-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------

28/08/2021

A segunda banda de agosto

 

Vista aérea de Acari (imagem Job Drone)

Heraldo Palmeira

Ainda é agosto em Acari. Não há mais o rebuliço da primeira quinzena, tempo da festa da padroeira. Chegou a segunda banda do mês, voltou a calmaria tradicional de uma pequena cidade do interior. A costumeira falta de pressa, o mesmo calor do semiárido nordestino, a velha contagem progressiva até agosto do ano que vem, onde faremos tudo de novo para louvar Nossa Senhora da Guia.

Para começar o dia, um desjejum sertanejo antes do passeio de catamarã pelo açude Gargalheiras, Paulinho Gargalheiras pilotando e os Dedés de Milton a postos na companhia, fotografias e profunda amizade – Robertão de Davi não foi localizado, estava comendo estrada nos afazeres costumeiros. Ocasião de visitar muitos recantos adormecidos na memória da infância, oportunidade de ver de perto e em outros ângulos surpreendentes imagens conhecidas sempre avistadas de longe ou aproximadas pelo zum das câmeras.

A quantidade de água represada ainda permite atividade pesqueira. As vazantes estão enfeitadas por pequenos roçados de feijão, batata e capim para o pasto que mantém pequenos rebanhos leiteiros, os animais sabiamente refestelados próximos à margem.

No alto de um dos serrotes de pedras e caatinga da cordilheira, uma grande colmeia que chamamos de arapuá em razão do nome da abelha que abriga – sem ferrão, louca por se enroscar nos cabelos de quem chega perto, produz pouco mel (que não desperta interesse comercial) e cera de odor desagradável. Mais adiante, as flores de alguns tipos de cáctus demonstram a convivência harmônica entre aridez e fertilidade.

Os lugares reservados do grande açude testemunham o milagre da natureza em pleno viço dos seus ciclos de transformações. Plantas, flores, pássaros, camarão, tucunaré e outros peixes... Tudo ali, compondo um belo ecossistema.

Um cachorro da melhor linhagem dos vira-latas nos recebe desconfiado à margem de uma propriedade sem vivalma. Mas leva pouco tempo para, amparado em algum tipo de parâmetro insondável, nos considerar confiáveis e passar a nos seguir animado pelas terras férteis das vazantes. Uma casa de taipa dos velhos tempos é uma viagem no tempo, inclusive pelo abandono e o estado de semidestruída.

No reembarque, nosso guardião tomou um belo banho de açude e, por pouco, não subiu na embarcação para continuar suas mesuras de anfitrião. Ou para aproveitar o encantamento das novas amizades.

Já em terra firme, um banho reconfortante e a pequena viagem de carro até Acari. Caminhar pelas ruas semidesérticas é um bom exercício de reencontro com o silêncio repleto de memórias. O casario vai passando como cenário do que foi vivido atravessando tempos ancestrais, inclusive pelos nomes dos velhos moradores que vão surgindo nas lembranças.

A praça principal em obras retirou de cena o velho coreto e a sede da difusora onde dei meus primeiros avisos ainda com voz infantil – palpitações seminais do meu amor de vida inteira pelo rádio. Reconstruídos, não serão mais os meus, permanecerão em velhas fotos esquecidas em gavetas e baús.

Mais adiante, uma casa senhorial enorme, que já representou a opulência dos coronéis da agricultura e da pecuária. Hoje, celebrando seu primeiro centenário de construção, peleja para não virar escombro e recuperar um pouco da antiga imponência.

Em busca de providências de restauração, a velha casa que pede socorro pode esticar o olho adiante e enxergar uma construção erguida entre 1878 e 1887. Concebida nos moldes do Brasil Império como Casa de Câmara e Cadeia, juntou no mesmo espaço a Câmara Municipal (parte superior) e a Cadeia Pública (parte inferior, que funcionou no local até meados dos anos 1980). O prédio foi tombado em 1964 pelo IPHAN-Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, coroando o seu valor histórico e arquitetônico. Depois de várias utilizações como sede de biblioteca, de ações sociais da prefeitura e da banda de música, hoje abriga o Museu Histórico de Acari.

