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26/06/2020

Notícias de Boam

Mestre Yokanaam (fotografia www.fraternidadeecletica.org.br)


Antonio Rocha
Nos anos 1950 meu pai leu um artigo do Mestre Yokanaam, da Fundação Fraternidade Eclética Espiritualista. Este grupo, depois conseguiu um pedaço de Terra, no governo Juscelino e se mudou para lá, se bem que em algumas cidades ainda existem representações. Fica perto de Alexânia, em Goiás, na Estrada Brasília – Anápolis.
Diziam que Mestre Yokanaam era um oficial reformado da Aeronáutica, vivia em uma pequena barraca na entrada da Cidade Eclética, como se chamava o local. Parece que ele era radiotelegrafista e tinha também uma pequena estação de transmissão de Rádio Amador.
Os visitantes ficavam só na principal rua da localidade, mais adiante tinha uma cerca que separava onde moravam os moradores e estranhos não podiam ir lá.
Mestre Yokanam vestia-se como um profeta bíblico, cabelos e barbas ao pescoço, um cajado que o ajudava nas caminhadas e aquelas roupas compridas parecendo mantos testamentários.
A Fraternidade editava mensalmente um jornal chamado O Nosso e muitas vezes, com alegria, escrevi artigos budistas nele. Havia uma banca de jornal na Rua Sete de Setembro, aqui no Rio de Janeiro que vendia a publicação.
Pois bem, conta o meu pai que este artigo que ele leu por volta de 1950 falava do Planeta Boam, um astro sideral imenso que iria aproximar-se da Terra e iria levar as almas dos terráqueos para lá. Já falei algo parecido aqui no Blog do Mano, citando a obra psicografada de Ramatis. Yokanaam pensava parecido e assim, não sabemos como, ele resolveu batizar o tal astro celeste com o nome Boam.
Meu pai adotou a terminologia para consumo familiar e também nas pregações que fazia em pequenos centros espíritas e espiritualistas por onde andava no DF, anos 1960.
Segundo ele, quem não ficasse semelhante aos postulados do Cristo e de outros mestres da humanidade, iria povoar Boam, que estava e está ainda na Idade das Cavernas. As almas exiladas que forem para lá, irão através de um processo de atração energética espiritual.
Haja fantasia, mas isto povoou o nosso imaginário juvenil. Sempre que as mídias anunciavam a proximidade de algum corpo celeste nós brincávamos sobre a chegada do Redentor Boam, que não vai punir ninguém, apenas, ajudar na evolução espiritual, cedendo espaço para os Espíritos se reencarnarem por lá.
Verdade ou não, mitologias ou não, eu fiquei acreditando em Boam e outro dia vi que minha irmã mais nova também aceitava. Ela me falava da impaciência de ficarmos em quarentena tanto tempo. Respondi brincando que estávamos fazendo estágio para “desembarcar/renascer/reencarnar” em Boam.
E ela me disse que não queria ir para Boam, sorri e fiquei pensando, para onde iremos após esta vida? Cada um deve ter as suas expectativas. Esperanças que serão confirmadas mais adiante.
O grande enigma, uma grande incógnita.
Meu pai, adepto destas teorias, dizia que iria para Boam, ser uma espécie de professor por lá, ainda em tempos da Pedra Polida, um colaborador da Evolução, digamos... um Facilitador para usarmos um termo mais atual,
Fantasia ou não, minhas “antenas” rádio-amadorísticas já entraram em contato com os sinais vindos de Boam e posso lhes garantir que nos próximos artigos teremos novidades.
E se tudo for “Fake”, ora meus amigos, com ficção a Vida vai melhor, tipo um bom livro.
Até lá!


