Carlos
Monteiro
(continuação...)
Contei-lhe
uma história deliciosa, relatada por Mário Prata em seu “Schifaizfavoire” –
Dicionário de Português, pela Editora Planeta, dando conta que essas
‘confusões’ linguísticas salvaram-lhe a vida. Quando estava muito mal,
internado em estado grave, com transfusões de sangue e bolsas e mais bolsas de
soro, que chamava carinhosamente de vinho branco e tinto, sentia que iria
sucumbir tal era sua fraqueza... eis que surge uma enfermeira adentrando ao
quarto do quase moribundo, que mais parecia um sepulcro e solta um tonitruante
alívio verbal:
— Ó seu
Prata, trago a pica das quatro, vai ao braço ou ao cu? Mesmo sem forças para aprazer-se,
gargalhou. Salvou-lhe não o Rum Creosotado, mas a eficácia da senhora, prova
cabal que rir é o melhor remédio.
Dicas
dadas, informações relatadas, contatos passados, dias depois, ligo para saber
como andavam os preparos àquela altura. Encontrei o amigo aparvalhado de
indignação. Ao tentar reservar os hotéis para estada, só os encontrava com o
pequeno almoço. Como assim? Não ficaria para refeição. Por que pagar por algo
que não consumiria? Explique-lhe que era apenas o café da manhã. Naquele
momento me dei conta das dificuldades que teria com hábitos, com a objetividade
lógica portuguesa e, pasmem, com a língua.
Viagem
feita, chegada à Portocale, felicidade só, em plena primavera lisboeta, quiçá
uma quimera. À Ribeira para encostar a cabeça, doce e macia almofada do Tejo.
Pura poesia e logo uma indignação. Fumante inveterado logo foi atrás de tabaco,
fumos diários. Ao pé do balcão da Tabacaria Mónaco a fatídica pergunta:
— Tem Marlboro?
O atendente, com aquela cara de pasmo, olha para o meu amigo como se ele fosse
papalvo e responde com um certo grau de deboche:
— Temos!
Meu amigo achando que estava no Rio, onde o balconista, no máximo, perguntaria se
de caixa ou maço e a versão já buscando-a na prateleira, ficou lá parado
aguardando. Mais uma vez: — Tem Marlboro aqui? Já completamente indignado o
vendedor trava com ele o seguinte diálogo:
— Ó pá,
anda cá; não tens o que fazer? Achas que estou a brincar? Entras numa tabacaria
para ficar a perguntar se temos tabacos de marca, o que estás a pensar? É o que
estás a fazer gajo, anda-te daqui já. Pondo-no-lo para fora do estabelecimento.
— Ó pá,
anda cá; não tens o que fazer? Achas que estou a brincar? Entras numa tabacaria
para ficar a perguntar se temos tabacos de marca, o que estás a pensar? É o que
estás a fazer gajo, anda-te daqui já. Pondo-no-lo para fora do estabelecimento.
O
português, de um modo geral, é objetivo ao responder o que é inquirido. Em
outra passagem, meu caro amigo pergunta à concierge do hotel:
— Como
chego ao Castelo de São Jorge?
— Apanhas
um táxi à porta e indicas d’onde queres ir.
— Mas eu
quero ir a pé...
— O
senhor não apontou tal detalhe.
Indicações
feitas, Sol causticante, meu amigo e a família chegam ao destino que se
encontrava fechado. Às tintas, volta e cobra do atendente o fato com indignação
plena. A resposta veio de bate-pronto:
— O
senhor me perguntou como se chegava lá, não me questionou se estava ou não a
funcionar!
Errado
não está!
Esta
crônica é uma homenagem a Carlos do Carmo.
“...Lisboa
no meu amor, deitada/Cidade por minhas mãos despida/Lisboa menina e moça,
amada/Cidade mulher da minha vida...”
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