-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------

01/06/2020

Des Apontamentos



Ana Nunes
Não.
Não faça isso com você.
Se é desapontamento, acate. Melhore-se nas suas impressões.
E se são impressões descarte-as como as digitais do primeiro registro oficial.
Declare-as como impugnadas, antigas e ultrapassadas. Mesmo que sejam recentes.
Declare-as falsas.
O seu indicador já tem um calo. Não será isso uma alteração plausível, mais que real?
Deixe as impressões fazerem parte dos paralelepípedos do calçamento.
Deixe a poeira cair nessas pedras ancestrais.
Deixe a marca dos passantes.
Eles são só passantes que não sabem onde pisam.
Não sabem dos cacos de carinhos entre as pedras.
Nem sabem dos pedaços pontudos de amizade que se escondem nas frestas.
Nem sabem dos canteiros,
Que por primeiro tocaram nessas pedras.
E cortaram, lapidaram no formato certo
Para deixarem frestas estratégicas para sentimentos machucados.
Esses caminhantes não sabem nada.
Sabem só de si e suas jornadas.
Não sabem nada das árvores da beirada,
Nem das águas do caminho.
Vão seguindo as folhas caídas do outono, estalando as cores no pisar.
Não se importam com os brotos por nascer.
Vão saber deles tarde no tempo da primavera.
Não, não faça isso com você.
Anda cautelosa nessa estrada de pontas pontiagudas,
Siga silenciosa no caminho que lhe cabe
De dia pelas flores e de noite pelos vagalumes.
Leve leve seu coração desapontado
Mas já alegre na imagem que o cerca.
Amarre com barbante  o sentimento alquebrado
E carregue nas costas
O que já não cabe no coração.


8 comentários:

  1. Léa Mello Silva02/06/2020, 15:01

    Ana
    desta vez vc superou as expectativas !
    Sinto tudo isto no momento, um desapontamento difícil de definir
    Sabe ? Queria ter escrito isto com toda a poesia que vc sabe fazer
    E carregue nas costas o que já não cabe no coração
    E vc fala nas entrelinhas de uma forma linda !
    Agradeço pela beleza do desencanto
    Meu abraço amigo com minha admiração

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Querida Léa,
      Como o nome do meu livrinho em caixa, Inteira aos Pedaços, assim a gente vai pela vida, colando os pedaços, fazendo-se inteira e ao mesmo tempo,outra.
      Você é o meu termômetro. Preciso do seu comentário no primeiro do dia, bem cedo no antes, para saber se estou no caminho certo.
      Grata pelo seu comentário, seus elogios , seu apoio. Mas pode fazer crítica negativa, também é vãlida.
      Gosto tanto de você!
      Beijo.

      Excluir
  2. Francisco Bendl02/06/2020, 18:57

    Por muito pouco que não li o título do artigo de autoria da Aninha como “dez” apontamentos, por pouco.
    Ainda bem que percebi em tempo estar entre parênteses o prefixo de negação, de ação contrária (des).

    Aninha postou, então, um tema mais uma vez interessante e inteligente, hoje sobre desapontamentos mas, principalmente, como ela o sentiu e dele se desfez com o tempo, discorrendo para nós a emoção e sensação durante o período que o desapontamento a acompanhou, e esse, portanto, o brilhantismo da crônica!

    Desapontamento é uma das emoções mais problemáticas que temos, e uma das piores sensações ao mesmo tempo. Ao sermos logrados em nossas expectativas, desejos, projeções, esperanças ... então a tristeza, a frustração, a decepção.

    Eu poderia escrever páginas inteiras tentando amenizar a dor do desapontamento, mas seria muito blá, blá, blá.
    Na verdade, o desapontamento é ruim, péssimo, um sentimento de se ter sido trocado, substituído ... de não termos qualquer importância à pessoa que nos desapontou.
    Que fomos desvalorizados, que nossos sentimentos não são sequer levados em conta, que o desapontado vale tanto quanto um poste para o ofensor.

    Todavia, essa negatividade que sentimos por nós mesmos, essa autopiedade, precisam ser extintas, deletadas de nossa mente, sob pena de deixarmos de viver para ficar lamentando o resto da existência.
    Tá me desapontaram ... mas a vida segue, como se diz, os dias avançam com ou sem a nossa permissão.

    Por outro lado, quem de nós também já não desapontou alguém?
    Quantas frustrações ocasionamos?
    Quantas tristezas originamos?

    Bom, quando se trata de contabilizarmos a quantidade de falhas, omissões, erros que cometemos, é bom mudar de assunto (quase que me desvio do tema, onde eu me desapontaria e faria o mesmo com a Ana).

    A forma poética, lírica, pungente, que Aninha nos relata o desapontamento, só mesmo sendo mulher para usar de metáforas tão sutis e delicadas como ela as utilizou.
    Precisa ser muito sensível, culta, experiente, ter tido uma existência de aperfeiçoamentos constantes para saber discernir, fundamentalmente, o que lhe abateria de vez, desapontando-a pelo sofrimento, e que a tiraria dos trilhos, do rumo que escolhera para a sua vida.

    Não.
    Desapontamento é desapontamento, e assim deve ser elaborado e aceito.
    Nada de superestimá-lo ou, pior, dar-lhe de ombros. Aonde ficaria a nossa dignidade, orgulho pessoal, a nossa valorização como pessoa?

