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20/01/2020

Borboleta míope


Aquarela - Ana Nunes








Ana Nunes

Óculos redondos
Nos olhos coloridos em asas de borboleta
Que na distância míope
Não vê o musgo delicado entre as placas do caminho
Nascido em capricho para o caminhar cego
Sem linhas e cores

A tinta da amora
Põe vermelho no bico do beijaflor
No voo furtacor
furta do açúcar da flor
do pólen em patinhas de abelha
Que bebe em porcelana fina
De tão fina partiu-se em cacos
Que misturados à cera do favo
Fizeram ouvidos moucos
Não ouvem os sinos da campainha-azul
Que sem destino e sem rumo
Entram nas fendas do caminho
E se perdem em águas turvas.

Águas de barquinho de papel
Que sem mais infância se desmancha em dobras
Brancas da roupa mal passada
E em rugas de mãos cansadas
Que tentam os óculos redondos
Nos olhos míopes
Mas já não veem as asas da borboleta.


11 comentários:

  1. Léa Mello Silva21/01/2020, 06:24

    Presente de ano novo este poema
    Muito delicado e sútil e uma aquarela linda !
    Depois fala que não é poeta ...
    Obrigada 😘

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    1. Querida Léa,
      Sempre a primeira no comentário e no meu coração.
      E lembre-se, "coração,não sangra..."
      Obrigada

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  2. Francisco Bendl21/01/2020, 09:42

    Penso com os meus botões, se a Aninha não estaria usando uma metáfora da nossa existência como borboleta?

    “Óculos redondos, olhos míopes” ... por acaso seríamos nós que pouco vemos, então nos perdemos em “águas turvas”?
    O peso da idade, as rugas de mãos cansadas, a infância que não mais existe e se desmancha em dobras ... a verdade é que estou diante de um poema de alto valor literário, pois permite inúmeras interpretações.

    Se, já dizia Neruda, a vida é uma metáfora, Aninha nos presenteou a sua versão da vida no seu ocaso em sentido figurado:
    Quando jovens, vivemos como se fosse dentro de um casulo;
    Adultos, livres, voamos as tranças para onde queremos e podemos, evidente;
    Idosos, as cores se tornam esmaecidas, opacas, a liberdade de antes não é mais a mesma, nossos passos são mais contidos e a nossa mente mais limitada, restando apenas e tão somente reminiscências de uma vida que se despede a cada dia deste mundo.

    E, Aninha, foi extraordinariamente inteligente, sutil, sensível, eu diria até mesmo brilhante quando, a cada etapa percorrida, ela denomina “novo voo furtacor”, ou seja, a necessidade que temos de mudar a nós mesmos de acordo com a experiência angariada com o tempo, inclusive nos adaptarmos às nossas próprias aparências, que também se modificam.

    Ana tem sido esplêndida ao mesclar metáforas com as suas belas poesias.
    Talvez um impulso impensado, uma forma de pensar mais dissonante, entenderiam que o recado dado pela obra da Aninha significasse que
    hoje só resta a dor, sangrando em nostalgia.
    Ledo engano.

    Quem tem saudades dos tempos de antanho é porque a sua vida foi importante; foi aproveitável; foi lucrativa, em termos de bons sentimentos, boas relações, bom casamento, filhos maravilhosos, amigos às pencas.

    Então o coração não sangra nas lembranças resgatadas, mas deixam aquele sorriso maroto no canto da boca de satisfação, de alegria, pois certos episódios da vida merecem e devem ser, volta e meia, brindados pela memória como se fossem asas de borboleta, cujo corpo não se distingue mais, a não ser a frenética atividade das asas que nos levam para mais outra etapa da vida, mais distante, sem o brilho e atividade de antes, porém muito mais consistente, poderosa, experiente e rica!

    Legal, Aninha, A Borboleta Míope, meus parabéns por mais uma postagem exuberante, assim como são as borboletas.
    Mesmo que a sua visão não seja mais a mesma, ela tem consciência que trouxe a sua beleza para ser admirada, as suas cores, seu voo furtacor, onde a cada batida de suas asas é como se víssemos um caleidoscópio de imagens e cores que se alternam permanentemente.
    Assim é a vida!

    Abração, Ana.
    Saúde, muita saúde junto aos teus amados.

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    1. Olá querido Francisco,
      Já não "me caibo em si", de tanto elogio. Isso vicia, sabe?
      Não, não resta só a dor mas também ainda não sabemos tudo. E se ainda sabemos nos adaptar, rir e ser felizes é porque, como você disse, a vida nos trouxe bons momentos, aromas e amores, que animam o presente e talvez o futuro.
      E sempre tem as borboletas leves e coloridas prá gente pegar carona num vôo saudosista e reconfortante.
      E se não adianta tentar arrumar o barquinho desmanchado, podemos fazer outros para os netos colocarem na água apressada da chuva ou na água mansa de um laguinho.
      Muito, muito obrigada,Chicão!
      Até mais.

