Ana Nunes
Gente,
Nunca imaginei que pendurar cuequinhas de netos no varal enchesse
o coração de ternura.
Mas é a mais pura verdade.
Em cada uma, em cada pregador que ponho, me esvaio em amores e
recordações.
Recordações das primeiras cuecas compradas pros filhos gêmeos,
séculos atrás. Quanto tempo! Nem tanta saudade porque aproveitei muito, muito!
Alisei, beijei, apalpei, e também dei algumas palmadas.
Estava era mesmo no maravilhamento de ser mãe. Esgotada,
descabelada, um filho no colo e o outro sendo embalado no carrinho com o pé,
enquanto me equilibrava na tentativa de um jantar. E o encantamento desses
seres ainda desconhecidos e lindos que me ensinaram até a linguagem do choro. E
depois, outras linguagens, o tupiguarani dos primeiros anos, as palavras
truncadas e divertidas dos anos seguintes. E a cruel descoberta de que um deles
estava ficando surdo! E eu não teria descoberto se não existisse o outro.
Trocava manta com manga, cantava as músicas do maternal pela metade. Descobri
nas conversas do por para dormir. Apavorei, dividi, quase morri. Cirurgia aos
dois anos. Outra aos quatro. E hoje, aos quase cinquenta, ouve muito bem. Às
vezes mais do que precisa! Tornaram -se fortes e saudáveis. De corpo e alma. Um
reparo aqui, outro ali, sempre é aconselhável.
Isso tudo passa como um filme enquanto penduro as cuequinhas dos
netos. Já mais sóbrias de homenzinhos, não mais as de Super Homem ou Homem de
Ferro! Tudo tem seu tempo, a gente que saiba usufruir. Aos quatorze e nove anos
se acham adultos. Nem posso ver o banho, apesar de que, outra noite, peguei o
menor nas unhas e dei-lhe uma bela xampuzada nos cabelos fartos e duros de
piscina. Sob os protestos de que estava muito limpo, que a piscina não tem
cloro, é de ozônio! Hum, hum...
Ainda escuto o seu cantar no chuveiro. Gratidão, presente dos
deuses.
Esses netos, que eu amo de paixão, que aos poucos vão mudando seus
interesses, vão nos trocando por seus supercelulares. Sabem coisas da
tecnologia que nem imagino, e fazem paracasa com ajuda da internet. E ainda informam
ao avô que a internet dele está muito fraca!!! O menor baixa jogos escolhidos
para mim no meu iPad, escolhidos a dedo, só para eu partilhar de seus
maravilhamentos com seus próprios jogos. De bidê a orelhão não têm a menor ideia.
Nem de telefone de discar. A antiga máquina de escrever é um bicho pré-histórico
e talvez pensem mesmo que das cavernas viemos nós, pobres avós. Acreditem, nos
indicam bons filmes, segundo seus critérios, lógico, e vigiam se não estamos
cochilando na sessão!
Não gostam de beijo e aí, ganham mesmo. Na cabeça, nas bochechas,
até nos pés se derem bobeira. Pé de moleque, sujo e chulepento. É o que temos!
Queria mesmo é que todas as fotos, de ontem e de hoje, trouxessem junto os
melhores cheiros e os primeiros balbucios. O cheiro de pera dos bocejos ainda
bebês, de banho vencido no pescoço antes do outro banho e dos pezinhos cheio de
flunfa entre os dedos bananinhas. Bom, mais tarde é um pouco diferente, é
preciso mais seletividade. Mas descobrir no embolamento afetivo a necessidade
do uso de desodorante é imprescindível para uma avó deslumbrada. Indica
mudanças no tempo e que outros tipos de conversas estão por vir.
Os cabelos nas pernas do mais velho estão cada vez mais fortes e o
tamanho do tênis é assustador. Não se amarrou no Dickens mas está acabando com
a barata do Kafka. Essa minha traça querida...
E nesses últimos contatos vou descobrindo enternecida que rezam
antes de dormir. E fico mole de paixão quando pedem carinho antes de dormir
porque “adoro a sua massaginha”.
Como dizia meu pai querido, paulista da gema e do sotaque de erres
torcidos, feliz estaria de saber dos bisnetos paulistas, “Eta mundo véio sem
porteira!”
