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15/09/2022

Fulas, Fulanis e Outros

Estação dos comboios do Rossio, Lisboa - fotografia de Oswaldo Gago, Wikimedia Commons


Antonio Carlos Rocha

Em julho último, estávamos eu e Heloisa, minha consorte há 48 anos, passeando em Lisboa, terra que gostamos tanto.

Era domingo, e fomos para a Estação de Comboios (trens). Íamos visitar, do outro lado da cidade, na região das praias, uma família amiga desde 1980, quando moramos lá a primeira vez. A característica deste ramal ferroviário é que ele passa debaixo, pendurado em uma das pontes que embelezam a capital portuguesa, como se, por baixo da Ponte Rio-Niterói passasse uma linha de trem (sonho meu...)

Mas, eu não sabia, os trabalhadores do sistema estavam em greve. Mesmo assim as composições funcionavam com pequeno atraso. Bilheterias fechadas, os passageiros compravam os tickets nas máquinas eletrônicas.

Nos informamos para a plataforma certa e subimos as escadas rolantes. Para me certificar que estávamos no lugar indicado, perguntei a uma jovem senhora que estava com um carrinho de criança e seu filho saboreando mamadeira.

Ela respondeu que era ali mesmo, onde estávamos, e eles iriam para a mesma estação onde deveríamos saltar, inclusive, na saída precisa que os nossos amigos haviam falado e estariam nos esperando, para não nos perdemos nas saídas que são várias.

Percebi o sotaque, vi que era africana e perguntei qual o país de origem? A jovem respondeu “Guiné – Bissau”.

Eu sorri e falei: “Que bom, eu gosto muito do seu país. Em 1980 estudei aqui e na Faculdade de Letras aprendi Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa, inclusive sobre um dos libertadores - Amílcar Cabral”.

Ela sorriu e disse: “Ele é um dos pais da República da Guiné-Bissau”.

Então completei: “E um colega brasileiro foi professor de Português lá, nesse período”.

Ficamos então enturmados e bem animados, conversando ali na Estação.

Já do outro lado da ponte, saindo do vagão agradecemos muitíssimo à nossa jovem orientadora.

Esta é uma das razões que, vez por outra, publico no Facebook fatos diversos sobre os países de africanos de Língua Portuguesa. Através da arte literária, mais ou menos, acompanhei e acompanho o crescimento de tais jovens nações.

Explico o título, uma das etnias da Guiné-Bissau são os Fulas, ou Fulanis. Aqui no Brasil, popularmente, uma das gírias é “Eu fico fulo(a) da vida” para designar alguém que está zangado, impaciente ou com raiva. Esse é um bom assunto para a Etnolinguística.

A beleza de estudarmos tais países é que as culturas plurais mostram uma multiplicidade de aspectos no falar, no escrever, na música, dança, vestuário, artes em geral e os modismos atuais.

Mas, nem tudo são flores... Estas reflexões me vem à mente, pois, recentemente, na Rua Senador Dantas, em pleno centro do Rio de Janeiro vi uma adolescente, moradora de rua e seu filho recém-nascido. O menino chama-se Manuel, sempre que os vejo, colaboro financeiramente mediante as minhas possibilidades. Não posso fazer muito, mas é uma forma de ajudar.

Manuel vem do antigo hebraico e quer dizer “Deus conosco”, lembro de Jesus, claro... “O que fizerdes a um destes pequeninos, estareis fazendo por mim”. Não estou me vangloriando. E como diz o verbo, é uma “vã glória” ficar citando temas aparentemente caritativos... não é isso, por favor, entendam.

Refleti no menino lisboeta e sua mãe da Guiné-Bissau. Imigrantes com o apoio do governo lusitano: tem uma casa, trabalho, moram bem. A criança portuguesa terá escola garantida, assistência médica e afins.

Já o Manuel e sua mãe, torço para que mais pessoas os ajudem e que apareça no Brasil, um sistema político ético, honrado que legisle para os mais pobres também, sem pieguice e sem falsas promessas.

