Casa da Vovó 

Ana Nunes    

 Desenho a casa da vovó.

Mas não é a minha vovó. Ou vovós. Aí seriam relógio de acordes, fogão branco elétrico de fazer bife na chapa ou esquentar água para o chá.
Ou vinho de garrafão ou cerveja da vaca preta. Adocicada e espumosa.
Seriam domingos de encontros no almoço. E aí aquela conversa espichada até de tarde bem tarde, com o café doce esperando esfriar no pires.

Mas... nada disso.
A casa da vovó que desenho é do imaginário.
Se é do contar, ou de livro ou de filme, ou de pedaços que foram se colando no meu coração-memória não sei.  Pode ser até do imaginário de outras pessoas.
Porque nesse caminhar comprido tudo fica meio Garcia Marques nas memórias de suas putas tristes, "...que asi como los hechos reales se olvidam, también algunos que nunca fueran pueden estar en los recuerdos como se lo  hubieran sido."

Ficam nesses desenhos cheirando a nanquim borrado de aquarela em cores, um sofá puído com almofadas empoeiradas, um abajur desligado, de luz fraca bruxuleante como as notícias do rádio velho, mentira, isso é lembrança de verdade, Hora do Brasil às sete, hora de dormir.
Tem cadeira de listras, tem bule vestido de lãzinha pra não esfriar o chá, tem broa de fubá que ainda não era tempo do pão de queijo.
Também tem torradas de pão velho com manteiga generosa derretida.

Mas estou misturando tudo!
Já não escrevo ontem ou hoje, domingos ou desenhos.
De tanto pensar eu mesma já nem sei de mim.
Me perdi no tempo, nessa manta gostosa que me embrulha e me acaricia. E amacia meu coração chocolate meio amargo.