Sabrina y Hector fotografia de Carlos_Luque |
Heraldo Palmeira
Há uma frase atribuída ao escritor Ernesto Sabato
que resume tudo: “O tango é um pensamento triste que se pode dançar”.
O tango é uma das duas sínteses do extremo sul da
América do Sul. A outra é o gaúcho, o ginete de cavalos girando o laço sobre os
pampas. Outra certeza, são inúmeras as versões a respeito de sua origem e os
mitos que lhe cercam. E mais uma, não se pode falar dele sem envolver paixões.
Já foi dito que, muito
antes de a imigração europeia chegar à região do Prata, o tango teria nascido
na África. Na verdade, “tango” é um termo originário de línguas africanas para
designar um pequeno tambor africano e a dança executada ao som dele.
A musicóloga francesa
Isabelle Leymarie fez um traçado a respeito do assunto em seu livro Del
tango al reggae. Ela defende que a origem do tango vem da mesma vertente do
candombe e está no século dezessete, nos ambientes dos rituais religiosos
repletos de tambores, cânticos, transes e danças que os africanos praticavam em
suas comunidades na Argentina. Algumas dessas celebrações já eram denominadas
candombes (rezar aos deuses), tambus ou tangos.
Em 1813, com a abolição
da escravidão argentina, os negros passaram a se reunir para suas práticas nas
casas de tango, também chamadas quilombos, casas de tambó ou sítios. Os locais
terminaram fechados em razão da agitação e as músicas foram proibidas. Em pouco
tempo a palavra “tango” virou sinônimo dos bailes negros realizados
principalmente no bairro de Concepción, em Buenos Aires.
Além disso, na
Montevidéu de meados da década de 1840, os negros recém libertados da
escravidão realizavam candombes – cantos e danças executados ao som de
pandeiros – no Recinto, localizado nas cercanias entre a rua Yerbal e o rio da
Prata. Provável palco da integração cultural com imigrantes.
Em 1887, a comunidade
negra instalada no bairro El Mondongo, em La Plata, inventou uma dança que,
inspirada diretamente no candombe, passou a ser chamada de tango.
Os brancos imigrantes
da Europa foram aderindo, os símbolos religiosos enfraqueceram, a coreografia
mudou e tudo foi virando o baile de casais miscigenados das classes populares
em clubes de má fama dos subúrbios.
A África é redundância:
se está na base da civilização, imagine da música. Difícil é discordar que o
tango nasceu (ou renasceu) no lado de baixo do equador, precisamente no extremo
sul da América do Sul, a partir de diversas influências. Não adianta, a esta
altura, tentar argumentar que o tambor é africano, o bandoneon é alemão
ou Gardel seria francês. Eles apenas foram atraídos pelo magnetismo daquela
força insana dos guetos e ganharam tripla cidadania: argentina e uruguaia, além
das que carregavam de origem.
Carlos Vega (considerado o pai da musicologia
argentina), Vicente Rossi (escritor uruguaio) e Carlos Saenz Peña (escritor e
jornalista argentino) também realizaram pesquisas respeitáveis a respeito da
origem do tango. Chegaram a conclusões diferentes, todas válidas. A aparente
incoerência dos resultados joga luz sobre a amplitude do ambiente em que o
gênero foi sendo construído e das influências que formaram o legado que temos
hoje.
Os três pesquisadores apontaram apenas a certeza de
que tudo começou clandestinamente no ambiente marginal do rio da Prata, no
trecho entre Buenos Aires e Montevidéu.
Nas duas margens daquele mar de água doce sobram
dúvidas e uma unanimidade bem larga: os primeiros movimentos teriam ocorrido
entre 1880 e 1890 – esse intervalo de dez anos deu asas a inúmeras versões a
respeito do momento exato da origem. Era um tempo fértil, de transformação. Na
parte de cima do equador estava nascendo o jazz norte-americano.
Nos primórdios, o tango era executado de forma
instrumental com piano, violino e flauta – violão e letras apareceram depois. Tinha
ritmo mais acelerado e era dançado exclusivamente por duplas masculinas. Os
homens, alguns com um cravo na orelha, jamais se olhavam enquanto dançavam,
talvez temessem o incêndio de algum fogo ingênuo das paixões. Por isso, os
rostos eram virados em direções opostas e permaneceram assim como elemento
cênico.
As duplas masculinas também dançavam nas esquinas.
Talvez evitassem o calor infernal dos salões lotados. Talvez aproveitassem ao
mesmo tempo o som que vinha deles e o frescor da noite. Talvez quisessem manter
distância dos olhares indiscretos.
Na margem uruguaia, o escritor Vicente Rossi assegurava
que tudo começou nos arredores das ruas Buenos Aires e Yerbal. Uma zona
conhecida como El Bajo, no lado sul da cidade velha de Montevidéu, repleta de
bordéis, cassinos clandestinos e uma vida religiosamente fora da lei.
Na margem argentina, “foi no bairro de quem conta a
história”, como disse o escritor Jorge Luis Borges andando sobre memórias da
geografia portenha daquele período. Ele mesmo reconhecido apreciador de
diversas hipóteses, sempre aberto a endossar novas narrativas, ciente da
importância de personagens arquetípicas e dos mitos infindáveis da cidade.
O cinema adotou a versão da origem no subúrbio
portenho, quase sempre dando ênfase para os cortiços do bairro operário La Boca
del Riachuelo. Compreensível, há ali a esplêndida fotografia que o conjunto urbano
entrega às câmeras. Tem o enfeite de artistas de rua e de barracos de zinco em
cores vivas que ocupam Caminito desde sempre. Tem as docas antigas parecendo reviver
as cenas dos primeiros tempos da imigração, onde os europeus desembarcavam sem a
menor noção da história fantástica que ajudariam a construir.