21/06/2020

Um encontro delicado

aquarela Ana Nunes


Ana Nunes
Um consultório de endocrinologia onde velhinhos em formação e outros já formados vão em busca de consolo para essas glândulas maravilhosas que equilibram nossos corpos e que também ficam cansadas e começam a titubear. Faz tempo já e faz tempo que quero contar sobre esse caso e temo não conseguir descrever a delicadeza do encontro. A delícia calma e doce que deixou em mim.
Primeiro chegou um casal de idade, ele bem mais velho nos seus noventa, pequeno, magrinho e simpático com suas mãos expressivamente calombudas, com bolotas nas juntas já tão usadas. Mas nem por isso menos ágeis ou conformadas na velhice. Conversava às vezes com a mulher ou ficava quietinho olhando com olhos espertos de uma mente inteira seus companheiros no caminho. A mulher nos seus setenta era a paciente. Ele era apenas o acompanhante.
Algum tempo depois chegou uma jovem mulher nos seus quarenta, generosa de formas e de sorriso, bonita na sua lourice discreta. Depois da secretária, cartão de convênio e essas coisas comuns de consultório, sentou-se ao lado do velho miúdo e quieto. Passado o tempo da observação, sem mais delongas e milongas, ela pegou carinhosamente na mão dele, com uma amizade como se de longa data, um avôzinho ou um tio querido. E sem cerimônia, como acontece entre as grandes almas, examinou as deformações e disse padecer do mesmo mal, ainda no começo. E ele, amigo de infância, deixou-se ser examinado. E começaram a falar de coisas mútuas sem lamentos ou lamúrias, trocando impressões e experiências. Talvez falassem também das dores e dos remédios mas não sei dizer. Esqueci de escutar tão envolvida naquela imagem delicada. Parecia que o consultório frio do ar condicionado tinha mais sol e mais calor. Não era mais só uma sala de espera.
Quando comecei a ouvir de novo eles conversavam animados sobre o que faziam na vida. Ele, nos bons tempos, e tudo indicava que ainda eram bons tempos de vida, tinha sido representante de produtos. Não me lembro quais porque perdi parte da conversa por surdez súbita. Muito tempo depois vim a sofrer realmente desse mal que me legou a chicungunha. E ela tinha um pai representante de grandes máquinas tipo Caterpillar. Acho mesmo que eram essas. E falaram dessas coisas e contaram histórias. E lembraram da cidade comum de vinte ou trinta anos atrás que também tinha sido minha. E falaram de lojas já fechadas onde ele representava seus produtos. Falaram de uma Bemoreira antiga ao lado de uma Guanabara moderna e de uma Perfumaria Lourdes, encontro de mulheres ávidas de perfume e juventude, falaram de um Pep's e de uma Sears com salão laranja para os lanches rápidos, construções vencidas por prédios enormes de escritórios sofisticados ou empresas bancárias. E comentavam tão alegres nas suas lembranças que não ousei participar. Vontade eu tive porque falavam de coisas também minhas. Mas era tudo de um encanto tão feliz que não deveria ser por nada quebrado. Momento mágico desses que nos surpreendem de vez em quando.
Ouvi o médico me chamar e com tristeza deixei os dois naquela conversa amorosa de seres amigos de uma vida inteira. Quase pedi ao médico uns minutos mais de espera porque estava encantada demais para falar de colesterol e enzimas e proteínas.
Voltei para casa com um bem estar desconhecido. Um resto da suavidade e beleza de um encontro inesperado.


13/06/2020

O Buddha Tahô e o Druida Kardec

Allan Kardec (não pude identificar o escultor)


