/2016

Café Especial

imagem Toshihiro Oimatsu - wikimedia commons

Heraldo Palmeira

Era uma vez um café onde eu nunca havia entrado. Lugar bonito, charmoso, chamado Le Chocolatier. Instalado no CCAB Petrópolis, em Natal, está na calçada principal do centro comercial erguido há décadas na tradicional Avenida Afonso Pena. Local que mentes provincianas – ou matutas mesmo – apelidaram de “nossa Oscar Freire”, demonstrando noção nenhuma do que significa o lendário bulevar paulistano. Mas essa já é outra história.

A minha história é inesperada em qualquer praça de comércio do mundo, nestes tempos em que comerciantes e seus funcionários perderam a compreensão do significado de cliente. Ainda mais inesperada para alguém que jamais havia posto os pés na loja.

Empurrei a porta naquele quase meio de tarde arejada de junho. O local é pequeno, encontrei apenas mais uma das poucas mesas ocupadas. Pedi água gasosa, café e um salgado. Depois dos sabores, um dissabor na hora de pagar a conta: a carteira não estava no bolso. Constrangido, anunciei meu drama para a garçonete. Impávida, e sem demonstrar qualquer sombra de dúvida, me cobriu com uma voz suave e alentadora: “Não tem problema, o senhor passa depois e paga”.

Como um pugilista que acaba de beijar a lona e tem de comprovar ao juiz que pode continuar na luta, ainda balbuciei que só tinha o celular para deixar como garantia. “Não precisa, fique tranquilo”, nocauteou-me a moça. Restou-me, como último movimento naquele round encerrado, oferecer nome e telefone na comanda das despesas, que ela deixou a meu exclusivo critério anotar. Não tinha qualquer desconfiança para me ofertar.

Transpus com pressa a distância entre a loja e o apartamento da minha irmã, que fica nos arredores – hospedagem inigualável que mereço em terras potiguares. Retornei triunfal ao café, pois não só havia reencontrado a carteira em casa, como já tinha à mão o dinheiro para quitar aquele vexame que provoquei.

Depois de mais um merecido café de despedida, pisei a calçada e a porta de vidro se fechou atrás de mim. Eu, que vivo reclamando, coberto de razão, da má qualidade generalizada dos serviços e dos “profissionais” que literalmente se escondem atrás dos balcões em quase todos os lugares, acabara de levar um drible desmoralizante de competência comercial e continuava paralisado diante daquela demolidora demonstração de excelência.

Numa hora dessas, não importa o tamanho do estabelecimento e nem os valores financeiros envolvidos. Nada vale tanto quanto a atitude de respeito ao cliente.

Num átimo, desenhei o óbvio na mente: era minha obrigação demonstrar meu encantamento e retribuir aquele gesto fidalgo da moça. Entrei numa grande e bela loja de sapatos e bolsas femininos no mesmo centro comercial, onde fui imediatamente cercado pelo time de vendedoras desocupadas pela falta de clientes. Disse que queria presentear uma pessoa que me dera uma aula de atendimento e gostaria de deixar um produto pago. Os primeiros movimentos corriam bem, até que informei que a presenteada seria a moça do café de ali perto:

– A garçonete do café? – quis saber a vendedora, com ar de quem conhecia a moça.
– Sim, ela mesma.
– Senhor, nós não trabalhamos com vale presente.
– Mas eu deixo meu telefone, fico nos arredores para qualquer necessidade...
– O que podemos fazer é lhe ajudar a escolher um presente para ela.
– Não, obrigado. Não tenho como escolher algo tão pessoal para uma pessoa que vi hoje pela primeira vez. Não tenho a menor noção do gosto; nem sei que número ela calça. Quero dar um presente, não um problema de presente.
– Mas, senhor, a gente pode ajudar a escolher um bom presente...
– Não, não. Obrigado, até logo.

Já ia me encaminhando para a porta, quando me voltei para passar o recibo que considerei pendente:

– Será que se eu quisesse presentear uma colunista social haveria algum problema? Terminaria escolhendo algo mais caro, além do que paguei e, muito provavelmente, “pagaria” a diferença escrevendo uma dessas notinhas de jornal.

Saí dali deixando para trás um silêncio absoluto, e com a estranha impressão de que as moças da loja bacana não absorveram bem a ideia de receber, como cliente, a minha cada vez mais valiosa garçonete. Mas não quis acreditar que o fato de ela ser uma negra – de beleza deslumbrante – possa ter interferido na ênfase com que me foi dito “Senhor, nós não trabalhamos com vale presente”.

Entrei numa perfumaria mais adiante. Contei a história que deu origem a tudo e a vendedora ficou encantada. Perfume escolhido, o cartão de troca foi ajuntado dentro da embalagem. Eu não conhecia minha garçonete para saber do seu gosto olfativo, nem podia obrigá-la a carregar um cheiro apenas porque gosto dele.