Dominando a cena da praça principal a bela Igreja do Rosário, que um dia foi simples capela. Dizem os historiadores, erguida por exigência da mãe de um senhor de terras e pecuarista pioneiro, que se instalou quando tudo era sertão inóspito, incerto e infinito habitado por índios valentes, pouco amistosos e embrenhados na caatinga.

Dona Maria da Purificação, mãe do desbravador, colocou uma única condição para vir viver com o filho: ver erguido o primeiro abrigo de Nossa Senhora da Guia, nossa padroeira, de quem era devota – muitos garantem que ela nunca pisou nossa terra.

Manuel Esteves de Andrade, que mandou construir para atender o capricho materno, ganhou a honraria histórica de fundador da cidade talvez pelo fato de que, naqueles povoados de outrora, tudo se formava ao redor das igrejas. Ainda mais num povo de proeminente religiosidade.

Ali ao lado, razoavelmente conservada, está a casa senhorial do homem que dominou a atividade do algodão, cujas usinas viraram ruínas e não dizem nada a respeito da riqueza que geraram há poucas décadas. Até as lendas sobre a devastação da cultura do “ouro branco” pela praga do bicudo começam a amarelar pelo efeito do tempo.

Mais adiante, o ponto onde Toinho do Quentão estaciona todas as noites sua velha kombi branca – um legítimo food truck muito antes desse conceito virar moda – para oferecer deliciosos cachorros-quentes e outras coisas ligeiras, sem contar o cafezinho gentil e gratuito. Quase vizinho de parede-meia imaginária da Barraca de Nossa Senhora da Teima, que só funciona de manhã, onde Mané de Barnabé vende suas confecções populares sem deixar a prosa esfriar, quente feito a sopa espetacular que ele serve em casa para privilegiados como eu.

Reverenciando esses dois amigos comerciantes embiquei na chamada rua da Matriz, pensando que o tempo fez o pequeno povoado virar vila e depois cidade, e uma nova matriz foi erguida no alto do que chamamos “colina sagrada”, exatamente no topo daquela rua. Até hoje permanece ladeada pelo Grupo Escolar Tomaz de Araújo e o antigo Jardim de Infância de Acari (agora Biblioteca Maria de Jesus Bezerra, homenagem a uma das nossas matriarcas e mãe de diversos acarienses ilustres).

Não causa qualquer desconforto subir até lá pela ladeira suave, que mantém parte do casario antigo dos dois lados da rua larga onde vivem descendentes das famílias tradicionais. Apesar das reformas arquitetônicas em algumas das casas, ainda é possível respirar um resto da história. As árvores do canteiro central oferecem sombra suficiente, com bancos para um momento de reflexão olhando para o nada do tempo ou para a matriz majestosa.

Hora de subir a escadaria do átrio, mandada construir em tempos mais recentes. Talvez porque as novidades são raras numa pequena vila como a nossa, a obra virou assunto de todas as rodas de ponta de calçada e redes sociais. Despertou paixões a favor e contra, gerou toda sorte de opiniões como uma barraca da teima ampliada. Hoje, dá solenidade ao templo e tem grande eficiência para, nas grandes celebrações campais, abrigar idosos, pessoas com deficiência e até a banda de música que tanto nos orgulha.

Entrei na velha matriz como quem entra em casa, revendo meu lugar solene de oração desde menino. A mesma beleza, o mesmo silêncio, a mesma sensação de frescor que acolhe e acalma o espírito – dei sorte, não havia mais ninguém além de mim naquele momento.

