Francisco Bendl
O filósofo que disse, “mente sã
em corpo são”, tinha lá as suas razões.
Faz tempo
que não tenho qualquer inspiração para escrever... nenhuma ideia... nada.
De acordo
como a minha doença se agrava, parece que o cérebro se mostra solidário com o
coração, e ambos se negam funcionar a contento.
Discordando
eu dessa greve dos meus dois órgãos mais importantes, penso sobre o fim da
existência, o meu adeus ao planeta, ao mesmo tempo que imagino um tanto
preocupado se esta vida tem sequência ou se encerra em definitivo; se existe
compensação pelos sofrimentos ou punição pelos bons momentos.
As dúvidas
são constantes nesses dias que ainda estou entre os terráqueos.
Por mais que
eu tente estabelecer um critério a respeito de como seria essa outra forma de
vida além dessa, confesso que o meu limite se restringe à Terra, e sequer meus
pensamentos alcançam voos maiores fora dessa órbita.
Por exemplo:
Haveria
algum lugar específico para quem se despede desta vida?
Um
apartamento ou casa ou escritório ou consultório ou pousada ou hotel ou Spa,
onde aguardamos o nosso próximo destino?
Alguém irá
nos trazer novas ordens para continuarmos seres humanos através de outros pais,
um novo país, outros tempos?
Voltaremos
ricos ou pobres ou na mesma situação econômica e financeira de antes?
Casaremos ou
ficaremos solteiros?
Morreremos
cedo ou seremos longevos?
Teremos
filhos ou não?
Nasceremos
saudáveis ou com alguma síndrome?
Seremos
homem ou mulher?
Ou a vida se
apaga em definitivo, e se obtém o tão merecido descanso?
Independente
do que se pode ou não acontecer depois da minha partida, os meus
questionamentos se referem a essa vida, aquilo que fiz, realizei, e que
elaborou uma trajetória que tem seus predicados, defeitos, omissões,
irresponsabilidades, ousadias, momentos de coragem, de solidariedade, de
egoísmo, de satisfação, alegria, tristeza, felicidade, carinho, afeto,
amizades, desempenho profissional, saúde, doenças, obrigações, compromissos,
escolaridade, cursos, viagens, prazeres, alimentos, exercícios, vestimentas,
experiências, frustrações, relacionamentos, filhos, dedicação, residências,
meios de locomoção, confissões, religiões, crenças e... amor.
Levo para a
outra vida, se existir, uma boa bagagem desta, um baú daqueles antigos quando
se viajava de trem ou navio.
Levo muita
tralha adquirida nesses setenta anos de vida.
Servirá para
onde vou ou será totalmente desnecessária?
Lá, o
“mundo” será diferente, com novas perspectivas, avaliações, princípios, valores...
nada conhecido por aqui ou será uma espécie de continuidade dessa existência?
Eu me
encontrarei com familiares que se despediram de mim há tempos ou já teriam
reencarnado ou tomaram novos rumos?
Irei rever
amigos?
As pessoas
serão as mesmas como as conhecemos ou se apresentarão diferente?
Também se
encontrarão no mesmo local aguardando novas funções, reencarnações, ordens,
determinações... ou silêncio total, o nada?
Sinto que a
diferença dessa existência para essa que vou não me responde nenhum dos meus
questionamentos.
Somente
dúvidas se apossam do que resta dos meus dias.
Deverei
deixá-las de lado?
Afinal das
contas, o “outro lado” pode ser tão diferente desse, que minhas perguntas de
nada servirão para sequer eu ter uma ideia sobre como será, e como serei
recebido, se for o caso.
Curiosamente,
do mesmo jeito que nasci neste mundo, em que eu não tinha a mínima ideia do que
seria, do quanto tempo de vida eu teria, como seria a minha trajetória, percebo
que o fim desta vida me remete para o mesmo momento quando surgi nesse planeta:
Só perguntas
e dúvidas!
A nossa vida
será, então, neste planeta ou fora dele ou em algum lugar especial, e somente
questionamentos, dúvidas, perguntas, sempre sem saber o que nos acontecerá até
mesmo no minuto seguinte?
Ou a morte
será o fim em definitivo do que nos assalta a mente, nos perturba, nos deixa
confuso e sem saber como agir, a não ser aguardar?
Meu último
suspiro será de dúvida?
Ou saberei
de onde vim, por que fiquei aqui por sete décadas e para onde vou, finalmente?
Se me
faltavam ideias para uma de minhas últimas crônicas, sobraram perguntas,
questionamentos, incertezas.
A espécie
humana é mesmo uma incógnita?
Seríamos
feitos somente de incertezas?
Tanto neste
planeta como para onde se vai depois ou não, só nos restam dúvidas?
Sem base
alguma que me sirva para eu afirmar ou definir uma vida, posso até mesmo
elaborar uma ideia que não existimos, que estamos de passagem de um mundo para
outro, saltando de planeta para planeta, e que a vida terrena é um sonho.
Ou uma ilusão?
A nossa
morte será acordar em outro local, que seria o verdadeiro?
Pensando
bem, o ser humano é movido pelo que é abstrato, invisível, até mesmo
indescritível:
Vontade,
determinação, ambição, emoção, desejos, ideal, fé, angústia, frustração, sofrimento,
satisfação...nada do que citei tem cor ou formato, que pode ser visto de perto
ou não.
Na razão
direta que, apesar de termos corpo, aparência, altura... somos movidos pelo que
não vemos e não sabemos como definir, sabe-se lá se a vida também não é nada
disso que sentimos ou imaginamos?
Nessas
alturas, também não sei se valerá a pena eu saber como será o outro “lado”.
Se não é
melhor viver de incertezas, dúvidas e confusões, que uma existência à base de
certezas, definições e inquestionável.
Enfim, se eu
puder avisá-los de “lá” o que descobri, contem comigo.
Caso não
recebam informações da minha parte, por favor, sigam com as dúvidas porque
procedentes, e pelo fato de que jamais serão respondidas.
Logo, eis a
certeza da vida, a incerteza;
Eis a
definição da existência, a inexistência;
Eis quem
somos, nada somos.
Tais
conclusões seriam boas ou ruins?