Dias atrás, um colégio particular tradicional de São Paulo (o Colégio Rio Branco) mandou instalar câmaras de vigilância em suas salas de aula. Os alunos protestaram, recusando-se a entrar nas salas com câmaras até que a diretora do colégio se manifestasse - e em vez de receberem explicações foram punidos com suspensão.
O episódio provocou polêmica, com opiniões diversas sobre a maneira como a escola tratou o protesto dos alunos e sobre a legitimidade da colocação das câmaras.
Não vou entrar aqui nessa discussão, porque me faltam informações confiáveis sobre a maneira com que a escola preparou (ou não) os alunos para a introdução das câmaras. O que me chamou a atenção foi um artigo da psicóloga Rosely Sayão, na Folha de São Paulo, a respeito do caso.
Rosely, contestando a instalação das câmaras, diz no seu artigo:
"As escolas estão se rendendo ao aparato tecnológico que vigia alunos e professores. A justificativa para o seu uso é semelhante em todos os lugares em que as câmeras são instaladas: segurança.
A escola, sempre é bom lembrar, tem a função de educar. Para a cidadania, inclusive, como costumam documentar a maioria dos projetos pedagógicos.
E qualquer tipo de educação escolar só se concretiza a partir da relação entre professores e alunos.
É a partir dessa relação que tudo acontece: ensino, aprendizagem, embates, conflitos, conhecimentos etc.
Podemos dizer que é essa relação, uma relação de confiança, que viabiliza a educação escolar.
Pois bem: a presença de câmeras em sala de aula é um atestado de falência, assinado pela própria instituição, dessa relação.
Sinal de que imagens valem muito mais do que palavras, diálogos, conflitos, encontros e desencontros, regras e transgressões."
Eu queria discutir um pouco essa afirmação da Rosely, que parece implicar que a falência da relação de confiança é culpa da instituição escola.
O que infelizmente temos visto, repetidamente, no noticiário são agressões físicas de alunos a professores, dentro das escolas, e, mais preocupante ainda, agressões físicas de pais, mães, e outros parentes de alunos aos professores.
Na minha opinião isso não indica uma falência das escolas, reflete uma falência da sociedade como um todo.
Em primeiro lugar, uma falência dos pais. Sim, dos pais. Que não ensinam mais aos filhos o respeito ao próximo. Porque isso, apesar de ser uma coisa que se leva toda a vida aprendendo, se aprende primeiro em casa.
(Respeito ao próximo não significa obrigação de aceitar as opiniões do próximo. Eu fui criado, e junto com minha mulher, que também é assim, tentei passar isto para meus filhos, para não aceitar passivamente uma opinião de ninguém sem examiná-la e questioná-la à luz do conhecimento que eu já tivesse a respeito do assunto. Isso me levou a ter muitas discussões com professores, do grupo escolar à universidade. Estive certo algumas vezes, errado noutras. Com todas elas aprendi mais um pouco. Para mim, eram coisa normal, faziam parte de estar na escola. Mas, tanto quanto posso me lembrar, creio que nunca deixei de respeitar, no meu comportamento, a relação professor / aluno dentro da sala de aula. E nem depois, passando para o outro lado, nos muitos anos em que dei aulas e treinei pessoas).
Em qualquer relação de convivência, seja na escola, no trabalho, no esporte, na rua, em qualquer tipo de sociedade, é preciso haver uma coisa que se chama "civilidade".
Uma palavra que se ouve pouco hoje, e que muita gente que gosta de falar em liberdade, em direitos e em cidadania desconhece. Vem do latim "civilis", que significa "próprio do cidadão". "Cidadão", por sua vez, vem do latim "civitas", cidade. É aquele que vive numa cidade. E é do ser cidadão que vem a palavra cidadania.
Civilidade, então, significa o comportamento próprio de uma pessoa que vive numa cidade, quer dizer, a maneira como deve se comportar alguém que não vive isoladamente, vive perto de outras pessoas. É ela que faz com que as pessoas consigam viver numa sociedade. As civilizações existem porque as pessoas vivem em sociedade. O progresso existe porque as civilizações existem. E a cidadania tanto tem direitos quanto deveres. Uma coisa não existe sem a outra. Senão a conta não fecha.