Naquele já finalzinho de tarde, as mesas da calçada do café estavam lotadas, como costumam ficar nos finaizinhos de tarde. Quem sabe, momento do dia em que a brisa do Atlântico potiguar talvez espalhe alguma poção mágica capaz de juntar gente e causar a tal sensação de se estar na Rua Oscar Freire. Vá saber!

O interior do salão estava vazio e me acerquei do balcão. Puxei conversa com as três funcionárias. Realcei o episódio que nos uniu naquele dia, mas, para elas, aquilo era “o normal” – claro sinal de que os patrões também estão acima da média.

Ao entregar o presente, fiz questão de dizer que minha mulher e minha filha também usavam. Não queria que o perfume que escolhi deixasse no ar qualquer odor de cantada barata. A minha garçonete recebeu com extrema elegância, sem alarido. Como convém às melhores vendedoras da verdadeira Oscar Freire – onde, por acaso, eu estaria dias depois dirigindo as filmagens de um projeto sobre comércio de alto padrão.

No jantar, fiz um relato daquela tarde inesquecível para minha irmã anfitriã. Soube que o dono do café é seu amigo antigo, médico como ela – liguei para ele dias depois.

Soube também que a tal loja de bolsas e sapatos finos, a que não trabalha com vale presente, costuma enviar lotes de sapatos e bolsas para que minha irmã escolha, em casa, o que desejar. E passe depois para acertar a conta.

A postura das vendedoras da loja de bolsas e sapatos finos me causou a desagradável impressão de preferência por mulheres que podem ter os próprios nomes trocados por jornalista, doutora, deputada, senadora, prefeita, governadora, senhora, sinhazinha, sinhá, querida, linda, maravilhosa, poderosa, chiquérrima... Vá saber por que garçonete não se encaixa nesse grupo de fantasia, mesmo com a conta previamente paga!




27/08/2016

Ela que nos ata

imagem batabrown.menslippers.com



Antonio Rocha


Na sala de visitas
Eis ela, altaneira
Todos param
Falamos besteira.

Apreciamos a silhueta
Contemplamos seu porte
Está sozinha, grandinha.
Não veio o consorte

Chegou em silêncio
Nossas exclamações
Não a incomodam
Interjeições, afetações.

Me torno violento
Ela que nos ata
A instintos vis:
É uma barata !

Confesso meu crime
Com uma chinelada
Contumaz baraticida
Jaz morta, apagada.

Peguei um negativo,
Terrível, triste Carma
Visitas elogiam ato
Cúmplices minha arma.

E assim vai a vida
Graças ao chinelo
Livramo-nos dela

Inseto não-belo.

26/08/2016

Opiniões

imagem: reachthemax.com


Francisco Bendl


Observo tanto ao conduzir passageiros no táxi quanto em conversas durante as minhas folgas, pessoas que professam uma fé e tentam se apegar a ela de forma consistente e, outras, que se sentem confusas a respeito; algumas não dão importância às religiões, mas existem também aquelas que se autodenominam sabedores da verdade e as que não acreditam em nada e em ninguém.
                             
Na maioria das vezes existe o respeito pela crença alheia, mas também há o descaso, a crítica ferina, a tentativa de se desacreditar uma seita ou corrente religiosa diferente das tradicionais e mais conhecidas.
                             
Percebo que o assunto religião não deixa ninguém indiferente. Notadamente os fundamentos das argumentações são sempre de caráter individual, significando não existir um pensamento único sobre a questão, isto é, um Deus único e não todos com o seu Deus.
                             
Mesmo os considerados “crentes” ou evangélicos, divergem sobre o pecado, o perdão, o castigo, o céu e o inferno. A mensagem divina, os alertas messiânicos, as previsões sobre o futuro da humanidade e a nossa fragilidade como tal, as exigências do Criador quanto às observâncias dos mandamentos, levam a discussões intermináveis e sem uma definição a contento.
                             
Discordo, portanto, do conselho popular que avisa que sejamos prudentes em não discutir política ou religião.

Penso justamente ao contrário, que está na conversa (civilizada, educada e respeitosa) o esclarecimento sobre vários pontos duvidosos, inacreditáveis, irreconciliáveis, de modo a se buscar algumas conclusões importantes sobre um assunto tão grave e que tem conduzido o comportamento das pessoas ou para uma espécie de alienação espiritual ou, então, para uma atividade religiosa que descamba à separação entre membros da própria família!
                             
Religião jamais poderia ser um fator de ódio, distinção, separação, distanciamento, rompimento, ao contrário.
                             
