Durante os dias da Olimpíada de Londres, tive a oportunidade de acompanhar via internet, pela ampla cobertura do Terra, a maioria das provas, inclusive algumas que não foram divulgadas pela televisão brasileira.
O mais curioso foi acompanhar, na mídia, os comentários de jornalistas e internautas sobre os resultados dos atletas brasileiros.
A cobrança feita aos nossos atletas pelos resultados beirou a irracionalidade.
Quando a Fabiana Mürer, por exemplo, não conseguiu chegar à medalha no salto com vara porque perdeu o tempo para sua terceira tentativa por causa das condições do vento, os jornais deram a notícia como "um fiasco" e uma "amarelada", e lembraram o seu problema na Olimpíada anterior, quando suas varas de salto foram perdidas por confusão do pessoal do Comitê Olímpico, dando a impressão de que a atleta, comprovadamente uma das melhores do mundo, a não tinha as condições psicológicas necessárias para competições de nível olímpico.
Mais tarde, as declarações tanto da medalhista de ouro como da de prata de que elas também não teriam se arriscado a saltar nas condições de vento do momento do salto da Fabiana não mereceram mais do que uma pequena nota em um dos jornais.
Pouco depois da Olimpíada, competindo na Liga Diamante, a Fabiana ganhou das duas, que não conseguiram ultrapassar os mesmos 4,55m que a impediram de chegar à medalha olímpica. Mas não vi ninguém usar este resultado para colocar o outro na sua devida perspectiva.
Quando a seleção brasileira masculina de vôlei esteve a dois pontos de ganhar a partida final por três sets a zero e acabou perdendo a medalha de ouro para a Rússia no tie-break, a maioria dos comentários foi de que a seleção não estava preparada para enfrentar uma mudança tática como a feita pelo técnico russo ao colocar um jogador numa posição diferente daquela em que sempre tinha jogado; pouca gente falou do desempenho excepcional do jogador russo de dois metros e dezoito centímetros de altura, que nos dois sets e meio em que jogou na nova posição conseguiu fazer vinte e oito pontos.
Grande número de comentários de internautas criticou a delegação brasileira dizendo que o Brasil gastou dinheiro mandando uma quantidade de gente sem condições de competir apenas para "passear" em Londres, e chegando a dizer que aqueles que não conseguiram chegar pelo menos a uma semifinal deveriam ser obrigados a devolver o dinheiro das passagens.
Se esquecem, ou provavelmente nem sabem, que não vai a uma Olimpíada quem quer; para poder ser inscrito o atleta passa por um processo duríssimo de qualificação. Apenas atingir o índice olímpico em um esporte individual já coloca o atleta entre os melhores do mundo. Numa competição de equipe, significa que a sua seleção foi a melhor, ou uma das melhores, nas eliminatórias do seu continente.
Chegar a uma semifinal olímpica já é se colocar como um dos melhores entre os melhores. Nos esportes de equipe e em alguns dos individuais, pelo critério de eliminação, já é ser um ou uma dos quatro melhores do mundo naquele momento.
Para tentar chegar lá, um atleta de alto rendimento sacrifica tudo aquilo que nós, torcedores e comentaristas, consideramos como os prazeres normais da vida, para colocar em seu lugar uma dura rotina de preparação física, preparação mental, treinamento, treinamento, e mais treinamento. De quatro em quatro anos, se for um dos melhores, tiver feito tudo isso e tiver tido também sua parcela de sorte, ele vai tentar uma medalha olímpica de ouro, de prata ou de bronze (e a Olimpíada é uma competição ingrata, porque o público pensa em medalhas e ninguém se lembra do quarto colocado em diante. O Brasil colocou três maratonistas entre os treze melhores: Um no quinto, um no oitavo e um no décimo terceiro lugar. Nenhum outro país conseguiu esse resultado. Quantas pessoas falaram disso?). E nessa única oportunidade, além dos competidores, ele enfrenta também todos os imponderáveis da competição, que podem num segundo desfazer todo este esforço apesar de toda a sua competência.
Se algum dos jornalistas ou dos internautas alguma vez tivesse chegado a competir pelo menos no nível de um campeonato brasileiro de qualquer esporte, teriam sido menos levianos ao julgar nossos atletas. Saberiam também que das propaladas grandes somas de dinheiro gastas pelo governo com o esporte muito pouco chega a cada atleta individualmente. Saberiam também que um país consegue medalhas é cuidando de sua infância e de sua juventude, de sua saúde, da sua educação, colocando gente que entende de esporte e educação física em vez de políticos para comandar o Ministério do Esporte, colocando a prática de esporte nas escolas desde a infância, cuidando do esporte colegial e universitário, incentivando a prática de esportes que o brasileiro médio nem sabe direito o que são, criando centros de treinamento com técnicos competentes, para assim conseguir formar as dezenas de milhares de atletas de onde vai poder selecionar os que se tornarão campeões.
E além de formar os atletas, seria bom preparar melhor alguns dos comentaristas das nossas redes para saber do que falam; antes da partida final de futebol entre Brasil e México, o locutor do Terra comentou que o representante mexicano no Comitê Olímpico Internacional era quem ia entregar as medalhas de ouro ao vencedor, e que ele, um mexicano, se arriscava a ter que entregá-la aos jogadores do Brasil; e completou dizendo que em vez "desse político" deveriam ter escolhido algum grande atleta mexicano. Quando ouvi isso sacudi a cabeça, porque o locutor não sabia que o senhor Olegário Vazquez, o representante mexicano, foi um dos maiores atletas mexicanos do tiro esportivo, que competiu por seu país em quatro Olimpíadas e em diversos campeonatos mundiais, foi por duas vezes recordista mundial e ainda é detentor de diversos recordes nacionais de tiro de carabina, além de uma longa carreira como dirigente esportivo...
E ainda teve o prazer de entregar as medalhas de ouro aos seus compatriotas mexicanos :)
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