Ainda estamos processando uma grande mudança. Na verdade, aprendendo a compreender o fato de nossa matriz ter sido elevada à dignidade de basílica menor pelo papa Francisco. Sim, somos sertanejos fervorosos, mas essas grandezas litúrgicas estão distantes do nosso cotidiano simples por natureza.

O que conhecíamos apenas como a casa de Nossa Senhora da Guia recebeu retoques arquitetônicos – desnecessário lembrar que o trelelê sobre as obras foi enorme – para seus novos desígnios de basílica menor. Passou a ser um templo diretamente ligado à Santa Sé. Levará um tempo para inserirmos tanta pompa e circunstância ao cabedal de devoções que conhecíamos até aqui.

Para estabelecer uma sintonia fina com a nova realidade é preciso visitar um corolário – nos diz o dicionário que corolário “é uma verdade que decorre de outra, que é sua consequência necessária ou continuação natural”. Uma volta no tempo até 1737, onde os registros históricos guardam a petição assinada por Manuel Esteves de Andrade para construir a capela de Nossa Senhora da Guia – há versões dando conta de que obras foram iniciadas dois anos antes e o tal documento apenas oficializou a realidade.

Veio a inauguração em 1738, com a bênção episcopal. No altar, a chamada “imagem primitiva”, de estilo barroco popular cujas feições e demais traços indicam que pode ter sido talhada por algum santeiro paraibano, hoje mantida em pequeno altar da casa paroquial.

O povoado começou a se formar ao redor da capela que passou por obras de reforma e ampliação em 1792, quando adquiriu o belíssimo formato atual, cujo porte permite avaliar a pujança do lugarejo naqueles tempos.

Em 1833, a vila de Acari conquistou sua emancipação de Caicó e tornou-se município. Em 1835, com a criação da paróquia de Nossa Senhora da Guia, o templo erguido pelo fundador foi elevado à dignidade de igreja matriz.

Décadas depois, o padre Thomás Pereira de Araújo – desde seu ancestral português, o quarto homem de mesmo primeiro nome na família – era o pároco da comunidade. Diante da ameaça de o poder público confiscar as propriedades das irmandades religiosas, ele simplesmente vendeu as fazendas de gado e passou a dispor de bom capital em espécie nos cofres da paróquia.

Dotado de grande visão de futuro, fez uma análise econômica do ambiente rural e urbano e vislumbrou a tendência de crescimento da comunidade. Assim, lançou-se ao empreendimento mais reluzente do seu legado: a construção da nova matriz no alto da colina sagrada dos acarienses. A obra, que teria começado em 1853, estendeu-se por doze ou catorze anos. O visionário ergueu um templo cuja imponência e beleza impressionam até hoje. É justo deixar os pudores de lado e reconhecer ali uma das mais belas igrejas católicas do estado.

No Natal de 1862, quando a capela-mor já se encontrava coberta, foi celebrada a primeira missa, presidida pelo padre Thomás. A obra foi concluída em 1863 – a data alusiva está impressa no alto da fachada principal –, “quando ela ficou coberta e fechada”, conforme crônica da época.

Foram mais quatro anos de preparação, com a construção dos altares em madeira, pintura, paramentação (alfaias que permitem o funcionamento pleno de uma grande igreja, tais como roupas e vasos litúrgicos, toalhas, pia batismal etc.). E, óbvio, a belíssima imagem de Nossa Senhora da Guia, de estilo barroco, adquirida especialmente para a trasladação da antiga matriz, ocorrida na abertura da festa em 5 de agosto de 1867.

Realizada a cerimônia, a antiga matriz foi dedicada a Nossa Senhora do Rosário. Hoje, além da condição de a mais antiga do estado que ainda permanece de pé, é mais uma joia do patrimônio histórico, também tombada pelo IPHAN em 1964.

Em 2013, foi realizada uma grande reforma na matriz para comemorar o sesquicentenário daquele 1863 que está no alto da sua fachada principal. Para mim, um ano de redobradas alegrias porque lancei o filme documentário Agosto em Acari, onde a própria comunidade deixou gravados sinais claros de que a fé dos nossos antepassados estava preservada numa atmosfera religiosa perene e que vai atravessando gerações. Valeu cada minuto dos cinco anos que levei para realizar o projeto.