Entretanto, essas diferentes interpretações e comportamento sobre a crença escolhida – algumas caracterizadas pelas conveniências pessoais, poder político, proibição de se pensar de outra maneira que não seja a determinada por um líder espiritual, abrangência total sobre o fiel, obrigações impossíveis de se atender, exigências absurdas de comportamento, liturgias ultrapassadas, conceitos primitivos sobre opções divinas por este ou aquele – têm levado o ser humano para labirintos e armadilhas espirituais que tolhem a sua liberdade, criatividade, manifestações espontâneas de pessoas em busca de uma vida melhor, tendo em vista o medo da punição de Deus, o inferno como destino, o castigo eterno, que as fazem abandonar projetar seus pensamentos à procura de maiores esclarecimentos sobre o próprio Deus e religião.
                             
Ora, professar uma religião com a obrigação de se ter “fé”, caso contrário é o castigo como decorrência é falso, não é verdadeiro, certamente mais acarreta problemas que trazer soluções.
                             
Tenho sessenta anos, experiência considerável de vida, conheci milhares de pessoas.

Tenho uma família constituída e filhos formados em profissões liberais, e minha mulher tem inclusive Pós-Graduação. Morei em várias cidades brasileiras: Brasília, São Paulo, Florianópolis, Curitiba, e trabalhei em outras: Recife, Salvador, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, além de porto Alegre, claro. Esta vivência em outras regiões, o contato com outros modos e costumes diferentes do gaúcho, enriqueceram sobremaneira minhas ideias a respeito de vários temas, afora o crescimento e evolução naturais que a idade proporciona, caso estejamos abertos às mudanças ou aperfeiçoamentos, lógico, que alinhavaram um sujeito aberto às questões religiosas, espirituais, e aceitando todas as crenças existentes e seguidores sem qualquer restrição, sejam eles católicos, evangélicos, protestantes, judeus, islâmicos, budistas, hinduístas, espíritas, anglicanos, taoístas, monoteístas, politeístas, muito respeito às seitas afro (sincretismo), que me possibilitaram rever posicionamentos passados e adotar com muita pretensão um pensamento quanto ao nascimento e vida do ser humano.
                             
Sobre a morte e o que vem depois dela, se é que tem alguma coisa, na razão direta que respeito qualquer manifestação espiritual a respeito ou o que dizem certas religiões, afirmo que não há ninguém que saiba algo definitivo sobre existir vida após a morte ou não, mas somente especulação. O medo, o temor, o desconhecimento, nos impelem a aceitar o que nos dizem sem maiores reflexões e questionamentos, talvez por comodidade.
                             
Por eu ser um rebelde nato, atrevo-me a expandir meus pensamentos sobre o ser humano – não somente a respeito de religião -, mas abordando a forma de como entendo ser o nosso início e a nossa vida. O que podemos mudar e o que é imutável, a herança genética, o fardo que já trazemos de berço, a responsabilidade paterna e o verdadeiro livre arbítrio na minha concepção.
                             
Se eu ajudar a esclarecer algumas dúvidas, ótimo.
                             
Se eu contribuir para mais dúvidas, melhor.
                             
Se eu fortalecer a fé de algumas pessoas em suas religiões de adoção, maravilhoso.
                             
Se eu possibilitar que pensem sobre essas questões e ideias e comecem a fomentar raciocínios próprios, esse é o nosso verdadeiro destino: questionar, duvidar, pensar.
                             
Naturalmente que eu não estou sendo original em dizer que devemos pensar, tendo em vista um célebre filósofo no passado, Descartes (1596-1650), anunciado para o mundo em 1637, no seu Discurso do Método que, “Penso, logo existo.”
                             
Na verdade quero marcar a minha existência com meus pensamentos.
Se ridículos ou não pouco importa;
se carentes de base ou fundamento não vem ao caso, ou seja, não quero ser um irresponsável que diz o que pensa sem maiores cuidados, mas não quero omiti-los imaginando que alguém irá criticá-los por isto ou aquilo ou eu me amedrontar pelo que vão dizer de mim.
                             
A intenção é demonstrar o que penso sobre um assunto tão importante, repito, e não querer mudar ou transformar quem quer que seja, muito menos abalar as convicções espirituais de cada um. Meu desejo é que as pessoas explorem as cavernas de suas mentes e pensem, raciocinem, meditem, não tenham medo. Se temos inteligência por mais ampla ou mais modesta que se mostre é para ser usada, atiçada, provocada. Não fosse assim e não estaríamos desfrutando de grandes inventos e descobertas que nos trazem conforto e a prova incontestável de pensamentos realizados em obras extraordinárias.
                             
Inicio, então, dizendo que se analisarmos o homem e a mulher individualmente serão incompletos como seres humanos.
                             
Não há geração de vida que se origine só do homem ou da mulher isoladamente. A junção de um casal dá origem para outra vida.
                             
Portanto, somente o ser humano completo - homem e mulher - tem este poder de gerar uma nova vida naturalmente.

