|
Felix Baumgarten (esquerda) e Joseph Kittinger (direita) saltando de seus balões. Fotografias RedBull (esquerda) e Força Aérea Americana (direita) |
Wilson Baptista Junior
Há oito anos, em 2012, o
mundo inteiro viu as notícias, e milhões de pessoas acompanharam ao vivo o
salto de paraquedas patrocinado pela Red Bull, quando depois de cinco anos de
treinamento e preparação Felix Baumgartner saltou de uma gôndola pressurizada
levada por um balão a 39.045 metros de altitude, caiu por 4 minutos e 22
segundos em queda livre, durante a qual quebrou a barreira do som e atingiu uma
velocidade estimada de 1.343 quilômetros por hora antes de abrir o paraquedas.
Foi um feito magnífico, ajudado por toda uma tecnologia de ponta. Felix usou um
traje espacial desenvolvido especialmente para o salto, alimentado dentro da
gôndola high-tech do balão por uma mistura de nitrogênio e oxigênio líquidos, e
durante o salto por dois cilindros da mesma mistura acoplados a seu traje
espacial.
Os recordes
anteriores que Felix quebrou tinham sido estabelecidos mais de meio século antes
por um piloto de provas da Força Aérea Americana, o capitão Joseph Kittinger,
em agosto de 1960. Kittinger saltou de 31.333 metros de altitude, num projeto
da Força Aérea Americana para testar um sistema de estabilização de paraquedas
que permitisse aos pilotos escapar de aviões que na época estavam atingindo
altitudes cada vez maiores.
Durante a
Segunda Guerra Mundial, os aviões de combate já atingiam altitudes de mais de
doze mil metros, e havia uma controvérsia sobre qual seria a melhor maneira de
escapar de um avião a esta altitude; se seria melhor abrir o paraquedas
imediatamente e depender de um maior suprimento de oxigênio para flutuar até o
solo, ou cair rapidamente uns dez quilômetros em queda livre e abrir o
paraquedas numa altitude onde já se pudesse respirar.
Em 1943 um
cirurgião aviador da Força Aérea Americana, coronel Randolph Lovelace, resolveu
testar ele mesmo, e saltou de uma Fortaleza Voadora B-17 a 12.164 metros
carregando um cilindro de oxigênio, abrindo o paraquedas logo após o salto. O
choque da abertura do paraquedas fez com que ele ficasse inconsciente e
arrancou as luvas das duas mãos. Por sorte o oxigênio funcionou e o manteve
vivo até chegar a uma altitude mais baixa, onde acordou e foi capaz de
aterrissar em segurança. Outro cirurgião aviador, o coronel Mel Boyton,
resolveu testar a técnica oposta, com queda livre longa, mas recusou-se a usar
um dispositivo que abriria automaticamente o paraquedas a baixa altitude porque
os pilotos de combate não dispunham do mesmo dispositivo. Saltou de pouco mais
de 12.400 metros mas não chegou a abrir o paraquedas; pode ter perdido a
consciência, e aparentemente ainda estava olhando para o cronômetro quando
bateu no chão.
Depois deste
acidente a Força Aérea interrompeu os testes.
Nos anos
seguintes os aviões continuaram a voar cada vez mais rápido e cada vez mais
alto, e em 1952 a Força Aérea Americana começou um programa para desenvolver
técnicas de escape que funcionassem entre 18.000 e 30.000 metros de altitude. E
decidiu que o melhor meio de fazer os testes seria utilizando balões
estratosféricos.
A Força
Aérea Americana estava já testando voos de balão em grandes altitudes, em
gôndolas pressurizadas, muito estreitas, que mal cabiam o piloto (noventa
centímetros de diâmetro e dois metros e dez de altura), para explorar o
comportamento humano em voos de grande altitude. Em 1956/57, garoto de onze
para doze anos, eu me lembro de ter assistido com meu pai um filme, “No Limiar
do Espaço”, feito pela Fox Filmes, explorando magnificamente a novidade da época
- o Cinemascope – que romanceava com grande impacto estes primeiros voos. Enquanto
escrevia este post tentei encontrar uma cópia do filme, mas infelizmente a Fox quando
reeditou em DVD o filme, em vez de recuperar o formato Cinemascope original, houve
por bem fazê-lo no horrível formato “pan
and scan”, feito para poder passar os filmes nas antigas tevês de tubo, onde
vai mostrando pedaços da cena como se a câmara se movimentasse dentro da
largura da cena (daí o nome), e não tive coragem de destruir minha boa lembrança...
Em 1957 o
capitão Kittinger fez o primeiro voo do projeto “Man High”, atingindo 29.200
metros de altitude. Dois meses depois o Major Médico David G. Simons fez outro
voo, para verificar os efeitos de uma longa permanência na esratosfera. Atingiu
a altitude de 31.000 metros e voltou ao solo depois de 36 horas de voo.
O projeto dos
saltos se chamou “Project Excelsior”, palavra latina que significava “Sempre mais
para o alto”.
Testes preliminares
lançando bonecos de grande altitude mostraram que o maior problema era que os
bonecos começavam a girar durante a queda, chegando a atingir duzentas rotações
por minuto, o que faria com que os pilotos perdessem a consciência e não
pudessem comandar a abertura dos paraquedas. Com a baixa pressão de ar naquelas
altitudes, seria também muito difícil para os pilotos controlar sua posição
aerodinamicamente, utilizando a posição dos braços e pernas como superfícies de
controle, como os paraquedistas fazem em saltos em queda livre a altitudes mais
baixas. Além disso, os pilotos de combate não são paraquedistas treinados. Era
preciso encontrar uma solução que não dependesse do piloto.
