-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------

14/02/2021

E se acabarem com seu carnaval?

Fotografia Carlos Monteiro


Carlos Monteiro

Ô abre alas que eu quero passar...

Este ano não vai rolar, ninguém vai passar. Não vai passar nem a Lira, nem Rosa de Ouro. Não adianta pedir passagem, esse ano não será igual ao que passou. Não tem Banda de Ipanema, Cordão da Bola Preta, não tem Orquestra Voadora, não tem Monobloco, quanto mais Stéreobloco. Não vamos subir para Santa porque As Carmelitas ficarão enclausuradas, rogando aos céus que tudo se resolva aqui na Terra. Não tem Simpatia; o amor se perdeu no estandarte da angústia e da solidão.

O Suvaco de Cristo será somente o Redentor em sua ‘tarefa hercúlea’ de zelar pela Cidade Maravilhosa, com tantos rotos inconsequentes e esfarrapados irresponsáveis que a transformaram num jardim das perdidas ilusões, como os velhos blocos de sujos que nunca tiveram fantasia. Eles, os blocos, assim como o ‘futebol das piranhas’, pelo menos, traziam alegrias ao povo. O Baixo Gávea também não é mais igual, mesmo se estivéssemos em festa já não teríamos o chope no Hipódromo e o sorriso do Sassá se perderam na multidão, Minas não há mais. Não teríamos o Me Beija que eu sou Cineasta, já não se beija como d’antes na Santos Dumont. Com as máscaras e a pandemia já não se beija mais em lugar algum. Saudades daquele beijo. Quero matar a saudade num corso ou numa marcha-rancho.

E os bate-bolas, Clóvis suburbanos multicoloridos, genial genuína cultura carioca, onde estarão? Como Vincent Rosenblatt vai registrá-los em prosa e alegria. Como Evandro Teixeira fará contraluzes sensacionais, em preto e branco, naqueles incríveis planos abertos?

Os ensaios nos barracões em retalhos de cetim, purpurina salpicada, escondem as fantasias entornadas pelos chãos. Madureira chorou. Chora de dor, “...Mil paetês salpicando/O chão de poesia/A vedete principal/Do subúrbio da Central foi a pioneira...”.

Este ano seremos palhaços das perdidas ilusões, num Carnaval que não existirá, com máscaras negras de pesar pela festa que acabou e o povo sumiu drummonianamente. Quando fevereiro chegar as polêmicas em relação às fantasias politicamente corretas ou incorretas dos nomes de blocos ofensivos e das músicas e marchinhas de conteúdo homofóbico, misógino, sexista, racista e preconceituoso não inundará às redes sociais com acaloradas discursões. Bailarina pode? Pirata então... Vou de Pierrô e ela de Colombina, não pode? Mas é Carnaval, não me diga quem é você, seja o que Deus quiser. Peter Pan e Sininho, podem? O que pode afinal?

Também não seremos testemunhas de quantos blocos os amigos seguiram. Não haverá postagens nem mensagens de onde cada um está. É bem capaz de que assistiremos a bailinhos residenciais em lives intermináveis, algumas delas chatíssimas, blocos e mais blocos com o lema “concentra [na sala] mas não sai” e retiros espirituais nas varandas e jardins de casa. Vai ser um “oṃ maṇi padme hūṃ” uníssono e vibrante anunciando o fim da pandemia.

As marchinhas andarão pelas JBLs da vida. Qual será o grande sucesso? “Xô Corona” do Emmerson Morvan ou “Xô Pra Lá Covid” dos palhaços Teleco e Teco Nova Geração? Oremos! O Sambas-enredo e as temáticas brasileiras sergioportianas. “...Assim se conta essa história/Que é dos dois a maior glória/A Leopoldina virou trem/E dom Pedro é uma estação também/Oô, oô, oô, o trem ‘tá’ atrasado ou já passou”. Vão tonitruar? O trem passou na história, perdemos o bonde.

A Passarela da Sapucahy estará iluminada em homenagens, luzes especiais, uma avenida sem o colorido das fantasias, apenas leds. Pista e arquibancadas formando o bloco da solidão. Somente o surdo de marcação repleto de banzo, melancólico, triste, angustiado e misantropo. Mesmo com o palco iluminado, apagado pela soturnidade, a apoteose se mostrará infinita e as estrelas brilharão nos céus.