Segundo a canção antiga: “Sonho meu ...”

 

07/09/2022

Objetividade e a lógica lusa – segunda parte

Fotografia Carlos Monteiro

    

Carlos Monteiro

(continuação...)

Contei-lhe uma história deliciosa, relatada por Mário Prata em seu “Schifaizfavoire” – Dicionário de Português, pela Editora Planeta, dando conta que essas ‘confusões’ linguísticas salvaram-lhe a vida. Quando estava muito mal, internado em estado grave, com transfusões de sangue e bolsas e mais bolsas de soro, que chamava carinhosamente de vinho branco e tinto, sentia que iria sucumbir tal era sua fraqueza... eis que surge uma enfermeira adentrando ao quarto do quase moribundo, que mais parecia um sepulcro e solta um tonitruante alívio verbal:

— Ó seu Prata, trago a pica das quatro, vai ao braço ou ao cu? Mesmo sem forças para aprazer-se, gargalhou. Salvou-lhe não o Rum Creosotado, mas a eficácia da senhora, prova cabal que rir é o melhor remédio.

Dicas dadas, informações relatadas, contatos passados, dias depois, ligo para saber como andavam os preparos àquela altura. Encontrei o amigo aparvalhado de indignação. Ao tentar reservar os hotéis para estada, só os encontrava com o pequeno almoço. Como assim? Não ficaria para refeição. Por que pagar por algo que não consumiria? Explique-lhe que era apenas o café da manhã. Naquele momento me dei conta das dificuldades que teria com hábitos, com a objetividade lógica portuguesa e, pasmem, com a língua.

 

Fotografia Carlos Monteiro

Viagem feita, chegada à Portocale, felicidade só, em plena primavera lisboeta, quiçá uma quimera. À Ribeira para encostar a cabeça, doce e macia almofada do Tejo. Pura poesia e logo uma indignação. Fumante inveterado logo foi atrás de tabaco, fumos diários. Ao pé do balcão da Tabacaria Mónaco a fatídica pergunta:

— Tem Marlboro? O atendente, com aquela cara de pasmo, olha para o meu amigo como se ele fosse papalvo e responde com um certo grau de deboche:

— Temos! Meu amigo achando que estava no Rio, onde o balconista, no máximo, perguntaria se de caixa ou maço e a versão já buscando-a na prateleira, ficou lá parado aguardando. Mais uma vez: — Tem Marlboro aqui? Já completamente indignado o vendedor trava com ele o seguinte diálogo:

— Ó pá, anda cá; não tens o que fazer? Achas que estou a brincar? Entras numa tabacaria para ficar a perguntar se temos tabacos de marca, o que estás a pensar? É o que estás a fazer gajo, anda-te daqui já. Pondo-no-lo para fora do estabelecimento.

— Ó pá, anda cá; não tens o que fazer? Achas que estou a brincar? Entras numa tabacaria para ficar a perguntar se temos tabacos de marca, o que estás a pensar? É o que estás a fazer gajo, anda-te daqui já. Pondo-no-lo para fora do estabelecimento.

O português, de um modo geral, é objetivo ao responder o que é inquirido. Em outra passagem, meu caro amigo pergunta à concierge do hotel:

— Como chego ao Castelo de São Jorge?

— Apanhas um táxi à porta e indicas d’onde queres ir.

— Mas eu quero ir a pé...

— O senhor não apontou tal detalhe.

Indicações feitas, Sol causticante, meu amigo e a família chegam ao destino que se encontrava fechado. Às tintas, volta e cobra do atendente o fato com indignação plena. A resposta veio de bate-pronto:

— O senhor me perguntou como se chegava lá, não me questionou se estava ou não a funcionar!

Errado não está!

 

Fotografia Carlos Monteiro

Esta crônica é uma homenagem a Carlos do Carmo.

“...Lisboa no meu amor, deitada/Cidade por minhas mãos despida/Lisboa menina e moça, amada/Cidade mulher da minha vida...”