Francis
Beaupré, da Divisão Médica Aeroespacial da Força Aérea Americana, projetou um
paraquedas que deveria funcionar em três estágios: Depois de dezoito segundos
de queda livre, para atingir uma velocidade em que a pressão do ar fosse
suficiente para um mínimo de controle, um pequeno paraquedas auxiliar com
trinta centímetros de diâmetro se abriria, puxando um paraquedas estabilizador de
um metro e oitenta, que deveria estabilizar o piloto na posição de pés para
baixo. Chegando a uns seis mil metros de altitude, o paraquedas estabilizador
puxaria para fora o paraquedas principal e interromperia a queda livre. Todo o
sistema devia funcionar sem intervenção do piloto, para o caso em que ele
tivesse perdido a consciência.
Depois de
cento e quarenta testes do sistema Beaupré com bonecos lançados de até 30.000
metros, o capitão Kittinger saltou com sucesso de um Hércules C-130 a nove mil
metros de altitude, e seus superiores consideraram que o sistema estava pronto
para ser testado saltando da estratosfera.
As gôndolas
da Força Aérea Americana, tubos em que mal cabia o piloto, não permitiam
colocar uma escotilha para que ele pudesse saltar com facilidade, então
resolveram utilizar uma gôndola aberta, projetada para voos de balão de baixa
altitude, pouco mais do que um meio cilindro de alumínio com um assento e uma
abertura lateral, pendurada do balão por cabos e com uma proteção de lona plástica
para proteger o piloto do sol. Algo como uma cadeira presa num meio tambor de
petróleo...
Como o
objetivo dos testes era provar que um piloto de combate poderia sobreviver ao
salto, Kittinger tinha que usar apenas um traje de voo padrão de combate, que
mantinha maior pressão em apenas algumas partes do corpo, para permitir
resistir às manobras violentas de um avião de caça que provocavam falhas na
circulação sanguínea pelas altas forças G resultantes, durante todo o voo, e
depender de garrafas de oxigênio como as de emergência dos pilotos para
respirar. Qualquer falha da pressurização do traje, a grandes altitudes,
poderia causar sua morte em poucos minutos. A sua única proteção adicional era
um macacão de voo com isolamento térmico, vestido por cima do traje, para
protegê-lo do frio extremo lá em cima. Ele levava ainda uma mochila no peito,
com instrumentos, câmaras e o oxigênio suficiente para mantê-lo vivo durante o
voo e o salto.
|
Cápsula usada por Baumgarten (esquerda) e por Kittinger (direita) Fotografias RedBull (esquerda) e Museu da Força Aérea Americana (direita) |
Usando esta “cadeira
voadora”, Kittinger fez um total de três saltos. No primeiro, de 23.000 metros,
em 26 de novembro de 1959, o paraquedas auxiliar se abriu antes da hora, e a
falta de pressão de ar fez com que ele chicoteasse e se enrolasse no pescoço do
piloto. Sem a estabilização, o piloto começou a girar e perdeu a consciência,
que só recuperou a menos de dois mil metros, pendurado do paraquedas reserva.
Devido à falha do auxiliar, o paraquedas estabilizador e o principal não se
abriram, e Kissinger só se salvou por causa do sistema barométrico que abriu o
paraquedas reserva a três mil metros de altitude.
Com algumas
pequenas correções no projeto dos equipamentos, Kittinger saltou de novo em 11
de novembro, desta vez de 22.700 metros. Tudo funcionou perfeitamente, e em 16
de agosto do ano seguinte ele subiu no balão até a altitude de 31.333 metros.
Durante a
subida o selo de pressurização da luva direita falhou, e a mão inchou até quase
o dobro do seu tamanho original. Apesar da dor e do risco, o capitão não avisou
o controle do voo antes de atingir sua altitude máxima por medo de que
abortassem o salto.
Numa queda
livre de quatro minutos e meio e quase vinte e seis quilômetros, ele atingiu a
velocidade de 1.012 quilômetros por hora antes de abrir o paraquedas.
Depois do
programa de testes, pilotou balões para o projeto Stargazer, levando astrônomos
em vôos a 25.000 metros de altitude, e depois ofereceu-se como voluntário na guerra
do Vietnã, voando em 483 missões de combate até ser derrubado pelo inimigo e
feito prisioneiro em 1972. Libertado quase um ano depois, continuou na carreira
militar até 1978.
Depois de se
reformar com o posto de Coronel, Kittinger continuou voando, e em 1984 foi o
primeiro piloto de balão a fazer um voo solitário dos Estados Unidos até a
Europa.
Como piloto
da Força Aérea, Kittinger não teve direito a nenhuma compensação financeira
pelos riscos que correu no projeto, além de seu soldo de capitão. Mas certamente
deve ter ficado contente com a quebra do seu recorde, cinquenta e dois anos
depois, porque ele trabalhou com a Red Bull e Baumgartner durante toda a realização
do novo projeto. E foi ele quem esteve no rádio, durante o voo e o salto, como
a ligação entre o Centro de Controle e o piloto.
Os dois
utilizaram nos seus saltos a tecnologia mais desenvolvida de suas respectivas épocas,
mas não deixa de ser interessante olhar a grande distância e a diferença de
recursos entre uma e outra.
Vocês podem
ver o próprio Kittinger contando um pouco de seu voo e salto neste filminho do National
Museum of the U.S. Air Force:
O site da
Red Bull tem a história da missão e os detalhes da tecnologia do salto do Félix:
E muita
coisa dos arquivos da Força Aérea Americana sobre o Projeto Excelsior, nos
quais me inspirei para escrever este post, pode ser encontrado pesquisando “projeto excelsior”.