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21/10/2012

O que saltou antes

O mundo inteiro viu as notícias, e milhões de pessoas acompanharam ao vivo o salto de paraquedas patrocinado pela Red Bull, quando depois de cinco anos de treinamento e preparação Felix Baumgartner saltou de uma gôndola pressurizada levada por um balão a 39.045 metros de altitude, caiu por 4 minutos e 22 segundos em queda livre, durante a qual quebrou a barreira do som e atingiu uma velocidade estimada de 1.343 quilômetros por hora antes de abrir o paraquedas. Foi um feito magnífico, ajudado por toda uma tecnologia de ponta. Felix usou um traje espacial desenvolvido especialmente para o salto, alimentado dentro da gôndola por uma mistura de nitrogênio e oxigênio líquidos, e durante o salto por dois cilindros acoplados a seu traje espacial.
Os recordes anteriores que Felix quebrou tinham sido estabelecidos cinquenta e dois anos atrás por um piloto de provas da Força Aérea Americana, o capitão Joseph Kittinger, em agosto de 1960 (Aliás Kittinger, hoje coronel reformado, funcionou como consultor no projeto da Red Bull). Kittinger saltou de 31.333 metros de altitude, num projeto da Força Aérea para testar um sistema de estabilização de paraquedas que permitisse aos pilotos escapar de aviões que na época estavam atingindo altitudes cada vez maiores.
Durante a Segunda Guerra Mundial, os aviões de combate atingiam altitudes de mais de doze mil metros, e havia uma controvérsia sobre qual seria a melhor maneira de escapar de um avião a esta altitude; se seria melhor abrir o paraquedas imediatamente e depender de um maior suprimento de oxigênio para flutuar até o solo, ou cair rapidamente uns dez quilômetros em queda livre e abrir o paraquedas numa altitude onde já se pudesse respirar.
Em 1943 um cirurgião aviador da Força Aérea resolveu testar ele mesmo, e saltou de  uma Fortaleza Voadora B-17 a 12.164 metros carregando um cilindro de oxigênio, abrindo o paraquedas logo após o salto. O choque da abertura do paraquedas fez com que ele ficasse inconsciente e arrancou as luvas das duas mãos. Por sorte o oxigênio funcionou e o manteve vivo até chegar a uma altitude mais baixa. Outro cirurgião aviador, o Coronel Mel Boyton, resolveu testar a técnica oposta, com queda livre longa, mas recusou-se a usar um dispositivo que abriria automaticamente o paraquedas a baixa altitude porque os pilotos de combate não dispunham do mesmo dispositivo. Saltou de pouco mais de 12.400 metros mas não chegou a abrir o paraquedas; pode ter perdido a consciência, e aparentemente ainda estava olhando para o cronômetro quando bateu no chão.
Depois deste acidente a Força Aérea interrompeu os testes.
Nos anos seguintes os aviões continuaram a voar cada vez mais rápido e cada vez mais alto, e em 1952 a Força Aérea começou um programa para desenvolver técnicas de escape que funcionassem entre 18.000 e 30.000 metros de altitude. E decidiu que o melhor meio de fazer os testes seria utilizando balões estratosféricos.
Testes lançando bonecos de grande altitude mostraram que o maior problema era que os bonecos começavam a girar durante a queda, chegando a atingir duzentas rotações por minuto, o que faria com que os pilotos perdessem a consciência e não pudessem comandar a abertura dos paraquedas. Com a baixa pressão de ar naquelas altitudes, seria também muito difícil para os pilotos controlar sua posição aerodinamicamente, utilizando a posição dos braços e perna como superfícies de controle, como os paraquedistas fazem em saltos em queda livre a altitudes mais baixas. Além disso, os pilotos de combate não são paraquedistas treinados. Era preciso encontrar uma solução que não dependesse do piloto.
