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Carlos Monteiro
Há alguns dias, passei a receber
mensagens, por SMS, do meu cartão de crédito. Até aí nada de anormal, afinal
todas as instituições financeiras o fazem a fim de dificultar fraudes. A questão
eram as compras realizadas em um momento que estava recluso. Logo pensei:
fraude! Mas, com valor tão baixo? Seria um teste? Numa leitura mais apurada
percebi que não se tratava do meu cartão, pois a numeração final era
completamente diferente daquela impressa em relevo naquele pequeno pedaço de
mau caminho de financiamento. Um engano do sistema? Erro no envio?
Fiz contato com a operadora para
dirimir todas as dúvidas. Nenhuma fraude, nenhuma tentativa de compra com o meu
dinheiro plástico. Nada. A Hipótese aventada pela atendente, é que ao cadastrar
o número telefônico, o incauto cliente, se confundiu com algum número,
cadastrando o meu celular no sistema. Tudo bem, acontece, quem nunca? O que
fazer para desfazer tal engano? “Senhor, não temos como estar fazendo nada”...
Como assim? É só descadastrar e pronto. “Senhor, impossível estar fazendo o
‘descadastramento’, não sabemos qual cliente cadastrou”. Bacana, bloqueio então
o número do SMS, assim acaba a aporrinhação. Não posso, se assim o fizer passo a
não receber os meus avisos. O jeito é conviver.
Mas, quem era aquela pessoa,
seria nova, mais velha, homem, mulher, transgênero, travesti, alta, baixa,
gorda ou magra. Quem seria aquela personagem?
Aos poucos, pelo perfil
consumidor, fui traçando aquela personagem em minha mente. Aquela ou aquele
comprador misterioso. As primeiras aquisições não me deram muitas pistas: Uber,
“hoje em promoção no Guanabara”, espetinhos delícia do Beto, carrocinha Podrão
do Zé, armarinho São Jorge. Nada, nenhuma pista. Todos os protagonistas que
elucubrei fariam estas ações independente de gênero e idade. Já tinha um dado,
a minha personagem, provavelmente mora na região de Pilares e é bem chegada a
uma alimentação não muito saudável. Seria gulosa(o), talvez fora de forma? Quem
sabe nas próximas compras alguma dica viria. E vieram: bolo da Vó Alzira,
Cantinho da Picanha e Maria Lúcia sorvetes. Sentenciei: gulosa(o). Na verdade,
é uma afirmativa baseada em fatos. Não necessariamente pode espelhar a verdade.
Não é porque alguém compra comida em fast-food e frequenta restaurantes,
pratica um dos sete pecados capitais.
Noutro dia me preocupei; minha
personagem fez uma corrida no Uber às 4h de 112 reais. O que teria acontecido?
Uma emergência? Era uma sexta-feira. Saiu da farra e foi deixar amigo(a)os,
Namorad(a)o em casa? Fez uma pequena viagem? O que terá sido? Nesse ritmo, fui
acompanhando o passo a passo dessa personagem. Pequenas compras variadas.
Depósito de balas, Casa do Bom Biscoito, 99 Táxi - não devia estar satisfeita com
o Uber -, Lojas Americanas... da mesma forma que acompanho as compras, também
vejo o saldo diminuir. Me questiono: vai virar o mês no vermelho? Vai poder
comer o churrasquinho nosso de cada dia? A cervejinha sagrada dos fins de
semana? Sobrará crédito?
Hoje seus hábitos mudaram o que
me levou a crer que possa ser uma mulher. Pela manhã esmalteria da Milena,
Burger King, Salão da Madá. À tarde, provavelmente no shopping, foi a vez da
C&A, Pelo Sim, Pelo Não, Loungerie. Batata; os hábitos estavam diferentes.
Estaria feliz e se cuidando? Um novo amor, nova paixão, toda contente? O que me
dizes cartão? O que comprara no grande magazine? Que roupa íntima terá
adquirido... essa curiosidade que me queima por dentro; o que será, que será?
À noite, novo ‘plin’ em meu
celular: Pilares Grill. Opa, um grelhado sempre cai bem... mas, que grelhado
terá sido? Com quem andará a personagem? Mais um ‘plin’, provisão da 99 Táxi R$
18,67. Hum, parece uma corrida rápida, para onde vai minha personagem. Vinte
minutos depois, mais um ‘plin’: 99 Táxi R$ 17,20. Opa, economizou. Foi por
caminhos mais curtos, talvez.
Alta madrugada, acordo com o
‘plin’ do celular. Atordoado pela sonolência e lá estava, mais uma compra.
“Compra no estabelecimento 52728963-87”. Uhuuu!
Entendedores entenderão. Minha
personagem foi feliz esta noite...
Ou não. Oh dúvida cruel!
1) Ótima crônica... agruras do mundo moderno.
ResponderExcluirA vida como ela realmente é: antes nos jornais e rádios, pelo incrível Nelson Rodrigues. Hoje na lama de nossas mãos.
ExcluirNas complicações do celular a imaginação divertiu bastante e compensou
ResponderExcluirGostei muito
Muito obrigado Léa. E, a saga continua... teremos novidades em relação ao Natal.
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