Desta forma, os responsáveis pelo nascimento daquela vida são seus pais, mais ninguém. Em consequência, aquele novo ser irá trazer consigo uma bagagem genética herdada de seus genitores, que lhe dará forma física saudável ou deficiente, feia ou bonita, alta ou baixa, gorda ou magra, além de contribuir à elaboração de um sistema mental que se desenvolverá mediante os ensinamentos e exemplos que seus pais lhe deixarão ao longo da existência, e que serão de extrema importância e implicação para a formação e comportamento desta pessoa.
                             
Isto é imutável.
                             
Trazemos de berço a identificação com quem nos gerou, mas como foi esta geração?
                             
Tenho para mim que Deus não tem a menor ingerência sobre a vida do ser humano ( estou dizendo que acredito em Deus, portanto, não sou ateu).
                             
Caso Deus agisse na vida individual das pessoas seria discriminatório, preconceituoso. E se somente abençoasse quem lhe dedica fervor estaria declinando da imparcialidade que o pai precisa ter, mencionado de forma extraordinária na parábola do filho pródigo, no Novo Testamento:
Simplesmente um amor devotado a quem gerou mesmo que afastado, distante.
                             
Deus não pode interferir nas relações humanas ou nossa história seria muito diferente, a começar pelas atrocidades que cometemos contra nós mesmos. O pai jamais permitiria que seus filhos se matassem desta forma. Se fosse preciso que ele, o pai, se imolasse para trazer paz à sua família que assim fosse, pois foi o responsável pelo nascimento daquelas vidas, mas não exterminar com a prole porque esta não lhe saiu como queria.
                             
Justamente neste detalhe de fundamental importância, ou seja, o poder que o homem e a mulher possuem de gerar outro ser que eu explico o Livre Arbítrio no meu entendimento e interpretação sobre esta condição que temos de decisão.
                             
Ouço muitas pessoas falarem do livre arbítrio como uma espécie de liberdade para que optem entre fazer o bem ou o mal. Sobre as minhas atitudes benignas ou malignas irei arcar com as consequências.
                             
Respeitosamente isto não é livre arbítrio e discordo veementemente desta definição de quem quer que seja.
                             
Eu não posso ser punido por ser torcedor do Inter e não para o Grêmio, se prefiro o vermelho ao azul.
                             
Não posso ser julgado e condenado espiritual e fisicamente se fui constituído limitadamente e porque o bem e o mal fazem parte do ser humano. Se me acompanham desde o meu nascimento os defeitos que meus genitores me impregnaram, assim como fizeram com eles os seus pais, meus avós e assim por diante.
                       
Não posso e não devo me penitenciar pelos defeitos dos que me geraram (sejam físicos e/ou morais) e que terei de carregá-los pelo resto da minha vida.
                             
Fosse como dizem as religiões sobre os tributos divinos do perdão, amor e compaixão, a vida nova trazida para esta existência estaria isenta de deformações espirituais, morais e comportamentais. Deus não permitiria o nascimento de seres humanos que se transformariam em assassinos em série, ditadores desumanos, elementos perniciosos que prejudicariam a humanidade.
                             
O ser humano é fruto do ser humano.
                             
O livre arbítrio está na capacidade que homem e mulher têm de gerar outra vida e se PODIAM OU NÃO GERAR OUTRO SER!
                             
Esta é a responsabilidade do ser humano. Este é o seu livre arbítrio, haja vista que dos seus atos irresponsáveis de poder e não de comportamento, que é muito diferente, mas de poder fazer surgir uma nova vida, e caso não tivessem condições necessárias para tamanho compromisso, os pais desta criança irão acarretar como consequência do seu ato impensado a infelicidade para esta pessoa através de uma herança hereditária extremamente difícil porque seus filhos foram meras consequências de atitudes egoístas, de seres humanos que deveriam refletir sobre os desdobramentos dos seus gestos, ou seja, são as outras pessoas que pagam e sofrem pelos nossos erros.
                             
Não preciso dizer que as condições que me refiro à reprodução da espécie - afinal das contas não somos bichos, apesar de agirmos assim muitas vezes – não estão vinculadas tão somente ao aspecto econômico, mas igualmente moral, afora suportes extras à criação de filhos que exigirão dos pais a consciência que aquela vida não mais lhes pertencem, ela agora precisa ser canalizada à educação, ao sustento, à presença, ao amor, à dedicação, ao aprendizado, mas, principalmente, aos exemplos, que servirão como base à formação da personalidade e caráter dos filhos (e mesmo com esses cuidados e dedicação plenos que alguns pais conseguem transmitir e dar a seus filhos, ainda assim surgem pessoas com sérios desvios de comportamento e se tornam execráveis à sociedade, quanto mais não existindo tais pressupostos à formação das crianças).
                             
