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14/12/2020

A sombra da bailarina

 

Aquarela Ana Nunes

Ana Nunes

Sempre me perguntei, principalmente nesses tempos bulímicos onde o que importa é a barriga tanquinho, a figurinha esquálida, se o homem aprecia mesmo sua presa gordinha, roliça de carnes para segurar e delícias para sondar.
Tive dúvidas. Tive pulgas atrás da orelha. E resolvi desenhar mulheres rechonchudas. Aí me vieram ideias de bailarinas. Porque conheço uma bailarina que apesar do tempo e das tristezas da vida lhe colocarem um peso a mais, continua sua leveza nas aulas de balé para suas alunas. Fico maravilhada!

E despindo-as, as gordinhas, vi que elas são belas! Sem os panos que as amarram e deformam, fazendo dobras e rolinhos e estufados, elas trazem linhas apuradas! Diferentes e delicadas.

Aí, porque o processo criativo é um não acabar nunca na sua vontade própria e invasiva, pensei nas sombras das bailarinas. Até porque a linha do desenho objeto me basta e não gosto de encher com fundos e fakes. E as sombras delas poderiam completá-las. E se as sombras fossem seus subconscientes trabalhando e atrapalhando? Mostrando o que elas realmente gostariam de estar fazendo?
Confesso que fiquei tentada a colocar, além do cigarro e sua fumaça romântica, uns copos e umas flores. E uma certa eroticidade, influências do querido Schiele, mas disse para mim mesma, calma, vá com calma. Uma coisa de cada vez meu filho me ensinou.
Também me tentou a primavera e dei a elas nomes de flores.

Aquarelas Ana Nunes


Tive ótimas modelos! Corri atrás das bailarinas do maravilhoso Degas, das meias verdes do Egon Schiele, queria desenhar como ele, e de umas bonequinhas russas.
E me dei bem, acho. Queria que elas fossem velhas, um reflexo de mim, mas a juventude ganhou! Pena mesmo. Mas chego lá. Ainda quero seios pendurados e faces murchas! Tipo escultura da Camille Claudel. A velhice não é difícil só no real. No imaginário também! E nos traços. Podem ficar amargos (e geralmente são) ou caricaturais.

Coloquei para mim a meta de umas sete. Mas fui indo e desenhando, encomendei mais papel, abri novos tubos de aquarela e parei nas vinte.

E ficou um resto do desenho nas mulheres gordinhas que encontro nas raras vezes em que saio da toca. Eu as vejo, tiro seus panos, e tenho vontade de dizer-lhes, sabe que você é linda?

Aquarelas Ana Nunes


E, para os meus amigos,









10 comentários:

  1. Léa Mello Silva14/12/2020, 19:26

    Vc é divertida e sabe como ninguém brincar com as palavras e os desenhos !
    Amei cada figura rechonchuda !! São lindas !!
    Melhor ficar com a juventude pois tem encantos maiores
    Mas quero ver também os velhinhos nas suas brincadeiras
    Acho que vc vai encontrar beleza nas figuras envelhecidas
    Um beijo de fim de ano e um abraço natalino

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    1. Querida Léa, minha fiel seguidora e termômetro!
      Confesso que me diverti fazendo a série das peladecas gordinhas. Foram muita pesquisa e esboços , mas imaginar as sombras preguiçosas foi ótimo.
      Prometo desenhar velhice. Mas vou ter que ralar bastante, não sou nenhuma Claudel ou Kollwitz. Vou treinar com elas. Aguarde!
      Um beijo.

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  2. 1) Concordo plenamente Ana, belíssimo artigo e maravilhosas ilustrações: temos a tendência de chamar de "gordinhas" e por que não gordonas, rechonchudas, lindonas !

    2) Sempre fui contra a ditadura da magreza.

    3) Ultimamente inventaram as modelos plus size, estão mais do que certas. toda idade tem a sua beleza, todo peso, toda forma também.

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    1. Querido Antonio,
      Seu delicioso comentário foi um conforto para minha alminha angustiada.
      Não sabia o que vocês homens iriam pensar. Mas como estou naquela idade de bocão e de chutar balde...arrisquei.
      Sim, toda idade e forma têm suas belezas. Quando fiz modelo vivo na Belas Artes me descobria, de tanto observar e desenhar, apaixonada por um pé nem tão bonito, por umas rugas, por uma curva de queixo.
      Gratidão.
      Até mais.

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  3. Francisco Bendl15/12/2020, 08:52

    Aninha, Aninha, e suas metáforas!

    Pois a nossa imaginação é uma bailarina. Não importa se em forma ou fora de. O negócio é dançar, bailar, girar pelos salões como se fôssemos astros de um cosmo pessoal.
    Se fora do passo, se no ritmo certo, se de acordo com o compasso da música, nada disso importa. Vale o balanço, a empolgação, a disposição.

    Vá lá, volta e meia a música é triste, nos abate, nos deixa pensativos, nos tira a alegria.
    No entanto, a imaginação está se colocando as asas e virá com novidades, com sacudidelas, e reiniciaremos o bater pé, estalar os dedos, requebrar, cantar, esquecer do mundo e de nossos problemas.

    O sonho de muitas meninas é ser uma bailarina, pelo menos é o que deduzo porque muitas são matriculadas no balé.
    A dança clássica lhes dá uma graciosidade ímpar, gestos delicados, sensibilidade mais aguçada, e sentimentos mais líricos com relação à vida que lhes espera ali adiante, que poderá não ter os mesmos acordes maviosos.
    Mas, saberão como evitar os pisões em seus pés, os maus dançadores, os pés de chumbos.

