Argila, vergalhão e arame - Ana Nunes |
Ana Nunes
Do vergalhão curvado em vão
Sobrado em tiras de mentiras
Teci o solo e a terra.
E cavei buracos
E completei o chão.
Fiz o esteio da vida
Em volta de povoação.
Na argila sem memória
Plasmei moradias primitivas
Empilhadas no ferro fundido
E engarranchei a igreja no morro
Em escadas sem corrimão.
O arame fino foi amarras e fundação.
Com ele mesmo alinhavei casas
E costurei vãos.
Como corda segurou roupas
Que acharam secar ao sol.
Combinei janelas e portas
Para juntar paredes
Num bordado de relevo
De fazer falar.
No ensaio sem sentido
No embate da solidão.
Eu estava com muitas saudades dos artigos da Aninha, ainda mais as suas poesias, invariavelmente interessantes, belas, ternas, e com mensagens muito bem direcionadas à vida.
ResponderExcluirAprecio em demasia a inteligência da autora, pelo fato de ser sutil, sofisticada no que quer dizer, porém contundente, incisiva, ao mesmo tempo que mostra a singeleza de suas palavras.
Ana vai direto ao âmago de nossas mentes e corações.
Suas hábeis e delicadas mãos mexem com nossos sentimentos e percepções, na mesma medida que cria com a sua imaginação brilhante as peças bonitas, requintadas, e de extremo bom gosto que Aninha tem como características.
Ela é tão autêntica no que faz e registra, que está absolutamente correta que as obras que concretizamos não são apenas ocasionais ou fortuitas, mas porque foram planejadas, estudadas, esboçadas na imaginação antes de se tornarem reais.
Gostei muito de algumas frases que utilizou para exprimir aquilo que devemos combater porque sem sentido:
Argila sem memória, porém as formas foram dadas pela autora;
Escadas sem corrimão, no entanto, subir na vida precisamos de equilíbrio, onde nem sempre temos onde nos agarrar;
Combinou janelas e portas para juntar paredes, ou seja, o que fazemos por mais simples que seja deve ter uma lógica. Deve nos proporcionar entrar e sair do projeto que não tenha sido devidamente calculado nos seus efeitos colaterais ou consequências de imaturidade;
No ensaio sem sentido no embate da solidão, magnífico, pois a solidão não tem sentido, e devemos ensaiar uma nova proposta para nós mesmos em busca de companhias, de podermos dividir nossos momentos mais ternos e mais tristes com alguém.
O poder de síntese da Aninha surpreende.
Em poucas palavras ela escreveu um livro, diante da imensa possibilidade que temos para interpretar a sua poesia, obtida de uma peça de arte, que nos vincula à imensurável capacidade de imaginarmos transformações, mudanças, adaptações, de existirmos de maneira mais simples e confortável, pois as nossas complexidades sabemos que sempre irão nos perturbar em certos momentos, mas devem ser somente em situações específicas, e quando permitirmos essas intromissões.
A artista, escritora, poetisa Aninha, criou o seu escudo de defesa, pois as suas obras formam a sua fortaleza contra o imprevisto, o ocasional, aquilo que nos encontra desprevenidos.
Os sonhos de Aninha são plausíveis, factíveis, e não imagens inalcançáveis.
Ela tem o domínio de si mesma, sabe o que quer, do que é capaz, do seu limite, paradoxalmente tem plena consciência que a sua arte é ilimitada!
Parabéns, Aninha.
Um forte e fraterno abraço.
Saúde e paz junto aos teus amados.
Querido Chicão,
ExcluirA Lēa disse que você disse tudo!
E o que eu posso dizer?
Que escrevo sobre a vida porque a vida vive em mim?
Que vou ao âmago porque quando escrevo me viro do avesso?
Que ponho marcas na argila que perdeu a memória enquanto descansava ao relento?
Que crio meu escudo de defesa porque vivo no embate da solidão?
Caro amigo, um abraço do tamanho do seu coração!
Para sempre mais.
Este Francisco !!!diz tudo e não sobra nada para falar
ResponderExcluirEu também sinto falta da Ana e suas poesias
É delicada e forte ao mesmo tempo com suas imagens poéticas
Agradeço pela beleza das palavras Ana
Um abraço com carinho
Querida Léa da primavera!
ExcluirO Francisco Bendl é assim mesmo! Grandão no tamanho e exagerado nos elogios. Você sabe, coração grande!
E você sempre presente me alegrando com suas palavras!
Um beijão.
Abração, minha querida Léa!
ResponderExcluirSaúde e paz junto aos teus amados.
Ana,
ResponderExcluirEstou aqui lendo seu texto e ao mesmo tempo vendo/ouvindo uma nova versão (de 2012) do big sucesso "Rock Your Baby", que o soulman americano George McCrae lançou em 1974. Lembrei do meu tempo de DJ de uma boate lendária de Natal, Apple Discothèque - que ajudei a idealizar e montar, inaugurada em 1979. Era uma das músicas obrigatórias na programação, aquela do tipo encher a pista. Pudera, é considerada uma das precursoras da era disco.
Apesar da simplicidade da letra, era irresistível, colocava todo mundo para dançar e experimentar uma sensação de ser feliz.
Aí volto ao seu texto e vou até aquele meu tempo jovem, como quem pesquisa um enorme arquivo digital moderno. E vejo em tudo a construção que você tão bem ergueu. Multifacetada como somos todos, as coisas múltiplas que temos de processar todos os dias para seguir em frente e completar a obra que sempre restará incompleta.
Vergalhões curvados, tiras de mentiras, tiras de mentiras, buracos e chão completo, igreja pendurada no morro, ferro fundido, escadas sem corrimão, alinhavos e costuras... Quanta coisa secamos ao sol, como se fosse cura quando preferimos não falar. Solidão! Até muito mais.
Querido Heraldo,
ExcluirFui responder à Léa e ao Chicão...e que surpresa! Encontro você!
Você que se liga à música desde ainda quando suas linhas eram linhas de pai e mãe entrelaçadas na sua construção.
Que não se separa dela nas suas lembranças de criança brincando na rua, nas de jovem inaugurando um canto só seu sem chave na porta, no seu ser DJ nos embalos de sábado à noite e nos amigos musicais de vida adulta.
Que não se separa dela nem nas letras cristais, nem quando coloca o chapéu e vira cidadão do mundo.
Certamente enquanto embala um pouco de solidão e cura, nesta sempre inacabada construção.
Gratíssima sempre.
Atē muito mais.
Teceu o solo e a terra
ResponderExcluircomo teceu nossa vida
e completou nosso chão
Alinhavou nossa casa
e costurou uma família
combinando as janelas
no bordado das cortinas
que deixam entrar o sol
e espantam a solidão.
Que essa arte da vida
continue nos nossos filhos
e em nossos netos também.
Oi,
ResponderExcluirConstruímos juntos! A casa e os filhos!
Bj
Mano
ResponderExcluirque surpresa este lindo poema !!
Uma resposta à altura da sua mulher !!
Me encantou !!
Mano
ResponderExcluirQue surpresa esta resposta em versos
Está em igualdade com a Ana
Fiquei encantada
1) Sensibilidade poética nos versos, na prosa, no desenho, nas artes visuais. Parabéns !
ResponderExcluirOlá Antonio,
ResponderExcluirGratidão sempre!
Até mais!