Fotografia Carlos Monteiro |
Carlos
Monteiro
Conto tantos, vários engraçados já vividos que eu não esqueci. Quem nunca passou por situações inusitadas, algumas sem pé nem cabeça? Algumas curiosas, outras engraçadas. Aquelas constrangedoras em que o buraco da ema é pequeno para esconder a cara envergonhada. Ficam os vexames, as histórias para os netos e as gargalhadas para as mesas de bares.
No
apartamento, oitavo andar... gritei:
Entrei na
casa do vizinho! Entrei de gaiato no apê!
Uma amiga
querida comprou uma nova moradia na planta. Obra programada com entrega
garantida. Tudo certinho, planejado, pensado, calculado... só que deu errado.
Ela devolveu a humilde residência em que, até então, morava, calculando
transferir-se diretamente para a nova. Assim economizaria uns trocados com o
aluguel. Por sua vez, o proprietário do imóvel aproveitou para acomodar a filha
que vinha morar no Rio para realizar um doutorado. Tudo encaixado perfeitamente
como num quebra-cabeças, em tempos e movimentos sequenciados milimetricamente.
Planilhas complexas e completas, tipo uma sai pela manhã e a mudança, que vem
de fora, da outra chega à tarde! A completude estava perfeita apenas com um
pequeno detalhe: a construtora não cumpriu a data aprazada.
Encontro-a,
dias antes, no Centro do Rio, já em um clima de ‘o que eu faço amanhã...’. Era
um misto de assustada, com olhos em brasa e respingos da chuva do relógio que
atrasa. Clipe sem nexo, Pierrot retrocesso, que nexo tem, que nexo faz? Havia
acabado de me separar, indo viver em um apartamento de dois quartos com cinco
utensílios básicos: um colchão, uma arara para as roupas, uma TV mínima,
suavemente pousada sobre um caixote de maçãs “Red Indians”, catado na
feira-livre da rua paralela, fogão e geladeira. Me compadeci com a situação e
ofereci o quarto ‘às moscas’ para que ficasse até a entrega das chaves. Ali
mesmo fiz uma cópia da chave, entreguei e apresentei meu novo endereço.
Simplesmente esqueci a história.
Vários
dias depois chego tarde da noite, momento exaustivo de trabalho, abro a porta e
me deparo com um Frajola me olhando sério, cara de quem caiu do caminhão de
mudança, em volta vejo uma sala com sofá, poltronas, mesa e cadeiras,
luminárias e quadros. Até tapete e cortina tinha. Assustado, fecho
vagarosamente a porta para não dar sinal que havia ‘invadido’ o apartamento
alheio. Estaria ficando louco? Olhei o número na porta. Conferia com o meu;
estava lá: ‘802’, mas ‘peraí’ eu não tenho móveis, muito menos gato. Teriam
invadido meu imóvel? Me enchi de coragem, chave na porta e novamente o Frajola
agora com cara de poucos amigos, tinha alguma coisa de cão de guarda ali, não
sei se era poliglota, mas que ele rosnou, ah, ele rosnou e alto. Resolvi não
encarar. Essa história de “gato que mia não arranha”... vai que ele não conhece
o aforismo. Essa agonia levou uns cinco ou seis minutos. O prédio não tinha
vigia, era tarde para bater no apartamento da síndica, talvez chamar Buscas e
Salvamentos fosse uma solução. Preferi descer e tomar uns chopes no boteco da
esquina. Horas tantas, como sempre expressa meu querido Carlos Leonam, com
sono, cansado e meio bêbado, supus duas soluções: a redundância de encarar de
frente o problema ou dormir no carro na garagem do prédio. Vai que era só uma
alucinação de estresse. Vai que não tinha nada em casa.
Subi,
abri a porta e lá estava o Frajola. Os chopes transformaram-no. Agora era o
Lion-O dos Thundercats. De alvinegro ficou azulado com os cabelos em fogo.
Tomei a pouca coragem que ainda me restava e fui em direção a cozinha de onde
vinha um saboroso aroma de carne assada. Ignorei o ‘Gato The Cat’, deveria ser
uma alucinação, no caso, uma alucinagato. O chope do ‘bunda de fora’ não era lá
muito confiável, as sardinhas mumificadas, as moelas ao molho juntamente com os
ovos coloridos da vitrine... praticamente um ácido psicodélico. Vagarosamente
me aproximei do espaço gourmet e, silenciosamente, acompanhado pelo Frajola-Lion-O
dou de cara com a minha amiga de avental, travessa na mão e a pergunta olho de
qualquer entrevista:
—Pô cara,
tu demorou hein?! Tá trabalhando demais! Fiz um jantar para gente em
comemoração à minha estada por cá.
Ficou por
seis meses. Fiquei amigo do Frajola que na verdade se chamava ‘Gaveta’, vai
saber o porquê. Preferia dormir nos meus pés do que com ela. Devia ser a
preguiça insana que tinha. Imagina escalar aquela cama. Pular no colchão, ao rés
do chão, era bem mais prático.
Zero hora
no relógio. A vida tem dessas coisas...
A vida tem dessas coisas...
ResponderExcluirOlá Carlos,
ExcluirFantástico o conto que tu contas!
Conte mais!
Me diverti com estas surpresas !! Ótima estória
ResponderExcluirEspero mais
Obrigada