Os limites de minha liberdade (fotografia WBJ) |
Wilson Baptista Junior
“Era o melhor dos tempos, era o pior dos tempos, era a idade da
sabedoria, era a idade da insensatez, era a época da crença, era a época da
descrença, era a estação da Luz, era a estação das Trevas, era a primavera da esperança,
era o inverno do desespero...” – Assim começa Charles Dickens o seu “Conto
de Duas Cidades”, passado em Londres e Paris na época da Revolução Francesa.
E suas
palavras me voltam à cabeça enquanto caminho meus três quilômetros diários em
volta das garagens do conjunto em que moramos, ao longo dos muros que marcam
hoje os limites da minha liberdade. O céu azul e sem nuvens da manhã de junho parece
que se ri da tristeza e do desalento que baixaram sobre o outrora belo
horizonte que aninha nossa cidade.
Ao mesmo
tempo em que, quase cinquenta anos depois de sua última vez os homens se
preparam de novo para voltar à Lua e saltar até Marte, e quem sabe até onde
mais, quando a mente humana começa enfim a conseguir ensinar suas criações a
pensar, quando a luz da ciência avança cada vez mais depressa, a guilhotina invisível
de uma nova e terrível doença que se espalha pelo mundo ceifa a cada dia
milhares de vidas como para nos lembrar que a natureza ainda pode mais do que nós.
Um inimigo
silencioso que nos espreita do lado de fora dos portões, que só espera um
descuido nosso para superar a barreira frágil das nossas máscaras, que se disfarça
na fala e na respiração das pessoas que se aproximam de nós. Contra o qual
nossos armeiros ainda não conseguiram forjar espadas nem escudos, e contra o
qual a única defesa ainda é a fuga, até que nossos alquimistas descubram em
seus cadinhos o segredo do metal novo e impenetrável que possa ser trabalhado
nas nossas armaduras e nossas lâminas.
Nem ao menos
somos todos nós que podem esperar e se
esconder atrás dos muros. Porque o exército que enfrenta esse invasor está lá
fora, com armaduras frágeis e máscaras esgarçadas, cuidando dos que caem do
jeito que é possível, tentando salvar vidas e enterrando os que não conseguem
salvar. E há os que produzem e levam os suprimentos para a linha de frente e
também para nós na retaguarda. E há os que queriam poder se esconder e
simplesmente não têm muros nem telhados. E há, pasmem, os doidivanas que
escutam os clarins do combate e pensam que são música para dançar nas praças. E
dançando e brincando atraem e trazem para dentro dos muros das cidadelas o
inimigo invisível.
Tempos
difíceis. Tempos de espera, de coragem, de medo, de incertezas. Mas, pensando
bem, que tempos não foram assim ao menos em alguma parte do mundo? Só que dessa
vez o são no mundo inteiro. Pela primeira vez em muitos e muitos anos ninguém
está a salvo do inimigo. Que veio, talvez, para nos lembrar de que somos todos
os mesmos, que no fundo, por mais que o queira, ninguém é mais do que os
outros. Que somos todos os mesmos seres humanos, uns atrás de muros mais altos
do que os outros, mas nenhum atrás de algum que não possa ser derrubado.
Tempos de espera (fotografia WBJ) |
Tempos de espera. Espera mesmo durante a luta. Espera por quê? Que os alquimistas se esqueçam, ao menos por enquanto, da busca pela pedra filosofal e em vez de pela miragem do ouro empenhem suas retortas e suas almas pela salvação de todos.
Tempos de
medo. Do medo que quando o encaramos de frente faz subir a adrenalina e se
transforma em coragem.
Tempos de
coragem. Coragem de abrir os olhos e nos vermos como realmente somos. De
perceber que o mundo é mesmo incerto e que todos nós dependemos uns dos outros.
De que ninguém pode ser deixado para trás. E de que é justamente por o mundo
ser incerto que podemos ter a esperança de transformá-lo.
Tempos de
agir.
Beleza de texto, Mano!
ResponderExcluirNos faz pensar muito na realidade dos tempos de agora... e dos que já passaram ou virão.
Um abraço
Guto, meu irmão, que bom que você gostou. Cada um de seu canto, lutemos juntos para fazer melhores esses tempos que virão. Um grande abraço.
ExcluirMano
ResponderExcluirvc em poucas palavras disse tudo sobre estes tempos que estamos vivendo
Uma parada para pensarmos e tentar entender o que está errado e como consertar
Difícil passar por isto e saber que afeta todo o mundo !!
Tenho esperança num mundo melhor quando tudo acabar
Linda a foto desta escultura em madeira !
Vc termina com otimismo e coragem
Muito bom seu comentário final
Um abraço esperando que tudo tenha um final feliz depois de tanto sofrimento
Léa, minha amiga e "prima torta", espero que tenhamos, não um final feliz, porque o tempo não vai acabar (pelo menos espero :) mas que saiamos todos mais fortes para enfrentar melhor o que vem para a frente. Obrigado e um abraço do Mano.
ExcluirCaríssimo,
ResponderExcluirGostei muito do momento paradoxal que vivemos, e que tão bem reproduziste:
Tempos de confinamento, tempos de agir!
Indiscutivelmente esse período de distanciamento social está nos obrigando a muitas reflexões.
A mente precisa agir, em consequência.
Necessita que pensemos em alternativas à solidão;
Que imaginemos um mundo melhor depois da pandemia;
Ou, até, que possa se transformar em pior - por que não?
Por outro lado, enquanto cresce o número de separações nos casamentos, conforme informações da mídia, tempo de nos reestudarmos, de rever nossas posições, de refletir sobre onde podemos melhorar como homens, como cidadãos, como esposos, pais, avós, amigos e com os parentes.