Francis Beaupré, da Divisão Médica Aeroespacial da Força Aérea, projetou um paraquedas que deveria em três estágios:  Depois de dezoito segundos de queda livre, para atingir uma velocidade em que a pressão do ar fosse suficiente para um mínimo de controle, um pequeno paraquedas auxiliar com trinta centímetros de diâmetro se abriria, puxando um paraquedas estabilizador de um metro e oitenta, que deveria estabilizar o piloto na posição de pés para baixo. Chegando a uns seis mil metros de altitude, o paraquedas estabilizador puxaria para fora o paraquedas principal e interromperia a queda livre. Todo o sistema devia funcionar sem intervenção do piloto, para o caso em que ele tivesse perdido a consciência.
Depois de cento e quarenta testes do sistema Beaupré com bonecos lançados de até 30.000 metros,  Kittinger saltou de um Hércules C-130 a nove mil metros de altitude, e a Força Aérea considerou que o sistema estava pronto para ser testado saltando da estratosfera.
A Força Aérea não tinha uma gôndola fechada que permitisse um salto fácil, então resolveram utilizar uma gôndola aberta, projetada para vôos de balão de baixa altitude, pouco mais do que uma cadeira de braços pendurada do balão. Como o objetivo dos testes era provar que um piloto de combate poderia sobreviver ao salto, Kittinger tinha que usar um traje de vôo padrão de combate, parcialmente pressurizado, durante todo o vôo, e depender de garrafas de oxigênio para respirar. Qualquer falha da pressurização do traje, a grandes altitudes, poderia causar sua morte em poucos minutos. A sua única proteção adicional era um macacão de vôo com isolamento térmico, vestido por cima do traje, para protegê-lo do frio extremo lá em cima. Ele levava ainda uma mochila no peito, com instrumentos, câmaras e o oxigênio para mantê-lo vivo durante o vôo e o salto.
Usando esta "cadeira voadora", Kittinger fez um total de três saltos. No primeiro, de 23.000 metros, em 26 de novembro de 1959, o paraquedas auxiliar se abriu antes da hora, e a falta de pressão de ar fez com que ele chicoteasse e se enrolasse no pescoço do piloto. Sem a estabilização, Kittinger começou a girar e perdeu a consciência, que só recuperou a menos de dois mil metros, pendurado do paraquedas reserva. Devido à falha do auxiliar, o paraquedas estabilizador e o principal não se abriram, e Kissinger só se salvou por causa do sistema barométrico que abriu o paraquedas reserva  a três mil metros de altitude.
Com algumas pequenas correções no projeto dos equipamentos, Kittinger saltou de novo em 11 de novembro, desta vez de 22.700 metros. Tudo funcionou perfeitamente, e em 16 de agosto do ano seguinte ele subiu no balão até a altitude de 31.333 metros.
Durante a subida a pressurização da luva direita falhou, e a mão inchou até quase o dobro do seu tamanho original. Apesar da dor e do risco, Kittinger não avisou o controle do vôo antes de atingir sua altitude máxima por medo de que abortassem o salto. 
Numa queda livre de quatro minutos e meio e quase vinte e seis quilômetros, ele atingiu a velocidade de 1.012 quilômetros por hora.
Como piloto da Força Aérea, Kittinger não teve direito a nenhuma compensação pecuniária pelos riscos que correu no projeto, além de seu soldo de capitão.  Depois do programa de testes, pilotou balões para o projeto Stargazer, levando astrônomos em vôos a 25.000 metros de altitude, e depois ofereceu-se como voluntário na guerra do Vietnã, voando em 485 missões de combate até ser derrubado pelo inimigo e feito prisioneiro em 1972.
Depois de se reformar com o posto de Coronel, Kittinger continuou voando, e em  1984 foi o primeiro piloto de balão a fazer um voo solitário dos Estados Unidos até a Europa.
Tanto Felix Baumgartner quanto Joe Kittinger utilizaram nos seus saltos a  tecnologia mais desenvolvida de suas épocas, mas não deixa de ser interessante olhar a grande distância entre uma e outra.
A filmagem do seu salto (incluindo o primeiro feito do Hércules) pode ser vista aqui:


O site da Red Bull com a história da missão e os detalhes da tecnologia do salto de Félix está aqui:
http://www.redbullstratos.com/technology/
E uma história bastante  detalhada do projeto da Força Aérea está aqui:
http://stratocat.com.ar/artics/excelsior-e.htm


 

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