Portanto, não acredito em intervenção divina em nosso sistema de vida limitado, imperfeito, tendencioso, passional, caso contrário, Deus estaria sendo simplesmente igual a outro ser humano qualquer, com preferências, escolhas e simpatias.
                             
Ao comerem do fruto extraído da árvore do Bem e do Mal que havia lhes sido proibido pelo Criador – assim é relatado através das Escrituras -, Adão e Eva foram expulsos do Paraíso. Ora, simplesmente uma simbologia da relação sexual. Seriam, então, o Bem e o Mal, os filhos gerados com e sem maiores cuidados?
                             
Lembro que Caim matou Abel, filhos dos excomungados. Esta seria a dicotomia humana? Tanto geramos filhos bons como maus?
                             
E se Deus de fato agiu desta maneira com os primeiros humanos que fizera por que permitiu – do alto de sua onipotência, onisciência – que o início da humanidade se formasse tão errado a ponto de exterminá-la quase por completo com o Dilúvio?
                             
E se sabia de tudo previamente por que continuou a permitir que os homens se reproduzissem mesmo após o castigo das águas não ter adiantado de muito que nos comportássemos e, mais uma vez, quase nos aniquila em Sodoma e Gomorra?
                     
Tais punições seriam tão somente acidentes de percurso que deveríamos enfrentar pelo caminho ou para que não perdêssemos a consciência também de que, além da responsabilidade que temos ao gerar vida somos também responsáveis pelas suas mortes e que estamos à mercê de acontecimentos extra-humanos?
                             
A proibição de não comerem daquele fruto, ou melhor, de não se relacionarem e terem filhos não seria porque Ele não nos havia feito com qualidades suficientes – seríamos outros Deuses – para esta finalidade?
                             
Se não foi desta maneira, mas simplesmente nos abandonou à própria sorte foi sadismo, pura crueldade, ainda mais que Ele sabia antecipadamente – por ser Deus – o nosso futuro!
                             
Ou, então, escapara das suas mãos ao nos criar – talvez tenha sido proposital também -, que a ÍNDOLE do ser humano seria transmitida pelo próprio ser humano, isto é, se bondosa, forte, má, fraca, destemida, corajosa, prudente, desafiadora, inventiva, autêntica, dissimulada, confiável, desconfiada, prepotente, orgulhosa, e tantas outras formas que moldam o indivíduo.
                             
Se Deus deixou a construção deste arcabouço moral, intelectual e físico que é repassado aos filhos através da concepção, e que vai tomando forma de acordo com a vida que lhes foi dada, exemplos deixados e atitudes de seus genitores como modelo e também da sociedade que os cercam no consentimento ou recusa de comportamentos bons ou ruins, torna-se muito mais correto aceitar esta possibilidade e responsabilidade que nos é atribuída, acreditar que Deus permitisse tamanha diversidade de conduta entre os humanos para lhes cobrar lá adiante uma conduta irrepreensível de observâncias a normas e leis por Ele determinados, cujo julgamento será, fatidicamente, ou céu ou inferno, mesmo que Deus nos tenha feito limitados e imperfeitos!
                             
Não é lógico.
                             
Desta forma, vejo-me obrigado a acreditar na ironia do americano George Carlin (mencionado no livro “Deus, um delírio” de Richard Dawkins, Companhia das Letras, cap.8, pág.360) que:
“A religião convenceu mesmo as pessoas de que existe um homem invisível – que mora no céu – que observa tudo o que você faz, a cada minuto do dia. E o homem invisível tem uma lista especial com dez coisas que ele não quer que você faça. E, se você fizer algumas dessas coisas, ele tem um lugar especial, cheio de fogo e fumaça, e de tortura e de angústia, para onde vai mandá-lo, para que você sofra e queime e sufoque e grite e chore para todo o sempre, até o fim dos tempos... Mas Ele ama você!”
                             
Definitivamente não somos a obra mais importante de Deus. Fomos a sua ultima construção. Estamos sujeitos literalmente às intempéries, ao assombroso e descomunal universo e suas leis – aí sim! – indiscutivelmente implacáveis.
                             
Somos passageiros de terceira classe neste planeta que sequer nos respeita, muito menos obedecer (basta olharmos as travessuras que fizemos contra esta nave espacial que é a Terra para constatarmos que estamos acabando nós mesmos com o nosso futuro).
                             
A maior hecatombe da história da humanidade, que foi filmada e gravada e transmitida a todos os países do mundo, os tsunamis de 2004, que mataram mais de 250.000 pessoas entre homens, mulheres e crianças, exterminou plantas e animais foi castigo?
                             
Foi carma?
                             
Demonstração do poder divino?
                              
Não há registros na Bíblia de milagres em série, mas de mortes aos milhares. Manifestação da “bondade” de Deus?
                             
Quanto aos sofrimentos humanos, Ele demonstra alguma piedade?
                              
Impediu alguma guerra?
                             
