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28/09/2021

Adeus, companheiro!

 


Wilson Baptista Junior

Recebi faz pouco uma notícia triste, o nosso amigo e companheiro de blog Francisco Bendl, o Chicão, o gauchão valente, às vezes destemperado, corajoso, contador de histórias, amante da ópera, apaixonado por sua terra e sua gente, que nos regalou com tantos posts partiu hoje às 06:45 para o andar de cima.

Deve estar agora, tenho certeza, conversando com o Flávio Bortolotto, o gentil cavalheiro de tantos comentários refinados nos nossos escritos.

Vai, Chicão, fica tranquilo, deixas por aqui muita saudade, uma bela família e muitas lembranças boas. Até mais ver!

12/09/2021

Um sonho no fio da folha

 


Ana Nunes


Hoje eu tive um sonho.

Com um personagem da minha estória. Ou devo já dizer história?

Dele não sei a cor nem os passos. E nem conheço a voz. Só sei mesmo dos bigodes brancos e da palavra livre.

E nessa estória inventada pela minha mente oculta, da qual também sei tão pouco, esse personagem remete de longe um livro para o amigo que vive comigo.

 

E era um livro que queríamos muito e nunca compramos, de lombada dourada e papel bem fino. Pequeno e gordo como uma pequena bíblia. E sobre uma das primeiras folhas descobri a dedicatória para o amigo. Era em letras finas e douradas que me fez desejar uma caneta assim. Adoro canetas e lápis (deveria ser lápises, repito porque já disse antes) pretos macios e de muitos coloridos. Nessa dedicatória de nenhuma lembrança guardei mesmo foi a assinatura, elegante e espichada quase sem dar para ler. Assinatura curiosa que fiquei tentando escutar as letras para saber o dono.

O amigo ficou contente. Demais. E para estragar um pouco essa festa coloquei em dúvida a postagem do pacote: -Não veio de longe, veio daqui mesmo. Conheço a livraria. Mas como, o personagem esteve aqui tão perto e não quis nos ver? Procurei a embalagem do correio para configurar certezas. E nessa incerteza veio a tristeza que acabou com o sonho! Pena mesmo, o livro era lindo! E o amigo, saudoso!

 

Esse sonho veio no fio do livro que lia antes de adormecer. Um livro bonito e mais para pequeno, de lombada vermelha e folha amarelada, capa macia gostosa de pegar. Tudo bem alaranjado.  De um japones que para mim nada tem a ver com as outras estórias japonesas que já li. Disso se incube um filho que sabe das novidades literárias, parece uma traça ele, e se incumbe da minha intelectualidade. Intelec atualidade mesmo, porque da antiga cuidou minha mãe querida. Com ela fiz desde cedo amizade com Sartre, Dostoiewsky e Stendhal, Jorge Amado que me levaram pelas vinhas da ira e campos de girassol, pelo recôncavo baiano e pela neve que nunca vi. Nem peguei para sentir o frio. Mas vivi plena no sertão do Guimarães.

 

Esse delicado livro de lombada cor do mercúriocromo dos cortes da infância, agradável ao toque, tive vontade de dividir com o querido deitado ao lado mas,por artes do demônio, desisti. Queria mesmo era falar da maciez ao pegar, das folhas amareladas de fio vermelho, e das letras bem cuidadas. Tem livros novos que as capas brilhantes me dão gastura na gastrite atrófica e fico pegando neles com ajuda de papel. E esse de hoje me dá conforto e gratidão. Além do que, o mais importante, o conto, que descreve as miudezas e imperfeições dos humanos através do inteligente olhar de uma robozinha menina de nome Klara, que aos poucos vai colecionando e desenvolvendo imagens. Não sei se é isso mesmo. Mas com a Klara ou através dela também vou colecionando e desenvolvendo imagens. E desembrulhando o livro.

 

Esse livro deixou no seu rastro do quase dormir o sonho do livro quase dourado e do amigo sumido. Quando, nesses dias de pandemia, o que mais tenho tido são sonhos no mundo dos mortos.