Também naquele ano histórico de 2013 ocorreram as primeiras ideias e conversas a respeito da elevação da matriz à dignidade de basílica. A partir de 2018, o processo finalmente ganhou corpo.

O documento foi publicado pelo Vaticano em 19 de março de 2021, dia consagrado a São José, tão caro a nós sertanejos – ainda mais se chover, sinalizando inverno e farta colheita nas nossas crenças populares.

No dia 25 do mesmo mês tivemos a solenidade de dedicação, rito de consagração da matriz e do novo altar, e a publicação do Decreto Pontifício que elevou a nossa matriz à dignidade de basílica menor. Ali, a paróquia de Acari passava a desfrutar de um honroso privilégio pontifício, a ligação de seu principal templo por um vínculo especial de comunhão à Cátedra Romana de Pedro, ao papa atual e seus sucessores.

Fechando a cerimônia, nos céus de Acari a fumaça da enorme quantidade de fogos parecia anunciar ao mundo “Habemus basílica!” (Temos uma basílica). Nos demos conta de que aquela matriz majestosa tatuada em nossos corações é agora a Pontifícia Basílica Menor de Nossa Senhora da Guia do Acari, a primeira basílica do Rio Grande do Norte.

Correndo os olhos pelo decreto Domus ecclesiae (Casa da Igreja) da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, onde estão listadas as normas para concessão do título de basílica menor, encontramos outras pistas importantes para tamanha conquista:

“A igreja, para a qual se pede o título de basílica, deve ser dedicada a Deus com o rito litúrgico e tornar-se, na diocese, um centro de atividade litúrgica e pastoral, sobretudo para as celebrações da Santíssima Eucaristia, da penitência e dos outros sacramentos, sendo exemplar quanto à preparação e desenvolvimento, fiéis na observância das normas litúrgicas e com a ativa participação do povo de Deus.”

“A igreja goza de certa fama em toda a diocese […] ou ainda porque se venera em modo particular alguma imagem sacra. Se considerem também o valor da igreja, ou seja, a importância histórica e a sua beleza artística […] pede-se ainda um suficiente número de ministros e um apropriado coral, para favorecer a participação dos fiéis também com a música e com os cantos sacros.”

A presença do acariense Eugenio de Araújo Sales na história recente da Igreja deve ser considerada com relevo. É inegável que ele deu conhecimento à Santa Sé do nome da cidade e sua fervorosa e secular vivência religiosa.

O trabalho virtuoso e incansável, bem como a serenidade dos sacerdotes Fabiano Dantas, Flávio Medeiros e Raimundo Sérvulo, dos quais sou feliz testemunha, ergueram e acomodaram cada cristal do projeto no devido lugar e sem nenhum trincado.

E o corolário volta ao ritmo cronológico pelas mãos do padre Emanuel Medeiros, que está sendo acolhido agora pela comunidade como novo pároco da cidade. Quem achou que ele teve sorte por chegar com a obra da basílica pronta ainda não entendeu o rumo dessa prosa.

Caberá a Emanuel ratificar o fervoroso trabalho de Fabiano e conduzir o primeiro tempo de sedimentação da nova relevância do nosso templo diante do povo de Deus. Operar como pastor para que a chama da fé nos permita fazer a conexão espiritual da matriz que guardamos por séculos com a plenitude do seu significado de basílica. Que ninguém se iluda, um trabalho tão hercúleo quanto foi o de quem colocou tijolo sobre tijolo do edifício da nossa fé, desde aquele longínquo ano da graça de 1737. Ou até antes, quando o sopro divino parece ter tocado o espírito de dona Maria da Purificação criando o ponto zero do nosso corolário religioso, que caberá a cada vigário transmitir ao seu sucessor e assim por diante.