A civilidade pode ser definida, de maneira simples, como o respeito pela pessoa do outro. E a sua regra mais básica, mais essencial, do respeito pela pessoa do outro não tem nada a ver com hierarquia, com autoridade, com posição. Ela diz simplesmente "Não faças aos outros o que não queres que te façam". Ou, de outra maneira, "Trate o outro como você gostaria de ser tratado". É simples assim.
Mas se é tão simples, porque os pais já não conseguem ensinar aos filhos o respeito ao outro? Talvez porque a vida moderna venha tornando isso mais difícil? Porque eles têm menos tempo para passar com os filhos e assim acham que podem delegar à escola esta parte da sua formação? Ou, talvez, porque eles mesmo respeitem menos o próximo?
Eu acredito nesta última razão. E acredito porque a maneira de se ensinar a civilidade não é falando dela, é pelo exemplo. É vendo a maneira com que os pais tratam um ao outro, os filhos, os que estão perto e os que não estão tão perto, que os filhos aprendem a fazer o mesmo. Não adianta pregar uma coisa e e não fazer o que se prega, as crianças não são burras, elas percebem muito bem como agimos. E o que elas veem?
Veem os pais dentro de uma sociedade onde se diz uma coisa e se faz outra, onde a pequena corrupção (aquela do jeitinho para resolver os problemas imediatos do indivíduo, das carteiras de estudante compradas fraudulentamente para pagar meia entrada, do parar o carro em qualquer lugar porque "é só um instantinho, não vai atrapalhar ninguém", das redes de aviso das blitzes da lei seca nos celulares, da venda de recibos falsos por profissionais para diminuir o imposto de renda dos outros, e de tantos outros exemplos), onde tudo se torna aceitável porque "não faz tanto mal assim, os políticos roubam muito mais", vai tomando conta, onde a violência nas ruas se torna cada vez mais gratuita e os assaltantes matam os assaltados para mostrar ao público que não se deve resistir a eles, ou simplesmente porque não se incomodam mais com isso, e porque sabem que provavelmente não serão presos e condenados.
Uma sociedade onde o povo já não respeita a classe política porque ela não respeita o povo que a elegeu. Mas onde o mesmo povo reclama da grande corrupção e acha natural praticar a pequena.
Como vamos querer que eles ajam com civilidade? Como vamos querer que se tornem cidadãos?
Se não souberem viver em sociedade, a sociedade vai falir. Quando uma sociedade cresce, ela só tem dois caminhos: civilização ou barbárie. Que eu saiba, ainda não conseguiram descobrir outro.
O link para o artigo da Rosely está aqui: http://www1.folha.uol.com.br/educacao/1161476-opiniao-camera-em-sala-de-aula-e-um-atestado-de-falencia.shtml
Concordo sim que somos nós pais que temos que dar o exemplo nas pequenas coisas.
ResponderExcluirMe lembrei de um dia em que eu, por razões que não me lembro, pedi ao meu caçula para atender o telefone e dizer que eu tinha saido. E ele falou extamente o que eu pedi : "_Mamae pediu pra eu dizer que ela saiu". Morri de vergonha de mim e da pessoa que eu nunca soube quem era, pois possivelmente me poupou do vexame. E o meu pequeno inocente, agiu corretamente diante da falta de "civilidade" de sua mãe.
Concordo com a atitude da Prof. Rosely. Acho que a falência no tratamento dos adolescentes está justamente no infame e irresponsável Estatuto da Criança e do adolescente que pretende empoderar em excesso os adolescentes em detrimento até da autoridade dos pais e dos professores, vítimas deles. No caso, um dia de suspensão não é algo que vai acabar com o futuro dos jovens. Mas deixá-los agredirem professores e matarem colegas na escola com armas de fogo é um problema, sim. Eles têm de ser repreendidos. Educação é isso. Não é criar jovens chefes de quadrilha impunes. É cercear, é reprimir, é orientar, sim. A primeira lição é que ações têm consequência.
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