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16/03/2020

Os dois saltos mais altos

Felix Baumgarten (esquerda) e Joseph Kittinger (direita) saltando de seus balões.
Fotografias RedBull (esquerda) e Força Aérea Americana (direita)


Wilson Baptista Junior
Há oito anos, em 2012, o mundo inteiro viu as notícias, e milhões de pessoas acompanharam ao vivo o salto de paraquedas patrocinado pela Red Bull, quando depois de cinco anos de treinamento e preparação Felix Baumgartner saltou de uma gôndola pressurizada levada por um balão a 39.045 metros de altitude, caiu por 4 minutos e 22 segundos em queda livre, durante a qual quebrou a barreira do som e atingiu uma velocidade estimada de 1.343 quilômetros por hora antes de abrir o paraquedas. Foi um feito magnífico, ajudado por toda uma tecnologia de ponta. Felix usou um traje espacial desenvolvido especialmente para o salto, alimentado dentro da gôndola high-tech do balão por uma mistura de nitrogênio e oxigênio líquidos, e durante o salto por dois cilindros da mesma mistura acoplados a seu traje espacial.
Os recordes anteriores que Felix quebrou tinham sido estabelecidos mais de meio século antes por um piloto de provas da Força Aérea Americana, o capitão Joseph Kittinger, em agosto de 1960. Kittinger saltou de 31.333 metros de altitude, num projeto da Força Aérea Americana para testar um sistema de estabilização de paraquedas que permitisse aos pilotos escapar de aviões que na época estavam atingindo altitudes cada vez maiores.
Durante a Segunda Guerra Mundial, os aviões de combate já atingiam altitudes de mais de doze mil metros, e havia uma controvérsia sobre qual seria a melhor maneira de escapar de um avião a esta altitude; se seria melhor abrir o paraquedas imediatamente e depender de um maior suprimento de oxigênio para flutuar até o solo, ou cair rapidamente uns dez quilômetros em queda livre e abrir o paraquedas numa altitude onde já se pudesse respirar.
Em 1943 um cirurgião aviador da Força Aérea Americana, coronel Randolph Lovelace, resolveu testar ele mesmo, e saltou de uma Fortaleza Voadora B-17 a 12.164 metros carregando um cilindro de oxigênio, abrindo o paraquedas logo após o salto. O choque da abertura do paraquedas fez com que ele ficasse inconsciente e arrancou as luvas das duas mãos. Por sorte o oxigênio funcionou e o manteve vivo até chegar a uma altitude mais baixa, onde acordou e foi capaz de aterrissar em segurança. Outro cirurgião aviador, o coronel Mel Boyton, resolveu testar a técnica oposta, com queda livre longa, mas recusou-se a usar um dispositivo que abriria automaticamente o paraquedas a baixa altitude porque os pilotos de combate não dispunham do mesmo dispositivo. Saltou de pouco mais de 12.400 metros mas não chegou a abrir o paraquedas; pode ter perdido a consciência, e aparentemente ainda estava olhando para o cronômetro quando bateu no chão.
Depois deste acidente a Força Aérea interrompeu os testes.
Nos anos seguintes os aviões continuaram a voar cada vez mais rápido e cada vez mais alto, e em 1952 a Força Aérea Americana começou um programa para desenvolver técnicas de escape que funcionassem entre 18.000 e 30.000 metros de altitude. E decidiu que o melhor meio de fazer os testes seria utilizando balões estratosféricos.
A Força Aérea Americana estava já testando voos de balão em grandes altitudes, em gôndolas pressurizadas, muito estreitas, que mal cabiam o piloto (noventa centímetros de diâmetro e dois metros e dez de altura), para explorar o comportamento humano em voos de grande altitude. Em 1956/57, garoto de onze para doze anos, eu me lembro de ter assistido com meu pai um filme, “No Limiar do Espaço”, feito pela Fox Filmes, explorando magnificamente a novidade da época - o Cinemascope – que romanceava com grande impacto estes primeiros voos. Enquanto escrevia este post tentei encontrar uma cópia do filme, mas infelizmente a Fox quando reeditou em DVD o filme, em vez de recuperar o formato Cinemascope original, houve por bem fazê-lo no horrível formato “pan and scan”, feito para poder passar os filmes nas antigas tevês de tubo, onde vai mostrando pedaços da cena como se a câmara se movimentasse dentro da largura da cena (daí o nome), e não tive coragem de destruir minha boa lembrança...