Também não terá a célebre frase anual, justificativa da espera para negócios e acontecimentos e da mornaça dos dois meses que abrem o ano. “O ano só começa [comercialmente falando] depois do Carnaval”. Agora é que Momo chora, se não temos folia, o ano não começará? Frase de efeito talvez. O ano começará depois que a vacina estiver disponível para todas e todos, então será: “o ano só começa depois de todos vacinados”. Haja Carnavais.

E quarta-feira, um ano inteiro em cinzas, mas 2022 está logo ali, com vacina e sem pandemia. Deixa o dia raiar, amanhã voltará tudo ao novo normal. A águia altaneira da Portela será Phenix, ressurgirá dessas cinzas, o conde, fantasia de plumas azuis lembradas por Joaquim Ferreira dos Santos: azuis YInMn Blue. Batam palmas, aplaudam quem sorri!

Fotografia Carlos Monteiro

Nos restará chorar um rio de lágrimas, derramar nossas mágoas pelo Rio que passou em nossas vidas, nos guardando para quando o Carnaval de 22 chegar e botarmos nosso bloco na rua com ginga e gemedeira.

E agora José Pereira, para onde?

 



6 comentários:

  1. 1)Da minha janela, do alto de Santa Teresa,RJ, contemplo o Sambódromo vazio, a noite fizeram um jogo de luzes multicoloridas.

    2)Gosto muito do carnaval, aproveito o feriadão e vou descansar em Teresópolis, terra natal da minha esposa. Mas este ano não fomos.

    3)Creio que a festa não acaba, nem a data, pois é parte do calendário católico no Ocidente.

    4)Monteiro, cronista dos bons !

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Carlos Monteiro18/02/2021, 10:12

      Caríssimo Antonio,

      Saudades da minha Santa e da visão, quase 360° da Cidade Maravilhosa, proporcionada do cimo da Vila Suíça. Fizeram uma iluminação especial em memória dos acometidos pelo Covid.

      Tere e seu Dedo de Deus. Não acabarão, ano que vem será como em 1919 - seis meses de folia.

      Muito obrigado e forte abraço.

      Excluir
  2. Flávio José Bortolotto15/02/2021, 21:55

    O ilustre Autor, Sr. CARLOS MONTEIRO, em " E se acabarem com seu Carnaval?", desenvolve o Tema do Não Carnaval nesse Ano de Pandemia Covid-19, com muita graça e competência.

    Não é fácil ter o domínio completo da difícil Língua Portuguesa, mas o Sr. CARLOS MONTEIRO, tem. pois produziu uma Peça Harmônica e Elegante, com o difícil Tema.

    E olhe, que ESCREVER BEM, é a mais difícil das Artes, segundo os HEBREUS que tem quase 7.000 Anos de prática.

    Parabéns e um Abração.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Carlos Monteiro18/02/2021, 10:19

      Caro Bortolotto,

      Não creio ser merecedor de palavras tão gentis.

      Seus apontamentos me trazem duas responsabilidades; a primeira de, na medida do tempo, buscar o aprimoramento em minhas crônicas. A segunda, julgo absolutamente impossível: a magnitude do povo Hebreu. Tenho ainda exatos 6938 anos para alcançá-los.

      Forte abraço.

      Excluir
  3. Já querido Carlos,
    E a Colombina triste no seu quarto solitária chora rímel escorrido ao ler seu texto e lamenta o beijo que não deu!
    Gratíssima.
    Até mais.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Carlos Monteiro18/02/2021, 10:25

      Ana querida,

      Este ano o pierrô chorou pela colombina. "...A colombina entrou num botequim/Bebeu, bebeu, saiu assim, assim ...//...o pierrô, levando esse grande chute/Foi tomar vermute com amendoim...".

      Carnavais melhores virão.

      Abraços.

      Excluir

Para comentar, por favor escolha a opção "Nome / URL" e entre com seu nome.
A URL pode ser deixada em branco.
Comentários anônimos não serão exibidos.