O mais firme alicerce sempre esteve na comunidade, que transformou Acari numa referência litúrgica a partir do fervor que nos guia desde os tempos dos desbravadores. Somos o povo que, acostumado a desafios, vai honrar mais e mais a dignidade que nos foi concedida pelo santo padre. Não há o menor perigo de ser diferente.

Findei minhas orações e permaneci absorto na observação da parte interna da basílica. De repente, começou a entrar pelas enormes portas e janelas o aroma que saía das cozinhas das casas ao redor, sinal definitivo de que a hora do almoço sertanejo era chegada. Claro, eu também sou filho de Deus, merecia prato, talheres e copo.

Levantei-me devagar de um banco qualquer no meio da nave central, onde sempre costumo ficar durante minhas orações – como também é bom uma igreja vazia! Já de costas para o altar, olhei para o alto e, na balaustrada do mezanino do coro, enxerguei o brasão da basílica, boa fonte de tradução da nova realidade daquele templo.

Fui correndo a vista de alto a baixo, lembrando do que me ensinaram sobre ele o padre Fabiano Dantas e Canindé da Igreja Medeiros.

Brasão da Basílica de Acari (imagem: divulgação da paróquia)


Umbrelino basilical: em listras vermelhas e amarelas que representam as cores do pontificado, é uma insígnia exclusivamente pontifícia e presente em todas as basílicas, sempre ao lado do tintinábulo (sineta). Nas antigas liturgias eram utilizados quando o papa em pessoa participava de uma procissão, a umbrela para lhe proteger do sol ou da chuva e o tintinábulo para anunciar sua presença. As basílicas, por sua dignidade, recebem esses dois símbolos visíveis para designar sua profunda comunhão com o sucessor de São Pedro e representar sua prontidão para receber o santo padre.

Chaves petrinas: uma amarela, uma prata, cruzadas, guarnecem o escudo central demonstrando a sintonia da basílica com o papa e a Igreja universal. O cordel vermelho que as mantém atadas representa o sangue que o vigário de Cristo deve se dispor a derramar pela Igreja.

Cadeia de montanhas: na cor prata e na posição de proeminência no topo do escudo, faz referência ao território de Acari com as cordilheiras que representam a fortaleza natural dada por Deus em nossa geografia. A parte verde (mais abaixo) remete aos tempos de chuva e à exuberância da natureza em viço, conforme consta nas segunda e terceira estrofes do hino da padroeira.

- Desde o serrote florido até o rio corrente [...] se o campo em festa floresce, se o perfume a flor derrama.

Ondeado: em azul e prata, é uma referência ao rio Acauã que banha nossas terras e guarda as origens de Acari. No campo espiritual revela as águas batismais que fazem brotar inúmeras gerações para o louvor católico de Deus.

Estrela de seis pontas: em amarelo, aplicada sobre a cadeia de montanhas, representa Nossa Senhora da Guia. O fundo prata sobre o qual está aplicado também representa a aurora de Deus.

Monograma mariano: em amarelo, coroado, e calçado pela lua prateada, faz alusão à própria Virgem Maria no Livro do Apocalipse e igualmente na invocação de sua novena. O fundo azul, na arte cristã, remete à virgindade de Maria.

Cristograma: em amarelo, representa a presença de Jesus Cristo como rei e centro, princípio e fim de todas as coisas. O fundo vermelho representa o sacrifício na cruz como meio de salvação.

Listel: em letras pretas sobre fundo prata, traz a inscrição “DEVOTIO MARIAE ACARYENSIS GLORIA” (Devoção a Maria, glória do acariense), que reproduz trecho da homilia proferida pelo acariense cardeal Eugenio de Araújo Sales na missa de 15 de agosto de 1995, celebrando os 160 anos da criação da paróquia de Nossa Senhora da Guia.