Borges, com a autoridade de um dos maiores mestres
da literatura e profundo conhecedor da sua terra, achava que a versão dessa
origem nos arrabaldes ganhou o imaginário popular em razão dos filmes
insistirem nela. Ele sempre defendeu que tudo se deu nos prostíbulos espalhados
por diversos bairros de Buenos Aires sem nada premeditado, porque eram “lugares
de reunião” e que “havia gente que frequentava essas casas para jogar às
cartas, para beber uma cerveja, para se encontrar com amigos”.
Ele valeu-se da literatura poética do período para
demonstrar que os instrumentos musicais predominantes – piano, violino e flauta
– estavam relacionados com a cidade. Ao contrário do violão, eram pouco
populares e bem distantes da realidade econômica dos tocadores e da clientela tradicional
dos bordéis de beira de cais. Tudo isso podia conter sinais, segundo o
escritor, de que a origem do tango teria ligações com pessoas de “meios
econômicos superiores”, que frequentavam lugares mais bem equipados.
Fora das telas do cinema, permaneceram válidas as
versões menos glamorosas, talvez mais próximas da verdade, que apontam para a
rua Chile, os prostíbulos das ruas Junín e Temple, o bairro Retiro... Era uma
Buenos Aires incipiente, provinciana, composta de casas baixas e de estruturas muito
similares, exceção aos palacetes da avenida Alvear.
A mesma cidade onde os imigrantes genoveses começaram
a montar seus cortiços de zinco e pintá-los com as tintas de cores vivas que
sobravam das oficinas do porto. O local foi abandonado em 1928 após o
fechamento da ferrovia que passava pertinho. Renasceu em 1959, quando os
moradores, entre eles o famoso pintor Quinquela Martín, resolveram restaurar o
beco – foi Quinquela quem rebatizou como Caminito, numa referência ao tango El
caminito; o grande amigo Juan Filiberto era um dos autores.
Diante da falta de registros históricos precisos
sobre a origem do tango, algo natural em construções coletivas ocorridas no
cotidiano de tempos menos documentados, Borges, sabiamente, dizia aceitar todas
as possibilidades. Falava do surgimento da dança a partir “da miscigenação
entre o negro e os estrangeiros da imigração romântica. Daí que o pensamento
triste baila e com ele o compadre, o jovem de bem, o patoteiro e a mulher da
vida”.
O mestre das letras também considerava a história
urbana de Buenos Aires, o porto e os bairros repletos do lirismo violento de
palavras rudes, punhos, navalhas, sangue, histórias de amor, corações partidos
e morte. Dizia que conhecer o tango era conhecer o lado negro e o melodrama da
alma portenha, “o tango dá-nos a todos um passado imaginário”.
A opinião heterodoxa do escritor estava baseada nas
inúmeras conversas que manteve com a própria mãe, a tradutora Leonor Suárez,
ela mesma envolvida numa polêmica se teria nascido na Argentina (mais provável
segundo a documentação existente) ou no Uruguai. E figuras ilustres das artes
como Bioy Casares, Ernesto Poncio, Enrique Saborido, Vicente Rossi, Vicente
Greco, além de cantores obscuros da noite, figuras lendárias de Buenos Aires e
tantas personagens mais.
Um tempero importante entrou na receita na parte
final do século dezenove, a imigração de europeus. Ela foi incentivada por uma
ainda jovem Argentina carente de mão de obra mais qualificada e de horizontes técnicos
e culturais mais amplos.
Vem daí a fama orgulhosa de Buenos Aires como a
mais europeia das cidades sul-americanas, pois de 1870 a 1914 chegaram mais de
seis milhões de europeus, principalmente homens. Em determinado ponto, havia mais
estrangeiros que argentinos no grupo de pessoas entre vinte e quarenta anos.
Não demorou, a enorme quantidade de imigrantes
solitários animou o ambiente para, apenas em Buenos Aires, existirem mais de
duzentos prostíbulos. Diante da imensa demanda, as filas de espera pelo sexo
tornaram-se comuns e avançavam pelas calçadas. As casas passaram a oferecer shows
musicais de grupos diversos. O repertório era dominado por candombe uruguaio,
milonga espanhola e platina, polca checa e habanera cubana.
Esse imenso caldeirão cultural formou a receita do
bolo da nova linguagem. Nasceu como música urbana, apresentada em bordéis,
bares e cafés, tanto em Buenos Aires (principalmente) quanto em Montevidéu.
Naquele período a milonga e a habanera eram
muito populares nas duas cidades. Não é de estranhar que esses dois gêneros
estejam tão presentes na estrutura musical do tango. Além disso, como boa parte
dos músicos não sabia ler partituras, a música nascente era quase sempre tocada
em simples derivações rítmicas sobre as estruturas já conhecidas.
Segundo Borges, “o tango surge da milonga e, no
início, é valente e feliz. Depois vai desanimando e ficando triste”. Também afirmava
que a tristeza se completou quando aportou no bairro italiano de La Boca. Pode ter
sido esse o processo que construiu a frase célebre atribuída a Sabato.
Ainda faltava um componente fundamental que ninguém
conhecia. Veio à luz criado pelo músico alemão Heinrich Band e suspeita-se que chegou
à região do Prata por volta de 1870, no meio da bagagem dos imigrantes alemães
e italianos.
Matias Rubino tocando tango no bandeoneon - fotografia de Jorge Royan |
O bandoneón, derivação do sobrenome do
criador e membro da família dos acordeons, não demorou a ser adotado. Impregnando
tudo com sua dolência magnífica, ajudou a delinear o estilo musical e a
assinatura sonora definitivos do tango. Além de grande tessitura, oferecia o som
capaz de provocar dor e afagar ao mesmo tempo.