A Bíblia mostra que Deus era chamado inclusive de Senhor dos Exércitos e, em algumas ocasiões, ensejou a morte de milhares de pessoas que para Ele não tinham valor, mereciam esse destino.
                              
Recentemente milhões de vidas perdidas nas duas grandes guerras teriam sido permitidas porque Deus não as entendia como valiosas ou por que os problemas ocasionados pelos humanos devem ser resolvidos pelos humanos?
                              
Não é por nada que volta e meia alguém escreve um livro expondo as razões pelas quais se transformou em ateu.
                             
São livros bem escritos, mas fracos de conteúdos. Baseiam-se em contradições humanas e não divinas (até porque não saberiam nada a respeito dos aspectos celestiais, aliás, ninguém sabe).
                             
Um deles, escrito por Richard Dawkins, “Deus, um delírio”,  tendo em vista que seu autor é biólogo, elegeu os estudos do Darwin, “Origem das Espécies”, para explicar o surgimento da humanidade.
                   
Não discordo.
                             
Cientificamente o inglês provou que seus estudos  eram verdadeiros sobre a nossa evolução através de uma seleção natural, tanto humanos, quanto aos irracionais e vegetais. Um trabalho brilhante, um dos mais importantes da história da humanidade.
                             
Outro sujeito que se transformou em ateu foi o jornalista inglês, Christopher Hitchens, que escreveu “deus não é Grande” (sic), acusando as religiões como uma espécie de veneno à humanidade porque culpadas de impedirem o desenvolvimento do ser humano.
                             
Em outras palavras, ele passa a não acreditar em Deus por culpa dos homens que usaram as religiões para fins duvidosos, perniciosos, pessoais.
                             
Também concordo com este jornalista.
                             
O último livro que saiu abordando esta temática ateísta foi escrito por Bart D. Ehrman, “O problema com Deus”, criticando severamente a Bíblia sobre as respostas que ela não dá ao sofrimento humano.
                             
Apoio este enfoque.
                             
E, se concedo a minha aceitação sobre esses pensamentos, ressalto que estão confirmando o que digo a respeito de que reside em nós, os humanos, a solução para nossos problemas. De nada adianta eu escrever abordando contradições ou interpretações diferentes que venho a ter do que dizem as Escrituras, se eu não melhoro as relações entre meus pares, se eu não os considero, se eu não me preocupar devidamente com aqueles que trago para este mundo.
                             
Então, onde a diferença?
                             
Por que não me transformei em ateu?
                             
Acredito na existência de Deus, que deu origem ao universo mesmo que tenha sido através do Big Bang, porque do nada não sai nada. Alguém extremamente poderoso deu início às partículas que foram formando aquela massa gigantesca e que explodiu dando origem a tudo que se conhece hoje e que vem evoluindo há bilhões de anos, mas não posso aceitar esse Deus que me ensinaram ao longo do tempo. Nesse ente mitológico que se eu não obedecê-lo, servi-lo e amá-lo serei condenado. Não creio neste Deus que abençoa algumas pessoas em detrimento de outras porque as primei ras rezaram com mais fervor ou lhe tiveram mais medo ou porque seguem rituais tradicionais ou porque inovaram seus métodos de culto.
                              
Acredito em Deus pelo poder que me foi dado de entender a minha insignificância diante do universo, pois, paradoxalmente, esta minha pequenez como ser humano e ser incomparavelmente menor diante da grandiosidade do Cosmo e impossibilidade de dimensioná-lo, somos os únicos , “pelo menos até o presente momento – a gerar vida inteligente. Seres que irão ter consciência um dia que Deus não pode se intrometer em nosso sistema de vida sob pena de desequilibrá-lo e por ser impotente para tal.
                              
Estou cometendo uma heresia?
                             
Explico:
Conforme reza o Novo Testamento, qual foi a forma encontrada para que o filho de Deus nascesse? Através de Maria, uma mulher, ser humano que teve outros filhos.

O Criador não usou do barro para construir o seu herdeiro. Deus se revela neste episódio de suma importância para o esclarecimento do nosso surgimento o seu limite escancaradamente, isto é, humanos geram humanos; humanos sofrem as consequências e padecem de sofrimentos por causa daqueles que trazem para este mundo sem maiores cuidados, sem uma análise responsável de suas verdadeiras capacidades de serem pais.
                             
O sofrimento de Cristo não foi para nos perdoar dos nossos pecados ou as igrejas não estariam mais nos ameaçando com o inferno;
espiritualistas ou partidários da reencarnação não teriam mais como argumentar o nascimento por este meio que se tornaria desnecessário a nossa evolução ou carma a cumprir ou Lei da Causa e Efeito inócua, justamente porque Jesus já o cumprira para nós;
a reencarnação seria, então, sem sentido, menos a morte, que passaria a ter um grande significado porque nos mostraria que somos causadores (nós, os humanos) de grandes tragédias, de sofrimentos inenarráveis e Deus não tem nada com isto!
                             