Antonio Rocha
Nessa época, que se perde na noite e nos dias dos tempos, a parte ocidental da Europa era dominada culturalmente e religiosamente pelos celtas, os druidas eram uma parte desse vasto povo.
Os ensinamentos do Buda Tahô disseminavam-se pelo mundo de antanho, o Sutra Lótus que foi revelado, mais ou menos no século dois ou três, antes de Cristo fala das maravilhosidades do iluminado chamado Tahô, que mais adiante ficou apenas conhecido como o Tao dos chineses.
Há controvérsias, claro, nem todos vão concordar com a afirmação acima, mas antes de discordarmos, vamos investigar sem paixões, sem rótulos, vamos meditar...
Kardec nesse período era um jovem sacerdote da etnia druida.  Certa feita ele avistou um homem de cabeça raspada e um manto da cor laranja. Aquele ser emanava boas vibrações e o jovem Kardec aproximou-se dele:
- Olá irmão, de onde você vem?
- Eu venho lá do outro lado do mundo, da Ásia, sou um monge budista missionário, discípulo do Iluminado Tahô, pode me chamar de Ananda, que significa “bem-aventuranças” e você?
- Eu sou um sacerdote druida, estou sempre estudando, pesquisando, investigando as sabedorias de todos os povos. Se você é missionário pode me ensinar um pouco sobre os ensinamentos do seu Mestre.
- Claro, temos muito o que aprender de ambos os lados. Estamos sempre aprendendo e olha, o meu Mestre Tahô que está espiritualmente aqui do meu lado, está me soprando no ouvido que, bem mais adiante, daqui a alguns renascimentos e reencarnações você vai ter uma missão muito bonita.
- E qual vai ser esta missão? Percebo que é a sua intuição extra-sensorial que está falando isso.
- Pois bem, você vai ensinar de forma atual para essa época vindoura os ensinamentos que iremos confabular ao longo destas nossas conversas.
- Que maravilha ouvir isso !
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Os espíritas aceitam perfeitamente que Allan Kardec (1804-1869), pois foi ele mesmo que afirmou em um de seus livros, em reencarnação pretérita foi um sacerdote druida com este nome, Allan Kardec.
E como já está provado, literariamente e historicamente que os celtas e druídas tinham contato com os monges budistas, então peregrinos e missionários o que escrevemos acima é perfeitamente verdadeiro, contudo, fica a critério de cada um, aceitar ou não.
Vejamos o que diz o conceituado escritor japonês Daisaku Ikeda, em seu livro “Budismo, o primeiro milênio”, editora Record, 1977, página 79:
“O Budismo chegou às Ilhas Britânicas antes do Cristianismo. Essa tese repousa numa afirmação feita por Orígenes em seu comentário ao Livro de Ezequiel, escrito por volta do ano de 230 dC, e que diz:
“Naquela ilha (Britânica) os sacerdotes druidas e os budistas já disseminaram os ensinamentos sobre a unicidade de Deus, e por essa razão os habitantes já estão inclinados para ele (o Cristianismo).
Podemos apenas maravilhar-nos que a influência budista tenha chegado mesmo aos celtas, nas Ilhas Britânicas, na própria borda mais ocidental da Europa”.
Isto confirma o que já dissemos há anos, há uma profunda semelhança entre o Budismo e o Espiritismo, pregado e escrito por Allan Kardec.


06/06/2020

Tempos de confinamento

Os limites de minha liberdade (fotografia WBJ)