O instrumento foi desenvolvido para acompanhamento
de música popular alemã e hinos litúrgicos das congregações luteranas mais
pobres, que não dispunham de recursos para comprar harmônios e órgãos de tubo
para suas igrejas.
Na incorporação argentina o marccato
percussivo ganhou destaque, a técnica foi ganhando mais apuro e formando solistas,
surgiram os virtuoses e os resultados conhecemos. O argentino Alejandro
Barletta é considerado o maior bandoneonista de todos os tempos. Ao redor de
1915, as fábricas da Alemanha produziam quase que exclusivamente para o mercado
argentino.
Quando as letras foram incorporadas tratavam de
situações libidinosas comuns ao ambiente dos prostíbulos em que o tango estava
instalado. Eram dotadas de machismo desabrido e o lugar da mulher sempre o pior
possível – desleal, ambiciosa, adúltera, malvada, puta... Não é de estranhar
que alimentasse a repulsa dentro do moralismo reinante, impedindo a aceitação
da novidade fora do seu reduto original e afastando as mulheres da sua prática.
Mas as prostitutas dos bordéis terminaram entrando
na dança. É óbvio que aqueles contornos femininos tiveram grande importância
para bordar os componentes principais que caracterizam o tango como expressão cultural:
a carga dramática, a tristeza, a paixão e a sensualidade. Até o amor, arrisco
dizer, pois também pode ser visto perambulando em antros. Quase sempre sufocado,
dolorido, imortal no silêncio que reina quando tudo passa, depois que alguém
morre por causa dele.
Em 1907, marinheiros franceses de passagem pelo
Prata embarcaram na viagem de volta para casa o belíssimo tango La Morocha,
do uruguaio Enrique Saborido. Ao fim da travessia do Atlântico, aportou no
melhor lugar do mundo para qualquer amor, a cidade de Paris, que também se
apaixonou por aquela dança exótica e sensual. Isso permitiu que muitos artistas
uruguaios e argentinos passassem a frequentar e até morar na Cidade Luz.
O caminho aberto pelos marujos foi alargado por
imigrantes que retornavam para a Europa e não abandonaram aquela deliciosa
companhia do Cone Sul. Por volta de 1910, a partir de Paris o tango foi se
espalhando por Berlim, Londres, São Petersburgo, Viena... Atravessou o mundo e
chegou aos Estados Unidos e Japão.
Pouca gente falava espanhol/castelhano em tantos
lugares. Na incompreensão do idioma, as letras “infames” viravam apenas itens
melódicos somados à beleza da música e à força da dança como meios de
encantamento arrebatador de novas plateias. Os ataques moralistas foram
perdendo a força.
Alguns norte-americanos levaram um professor de dança
de Cleveland à Justiça, por imoralidade. Na audiência, ele colocou cem alunos
dançando diante do júri e foi absolvido. Não seria surpresa encontrar algum
relato de que o julgamento terminou em festa.
Religiosos renitentes seguiram demonizando. Em
resposta, o tango chamou o Vaticano para dançar e uma apresentação foi
organizada com o intuito de merecer a avaliação do papa Pio X. Terminou
aprovado pelo pontífice sem qualquer senão, embora não haja registro de que ele
próprio tenha tentado algum passo no salão. Pena, aquele carmim tradicional dos
sapatos papais faria belo efeito em cena.
O tango recebeu moldes finais adicionando novas
influências europeias e letras com temas palatáveis aos conservadores. Já com ritmo
mais lento, a plasticidade da dança aumentou. Começou a ser compreendido como
arte além dos ambientes vadios. Chegou à soleira da elite platina e ganhou os
salões refinados da sociedade depois do acolhimento que recebeu fora do Prata,
a partir de Paris e do Vaticano, dando início à primeira fase de ouro.
Algumas personalidades argentinas e uruguaias – os
escritores Fernán Valdez, José Castillo e diversos outros artistas – começaram
a se interessar e divulgar aquela novidade, que cada vez mais se consolidava
como extraordinária manifestação popular.
Em pouco tempo, ainda nos anos vinte, o tango viveu
a primeira fase de ouro pela força popular de nomes como Augustín Magaldi,
Azucena Maizani, Carlos Gardel, Enrique Discépolo, Ignácio Corsini, Libertad
Lamarque, Rosita Quiroga e Tita Merello. Com a nascente indústria fonográfica em
ação, ultrapassaram as fronteiras platinas.
Com um sucesso crescente e impressionante, Gardel
começou a descolar dos demais, assumindo um papel cada vez mais superlativo. Ao
se apresentar em palcos pelo mundo e protagonizar diversos filmes,
internacionalizou definitivamente aquilo que o consagrou e começou a erguer o
próprio mito.
A origem de Carlos Gardel esteve sempre cercada de
mistérios, com três cidadanias aparentemente comprovadas por documentos:
francesa, uruguaia e argentina. Parece que Borges tinha razão ao acolher todas
as versões das histórias que cercam o tango, ele mesmo um contemporâneo
privilegiado de tantas delas.
Uma delas dá conta de que Gardel seria filho
bastardo de Carlos Escayola, um influente latifundiário uruguaio, fruto de um
romance clandestino com a própria cunhada Maria Oliva, de apenas treze anos. O
menino, batizado Carlos, teria nascido em 1887 em Tacuarembó, Uruguai.
Indesejado, foi entregue a Berthe Gardès, uma fançarina francesa de passagem
pela região num show de cabaré. Ela levou a criança para a França, até
que em 1893 voltaram como imigrantes para Buenos Aires, a bordo do navio SS
Don Pedroe.