O exemplo que deixou Jesus na condição de humano, exatamente como somos, foi o de transmitir a todos que se quisermos podemos mudar as nossas vidas através de sentimentos que beneficiem a todos os seres humanos indistintamente: Bondade, solidariedade, compaixão, amor, respeito, caridade.
                             
Posso ficar rezando por oitenta e sete anos a fio com a maior devoção e fé em qualquer igreja, mesquita, sinagoga, templo, tenham lá o nome que tiverem essas casas de oração, pedindo que Deus mate a fome de uma só pessoa e nada vai acontecer. No entanto, se eu não vou rezar, mas tomo a iniciativa de comprar um pão e oferecê-lo a quem tem fome vou contemplar a necessidade de um semelhante sem a interferência divina.
                             
Não podemos fugir à responsabilidade sobre nós mesmos.
                              
Não podemos mais nos esconder na falsa fragilidade que temos perante Deus. Estamos à mercê dos poderes da natureza: Tufões, maremotos, terremotos, chuvas torrenciais, secas, choque de cometa sobre a Terra, essas grandes catástrofes que ceifam a vida de milhares de pessoas instantaneamente.
                             
Talvez para compensar essas forças inimagináveis, destruímos a nós mesmos através de guerras fratricidas, matamos, estupramos, abandonamos nossos filhos, deixamos nossos pais de lado, provocamos sofrimentos sem fim.
                             
Teria razão o extraordinário Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), ao dizer que:
“Para isto vieste: para a inutilidade do nascer”.                          

Precisamos considerar que nosso crescimento como seres humanos está na razão direta do bem estar que proporcionamos  às pessoas, e não na medida das nossas orações e devoção a Deus, ou seja, não há mérito na crença que eu adotei se eu entendo meu semelhante como um “pecador” por ele não comungar comigo da mesma religião, se eu me distanciar dessas pessoas e ainda desejar que sejam punidas ou pensar que serão castigadas porque hereges ou descrentes de normas ou dogmas religiosos.
                             
Nesse aspecto, o espiritismo é um exemplo a ser seguido porque não faz distinção de quem quer lhe frequentar os centros de passes ou estudos. Simplesmente estende para quem quiser seus ensinamentos e siga quem achar que deve, mas calcado na caridade e bondade.
                              
Seus exemplos maiores de pessoas que contribuíram para amenizar um pouco o sofrimento alheio, Chico Xavier e, atualmente, Divaldo Pereira Franco, podem ter seus contestadores, os que não acreditam em nada do que pregam e dizem fazer, mas são modelos de vidas dedicadas ao bem dos outros.
                             
No caso do Divaldo, um legítimo cavalheiro, um homem educadíssimo, a sua obra a Mansão do Caminho, em Salvador, BA, que reúne três mil pessoas, aproximadamente, sob seus cuidados de sustento, educação e profissão, deveria ser premiado com o Nobel da Paz e enaltecido pela ONU, mostrado pelas igrejas e seitas existentes como o exercício da caridade em sua excelência.
                             
Eu não acredito em tudo que o Divaldo diz sobre o espiritismo, porém, não posso deixar de elogiá-lo e reverenciá-lo e reconhecer a sua dedicação e abnegação com o ser humano independentemente da sua origem e o que virá a ser posteriormente.
                             

Isto é amor.
                              
Onde está a dificuldade que temos em não seguir exemplos desta natureza – que existem outros – que iriam beneficiar a nossa existência e amenizá-la de maiores sofrimentos?
                             
No egoísmo?
                              
Na presunção e arrogância que a corrente espiritual do Divaldo vai de encontro a outras interpretações que não consta na Bíblia?
                             
Mesmo o Divaldo fazendo o bem ele não serve como exemplo porque não pertence à minha religião?
                             
Continuamos intolerantes, então?
                             
E frequentamos as igrejas, sinagogas, mesquitas, templos para rezarmos a Deus e pedir proteção e graças?
                             
Não percebemos a nossa contradição e mesquinhez, desrespeito e descaso alheios, ao agirmos desta maneira?
                             
Será que ao maltratarmos as pessoas através de nossas maledicências e menosprezo, desinteresse e falta de compaixão não estaríamos ofendendo a Deus?
                  
Não seríamos, neste caso, INIMIGOS de Deus ao considerarmos nossos semelhantes como tal, por esta ou outra razão qualquer?
                             
Rezamos para quê?
                             
Vamos às casas de oração por quê?
                             
Para confirmarmos nossa hipocrisia?
                             
Mil vezes alguém que estende a mão a um necessitado que milhares de pessoas rezando sem fazerem nada ao próximo!
                             