    A sombra da bailarina – título belíssimo -, quis dizer a Aninha que somos regidos pelo que fizemos, a meu ver, claro.
    Se os movimentos são harmoniosos, realizados com elegância, saberemos como agir com a mesma sintonia diante de obstáculos inevitáveis que teremos de enfrentar, e daremos o salto adequado para a transposição dessa poça d’água, que deseja sujar nossas roupas de domingo, e sem “pas de Deux”, ou seja, onde o dançarino ampara a sua parceira quando em voos artísticos e estupendos, o passo de dois.

    A imaginação não admite casamentos, parcerias, intromissões.
    Ela nos pertence exclusivamente, assim como a dança pertence à bailarina ou a bailarina pertence à dança, tanto faz.
    Nas telas pintadas por Ana sobre a bailarina, elas não abordam a aparência: se as pernas são finas ou grossas, se ágeis ou lentas, se bonitas ou não. A bailarina que a Ana retrata é dela, é como ela vê uma sombra que a encanta, que lhe dá paz, que lhe protege. O importante foi como ela soube concretizar a sua imaginação com essa personagem mágica, e que nos acompanha há tempos!
    Se as coxas são fortes não é o caso. O importante é saber dançar, sentir a música, entrar no ritmo, mesmo não tendo a beleza que se supõe de uma bailarina, mas conhecer os passos, e dá-los com segurança, ânimo, coragem, pois o resto é o resto.

    Outro artigo maravilhoso desta musa cultural que temos conosco neste oásis do Mano, e que nos delicia com a sua inteligência privilegiada, seus conhecimentos, experiências, e com a dança da sua imaginação fantástica que nos deixa extasiados, admirando a beleza dos passos e dos gestos, tão bem refletidos nas suas aquarelas com requinte e bom gosto.
    Uma artista pintando artistas, cujos dedos que seguram os pincéis agem exatamente como se estivessem dançando, concretizando a música em quadros magníficos.

    Aninha, o meu abraço desajeitado, de acordo com a dança do elefantinho!
    Obrigado pelos trabalhos que apresentas, que nos obrigam a refletir de maneira muito mais ampla sobre a nossa existência e sobre nós mesmos.
    Trata-se da velha história:
    Quem souber, dança; quem não souber, que assista e bata palmas, exatamente o que estou fazendo agora.
    Saúde e paz, extensivo aos teus amados.



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    1. Querido Francisco Bendl, Chicão dos Pampas,
      Isso não foi um comentário. Foi um post!
      A vida é um balé com suas músicas tristes ou samba ou rock ou réquiem. E a gente que se vire para poder dançar. Como você bem disse, "se não souber dançar que assista e bata palmas". Ou enxugue as lágrimas.
      Você acredita que esse balé já está determinado nas forças ocultas do Universo ou é mesmo um exercício do viver?
      Quanto aos elogios, "Bah", já aprendi a acolher e apreciar. Afinal, além de amigão você é um exagerado incorrigível, certo?
      O importante é a nossa troca.
      Obrigada de coração.
      Atē mais.

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  4. Tingo de Lima Belisário15/12/2020, 09:37

    Ana! Como gosto da sua escrita! Amei suas bailarinas !
    E descobri alguém que também ama a pintura de Egon Shielle!
    Aqui no Mac tem um quadro dele Sempre que posso paro lá por ele.

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    1. Querida Tingó,
      É tão bom saber-se apreciada!
      E Eagon Schiele é realmente maravilhoso. Tenho um livro dele e, como você no MAC,
      não me canso de vê-lo. E quanto mais vejo mais gosto!
      Obrigada pelo comentário carinhoso.
      Beijo.

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  5. Flávio José Bortolotto15/12/2020, 13:29

    Pinta muito bem, e escreve melhor ainda, essa grande Artista Sra. ANA NUNES.

    Como disse muito bem nossa Colega Sra. LÉA MELLO SILVA, a Autora, Sra. ANA NUNES, "É divertida, e sabe como ninguém brincar com as palavras e os desenhos".

    A Artista, partindo da dúvida nestes tempos Bulímicos, onde o que importa é a barriga tanquinho, a figurinha esquálida, (esquelética mesmo), pergunta-se: se o Homem aprecia mesmo sua Modelo, gordinha, roliça de carnes.

    Pintou então uma série de Dançarinas gordinhas e suas Sombras em lindas aquarelas, a Dançarina aquecendo e sua Sombra em saltos e voos, a Dançarina iniciando e sua Sombra em relax, etc, tudo com muita criatividade e bom gosto.

    A própria Artista Sra. ANA NUNES achou as Modelos gordinhas Bonitas, e acho que a maioria de nós Homens, descartando as Esqueléticas e as exageradamente gordas, também.

    Parabéns, e nossas Saudações.

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    1. Querido Flávio,
      Obrigada pela sua generosidade.
      O desenho para mim é maior que a escrita. Mas entre os dois vou me traindo, porque desenhar e escrever e exibir é mostrar entranhas. E ainda corro o risco de ser mal interpretada. Em ambos. Porque, na verdade, comunicação é uma tarefa quase impossível. Para não dizer impossível mesmo.
      Mas aqui,como diz o Chicão, é um oásis. E me sinto livre para beber dessa água e correr riscos.
      Gratidão.
      Até mais.

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