Outra versão se baseia no fato de que Berthe era
uma mulher comum de Toulouse, dedicada a serviços de lavanderia de roupas, e
jamais teve qualquer atividade artística. O menino Charles Romuald Gardès
nasceu naquela cidade, em 1890. Tanto que, já adulto, costumava brincar dizendo
que nascera “em Buenos Aires aos dois anos de idade”, referindo-se ao momento
em que chegou à cidade com a mãe.
No desembarque, ela declarou-se viúva diante da
imigração e o menino foi registrado como Charles Gardès. Supõe-se que tenha
resolvido deixar a França para ficar livre do estigma de ser mãe solteira, já
que tivera um romance com Paul Laserre, um homem casado que foi embora de Toulouse antes do
nascimento daquele filho.
Muitos anos depois, Laserre foi a Buenos Aires encontrar Berthe.
Pretendia casar-se com ela e legitimar o filho. Gardel, então com vinte e oito anos, foi
taxativo ao dizer à mãe que, se ela não precisava daquele homem, ele muito
menos: “Não desejo nem mesmo vê-lo”, encerrou o assunto.
Seguindo esta linha que o considera imigrante
francês, o menino cresceu falando espanhol num ambiente de pobreza no distrito
de San Nicolás, nas cercanias de onde hoje está o famoso Obelisco da avenida 9
de Julio com Corrientes. Era chamado de Carlos e Carlitos e desde muito cedo
revelava o sonho de ser cantor. Por isso, costumava sentar-se à porta de casa e
cantar, no que era cercado de crianças. Por causa dessas relações, costumava
ser levado pelas famílias e ficar dias inteiros em casa de amigos. A esta
altura, sua mãe já tivera o nome nacionalizado, era conhecida como Doña Berta.
Mais adiante, o menino começou a desaparecer de
casa por longos períodos. Costumava ter problemas com a polícia e, aos catorze
anos, passou uma temporada no presídio de Florencio Varela, detido por
vadiagem.
Já era 1920, Gardel tornara-se uma figura
conhecida, mas a documentação irregular impedia que viajasse para além dos
países vizinhos. Sua ficha criminal não permitiria a emissão de passaporte
argentino. Ele aproveitou novas regras para regularizar a situação de uruguaios
indocumentados no exterior, que exigia apenas o depoimento do requerente e de mais
duas testemunhas.
Era o momento ideal para aquela providência, pois
estava na iminência de uma viagem profissional à França. Lá, teria problemas
legais porque, como cidadão francês, estava obrigado a se alistar no Exército
durante a Primeira Guerra Mundial – nunca foram encontrados registros do seu alistamento.
Como o Uruguai manteve uma política de neutralidade
durante a guerra, a cidadania uruguaia teria dupla utilidade: isentava-o da
responsabilidade militar francesa e facilitaria a obtenção da sonhada cidadania
argentina. Assim, ele declarou-se nascido em Tacuarembó, obteve a documentação
de uruguaio nato e, logo em seguida, obteve a nacionalidade argentina,
constando na carteira de identidade (argentina) a nacionalidade do país
vizinho. Em pouco tempo, o tão desejado passaporte estava emitido, liberando
seu acesso ao mundo e à glória internacional.
Em 1931, Gardel lavrou um documento onde foi
taxativo: “Sou francês, nascido em Toulouse, em 11 de dezembro de 1890, filho
de Berthe Gardès” – o nascimento em Toulouse foi confirmado em 2012, quando
pesquisadores localizaram sua certidão de nascimento.
Naquele mesmo 1931, o cantor estava realizando
shows e filmes em Paris, quando, por sugestão do amigo jornalista argentino
Edmundo Guibourg, selou uma parceria definitiva em sua carreira com o poeta e
crítico brasileiro Alfredo Le Pera, que vivia na cidade legendando filmes na
sede francesa dos estúdios Paramount.
A partir dali passaram a compor juntos e trabalharam
em filmes em que o roteirista Le Pera tentava mostrar o cantor famoso com sua
cara cotidiana – cavalheiro, criminoso, sedutor, amante latino –, algo que caiu
no gosto do público hispânico.
Em 1933, se estabeleceram em Nova York e fundaram a
empresa Éxito Producciones, associada à Paramount. Le Pera, de origem abastada
e intelectual refinado, além de letras e roteiros, passou a cuidar também da
administração e das finanças da carreira do amigo famoso.
A parceria rendeu pérolas da história do tango e
anedotas. Ante as exigências do famoso perfeccionismo, Gardel, certa feita,
disse que o parceiro não havia captado seu estilo. Le Pera reagiu com humor:
“Carlos, você não precisa de um letrista. Você precisa de um alfaiate”.
Em 1934, depois de encerrar as gravações dos filmes
Cuesta abajo e El tango na Broadway, Gardel viajou à França.
Dentre seus compromissos, uma visita a uma certa senhora Berthe Gardès, em
Toulouse.
Em 1935, teve início a produção de El dia que me
quieras, quinto filme da Éxito Producciones. Durante as gravações, em Nova
York, Gardel recebeu no hotel uma peça de artesanato, um gaúcho entalhado em
madeira. Quem fez e enviou o mimo foi um certo don Vicente, patriarca de
distinta família argentina de origem italiana que vivia na cidade. Ele adorava
cantar tangos antigos, era fã incondicional do artista. Mesmo assim, designou o
filho de treze anos para entregar a encomenda.
O menino chegou ao hotel e foi parar direto no
quarto do hóspede ilustre, sem fazer a menor ideia de quem era aquele homem que
encontrou vestido em pijama de bolinhas. Na verdade, o tango não lhe dizia
muito, gostava de jazz e seus ídolos eram Duke Ellington e Cab Calloway.