Que lindo, Ana. Tudo que passamos se repetindo com um amor diferente, mais experiente, mais amoroso. Porque neto é muito diferente de filho. Só farra e alegria. E como nos ensinam. Como baixar jogos no iPad, como fazer reuniões pelo telefone (aprendi hoje) e muito mais. Somos felizes por tê-los. Um beijo grande.
ResponderExcluirQuerida Tita,
ExcluirMais não poderia dizer.
Somos felizes por tê-los. Muito felizes. São nosso alento na vida que nos resta.
Obrigada por estar junto e compartilhar comigo.
Um beijo.
Ana
ResponderExcluirsou mesmo a primeira a comentar e agradecida pela beleza do seu texto
Nestes tempos bicudos é muito bom falar de delicadezas e fico enternecida por vc compartilhar estes momentos com seus netos
A família me comove muito e eu guardo também muitas lembranças
E como gostei deste varal...lembrei das aulas que tive com vc de aquarelas
Um abraço carinhoso neste sábado preguiçoso !!
Querida Léa,
ExcluirO varal é mesmo de recordações, não é? São as aquarelas do passado, alguma roupa velha e confortável de que gostamos muito, uma toalha branca presente de mãe querida...
E entre uma lavada e outra de roupa a gente vai revendo a vida!
E entre um texto e outro tenho sempre você comigo!
Um beijo.
Em princípio, o título dessa crônica é uma obra de arte!
ResponderExcluir“Lembranças no varal”.
Maravilhoso.
Exatamente como guardamos as nossas lembranças, em locais onde podemos perdê-las, e que depois serão ocupadas por novas emoções e acontecimentos.
Quantas vezes que o vento derrubou um fio inteiro de roupas penduradas?
E, no rompimento da cordinha, as peças recém lavadas caindo ao solo e se sujando todas?
Mas esta prática de roupas no varal possibilita com o tempo, verificar o tempo que passou.
As calças, cuecas, camisas da criançada não são mais as mesmas porque elas cresceram.
Nossas roupas precisaram ser deixadas de lado ou doadas porque muito gastas, então perduram-se novas, que trazem recordações recentes, e que também mostrarão se o peso é o mesmo e se aumentamos ou diminuímos.
As roupas estendidas no varal é como se colocássemos à mostra nossa vida passada e recente.
O balanço que o vento ocasiona nas peças penduradas, embalam a nossa memória, ora de maneira agradável, ora de forma saudosa, ora nos trazendo à memória momentos que gostaríamos de esquecer.
Mas, as recordações ficam suspensas, exatamente como as roupas postas para secar no varal.
E, o tempo das fraldas de pano, antes do surgimento das descartáveis?
Um time de futebol não sujaria tanto calção, meia e camiseta, quanto dois ou três filhos usando aquelas fraldas!
Sim, sim, e eram lavadas no muque, no tanque, pois não havia como comprar as máquinas de lavar, e da marca Bendix!
Só mãe, mesmo ...
Aninha foi singela nesta sua obra lírica, até mesmo poética.
Uniu as recordações que penduramos na memória com as roupas no varal, e foi muito bonito o que escreveu.
Ela resgatou a saudade, o tempo que se foi, as inúmeras funções de uma dona de casa com seus filhos e marido, suas atribuições, relatadas com maestria, sensibilidade, inteligência, e a sua indefectível qualidade nas postagens de sua autoria.
Excelente leitura para um sábado de confinamento, pois nos transporta como máquina do tempo para o início tanto da nossa existência quando criança com as mães pendurando nossos cueiros no varal quanto, depois, as nossas esposas fazendo o mesmo que nossas genitoras faziam conosco.
Parabéns, Aninha, por mais esta obra de arte.
O teu trabalho me levou para um passado muito distante, que me traz recordações da minha mãe ainda viva, e reclamando que, eu e o meu irmão, cuidássemos de a bola não sujar as roupas que ela estava lavando, caso contrário ... aplicava sem dó nem piedade o chinelo!
Tempos inesquecíveis.
Não pelas surras que levei, claro, mas porque me lembro da minha mãe ainda viva, alegre, esfuziante, dinâmica, linda, dando um duro danado para manter a casa, filhos e o marido!