Wilson Baptista Junior
“Era o melhor dos tempos, era o pior dos tempos, era a idade da sabedoria, era a idade da insensatez, era a época da crença, era a época da descrença, era a estação da Luz, era a estação das Trevas, era a primavera da esperança, era o inverno do desespero...” – Assim começa Charles Dickens o seu “Conto de Duas Cidades”, passado em Londres e Paris na época da Revolução Francesa.
E suas palavras me voltam à cabeça enquanto caminho meus três quilômetros diários em volta das garagens do conjunto em que moramos, ao longo dos muros que marcam hoje os limites da minha liberdade. O céu azul e sem nuvens da manhã de junho parece que se ri da tristeza e do desalento que baixaram sobre o outrora belo horizonte que aninha nossa cidade.
Ao mesmo tempo em que, quase cinquenta anos depois de sua última vez os homens se preparam de novo para voltar à Lua e saltar até Marte, e quem sabe até onde mais, quando a mente humana começa enfim a conseguir ensinar suas criações a pensar, quando a luz da ciência avança cada vez mais depressa, a guilhotina invisível de uma nova e terrível doença que se espalha pelo mundo ceifa a cada dia milhares de vidas como para nos lembrar que a natureza ainda pode mais do que nós.
Um inimigo silencioso que nos espreita do lado de fora dos portões, que só espera um descuido nosso para superar a barreira frágil das nossas máscaras, que se disfarça na fala e na respiração das pessoas que se aproximam de nós. Contra o qual nossos armeiros ainda não conseguiram forjar espadas nem escudos, e contra o qual a única defesa ainda é a fuga, até que nossos alquimistas descubram em seus cadinhos o segredo do metal novo e impenetrável que possa ser trabalhado nas nossas armaduras e nossas lâminas.
Nem ao menos somos todos nós que podem esperar e  se esconder atrás dos muros. Porque o exército que enfrenta esse invasor está lá fora, com armaduras frágeis e máscaras esgarçadas, cuidando dos que caem do jeito que é possível, tentando salvar vidas e enterrando os que não conseguem salvar. E há os que produzem e levam os suprimentos para a linha de frente e também para nós na retaguarda. E há os que queriam poder se esconder e simplesmente não têm muros nem telhados. E há, pasmem, os doidivanas que escutam os clarins do combate e pensam que são música para dançar nas praças. E dançando e brincando atraem e trazem para dentro dos muros das cidadelas o inimigo invisível.
Tempos difíceis. Tempos de espera, de coragem, de medo, de incertezas. Mas, pensando bem, que tempos não foram assim ao menos em alguma parte do mundo? Só que dessa vez o são no mundo inteiro. Pela primeira vez em muitos e muitos anos ninguém está a salvo do inimigo. Que veio, talvez, para nos lembrar de que somos todos os mesmos, que no fundo, por mais que o queira, ninguém é mais do que os outros. Que somos todos os mesmos seres humanos, uns atrás de muros mais altos do que os outros, mas nenhum atrás de algum que não possa ser derrubado.
Tempos de espera (fotografia WBJ)

             Tempos de espera. Espera mesmo durante a luta. Espera por quê? Que os alquimistas se esqueçam, ao menos por enquanto, da busca pela pedra filosofal e em vez de pela miragem do ouro empenhem suas retortas e suas almas pela salvação de todos.
Tempos de medo. Do medo que quando o encaramos de frente faz subir a adrenalina e se transforma em coragem.
Tempos de coragem. Coragem de abrir os olhos e nos vermos como realmente somos. De perceber que o mundo é mesmo incerto e que todos nós dependemos uns dos outros. De que ninguém pode ser deixado para trás. E de que é justamente por o mundo ser incerto que podemos ter a esperança de transformá-lo.
Tempos de agir.


01/06/2020

Des Apontamentos



Ana Nunes
Não.
Não faça isso com você.
Se é desapontamento, acate. Melhore-se nas suas impressões.
E se são impressões descarte-as como as digitais do primeiro registro oficial.
Declare-as como impugnadas, antigas e ultrapassadas. Mesmo que sejam recentes.
Declare-as falsas.
O seu indicador já tem um calo. Não será isso uma alteração plausível, mais que real?
Deixe as impressões fazerem parte dos paralelepípedos do calçamento.
Deixe a poeira cair nessas pedras ancestrais.
Deixe a marca dos passantes.
Eles são só passantes que não sabem onde pisam.
Não sabem dos cacos de carinhos entre as pedras.
Nem sabem dos pedaços pontudos de amizade que se escondem nas frestas.
Nem sabem dos canteiros,
Que por primeiro tocaram nessas pedras.
E cortaram, lapidaram no formato certo
Para deixarem frestas estratégicas para sentimentos machucados.
Esses caminhantes não sabem nada.
Sabem só de si e suas jornadas.
Não sabem nada das árvores da beirada,
Nem das águas do caminho.
Vão seguindo as folhas caídas do outono, estalando as cores no pisar.
Não se importam com os brotos por nascer.
Vão saber deles tarde no tempo da primavera.
Não, não faça isso com você.
Anda cautelosa nessa estrada de pontas pontiagudas,
Siga silenciosa no caminho que lhe cabe
De dia pelas flores e de noite pelos vagalumes.
Leve leve seu coração desapontado
Mas já alegre na imagem que o cerca.
Amarre com barbante  o sentimento alquebrado
E carregue nas costas
O que já não cabe no coração.