Gardel simpatizou de imediato com aquele sujeitinho
despachado e fez questão de conhecer sua família. Aproveitou a temporada e passou
a frequentar a casa em que viviam no Village, onde viu o garoto tocando o bandoneón
que ganhara do pai anos antes.
Em retribuição pela acolhida, el pibe
logo virou guia da equipe portenha na Big Apple. O cantor era incapaz de
pronunciar qualquer palavra do inglês e o menino também era craque na geografia
do lugar, por onde costumava perambular com os amigos. Para completar, ainda
ganhou uma participação no filme. Contracenou com o novo amigo numa breve cena
em que apareceu vendendo jornais. Os US$ 25 de cachê representavam uma fortuna
naqueles tempos.
Carlos Gardel e Rosita Moreno em cena de "El día en que me quieras" (foto Paramount Pictures) |
Na festa de encerramento das gravações, Gardel
convidou o menino para tocarem juntos Arrabal amargo. Aquela foi a
primeira apresentação pública do jovem músico executando um tango. E dividindo a
cena com ninguém menos, apenas os dois no palco.
Dali o cantante partiria para uma grande turnê e
convidou o menino para fazer parte da banda. A aventura foi abortada pelos
pais, don Vicente e dona Asunta, com o socorro do sindicato dos músicos.
A pouca idade tocou mais forte.
Dois aviões trimotores
Ford F-31 taxiavam na pista de Medellín. Atribui-se a fortes ventos contrários
o rompimento do eixo do trem de pouso direito, na hora da corrida para
decolagem da aeronave em que estavam Gardel e sua banda. Descontrolada,
chocou-se com a outra – que aguardava sua vez de decolar – provocando grande
explosão. Das dezenove pessoas a bordo (dos dois aviões), dezessete morreram,
inclusive o brasileiro Le Pera, considerado um dos poetas mais importantes e
personagem dos mais representativos do tango.
Em meio à comoção
internacional, passaram a circular algumas versões para o acidente. Imperícia
do piloto, muito jovem e incapaz de perceber o perigo de decolar contra uma
ventania. Uma cortina imensa e pesada que Gardel ganhara da Paramount e passara
a levar para os shows, inadequada para a capacidade do pequeno avião. E, no
limite do extremo, uma briga que teria havido dentro do avião por conta de carteado
– alguém teria dado um tiro no contendor e acertado o piloto por engano. Não
bastasse a perda do seu principal ídolo, o acervo de lendas que cercam o tango
saiu enriquecido.
O filme El dia que me quieras foi lançado
postumamente em Havana, apenas onze dias após a tragédia de Medellín. Virou o
último capítulo da fase de ouro que o cantor vivera com o cinema
norte-americano e com a própria carreira. A partir dali teve início uma nova
fase literalmente incorpórea, a do mito.
Gardel catalisou todos os sentimentos contidos e instrumentalizou
o tango como perfeita expressão cultural daquela nova sociedade em formação. Traduziu
como ninguém as mudanças de costumes causadas pela imigração. Elevou à condição
de arte a música gerada pela miscigenação entre platinos, negros e europeus.
O último adeus de Carlos Gardel Fundación Internacional Carlos Gardel |
O sucesso internacional curvou as elites portenhas
que, protegidas por uma severa divisão de classes, costumavam expressar
xenofobia e desprezar a cultura local de origem popular.
Em determinado momento, estava posto o simbolismo
de que todos os portenhos carregam em si algo de Gardel, como se ele tivesse
definido a identidade argentina e portenha em particular. Como se tudo isso
fosse pouco, ele fez a Argentina internacional e encheu de orgulho as duas
margens do Prata
Havia rumores de que, na intimidade, Borges
atribuía a Gardel o entristecimento do tango. Certa feita, o escritor falou
cheio de vírgulas, como se fosse um bandoneón se contorcendo entre notas
estudadas: “E há, além disso, um nome, um nome que os senhores, sem dúvida,
estarão à espera de ouvir, e que é um nome um tanto posterior, de Carlos
Gardel. Porque Carlos Gardel, além da sua voz, além do seu ouvido, fez algo com
o tango, algo que tinha sido tentado antes, mas de um modo parcial, e que
Gardel levou, não sei se à perfeição, mas a um ponto culminante”.
A partir dos anos 40, o tango experimentou uma
segunda fase de ouro e nova onda de internacionalização. Como se fosse um novo
passo, o legado dos mestres pioneiros foi renovado por Aníbal Troilo, Armando
Pontier, Astor Piazzolla, Carlos di Sarli, Francisco Canaro, Juan D’Arienzo e
Osvaldo Pugliese.
Foi ali que o mundo conheceu o fenômeno de
popularidade Juan D’Arienzo, e um segundo mito tanguero, o genial Astor
Piazolla.
Piazzolla bebeu no clássico e destilou no tango, embarcou
na influência do jazz e deu um lustro pop art na linguagem do
gênero. Enlouqueceu os puristas com as inovações aplicadas à harmonia, ao ritmo
e ao timbre. Pecado dos pecados, ousou inserir a guitarra elétrica em 1955. O
sotaque da modernidade ficou forte demais e muitos gritaram que aquilo não era
tango! Soava muita ousadia um quase estrangeiro, cosmopolita, tentar perturbar
a zona de conforto dos senhores dos palcos tangueros. Nem todos eram
gaúchos hábeis, muitos corriam o risco de cair daquele cavalo selvagem.
Guardadas as proporções de épocas tão distintas,
havia uma certa simetria com a ação renovadora de Enrique Discépolo, que ousou,
nos primórdios “infames”, trazer ares intelectuais para o tango, inserir
assuntos completamente inusuais nas letras.
