Don Quijote y Sancho Panza - Pablo Picasso |
Ana Nunes
Esse momento
triste e doloroso e desesperançado é certamente tempo de muita pesquisa.
Pesquisa do desenvolvimento do vírus, pesquisa de genes, porque uns pegam e
outros não estando juntos e se cuidando ou separados se isolando, estudo de
vacinas, experimento com remédios. Realmente um tempo de estudo.
E eu aqui,
no meu isolamento de dois, estudando e pesquisando outras coisas bem menos
importantes mas tão curiosas quanto. Nas minhas conversas por telefone, e-mail,
zaps e até mesmo através de máscaras, que por sinal, estranho hábito, tenho de
bolinhas, florzinhas, listradas, vermelhas, pretas ou brancas, e até de
gatinhos estampado (marca fashion). Ganhei da costureira, das irmãs, do nosso
sofisticado padeiro de estimação, gourmet de carteirinha e profissão, comprei e
descomprei. Umas me sufocam, outras embaçam meus óculos, já nem estou usando,
outras dolorem minhas orelhas tão úteis até na pandemia, outras ainda nem
estreei. Posso até combinar com a roupa do dia mas não gosto de conjuntinhos.
Só com juntinhos em noites frias.
Voltando ao
ponto, que é muito fácil perder-se no caminho das letras e do pensamento,
comecei a descobrir hábitos muito estranhos ao dia a dia de muito, muito tempo
atrás, antes da pandemia. “Por exemplo coisinha”, uma amiga me contou estar
desenvolvendo chulé apesar de todo o cuidado, higiênico e profilático, de
desodorantes e cremes, água e sabão. Ela pensa ser por causa do sapato macio e
confortável, desses parecendo meinha, que usa sem trégua desde o primeiro dia
do isolamento. Dia após dia.
Ela acha...
Coitada, o tal atacou a esperteza também.
Um grupo de engenheiros, colegas de profissão
da minha irmã, substituíram o encontro mensal regado a bons vinhos e fino papo
pelo encontro virtual. E, lógico, vinho mantido. E confessaram terem abandonado
as cuecas. Tiraram até aquele forro furadinho dos calções e bermudas. Vivem
agora com o famoso bicho solto. O perigo mora ao lado...
Perguntei ao
meu filho se não estava precisando do par de tênis que deixou aqui. E ele me
contou que não usa mais sapatos! E mostrou os pés grandões, felizes e
esparramados e descalçados. Livres! Depois da pandemia acho que vai calçar 46.
Mulheres
aderem ao novo estilo zebra na cabeça criando lista de cabelo branco.
Outras, e me
enquadro no grupo, voltaram ao tempo de Beth Friedman e aboliram os sutiãs,
essa peça incômoda do nosso vestuário, que ao mesmo tempo protege, insinua e
sufoca nossos corpos cansados de guerra. Mas não os queimamos. Estão guardados
para época mais feliz e social. Fico pensando o que será de nós com a gravidade
agindo sem saber nada de vírus e isolamento. Se os homens estão com o bicho
solto estão as mulheres de maminhas ao léu, como dizem os portugas.
Tirando esse
hábito comum mas nem por isso menos estranho, de lavar laranjas, abacate e
bananas, caixa de aveia e pacote de café, vamos gastando nossas mãos nesse tal
de alcongel. Cutícula ressecada e dedos agarradiços.
Agora largo
a letra escrita e volto à letra lida. Estou num bom vício com o Dom Quixote e
seu escudeiro Sancho. Curiosa com o livro desde os sete anos quando via minha
mãe, barriguda do meu irmão, se sacudindo na cama de tanto rir do Cervantes.
Bem mais tarde ganhei do Mano uma edição maravilhosamente ilustrada com
magníficos desenhos a carvão que venho em vão tentando acabar de ler. Foram já
umas três ou quatro tentativas ao longo de uns vinte anos. Agora, vício
adquirido na pandemia, vai. Se eu não acabar com o livro, o livro vai acabar
comigo!
As crianças,
bem, são crianças! Banho dia sim dia não. E os cabelos... nem pensar. Nem sabão
nem água nem tesoura. Crianças bem fedidas!
Outras, as
menores de quatro ou cinco anos, já falam em não voltar para a escola.