Devemos aprender e compreender o significado da basílica como uma coroação histórica. O ato de transmitir tamanho valor à nossa posteridade será uma forma de gratidão aos nossos antepassados, um meio de manter viva a história religiosa que eles começaram e que é nosso papel dar seguimento.

Uma nova realidade provavelmente se instalará, Acari poderá virar destino de peregrinações e turismo religioso. Que Nossa Senhora da Guia, de sua basílica, nos dê sabedoria para manter nossa tradição de religiosidade e de acolhimento cristão a quem chega. E que nos guie para operar as mudanças em benefício da obra pastoral e da comunidade que vimos construindo desde que o pequeno povoado foi se formando ao redor da capelinha erguida por Manuel Esteves de Andrade.

Os coroinhas começaram a chegar para, liderados por Canindé, grande sacristão que formou gerações deles, iniciarem a salva do meio-dia. Hora dos avisos paroquiais bradados pela voz alegre dele nas difusoras instaladas nas torres frontais e na parte mais alta do fundo da basílica – parte integrante do grande projeto de sonorização que desenhei, ajudei a comprar (com outros três devotos) e instalei (com técnicos especializados que trouxe de São Paulo e Brasília) na grande reforma de 2013.

Estava próxima a hora de o campanário oferecer o belo ritual da linguagem dos sinos. Fui saindo devagar e desci a escadaria solene. Restava o tempo certo de chegar à mesa do almoço e ouvir o sinal da fé sertaneja espalhado sobre nossa comunidade em ondas sonoras. Por coincidência, o som do carro começou a tocar algo que pareceu coisa combinada.

Já bate o sino, bate na catedral

E o som penetra todos os portais

A igreja está chamando seus fiéis

Para rezar por seu Senhor

Para cantar a ressurreição

Já bate o sino, bate no coração

E o povo põe de lado a sua dor

Esquece a sua paixão

Para viver a do Senhor

 

Agradecimentos a Adriano Campelo, Canindé Medeiros, Fabiano Dantas, Jobel Araújo, Maria Izabel Medeiros e Netinho de Pinta.

Trechos de:
Hino de Nossa Senhora da Guia (Felinto Lúcio Dantas-Palmira Wanderley)
Paixão e fé (Tavinho Moura-Fernando Brant)

14 comentários:

  1. Mestre, nem levando vinte anos andando a pé na sua Acari ou mesmo atravessando o Gargalheiras como fiz várias vezes por dentro da parede ou de canoa, entenderia o orgulho dos seus conterrâneos a partir da contação da história da sua bela e querida Acari. Obrigado pela aula.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Heraldo Palmeira31/08/2021, 09:27

      Mestre Rose,
      A aula que nos dá é o mundo, você bem sabe como andarilho precioso e preciso daqueles sertões, sempre com um olho e uma lente prontos para mostrar as riquezas que estão por aí. Também sabe que quando a gente conta uma história pessoal está sempre ajudando a contar a história. Há até os que aumentam um ponto aqui e acolá, são humanos e disso vivem os textos e os leitores. Abração.

      Excluir
  2. Suzete Córdula29/08/2021, 14:32

    Belíssimo texto/aula Heraldo, tenho conhecimento de seu amor e carinho por nossa Acari!
    Amei, Parabéns

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Heraldo Palmeira31/08/2021, 09:31

      Suzete,
      Obrigado, mas não há aula nenhuma, é apenas resultado de um passeio amoroso pela nossa terra querida, naqueles dias de agosto que parecem uma convalescença da grande festa da padroeira. Dias que parecem tristes pelo falta da algazarra da primeira quinzena, mas que servem para aumentar a vontade de que o ano que vem chegue logo, mesmo a gente sabendo que estamos pagando a pressa com o próprio envelhecimento. Tem nada, não!