O mundo traduziu o que Piazzolla propunha como a “música
ciudadana” contemporânea de Buenos Aires, com sua lírica, seus símbolos
e sua mítica expostos como as vísceras da cidade. Uma alegoria do próprio
espaço urbano onde se construía a identidade nacional argentina. Aquele tango
cotidiano que passou a tocar nas casas das famílias e confeitarias respeitáveis
com um toque de infâmia singela. Uma música processada de forma cerebral, um
passo além dos meneios físicos, dos suores, das pelejas vocais dos repentistas
e das lutas de punhos e facas dos rufiões dos prostíbulos ancestrais.
Mesmo assim, houve dor e levou tempo. Piazzolla guardou
o bandoneón por um período e passou a trabalhar em composições eruditas,
trilhas sonoras para o cinema e arranjos de orquestras. Ziguezagueou entre
Buenos Aires, Paris e Nova York, até parar numa temporada de estudos em Paris
com a professora Nadia Boulanger, que conduziu sua energia criativa de volta para
o tango. Roma foi o próximo refúgio.
Os conflitos somados ao espírito independente,
imprevisível e de difícil trato moldaram uma vida ora de garras expostas ora de
afagos. Essa torrente emocional, claramente impressa na obra, legou a Piazzolla
o apelido de “Gato”, sutileza com precisão milimétrica criada pelo maestro Aníbal
Troilo. Dono de larga experiência à frente de orquestras e acostumado a administrar
talentos e egos, Troilo conheceu bem o perfil do gênio em anos de convivência e
trabalho.
De pouco adiantou a gritaria. Piazzolla estabeleceu
a nova linguagem, seguida até hoje. O que “não era tango” terminou virando nuevo
tango. Óbvio que mantinha intrínsecas ligações com o sentimento geral, o masoquismo,
a nostalgia, as dores afetivas, fontes comuns de inspiração das letras. A
própria melancolia da saudade da pátria que Nonino sentira enquanto viveu imigrado
em Nova York.
Décadas depois,
empresários da noite portenha também tentaram se apoderar do tango e criaram
shows para turistas, com o prodígio de colocar até cavalos zanzando pelo palco!
Mesmo sem notícias de cavalos nos bordéis de Buenos Aires e Montevidéu da
virada dos séculos dezenove para vinte, dá um certo trabalho associar o gaúcho
tradicional e o resto com tal extravagância.
Em 2009, o tango, em seu conjunto completo desde a
“origem infame” citada por Borges, passou a fazer parte da lista honrosa do
Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade, da Unesco. Por uma questão de
justiça, associado igualmente à Argentina e ao Uruguai.
O que pensariam músicos, bêbados, malandros,
marinheiros, cafetões, distintas damas, seus clientes e todos que andaram
naqueles ambientes de penumbra e fumaça dos tempos pioneiros? Quase certo,
estariam boquiabertos ao ver o tango, o filho bastardo que conceberam por
acaso, frequentando em trajes de gala os mais nobres salões, estúdios, vitrolas,
rádios, televisões, cinemas e salas de espetáculo ao redor do mundo.
Lembrando o que me
ensinou um velho amigo argentino, quem quiser entrar no verdadeiro mundo que vicejou
às margens do Prata não precisa de muito: há lugares pequenos e simples,
frequentados pelos locais. Basta perguntar aos recepcionistas de hotéis e
motoristas de táxi. Neles, encontrará o bastante: poucas mesas, boa comida,
bons tragos, garçons elegantes, serviço impecável, um pequeno palco repleto de
músicos e dançarinos excelentes. O resto é tango!
A propósito, aquele
distinto don Vicente que vivia em Nova York com a família, tornou-se
mundialmente conhecido pelo apelido Nonino, dado pelo filho. É muito provável
que, se ele mesmo tivesse ido entregar o entalhe a Gardel no hotel
nova-iorquino, o mundo do tango não seria o mesmo.
Seu filho, aquele
menino que ele impediu de acompanhar Carlos Gardel, escapou da tragédia aérea
que matou o cantor na Colômbia. Talvez tenha sido salvo Por uma cabeza,
que é tango, que é Gardel e Le Pera em simbiose perfeita.
Era uma criança
fragilizada pelo defeito congênito num dos pés, que conheceu os discos de Gardel,
do sexteto de Julio de Caro e o próprio bandoneón – com a exigência de
grande empenho no estudo – pelas mãos do pai, o grande referencial para que se transformasse
num homem autoconfiante e obstinado.
Salvo pela prudência
familiar que o fez permanecer em Nova York diante do convite honroso de Gardel,
tornou-se um dos maiores músicos do século 20 e o outro mito do tango: Astor
Pantaleón Piazzolla.
Astor Piazzolla - fotografia de Pupeto Mastropasqua |
Astor Piazzolla e Carlos Gardel em cena de "El Día En Que Me Quieras" Fundación Internacional Carlos Gardel |
Em 1985, Piazzolla
“reencontrou” Gardel ao assinar a trilha sonora do filme Tangos, el exilio
de Gardel. Nele, o diretor argentino Fernando Solanas serve um caldeirão da
Argentina: a crise política, gente exilada na mesma Paris de sempre, a eterna
dualidade do tango, que se apresenta com personalidade platina mas terminou
cosmopolita pelas origens diversas, construção repleta de imigrantes, exilados
de nacionalidades dúbias, todos os encontros e desencontros possíveis e a
diáspora latino-americana.
“Parece que sem pôr de
sol e noites em Buenos Aires não se pode fazer um tango”, disse Borges, cujo
preferido era El choclo. Parece uma verdade, apesar de tantas outras.
Como a do escritor e
jornalista argentino Leopoldo Lugones: “O tango, esse réptil de lupanar!”. Um
retrato fiel daquele ambiente original onde floresceu cercado de todas as
forças e antagonismos. E música. E dança. E tragédia.