Em 1957 o capitão Kittinger fez o primeiro voo do projeto “Man High”, atingindo 29.200 metros de altitude. Dois meses depois o Major Médico David G. Simons fez outro voo, para verificar os efeitos de uma longa permanência na esratosfera. Atingiu a altitude de 31.000 metros e voltou ao solo depois de 36 horas de voo.
O projeto dos saltos se chamou “Project Excelsior”, palavra latina que significava “Sempre mais para o alto”.
Testes preliminares lançando bonecos de grande altitude mostraram que o maior problema era que os bonecos começavam a girar durante a queda, chegando a atingir duzentas rotações por minuto, o que faria com que os pilotos perdessem a consciência e não pudessem comandar a abertura dos paraquedas. Com a baixa pressão de ar naquelas altitudes, seria também muito difícil para os pilotos controlar sua posição aerodinamicamente, utilizando a posição dos braços e pernas como superfícies de controle, como os paraquedistas fazem em saltos em queda livre a altitudes mais baixas. Além disso, os pilotos de combate não são paraquedistas treinados. Era preciso encontrar uma solução que não dependesse do piloto.
Francis Beaupré, da Divisão Médica Aeroespacial da Força Aérea Americana, projetou um paraquedas que deveria funcionar em três estágios: Depois de dezoito segundos de queda livre, para atingir uma velocidade em que a pressão do ar fosse suficiente para um mínimo de controle, um pequeno paraquedas auxiliar com trinta centímetros de diâmetro se abriria, puxando um paraquedas estabilizador de um metro e oitenta, que deveria estabilizar o piloto na posição de pés para baixo. Chegando a uns seis mil metros de altitude, o paraquedas estabilizador puxaria para fora o paraquedas principal e interromperia a queda livre. Todo o sistema devia funcionar sem intervenção do piloto, para o caso em que ele tivesse perdido a consciência.
Depois de cento e quarenta testes do sistema Beaupré com bonecos lançados de até 30.000 metros, o capitão Kittinger saltou com sucesso de um Hércules C-130 a nove mil metros de altitude, e seus superiores consideraram que o sistema estava pronto para ser testado saltando da estratosfera.
As gôndolas da Força Aérea Americana, tubos em que mal cabia o piloto, não permitiam colocar uma escotilha para que ele pudesse saltar com facilidade, então resolveram utilizar uma gôndola aberta, projetada para voos de balão de baixa altitude, pouco mais do que um meio cilindro de alumínio com um assento e uma abertura lateral, pendurada do balão por cabos e com uma proteção de lona plástica para proteger o piloto do sol. Algo como uma cadeira presa num meio tambor de petróleo...
Como o objetivo dos testes era provar que um piloto de combate poderia sobreviver ao salto, Kittinger tinha que usar apenas um traje de voo padrão de combate, que mantinha maior pressão em apenas algumas partes do corpo, para permitir resistir às manobras violentas de um avião de caça que provocavam falhas na circulação sanguínea pelas altas forças G resultantes, durante todo o voo, e depender de garrafas de oxigênio como as de emergência dos pilotos para respirar. Qualquer falha da pressurização do traje, a grandes altitudes, poderia causar sua morte em poucos minutos. A sua única proteção adicional era um macacão de voo com isolamento térmico, vestido por cima do traje, para protegê-lo do frio extremo lá em cima. Ele levava ainda uma mochila no peito, com instrumentos, câmaras e o oxigênio suficiente para mantê-lo vivo durante o voo e o salto.
Cápsula usada por Baumgarten (esquerda) e por Kittinger (direita)
Fotografias RedBull (esquerda) e Museu da Força Aérea Americana (direita)