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  3. Léa Mello Silva21/01/2020, 11:53

    Ótimo seu comentário Francisco
    Viu com olhos experientes e concordo com vc
    Depois quero comentar com a Ana
    Então coração não sangra ...
    Um abraço

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  4. Flávio José Bortolotto21/01/2020, 22:12

    Prezada Autora Sra. ANA NUNES,

    A grande Escritora e Artista Plástica Sra. ANA NUNES, com " Borboleta Míope", e correspondente linda aquarela, brinca com as palavras e estas lhe obedecem com alegria.
    A Sra. LÉA MELLO SILVA Comentou muito bem, e o Sr. FRANCISCO BENDL fez uma análise completa, e com autoridade, da Poesia. Concordo plenamente com sua interpretação.

    Os Sábios dizem que nossa Vida se assemelha a Fábula da Raposa e das Uvas.
    Havia um parreiral cercado por alta cerca de tela grossa, era época de uvas maduras e o perfume que vinha de dentro era irresistível, e a raposa deu várias voltas para achar um furo. Achou um furo pequeno que mal passava a cabeça, forçou, forçou e não passou. Disse: Já sei o que vou fazer: Um jejum. Jejuou uma semana, emagreceu muito, e passou para dentro.
    Então se pôs a comer uvas com vontade. Quando depois de um bom tempo,
    estando saciada, foi para a saída, claro, não passou. Disse: Já sei o que vou fazer: Jejum, jejuou de novo uma semana, agora com o cuidado de se esconder de uma eventual chegada do Proprietário, e quando emagreceu bem, saiu para fora. Então disse: Parreiral, parreiral, não volto mais aqui pois não vale a pena essas refeições, Jejuns, refeições, jejuns.

    Assim é nossa Vida, e quando na velhice já estamos usando óculos grossos de vidro redondos enxergando míopemente as borboletas, compreendemos que ao sair dela nada levamos, mas somente o que fizemos de Bem as Pessoas.

    Parabéns e nossas Saudações.

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    1. Olá Flávio,
      Se as minhas palavras me obedecem as suas me enternecem.
      E na velhice, com óculos de perto ou de longe não importa mais,vendo borboleta e beija-flor, vamos trocando devagarinho as uvas e os mantos com que nos cobrimos, pelo só que podemos levar, belezas e bondades.
      Gratidão.
      Até mais.

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  5. Francisco Bendl21/01/2020, 22:28

    Minha querida Léa,

    Obrigado pelo comentário.
    Tudo bem contigo?
    Saúde?
    Família?

    Abração, Léa.
    Saúde, muita saúde junto aos teus amados.

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  6. Moacir Pimentel22/01/2020, 07:10

    Caríssima Donana,
    Uma das suas lindas borboletas míopes - ou será que é uma beijaflor? - aí voando raso no centro da aquarela é prima legítima da do Alceu, aquela “pequenina e feiticeira” que "tem uma boca encarnada e um beijo e uma dentada sempre guardados pra mim"(rsrs)
    Talvez as borboletas precisem mesmo olhar de longe, tipo vista cansada, que condena os que padecem dela a ver melhor quanto mais das coisas se afastam. Somente para o que tem valor, as coisas pequenas, as minúsculas existências, as impertinências, os mistérios e afetos, as árvores de Natal, quanto mais de perto elas olham, mais veem e, de fazê-lo, percebem que sempre rolará uma brisa que fará esvoaçar e dançar as folhas mortas, pétalas desbotadas e asas partidas.
    Pelo menos no meu HD ninguém melhor do que a grande Cecília responde à altura às suas poesias pretinha e furtacor:

    “No mistério do sem-fim
    equilibra-se um planeta.
    E, no planeta, um jardim,
    e, no jardim, um canteiro;
    no canteiro uma violeta,
    e, sobre ela, o dia inteiro,
    entre o planeta e o sem-fim,
    a asa de uma borboleta”.
    //
    “Até sempre mais”

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    Respostas
    1. Olá Moacir,
      Será que também tem feiticeiro? (rsrs)
      Bom mesmo é deixar-se ir, de vez em quando,nas asas da borboleta ou no beijo doce do beija-flor, num sonho colorido de amor sem dor. Imagens míopes para depois nos deixar na "brisa mansa que apesar de tudo ainda agita e põe para dançar".
      Adoro essa poesia encantada da Cecília.
      De pé colado e verso quebrado, obrigada de coração.
      Até sempre mais

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  7. Heraldo Palmeira24/01/2020, 23:37

    Ana,
    Ah, as borboletas! Que foram crisálidas há pouco. Que pouco a pouco ganharam asas e saíram para voar. Que enchem de cores o vazio do ar, até as que só têm uma cor. As suas borboletas voando numa aquarela... Não há miopia que não possa enxergar. Para que servem óculos senão para mostrar o que não se vê? Não há citação que resolva o que resolvido está. É botar grau de mais no que já se consegue avistar. Até sempre mais!

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