A verdade é que queremos um tipo de proteção para que possamos fazer o que bem entendemos. Buscamos religiões que nos convém ou nos mostram diferentes da maioria ou porque queremos demonstrar que somos mais fiéis ou porque sabemos mais que os outros, mas sempre com o intuito de humilhar e desprezar o próximo, tão filho de Deus quanto qualquer um.
                              
Claro que não foi o Deus que o trouxe ao mundo, foram seus pais, seus legítimos responsáveis e orientadores e provedores até o fim da vida, mas se a nossa origem é uma só e não importa como aconteceu o nosso surgimento, claro que compomos a obra da Criação, portanto, considerar o semelhante e ajudá-lo quando precisar é obrigação nossa, e ela se torna muito maior quando são nossos filhos.
                             
Eis o Livre Arbítrio para mim, o poder de decisão que me foi dado pela metade, que se completa quando outro ser humano, a mulher (estou falando na condição de homem), compartilhar comigo do mesmo desejo de termos filhos, diante da responsabilidade deste ato em consequência.
                             
Desta forma, sou obrigado a mencionar a frase notável de François Jacob, Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia, em 1965, quando disse que:
“O ser vivo representa a execução de um plano, mas um plano que nenhuma inteligência concebeu. Ele tende para um fim, mas um fim que nenhuma vontade escolheu.”
                             
Estamos sendo desvirtuados de nossos maiores objetivos. Nossos valores se confundem com nossas conveniências. Nosso amor pela família está sendo substituído pelo conforto, pelos bens adquiridos ou, no caso contrário, pela extrema dificuldade de sobrevivência. Ambas as situações demonstram a falta de condições à geração de filhos que irão sofrer e fazerem sofrer outras pessoas pela nossa falta de responsabilidade e desprezo à importância que requer a paternidade e maternidade, lógico.
                             
Muito fácil, e até ridiculamente infantil, que atribuamos ao demônio as nossas faltas, erros e omissões.
                             
Que culpemos o diabo pelas nossas mazelas ou atitudes impensadas, violências e ofensas ao próximo ou a nós mesmos.
                             
Pobre gente que acredita nesta simples alegoria, uma figura de contos da carochinha, mas com poderes mais sutis e eficientes para deturpar a vida das pessoas que o próprio Deus não consegue evitar! Uma excrescência religiosa, mera mistificação e vã tentativa do homem fugir à responsabilidade direta dos atos indignos que produz.

Causa-me perplexidade conversar com pessoas de boa formação cultural, dotadas de senso crítico – pelo menos aparente - que acreditam na existência desse ser maligno, dessa estupidez inventada por pessoas espertas que se faziam e se fazem capazes de expulsá-las de corpos alheios para impressionar os demais. Nada que a psiquiatria não explique. Tolice escancarada. Uso abusivo de imagem que ainda amedronta incautos e medrosos, despreparados e primitivos espiritualmente.
                             
Os profissionais das religiões ainda pensam que precisam fazer crer na existência do anticristo não importando a forma que adotam, desde que eficaz.
                             
O teatro, os gritos, os clamores, os temores, as súplicas, os agradecimentos pelas bênçãos alcançadas, os exorcismos coletivos, conduzem as pessoas a um êxtase facilmente explicável, mas os profissionais do ramo muitas vezes são vítimas da própria eloquência e sucumbem às tentações do “demônio” que eles mesmos criaram.
                             
Os exemplos de líderes religiosos que se deixaram levar pelas artimanhas do “belzebu” existem às centenas. Esquecem, no entanto, de enaltecer o ser humano; de valorizá-lo, incentivá-lo.
No entanto, parece ser melhor negócio fragilizá-lo perante Deus;
querem que sejamos pequenos, insignificantes, desprezíveis.
                             
E deixam de levar em conta este nosso poder extraordinário que temos de fazer novas vidas, de trazê-las para este mundo, que podemos fazê-las sofrer, padecer, e continuar este sofrimento e padecimento ocasionados pelos filhos que tivemos porque não lhes demos o amor devido, a atenção necessária, a importância que mereciam.
                             
Mas queremos que Deus se apiede de nós!
                             
E nós não temos nenhum sentimento para com os outros, ao contrá¡rio, eles são aqueles que Deus irá castigá-los, pensamos cínica e hipocritamente.
                             
Tu, homem, estás preparado para ser pai?
                             
Tu, mulher, já pensaste na grandiosidade da maternidade?
                             
Vocês estão em condições morais, culturais e materiais para terem filhos?
                             
Possuem o amor necessário para se dedicarem a eles?
                    
Estão conscientes que serão os exemplos que as crianças irão se espelhar para suas vidas e futuro?
                             
Se responderem sim a esses questionamentos vocês são pequenos deuses, estão outorgados daqueles poderes divinos de criação e é exatamente para isso que estamos neste planeta:
                             

PARA AMAR E SER AMADOS!