Mais tarde, a minha Marli lavando e passando fraldas e roupas de nossos três filhos, fazendo legítimos malabarismos para secá-las na minúscula área do apartamento onde morávamos (espero que eu não use fraldas ali adiante, pois acho que ela daria no pé)!
Abração, Aninha.
Te cuida, e também do Mano e dos teus amados filhos e netos.
Olá Chicão,
ExcluirE você ainda duvida se gostei do comentário? Bobinho!
"As roupas estendidas no varal é como se colocássemos nossa vida passada e recente". Isso é tão verdade que certas peças escondo do vizinho atrás de uma toalha grande. Já pensou o que podem pensar e viajar nas nossas roupas íntimas?
Principalmente a feminina que conta muito das nossas vaidades. "Imagine, comenta o marido com a mulher, a velhinha usa isso??!!
E de fraldas... quanta recordação! Com dois bebês ao mesmo tempo tínhamos varal na área de serviço, no banheiro e na sala de jantar! A Marli deve ter passado o mesmo com três filhos seguidinhos . As descartáveis estavam começando a aparecer. Mas o dinheiro....verdade ou mentira?
Muito obrigada querido Chicão.
Até muitos mais.
Prezada Autora Sra. ANA NUNES,
ResponderExcluirComo é bom ler a Literatura, acompanhada de linda aquarela sobre o Tema, "Lembranças no varal", da mesma Autora Sra. ANA NUNES.
Inspirando-se no varal com predominância de roupas de baixo dos Netinhos, a Autora vai desenvolvendo a história, que passa pelos Netos, Filhos e o início do Casamento com nosso Editor-Moderador Sr. WILSON BAPTISTA JUNIOR.
É muito bom também no "CONVERSAS DO MANO" ler os Comentários, até agora, da Sra. TITA, Sra. LÉA MELLO SILVA, que conhecem pessoalmente a Autora Sra. ANA NUNES, e desse ilustre Riograndense Sr. FRANCISCO BENDL, que também sabe escrever como poucos. E isso se torna mesmo uma Conversa, e a Gente aprende muito com Vocês.
Que o Anjo do Senhor, Criador do Universo, nos proteja a Todos.
Parabéns e nossas Saudações.
Olá Flavio,
ExcluirComo é bom saber que você gostou de uma e de outra.
Às vezes basta uma coisa pequena, quase sem importância, como uma roupa e um pregador para a vida passar como um filme. É um filme, no final de contas, um filme sem cópia. Que vai acabar junto com a gente. Fica uma foto ou outra e pronto.
Também adoro os comentários para mim e para os outros colaboradores. Na verdade, são outros pequenos textos. Que como você diz, só nos enriquecem.
Em tempo: fiquei envergonhada de, em tempos de tragédia, colocar um texto tão leve. O Mano que me convenceu. A vida tem de tudo.
Obrigada gentil cavalheiro.
Até mais.
1) Estou há mais de uma semana sem o computador, só consegui que o técnico consertasse ainda há pouco.
ResponderExcluir2) Ana congratulações, para variar, pois outro dia falei em parabéns;Gostei do seu texto, me fez lembrar os varais da Literatura de Cordel, onde lemos tantas coisas bonitas.
3) Lembrei também dos varais das Bandeiras de Orações, do Budismo Tibetano, eles escrevem preces em tecidos multicoloridos e colocam em um varal. As orações são levadas pelo Deus Vento aos seus destinos. Deste modo, cada peça do seu desenho é uma oração dos seus netos/para os seus netos, orações/pensamentos/frases/reflexões de vcs avós e os pais e demais familiares pela felicidade e saúde dos pimpolhos.
4) Tudo de bom e que este vírus desapareça logo !
Querido Budista, como disse o Flávio, os comentários são muito enriquecedores. Enquanto uns estendem as roupas no varal, outros as lembranças e você, com sua alma abonada, coloca os poemas de cordel e as cartas para Buda. Que beleza!
ResponderExcluirSó tenho que agradecer a você! E ainda nem falei das cuequinhas-oração para os netos. São mesmo orações para mim.
Que esse famigerado vírus seque logo num arame farpado para a gente ser feliz de novo e viver sem medo.
Até mais.