    No entanto, Aninha mesclou a poesia com realidade:
    A subjetividade do sentimento com a dor do desapontamento, e correu para a galera!

    Mais ou menos, querendo dar a entender que seus desapontamentos eram melhores que os nossos, pois ela sabia como contorná-los sem depreciá-los ou desconsiderá-los!
    Nós, uma vez desapontados, desapontados e meio!
    E nos queixamos, reclamamos, choramos – convenhamos, nada mais ridículo que o homem e seus mi-mi-mis!!!

    “Leve leve seu coração desapontado”, alguém já leu uma frase com tamanho conteúdo?!
    Um coração desapontado pesa muito, quase impossível levá-lo conosco depois da tristeza, da decepção, da frustração ocasionada.
    No entanto, a expressão enigmática de Aninha, “leve leve seu coração desapontado” ... quer dizer que, de uma forma ou de outra, e porque já desapontado, nada mais vai fazê-lo pesar além do peso suportado, logo, uma vez definido, conduzi-lo adiante é como se fosse a insustentável leveza da nossa alma, o caráter enigmático da existência humana, infidelidade, amor, compaixão, eterno retorno, acaso, arbítrio, alegrias e ... desapontamentos!

    E que devemos viver e encontrar um pouco de felicidade, mesmo com esses contrapesos permanentes, apesar de a estrada ter “pontas pontiagudas”, que nos espetam dia após dia.

    Maravilhosa obra, como sempre, tem sido postadas pela esposa do meu amigo Mano.

    Um forte, caloroso e fraterno abraço, Aninha.
    Saúde e paz, extensivo aos teus amados.
    Te cuida!





    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Querido Chicão,
      Desapontamentos fazem parte da nossa vida desde muito cedo, quando queremos um colo e não ganhamos. E aí, como você bem disse, vem aquele sentimento confuso, estranho, misturado de tristeza e rejeição. Deveríamos nos acostumar logo porque muitas vezes a nossa expectativa é que foi alta, ou falsa ou mentirosa de nós mesmos. Enfim...
      Por outro lado, algumas vezes valem a pena quando recebemos uns comentários como o seu e o da Léa. Mereci? Já não importa, porque o desapontamento virou mochila e o coração sentiu um delicioso calorzinho de sol no inverno.
      Ô calorzinho danado de bom!
      Meu desapontamento virou dica e seu comentário um post de verdade.
      Muito mesmo obrigada por esse montão de elogios. Nem quero saber se sou isso tudo, tá bom demais!
      Muita saúde, muita paz.
      E sempre mais.

      Excluir
    2. Flávio José Bortolotto03/06/2020, 10:38

      Prezada Autora Sra. ANA NUNES,

      Dá o que pensar a sua Poesia, "Des Apontamentos", acompanhada do bonito quadro em aquarela de uma "Praça em dia de Inverno".

      Interpretei como um reflexo de sua grande Alma, nesses tempos de Pandemia Covid-19, isolamentos horizontal e vertical para frear a propagação do vírus, com alto índice de óbitos e grande Recessão Econômica. Perdas de Vidas e prejuízos para todo mundo.
      Mas, como a senhora bem diz: "Carreguemos nas costas, o que já não cabe no coração".
      Carreguemos nas costas até vir a Vacina anti-Covid-19 que está próxima, e na parte Econômica tem solução, obtida grande experiência nas Crises passadas.

      A senhora ANA NUNES, com sua Família, sua Arte, seu Trabalho Social, sua grande sensibilidade, já acumulou muito mais Méritos do que deméritos nos pratos da balança, o que lhe deve dar grande Tranquilidade.

      Nossos Padres dizem que fomos criados para ser como que Jardineiros aqui nesse Mundo material para completar a Obra de D'US, e a senhora com sua Arte, é uma "Poetisa Jardineira" de mão cheia.

      Parabéns junto com Nossas Saudações.

      Excluir
    3. Querido Flávio Bortolotto,
      Seu comentário também deu-me o que pensar, por não saber como responder a tanta generosidade, que nesses tempos difíceis nos ampara e agasalha.
      Só posso mesmo agradecer muito e dizer que Poetisa Jardineira é lindo e é muito para mim. Sou sim una jardineira escrevinhadeira com riscos e rabiscos.
      E prometo cuidar com carinho do Jardim que me cabe enquanto estiver por aqui.
      Gratidão.
      Até mais.

      Excluir
  3. 1)Salve Ana. Esta é a beleza da poesia...

    2) "Deixe as impressões fazerem parte dos paralelepípedos..."

    3) Vc encontra sentimento onde a matéria se diz tão dura,que nada... é tão fofa que nos mostra versos criativos e lindos.

    4) Parabéns !

    ResponderExcluir
  4. Querido Antonio,
    Sua generosidade é que faz ver a beleza, já disse alguém que a gente só vê a beleza que carrega Em si. E as suas entrelinhas completam as minhas.
    Gratidão.
    Até mais. Aqui e alhures com as flores e frutas de boa noite.

    ResponderExcluir

Para comentar, por favor escolha a opção "Nome / URL" e entre com seu nome.
A URL pode ser deixada em branco.
Comentários anônimos não serão exibidos.