Certamente essa é a razão pela qual o ser humano adora movimentar-se, pois não precisa pensar muito sobre a vida, a sua, principalmente!
Descostumados a longos períodos em casa, percebemos que ela não tinha depósitos ou reservas de diversões, distrações, de se passar o tempo.
TV, filmes, Youtube, Internet ... é muita eletrônica.
Dia desses me vi contando feijões!
Isso mesmo!
Quantos grãos eram necessários para três pessoas se alimentar?!
Quando cheguei em 916, dormi.
Se jamais saberei quantos grãos de feijão são colocados na panela, descobri um belo e sadio medicamento para vir o sono!
Em outra ocasião, pesquisei na Netflix, que é a maior streaming existente, qual seria o seriado mais longo, aquele com mais capítulos.
Não, não foi Law & Order;
Também não foi Grey's Anatomy;
Muito menos Simpson;
E me decepcionei com a minha conclusão, que seria Doctor Who, com 691 episódios e 37 temporadas!
Que nada!
A campeã é Vila Sésamo, com 48 temporadas e 4.491 episódios!
Na semana passada, eu e a Marli tentávamos contar quantos beijos nos demos em 50 anos de casados!
Impossível.
Mas, em compensação, ela me mandou pastar 194 vezes!
Enfim, se o confinamento nos impulsiona a pensar, a filosofar, a projetar a vida, encontrar mais alternativas para amenizar as dificuldades do dia a dia, por outro lado, existe a obrigação de sermos criativos com o passar das semanas dentro de casa.
Muitas vezes o absurdo, o insensato, o impensável - JAMAIS VOU FAZER ISSO! -, possibilitam excelentes passatempos, distrações, que nos tiram da frente da TV ou dos olhos pregados na leitura de livros.
Nem que seja passar meio dia na janela contando quantos carros brancos vão passar naquele período!
Como escreveu com muita propriedade o Mano, do alto de sua experiência, cultura, conhecimentos e percepção, o confinamento também é tempo de coragem.
Abração, meu amigo.
Saúde e paz, extensivo aos teus amados.
Te cuida, meu!
Chicão, realmente o confinamento nos leva a pensar em coisas novas; nas minhas ações ainda não me levou a contar feijões, mas se continuar por muito mais tempo (e receio que sim, para nós dos grupos de mais risco) não garanto...
ExcluirBoa sorte (sabes porquê) e espero que, com todo esse tempo para pensar, venhas nos contemplar com mais alguns de teus bons posts :)
Um abraço do Mano
Prezado Autor Sr. WILSON BAPTISTA JÚNIOR,
ResponderExcluirO nosso ilustre Editor/Moderador e Autor, Sr. WILSON BAPTISTA JÚNIOR. faz excelente reflexão em seu: "Tempos de Confinamento", em virtude da pandemia de Covid -19, no qual depois de uma bonita introdução nos fala dos:
Tempos Difíceis.
Tempos de Esperas.
Tempos de Medos.
Tempos de Coragens.
E Tempos de Agir.
É tão bom conversarmos neste Espaço do "Conversas do Mano" para trocar ideias e opiniões, agora que para a maioria de nós, sobra tempo.
Eu tenho pensado mais na instrução de nossos Padres, de que as 3 Perguntas que nos serão feitas serão:
1- Comprastes e vendestes sempre em boa fé, usando Pesos e Medidas corretos?
2- Criastes uma Boa Família?
3- Tirastes um Tempo para o Estudo?
Tenho pensado nisso, e nesta altura da Vida acho que devo atuar nos 2 primeiros, mas especialmente no 3, Tirar um Tempo maior para o Estudo, que interpreto como Espiritualizar-se. Tenho me esforçado nisto, neste TEMPO DE AGIR.
Parabéns junto com Nossas Saudações.
Caro Flávio (mais uma vez peço que guarde o "Senhor"para Aquele que nos cobrará um dia as respostas das três perguntas de que você nos fala), com certeza é um tempo que nos leva a pensar mais nelas. Este período, por tantas razões, nos pede ações que devem ser, mais do que nunca, fundamentadas pelo estudo. Estudo que, na boa interpretação feita em seu comentário, me traz à memória a frase com que Saint Éxupéry termina seu livro "Terre des Hommes": "Seul l'Esprit, s'il souffle sur la glaise, peut créer l'homme". Só somos dignos de sermos chamados humanos se acordamos o espírito dentro de nós.
ExcluirNós dois nos conhecemos apenas de muitas mútuas leituras, mas elas me dão a certeza de que você sempre soube aproveitar bem esse tempo.
Um abraço do Mano
1) Hoje, às 3 da madrugada me apareceu o franciscano São Bernardino de Sena (1380-1444). Conversamos um pouco e depois voltei a dormir.
ResponderExcluir2) Pela manhã procurei no Google e vi quem era ele. Entre outras, o criador da Taquigrafia. No tempo dele também tinha peste, facções políticas e religiosas em conflito.
3) Que ele nos abençoe neste tempos parecidos.
Mestre Antonio, o que será que São Bernardino de Sena, padroeiro dos publicitários, queria contigo às três da manhã? Com certeza algum anúncio importante.. É esse pessoal criativo que costuma nos acordar no meio da noite com idéias para o briefing do dia seguinte :)
ExcluirBrincadeiras à parte, que ele nos abençoe, sim, todos precisamos muito ser lembrados, como ele fazia aos seus contemporâneos em tempos igualmente difíceis, de que as nossas vidas precisam ser mais simples, mais caridosas, e mais justas.
Um abraço do Mano