Usando esta “cadeira voadora”, Kittinger fez um total de três saltos. No primeiro, de 23.000 metros, em 26 de novembro de 1959, o paraquedas auxiliar se abriu antes da hora, e a falta de pressão de ar fez com que ele chicoteasse e se enrolasse no pescoço do piloto. Sem a estabilização, o piloto começou a girar e perdeu a consciência, que só recuperou a menos de dois mil metros, pendurado do paraquedas reserva. Devido à falha do auxiliar, o paraquedas estabilizador e o principal não se abriram, e Kissinger só se salvou por causa do sistema barométrico que abriu o paraquedas reserva a três mil metros de altitude.
Com algumas pequenas correções no projeto dos equipamentos, Kittinger saltou de novo em 11 de novembro, desta vez de 22.700 metros. Tudo funcionou perfeitamente, e em 16 de agosto do ano seguinte ele subiu no balão até a altitude de 31.333 metros.
Durante a subida o selo de pressurização da luva direita falhou, e a mão inchou até quase o dobro do seu tamanho original. Apesar da dor e do risco, o capitão não avisou o controle do voo antes de atingir sua altitude máxima por medo de que abortassem o salto.
Numa queda livre de quatro minutos e meio e quase vinte e seis quilômetros, ele atingiu a velocidade de 1.012 quilômetros por hora antes de abrir o paraquedas.
Depois do programa de testes, pilotou balões para o projeto Stargazer, levando astrônomos em vôos a 25.000 metros de altitude, e depois ofereceu-se como voluntário na guerra do Vietnã, voando em 483 missões de combate até ser derrubado pelo inimigo e feito prisioneiro em 1972. Libertado quase um ano depois, continuou na carreira militar até 1978.
Depois de se reformar com o posto de Coronel, Kittinger continuou voando, e em 1984 foi o primeiro piloto de balão a fazer um voo solitário dos Estados Unidos até a Europa.
Como piloto da Força Aérea, Kittinger não teve direito a nenhuma compensação financeira pelos riscos que correu no projeto, além de seu soldo de capitão. Mas certamente deve ter ficado contente com a quebra do seu recorde, cinquenta e dois anos depois, porque ele trabalhou com a Red Bull e Baumgartner durante toda a realização do novo projeto. E foi ele quem esteve no rádio, durante o voo e o salto, como a ligação entre o Centro de Controle e o piloto.
Os dois utilizaram nos seus saltos a tecnologia mais desenvolvida de suas respectivas épocas, mas não deixa de ser interessante olhar a grande distância e a diferença de recursos entre uma e outra.
Vocês podem ver o próprio Kittinger contando um pouco de seu voo e salto neste filminho do National Museum of the U.S. Air Force:
O site da Red Bull tem a história da missão e os detalhes da tecnologia do salto do Félix:
E muita coisa dos arquivos da Força Aérea Americana sobre o Projeto Excelsior, nos quais me inspirei para escrever este post, pode ser encontrado pesquisando “projeto excelsior”.


2 comentários:

  1. Francisco Bendl16/03/2020, 12:19

    Caro Wilson,

    Aplaudo a tua postagem, pois é importante que registremos as aventuras do homem em busca de limites fora do seu planeta.

    Abração.
    Te cuida do vírus.

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  2. Flávio José Bortolotto17/03/2020, 21:16

    Prezado Autor e Editor-Moderador Sr. WILSON BAPTISTA JUNIOR,

    Muito interessante o Artigo vosso, sobre os saltos de paraquedas de grande altitude, especialmente o recordista de 2012 DC Sr. FELIX BAUMGARTNER de 39.045 m, ~ 128.101 Pés, patrocinado pela Red Bull.

    Que coragem e habilidade em testar os últimos limites do corpo humano e do material.

    Nossa homenagem também aos corajosos Pioneiros de saltos de paraquedas de grande altitude que pereceram na tentativa, mas que deixaram ensinamentos muito úteis para os que continuaram a Obra.

    Abração.


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