      Excluir
  3. Cada palavra colocada é uma valiosa pepita. O autor nos brinda com uma lapidação literária de rara beleza. Nos permite enxergar, sentir e saber de Acari-RN, sua verve completa as duas bandas fazendo duas bandas em completo AGOSTO.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Heraldo Palmeira31/08/2021, 09:35

      Caro Pedro,
      Quando a gente fala de algo que nos apaixona, as pepitas vão sendo encontradas pelo chão e o leitor faz a lapidação. Esse é o encanto da simbiose escrever-ler, quando o autor encontra identidade no leitor. No nosso caso, completamos nosso agosto anual, esse sim, um tesouro raro das nossas vidas.

      Excluir
  4. 👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏 Não encontrei outra forma para inciar este comentário sobre esse texto maravilhoso, cativante e que nos prende no ao correr os olhos nas palavras. Será que posso qualificar o texto como um " documentário literal", pois é assim que me parece. Eraldo Palmeira, um grande amigo e um excelente exemplo de ser humano, nunca deixa de me impressionar com sua infindavel sabedoria e profissionalismo em tudo o que faz. A leitura desta obra maravilhosa, desloca o leitor no tempo e no espaço, buscando montar as imagens da época e do lugar ao ler a descrição feita de forma muito precisa e hipnotizante, faz despertar desejos e sentimentos da criança que ainda habita no íntimo de cada um que lê. Parabéns, mais uma grande obra realizada!!!👏👏👏👏👏👏👏❤️ É o que acho, seu amigo, Francisco Alves.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Heraldo Palmeira31/08/2021, 09:41

      Meu caro,
      Você vertamente ampliou generosamente as qualidades que enxerga em mim. Acredito que o texto é um "documentário literal", pois foi vivido. Por isso, as imagens ficam nítidas no relato. Se ligarmos nossas câmeras... Obrigado pela leitura e palavras.

      Excluir
  5. WAGNER DE MEDEIROS MONTEIRO30/08/2021, 10:16

    Caro Heraldo Palmeira,
    Semana passada sobrevoei Acari de helicóptero quando fazia uma navegação aérea nos trechos entre Mossoró e Campina Grande. Estava relativamente baixo, característica desse tipo de aeronave e agora lendo o seu precioso texto, uma semana depois, vejo descrito em cada detalhe a riqueza da paisagem que tanto apreciei. Certamente da próxima vez que passar por lá, será ainda mais interessante!!!!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Heraldo Palmeira31/08/2021, 09:44

      Mano Wagner,
      Não bastasse o "previlégio" de ser seridoense de Caicó, você tem o privilégio de, por profissão, poder enxergar o mundo de cima. Vamos ver se, alguma hora dessas, a gente chega em Acari vindo pelo céu.

      Excluir
  6. Canindé Medeiros01/09/2021, 08:22

    Caríssimo: que o futuro nos reserve muitos reencontros, sob a maternal proteção da Virgem da Guia!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Heraldo Palmeira04/09/2021, 11:04

      Canindé da Igreja,
      Nossos agostos, nossas prosas são alimento para nossas almas acarienses. Que tenhamos a sorte de muitos anos pela frente, de modo a manter nossa tradição fraterna. Com as bênçãos de Da Guia.

      Excluir
  7. Querido Heraldo,
    Depois de lido o texto e juntado ao outro, entendi sua paixão por Acari!
    BenzaDeus por tanta riqueza! Sua riqueza!
    Abraço de até mais.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Heraldo Palmeira10/09/2021, 11:48

      Ana,
      Sim, as riquezas estão lá e são nossas, de quem é e de quem chega. Nos habituamos a dividi-las sem egoísmo, sem ciúmes toles. Algo que anima a rabiscar e rabiscar, talvez tentando mostrar que as pequenas coisas, aquelas autênticas, são enormes, o que realmente vele na vida. Até mais.

      Excluir

Para comentar, por favor escolha a opção "Nome / URL" e entre com seu nome.
A URL pode ser deixada em branco.
Comentários anônimos não serão exibidos.