Desenho a nanquim - Ana Nunes |
Ana Nunes
A noite era cálida no alto
da rua íngreme. Cálida e tranquila, macia.
E a rua tão íngreme que me fez pensar em castelo. Mas era um castelo!
Cheio de sorrisos, as pessoas no seus melhores panos e cores, saudosas de verem
e serem vistas!
Tinha um pequeno príncipe com sua espada mágica e seus óculos azuis para ver
melhor. E uma princesa saída da concha de Botticelli que me mostrava a casa e
contava do seu cantinho do pensar e acalmar, a parte mais linda do castelo.
E os donos do castelo? Lindos e acolhedores. Imperdíveis!
E a noite foi nos levando
para uma mesa comprida, toda de toalha branca e sousplats verdes azuis, nem sei
mais de tanta beleza. Tinha flores, com certeza, e copos bojudos cheios de
promessas. Promessas de cores mais lindas que minhas aquarelas. Tinha claro
dourado, rosas claros e escuros, e o mais denso vermelho escuro. Cada um ao seu
tempo e cuidados.
O chef, e que chef, que
nariz de linhas mais puras! Reinava e brilhava no seu reino encantado com
apenas uma frigideirona preta e um caldeirão misterioso! Tão misterioso, dei
uma olhada nele sem o chef ver, que pensei na poção mágica do Asterix. E era
verdade, gente! Dali saíram coisas impensáveis. Tudo meio mágico, chef, fogão e
panelas.
Primeiro uma delícia de
batata doce, fatias finíssimas grudadinhas num rastro verde de molho pesto. Não
gosto de dizer isso, porque tenho artrite, mas era de se comer de joelhos.
Depois bruschetta, de nome sensual, de porcini e tomate cereja, maravilha do
paladar, crocante nos dentes gulosos!
E dá-lhe vinhos coloridos nas mais altas notas musicais.
E o risoto gente, que entre sabores divinos de amêndoas e crocante de queijo,
deixava a uva estalar no céu da boca como um orgasmo inesperado!
Lombinho saltimbocca , lindo esse nome para essa carne preciosa! E ainda tinha
um peixe exclusivo para a convidada natureba. Que metideza!!! Caramba!
E por fim, para nos levar ao céu e nos deixar lá, um tiramisu que tirou esse
nome de todos que já provei. Tiramisu agora só o do chef! Do nosso chef.
Pensava eu na minha
simplicidade que a Festa de Babette acontecia só no imaginário do cinema. Mas
vi, eu mesma, as mesmas bochechas coradinhas de prazer e os olhares de gula e
culpa! E a volta inebriada para casa.
Esqueci de contar que os
pratos eram trazidos um a um daquele antro de sabores pelos donos do castelo e
a filhota princesa. E a cada prato a explicação do chef. Nem Atala fez melhor!
Porque esse deguste deslumbrante foi entre amici e informalidades, com a gente
invadindo a cozinha e bisbilhotando o cozinheiro e seus ingredientes mágicos,
seus segredos e sua intimidade.
E assim foi nossa Cena per
amici, uma cena inesquecível de generosidade e beleza.
Gratidão. A palavra que me sobra.