fotografia Ana Nunes |
Ana Nunes
Enfiado em brilhos de madrepérola e fiapos de linha, perdido, se
equilibrando na travessa da cadeira verde. Foi quando me perdi também no tempo,
voando em bolhas douradas com toque de
carmim do Porto vestido de Papai Noel. Em perfumes e vozes seduzida.
Parei tudo. Só deixei correr o tempo. Era já hora de desatar os nós de dias atrás.
Libertar as bolinhas prata fosco da árvore de metal triangular. Lembra Torre
Eiffel, eu penso (é sempre assim, não é? Quando a gente não vai aos lugares os
lugares chegam até à gente!). Estão amarradas com fitas de cetim e barbante de
sisal como se noite dessas pudessem fugir da festa. Às vezes até que dá uma
vontade arretada... que passa logo, passa logo.
Os fios de led com guizos e estrelas e casinhas brancas onde a luz
escapa pelas janelas pequeninhas se rebelam para entrar nas caixas de acetato.
Parece que conosco engordaram nas festanças de fim de ano. Solidários e
iluminados.
Vai o José para a caixa que resiste ao tempo, séculos e crenças
atrás. Segue a Maria de azul celeste e depois o Jesus e seu bercinho rústico.
Presente singelo da sogra querida, montado depois de dezessete anos dormindo no
luto brigado e sofrido dos pais. Todos esses anos esperando pelos netos para
montar esse presépio de que não tenho forças. Mas eles estão sempre tarde.
Montei então, eu mesma, com o coração doído nas pontas dos dedos e memórias
salgadas ameaçando escorrer bochecha abaixo. Vitória do tempo contra o tempo.
Armários fechados e corpo cansado e dores adormecidas no subir e
descer de escadas. Coroas em caixas amareladas de preguiça, garrafa despida da
roupinha vermelha de gorro borlado de branco.
Tudo em seus lugares. Até a alminha resistente. (Ou deveria dizer
resiliente? A moda passa e a alma fica! Ainda bem, só tenho essa).
Copos secos e guardados, toalhas e guardanapos secando no varal.
Onde aproveito e penduro, entre pregadores de madeira, a incerteza
e a esperança do próximo ano.
Faqueiro de dias especiais com facas e garfos lado a lado na
gaveta e os pratos empilhados no escuro seguro do armário.
Parece que a casa dorme. Na penumbra, no silêncio dos tacos brilhantes do assoalho.
E uma paz ressentida de pedaços colados me invade e vou dormir em
lençóis brancos cheirando ainda a água, sabão e sol.
Feliz Ano Novo, juntos, em meio a letras e afetos.
1) Parabéns Ana por mais um texto belo e importante falando destas datas Natal, Ano Novo e hoje Dia de Reis, que a Bíblia diz: "Três Reis Magos que vieram do Oriente".
ResponderExcluir2)Estou indo a Brasília e só volto no dia 30, portanto, só voltarei a comentar em fevereiro.
3) Feliz mês de janeiro para todos (as).
Olá Antonio,
ExcluirObrigada por ter gostado.
Obrigada pelo comentário.
Boa viagem, bons passeios. Boas idéias para quando voltar em janeiro e nos dar seus posts de presente. E um mês bom para iniciarmos o ano.
Até mais.
Muito bom encontrar vc de novo por aqui prima poeta !
ResponderExcluirFinal de ano a nostalgia sempre nos pega, época de lembranças ...nem sempre alegres !
E a gente fica com o coração apertado entre saudades de um tempo que passou
O ano-novo vem nos dar esperanças ... de um novo recomeço
Muito sensível seu texto, como sempre
Um abraço a todos neste janeiro de 2020 🍷🍷
Olá Léa, prima querida,
ExcluirMuito bom encontrar você, otimista de carteirinha, nessa nostalgia de lembranças e esperanças renovadas. Como disseram nossos amigos Moacir e Chicão, é preciso um reinventar-se e um fazer de cada dia uma festa. Vida!
Um beijo.
Aninha nos agracia neste início de ano com mais um texto poético, lírico, delicioso de se ler.
ResponderExcluirAs mesmas atividades de montar a árvore de Natal, o presépio, separar os talheres para a ceia às vésperas de 25 de dezembro, as travessas, os pratos, cristais, guardanapos de linho, e que tanto entusiasmo acarretam, na hora de desmontá-los a tristeza, a nostalgia, como se fosse o rescaldo de um desabamento ou incêndio.
Mais ou menos como são os nossos dias, o nosso cotidiano que, ao nos recolhermos para descansar, desarmamos os preparativos feitos para enfrentar o trabalho, as contas, os compromissos, pagamentos de boletos, voltar a falar com o amigo que estávamos aborrecidos com ele, tirar a roupa, tomar um banho, e ter uma boa noite de sono, e com a esperança de que as dificuldades do dia que já se despede sejam menores, mais amenas amanhã.
Logo, a vida é arrumar, desarrumar, enfeitar, guardar os enfeites, armar presépios, recolocá-los depois nas mesmas caixas ... porém essa atividade é diária e não uma vez por ano, e temos de ter a mesma disposição como se cada dia fosse um Natal, uma festa, a união e o congraçamento entre a família e amigos.