Que estão
gostando muito de ficar em casa, mesmo as sempre bem acarinhadas pelos pais.
Concordo com
elas!
E assim vou
pelo tempo triste em que vivemos. Mas devo confessar que outro dia lati para o
cachorro do vizinho, o Edgard. O cachorro, não o vizinho. Também, ele late para
mim toda vez que me vê! Queria o quê? Também faço psiu para os gatos,
prisioneiros de apartamento, quando vão para a janela tomar um sol. São lindos,
lindos. Tem gatinho malhado, preto de olhos verdes e até um cor de rosa.
Ah, tem os
gêmeos do apartamento em frente. Mostro para eles um Macaco Juca vermelho e
mole e outro que toca “Celebration” e bate os pés. Já me chamam de Vovó dos
macacos. As crianças, não os macacos.
Minha amiga
Ana já me ofereceu o marido psiquiatra.
E os cabelos
continuam a crescer e a crescer...
Tempo de
estranhos hábitos.
Por mais estranhos que sejam os hábitos atuais da Aninha, um deles ela aperfeiçoou, e está se saindo maravilhosamente bem:
ResponderExcluirO senso de humor!
Afora as questões anatômicas que abordou com relação ao conforto de nossas partes pudendas, pois dentro de casa e sem visitas podemos andar como melhor nos sentirmos, imagino a minha amiga tentando dialogar com cães e gatos.
Certamente o cachorro e o gato estranharam, e devem ter se divertido muito com um ser humano querendo estabelecer uma conversa.
Eu até comentei em artigos passados, que não eram de minha autoria, que certa feita comecei a contar quantos grãos de feijão havia em duas xícaras, quantidade que a Marli iria fazer para o almoço (arroz deixei de lado porque menor).
Portanto, Aninha nos brinda com uma crônica divertida, saindo um pouco do seu hábito de nos presentear com textos que exigem muito do pensamento alheio, de interpretações, conclusões, e entendermos as mensagens que sub-repticiamente são veiculadas.
Particularmente gostei dessa inovação.
Se os tempos estão difíceis e tendem a piorar, precisaremos de muito humor, de muita tranquilidade, paz de espírito e resignação.
Os contaminados já passam de um milhão e setecentos mil, e nos encaminhamos para sessenta e oito mil mortos!
No mundo, quase onze milhões de contaminados e quinhentos e cinquenta mil mortos.
Se, em princípio, motivos não existiriam para nos alegrar, a bem da verdade se permitirmos que a preocupação, o temor, o medo se instalem dentro de nós como possíveis vítimas do “coroavírus”, mais do que nunca temos de rir de nós mesmos com nossos novos hábitos e, dessa forma, amenizar os efeitos dessa pandemia que está revirando a vida da humanidade.
E, como voga a tradição, justamente em situações adversas que a pessoa se torna criativa, o momento atual exige exatamente que encontremos meios de viver com esperança de futuro, que seremos sobreviventes, que driblaremos a contaminação do COVID-19.
Sendo assim, o meu aplauso entusiástico pela crônica postada, e de autoria da Aninha.
Um escritora e poetisa que tem sido muito versátil e sofisticada:
Usa a Filosofia em certos momentos;
Divertida em outros;
Enigmática algumas vezes;
Misteriosa quando quer;
Questionadora como sempre.
Parabéns, Aninha.
Um forte e fraterno abraço.
Saúde e paz, extensivo aos teus amados.
Te cuida!
Francisco
Excluirvou me intrometer aqui mas preciso falar com vc o quanto gosto dos seus comentários
Que sempre complementam
Ana é mesmo uma pessoa especial e tem esta facilidade em se expressar tanto em prosa como em poemas
Não sou prolixa como vc mas dou meus palpites
Um grande abraço
Querido Chicão Bendl,
ExcluirMeus hábitos realmente estão estranhos. Pelo que você leu acha que devo ver o psiquiatra? Ou resolvo só na escrita insolente e no desenho ?(rsrs) Nos filmes e nas bebidinhas tardias com o Mano?
Quanto aos gatos e cachorros dizem que só é grave quando eles começam a responder!