Como a do escritor
argentino Damián Tabarovsky, que enxerga o tango do século vinte e um como um
anacronismo – os intérpretes adotam perucas e tinturas nos cabelos, quase
sempre horríveis, como meio de tentar disfarçar o desgaste do tempo, a
fragilidade trazida pelo envelhecimento deles mesmos e da própria mensagem
transmitida por um gênero que se propõe másculo, forte.
Segundo ele, “não se
renovou esteticamente e permanece apenas como objeto turístico e como clichê
nostálgico de um mundo antiquado”. Também já não enxerga no tango o espírito e
as histórias de Buenos Aires e dos portenhos, acha que está resumido a material
de estudo acadêmico. “Desconfio imensamente, sobretudo numa cidade que vive de
seus mitos e glórias passadas: Gardel, o doce de leite, a avenida mais larga do
mundo, a Paris da América do Sul”, conclui Tabarovsky.
Mesmo diante de tantas
visões, parece justo afirmar que o tango é uma enorme correnteza que se formou
a partir do encontro das águas das culturas africana, americana e europeia, às
margens do Prata. Algo que emergiu das classes populares e inundou as elites. Muito
mais do que gênero musical, transformou-se nas tintas que traduzem orgulho e
identidade nacionais.
É compreensível que o
tempo tenha envelhecido seu ímpeto, outras novidades e outros assuntos tenham
ocupado parte do espaço e modificado o interesse coletivo que despertava. Nada
diferente do que aconteceu com tantos gêneros e a própria maneira de
relacionamento cultural e artístico ao redor do mundo.
Talvez isso explique a importância do filme Cafe
de los maestros, lançado em 2008 pelo diretor americano-argentino Miguel
Kohan, que traça um emocionante painel para a memória do tango. De beleza
ímpar, atemporal, roda como boa história composta por capítulos precisos, uma
peça que sempre valerá ser apreciada.
A grande sacada foi registrar os laços interpessoais
daquele bando de velhos amigos, que apenas estavam vivendo suas vidas. Mostrar
os mestres como personagens típicas do cotidiano de Buenos Aires – casas,
ensaios, instrumentos, estúdios, bares, corridas de cavalos, ternos pretos
impecáveis.
Aqueles senhores e senhoras talentosíssimos
partilharam uma história gloriosa. Bastou uma centelha para uma nova explosão. Voltaram
à cena que ajudaram a construir desde a década de 1930, representando as quatro
magníficas escolas de tango, de Aníbal Troilo, Carlos Di Sarli, Juan D’Arienzo
e Osvaldo Pugliese.
O filme é uma grande viagem que não revela nostalgia
e chega ao gran finale no teatro Colón, todos vestidos a rigor. Ao
contrário, entrega ao mundo a energia renovada daqueles mestres como um recado
de que o tango segue na pista. No trailer oficial do filme, uma frase justa: Una
película sobre la música que conmueve al mundo.
Depois de ouvir tanto, e tantos magníficos, é
impossível não citar Adiós Nonino. Depois de compô-lo como réquiem ao
pai morto, Piazzolla foi taxativo: “Talvez eu estivesse rodeado de anjos. Foi a
mais bela melodia que escrevi e não sei se alguma vez farei melhor”. Só aceitou
que recebesse letra muitos anos adiante, emocionado diante da poesia da cantora
argentina Eladia Blázquez – ela renunciou a todos os direitos autorais a que
poderia ter direito em favor de Piazzolla, pois sua ideia sempre foi apenas
homenagear o amigo e seu pai Nonino.
Mantenho Libertango preferido. Por mais
explícito que toque, há nele algo misterioso que Piazzolla soube resgatar dos
labirintos da alma para grudar na partitura, da primeira à última nota.
Gravada em Milão, em 1974, na fase italiana do
artista, talvez traduza o dilema pessoal que ele viveu para se libertar do
tango tradicional e difundir a liberdade compositiva do seu tango nuevo.
Ainda bem, entrou de armas, bagagens e trazendo impensáveis bateria, naipe de
cordas, guitarra elétrica e orquestra. Uma liberdade que pode ter sido mais
acessível pela possível dor de estar distante da Argentina para se enxergar
melhor.
Libertango batiza
um álbum famoso (é a primeira faixa) que deve seguir tocando inteiro. E a
versão do Gotan Project leva tudo ainda mais adiante. O tango insiste em viver.
Agradecimentos
especiais a Victor Biglione e Wagner Tiso.
(*) Ouça Libertango
aqui:
Astor Piazzolla
https://www.youtube.com/watch?v=k_pLL278zoM
Gotan Project
https://www.youtube.com/watch?v=9qdj4dV1Nwc
1)Belo artigo histórico, parabéns Heraldo.
ResponderExcluirObrigado, Antonio. O tango é algo apaixonante e cercado de verdadeiras lendas. Gostei muito de ter me embrenhado nessa floresta de informações.
ExcluirHeraldo; grande e distante amigo; que aula. Parabéns. Como é bom ler coisas edificantes em meio a tantas outras desastrosamente imbecis. Saudades de nossos papos. Um abraço Roney
ResponderExcluirMeu caro Roney,
ExcluirBom tê-lo por aqui. Quem dera ter competência para aulas, apenas um relato de tantas informações que estão por aí. E o amor pelo tango, enorme! Haverá hora para novos papos e estaremos lá, com a graça do bom Deus. Abraço!
Parabéns pelo artigo, Palmeira.
ResponderExcluirSimplesmente brilhante.
A história do Tango que os apreciadores de belas músicas e letras precisavam para conhecer um dos ritmos mais vibrantes e e passos não menos espetaculares para os dançarinos fazerem jus à fama da canção argentina e porteña, da capital Buenos Aires.