O humor sim se faz necessário nesses tempos. Nem que seja negro. A gente ri e quase já é choro. Como no luto quando nos sentimos culpados quando alegres.
Aliás esse é um grande luto coletivo do qual só não fazem parte os que não querem ver as covas abertas lado a lado na terra crua decoradas de florezinhas murchas.
Seus comentários completam como disse a Léa.
Muita saúde para você.
Quando vou te ler por aqui?
Atē breve.
Ana, minha querida prima amiga, só vc pra fazer rir nestes tempos difíceis
ResponderExcluirAchei muito bom seus devaneios !! E concordo com eles porque eu também fico observando todos os transtornos que temos
Sua amiga Ana é eficiente oferecendo o marido psiquiatra
Todos estamos precisando destes cuidados médicos senão ...
Melhor rir do que chorar
Um beijo com saudades de vc 😘
Prima minha querida ( o cacófato se fez necessário por causa do texto),
ExcluirSe souber de algum outro estranho hábito mande para mim.
Sempre é tempo de rir e chorar.
Um beijo.
1) Parabéns Ana, uma bela crônica falando deste tempo apreensivo.
ResponderExcluir2)E vamos tocando para frente, eu com o meu misticismo vou conversando um pouco com o pessoal amigo de outras dimensões.
3)Afinal, ninguém é de ferro.
4) Tudo de bom para vc e os seus.
Antonio Budista,
ExcluirContinue com seu misticismo e mande notícias de outras dimensões.
Com certeza te faz bem. E a nós também, lógico! Muito mais do que o pessimismo em mim. Fui largando coisas pelo caminho mas também ganhei muitas outras.
Agora são lindos pássaros! Louvável esse seu trabalho de boa noite.
Gratidão sempre.
Prezada Autora Sra. ANA NUNES,
ResponderExcluirCom seu senso agudo de observação, a Escritora e Artista Plástica Sra. ANA NUNES nos descreve com Bom Humor, cenas de seu cotidiano nestes tempos de Pandemia Covid-19 e Quarentena de mais de quarenta dias.
Esperamos que a Vacina Covid-19 venha o quanto antes, mesmo que se queimem etapas com algum risco.
Houve um tempo que a maioria da População Brasileira morava no Campo, em Fazendas/Sítios no Interior, que a Autora conheceu muito bem, pois nas férias Escolares muitas vezes acompanhava seu Pai, Médico-Veterinário da ACAR-MG, Associação de Crédito e Assistência Rural - MG, que com seu trabalho in loco, muito contribuiu para o Desenvolvimento da Agro-Pecuária de Minas e do Brasil. Uma Quarentena, isolamento social no Campo, é uma coisa, mas hoje o Brasil é +- 85% Urbano, e uma Quarentena na Cidade, especialmente nas grandes Cidades, é outra coisa bem diferente.
É interessante que no Campo, nós que somos Tribais, estamos mais integrados na Tribo, Comunidade, do que nas Cidades. Na Tribo temos referências, com suas vantagens e desvantagens, a meu ver, mais Vantagens, e fora da Tribo, na Cidade, ficamos "atomizados", meio isolados, quase sem "referências", e por isso é bem mais difícil.
Felizmente contamos com a Internet, e demais partes do atual maravilhoso Sistema de Comunicações, e assim não ficamos isolados de todo, podemos "Conversar no CONVERSAS DO MANO", etc.
Parabéns pela gostosa Crônica, junto com nossas Saudações.
Querido cavalheiro Flávio,
ExcluirEstou ficando íntima. Antes era Flávio Bortolotto, aí virou Flávio, cavalheiro e agora já é querido. Sou assim, fazer o quê.
Também os comentários favorecem!
Concordo que somos mais tribais que citadinos. Mas como viver longe da Internet, Netflix, zaps com vídeos e tudo mais?
Falo sempre que se ganhar na loteria compro um morro e vou morar lá em cima, pertinho do céu. Mas com televisão e Internet. (Minha prima disse que compra o morro ao lado. Isso é que é prima!)
Começo a entender que não preciso mais comprar. A triste pandemia colocou o morro em mim. Os vizinhos que não vejo, os filhos e netos que não encontro, as irmãs que não abraço e o cafezinho da prima que não saboreio.
Obrigada de coração.
Atē mais.