O Tango surgiu nos prostíbulos com a finalidade de aproximar corpos masculinos e femininos, inventado por aqueles que depois de uma longa jornada de trabalho buscavam um momento de lazer no encontro com mulheres.
No núcleo da estrutura da dança do tango podemos definir e identificar quatro conjuntos de movimentos: la salida, la caminada, el giro e el cierre. Simplificando, há apenas três passos no tango: o passo ao lado (para a direita ou para a esquerda), o passo em frente (avançar) e o passo atrás (recuar).
Considerada como um dos mais emblemáticos elementos da cultura e do turismo argentino, essa dança surgiu à margem da elite, em verdadeiros guetos, e somente com o passar do tempo foi socialmente aceito até se transformar em um verdadeiro símbolo nacional.
O instrumento símbolo do tango, el bandoneón, veio com os imigrantes alemães no início no séc XX, e pelo seu som melancólico e, ao mesmo tempo, apaixonante pela sua vibração, até hoje é o instrumento por excelência para se tocar o tango.
Peço permissão ao Palmeira, mas a beleza do tango também está na música, cujo poder de seduzir o ouvinte é indiscutível.
Por exemplo:
Olé Guapa, foi composto por um holandês, Arie Maasland (1908-1980).
https://www.youtube.com/watch?v=qLBeSE8lbIg&ab_channel=66minister
Outro tango mavioso, espetacular é Yira, Yira (Gira, Gira), composto por Enrique Santos Discépolo (1901-1951).
https://www.youtube.com/watch?v=_6kNdzhyQGA&ab_channel=AlejandroPiccianoVideoTangoColecci%C3%B3n
Outro tango inesquecível, maravilhoso, é Volver, composto por nada mais nada menos por Gardel e Le Pera.
Diga-se de passagem, Le Pera era brasileiro, nascido em São Paulo (1900-1935), morrendo junto com Gardel no acidente aéreo em Medellin, Colômbia, em 1935.
https://www.youtube.com/watch?v=GBEYDjbrHaU&ab_channel=JuanDiegoFlorezVEVO
Por fim, Jealousy Tango, composição de Jacob Gade, dinamarquês (1879-1963).
A música é esplendorosa, arrebatadora, envolvente:
https://www.youtube.com/watch?v=Ci_B15y4c7E&ab_channel=goldentimeGarcia
Belíssimo tema escolhido, Palmeira, ainda mais para este gaúcho, acostumado desde pequeno a ouvir tangos e milongas, e começado desde cedo a apreciar essa música forte, contundente, de nustros hermanos argentinos.
Abração.
Saúde e paz.
Bendl,
ExcluirObrigado pelas palavras. Imagino o que significa para as pessoas dos pampas uma riqueza cultural que elas construíram ao longo do tempo. Algo que, da nossa gente, emergiu com a força do trabalho e do sofrimento que também forjaram a blues e o jazz na parte de cima do nosso continente americano. Obrigado também pelas suas sugestões, ótimas. Abração.
Heraldo, uma bela e bem contada história do nascimento e do crescimento de uma música que fala ao coração alegre e à alma triste de nós meridionais. Quem de nós não leva pela vida dois ou três tangos guardados lá dentro, até o dia em que talvez termine assobiando o "Adiós Muchachos" pela última vez?
ResponderExcluirUm abraço do Mano
Mano,
ExcluirUma história longa, reconheço, mas que jamais poderia ser menor. Até me surpreendi com o índice de leitura - as manifestações diretas para mim foram inúmeras e gratificantes. É uma força tremenda, o tango começa e o filme passa trazendo à imaginação cenas que nunca vimos. Foi bom ter podido contar mais uma, ainda mais sendo esta. Adiós, muchacho. Hasta la vista.
Querido Heraldo,
ResponderExcluirVocê é assim, quando se empolga vai até a outra ponta. Lembra das caravelas portuguesas, que virou outro capítulo?
De tão ligado à música só podia acabar nesse ensaio bom demais. Trouxe para nós , pobres mortais, detalhes completamente desconhecidos do tango. A história ē complexa com o tango reivindicado por muitos e recriado por outros tantos.
No seu ouvido apurado e afinado como um instrumento musical deve ser, dá para distinguir essas influências e diferenças?
Que pena, não assisti Café de Maestros, mas vou conseguir.
Libertando ē demais. Me toca sininhos de avisos de um filme já assistido e já esquecido. Quem sabe você me ajuda? É tão intenso quanto mergulhar no Mar Vermelho e esquecer de respirar.
Seu ensaio tem que ser lido mais de duas vezes de tão denso e interessante.
Gratíssima.
Até mais.
Ana,
ExcluirOra pois, ainda estou naquele mar cheio de caravelas, quanto mais se navega, mais coisa aparece. Tanto que o capítulo já foi dividido em terra, água e ar, de tanta visagem impressionante.
Fucei as rotas do tango porque elas sempre me intrigaram, eram muitas histórias fortes se misturando. Pois acredite que o ouvir e o tempo me ensinaram a entender melhor influências, sutilezas e a entrada trinfal do jazz pelo tino de Piazzolla.
"Café dos Maestros" é imperdível, para mim uma luz em qualquer tempo. É uma obra parece ter uma porta pronta para nos permitir entrar naquele mundo, naquela delicadeza reinante no filme inteiro. Não deixe de assistir, seja lá como for. Prudente, guardo meu exemplar em DVD.
"Libertango" é difícil de traduzir, sempre poderoso e novo a cada audição. Por isso, também soa atemporal, como se já tivéssemos visto, mas vamos percebendo que não vimos tudo. Como se o trabalho no estúdio de Milão, em 1974, ainda estivesse sendo feito até hoje. O tal mergulho sem ligar para respirar. Obrigado pelas palavras sempre generosas, até mais!