Claro que nem sempre os natais são excelentes, assim como os dias, com alguns muito tristes e decepcionantes, mas temos plena consciência que é assim mesmo, faz parte, como se diz.
O importante é que passamos mais uma festa de fim de ano e com os nossos amados conosco.
A alegria, os abraços, as rolhas explodindo ao sair das garrafas de champanhe, o néctar da bebida espumante sendo sorvido com prazer, os alimentos preparados com muito amor, as refeições inesquecíveis pela união familiar ... ora bolas, por que não repetir aqueles momentos todos os dias?
O que nos impede que não continuemos com o Natal?
Se a festa significa simbolicamente o nascimento de Cristo, a cada amanhecer quer dizer que nos renovamos para aquele dia, que nascemos para enfrentar o que é bom e o que é mau, o que faz bem e o que faz mal, mas com muita devoção porque amamos e somos amados!
Um brinde a nós, que pertencemos ao Conversas do Mano, o Natal da cultura, dos bons artigos, dos ótimos relatos, e que se sucedem várias vezes ao ano!
Um brinde à vida porque ela é para nós maravilhosa, pois colecionamos realizações, aumentamos nossos conhecimentos, e mantemos uma extraordinária relação de amizades que se caracteriza pela sinceridade, desinteresses menores, sólida, vigorosa, e inabalável.
Feliz Natal para todos amanhã, quarta, quinta ... todos os dias de 2020.
E não vou tirar os enfeites natalinos da porta de entrada da casa, e pedirei à Marli que não desmonte a árvore e suas luzes que piscam como se fossem os olhos da esperança, da certeza que mais natais como este irão se repetir.
Abração, Aninha.
Parabéns pelo artigo publicado, como sempre brilhante, e demonstrando a tua importância para o blog e para teus amigos que, ao lerem mais um dos teus textos é como se fosse Natal, pois nos arrebata, nos envolve, nos une em torno das tuas palavras magistralmente bem empregadas, então nos alegramos porque vamos nos deliciar com a leitura, a ceia para a mente, o alimento para o espírito.
Saúde, muita saúde junto aos teus amados.
Olá Chicão, amigo Francisco Bendl,
ExcluirUma delícia de comentário. Não sou eu que escrevo bem, são vocês que me leem
amorosa e generosamente.
Imaginar cada manhã como um presente, arranjar saúde com o filho médico e alegria com os netos, aconchegar-se na mulher escolhida a peso e medida (mas muito cuidado que ela é ruiva!!!), e saber-se na tranquilidade da casa com aromas e sabores, desejo tudo para você.
Felizes dias de segunda a segunda. "...porque amamos e somos amados!"
Agasalhei minhas esperanças no seu comentário.
Muito, muito obrigada.
Atē muito mais.
Caríssima Donana,
ResponderExcluirConcordo que, “às vezes, até que dá uma vontade arretada de fugir, que passa logo, passa logo” (rsrs) Porque a alma é funda e a gente lembra de pretéritos leitões e perus assados e entende que além de polir os bronzes é preciso fazer soar os cristais, que é a nossa vez de amarrar e desatar e desembrulhar a vida para os que chegaram antes tarde do que nunca. Afinal os avós do futuro têm direito a ter bons bytes de memória dos Natais e Réveillons e férias de suas infâncias, certo?
Entre todas as belíssimas imagens dessa sua reflexiva viagem através das bolhas douradas do tempo e das bolinhas prata fosco da árvore sendo desmontada a que me pegou pelo pé foi a das casinhas brancas com toalhas e guardanapos secando no varal e cheirando a sol antes e depois das chegadas e partidas, dos aniversários, dos feriados, das férias e festas.
Talvez o ano fosse comprido demais se não o cumpríssemos aos pedaços, entre solstícios. Talvez a esperança fosse de menos e a incerteza demais se não rolassem os equinócios nos dando pretextos para nos reunir e abraçar e encharcar de afeto, para falar abobrinhas e rir de nós mesmos, para celebrar a vida, dada e recebida e reinventada sempre. Talvez não déssemos conta do recado se depois dos “babados”, mortos de cansaço, não experimentássemos essa sua tão humana e santa “paz ressentida de pedaços colados”(rsrs)
“Até sempre mais”
Olá Moacir,
ResponderExcluirSeu comentário me completa na lembrança de que os queridinhos da vovó serão os avós do futuro. E que fazemos hoje suas lembranças de amanhã. Não pensei nisso. E pensar agora faz tudo valer a pena. O cansaço, o fazer e desfazer das luzes, a correria dos bolos de chocolate e tortas de nozes. E os bolinhos de cenoura para
não fazer infelicidades... O choro das cebolas da bacalhoada e o calor do forno.
Me completa também no "encharcar de afeto" na celebração da vida ( quanto mais velhos ficamos mais parece celebração, não é?). Nesses equinócios e solstícios trazendo o ano em pedaços. Como diz meu Pedro, uma coisa de cada vez!
E me completa porque me fez feliz!
Obrigada sempre.
Até sempre mais.
Prezada Autora Sra. ANA NUNES,
ResponderExcluirAo desmontar o pinheirinho de Natal com Presépio no dia dos Santos Reis Magos 6/Jan, a Sra. ANA NUNES nos brinda com notável Poesia de reminiscências destas grandes Festas, Natal do Menino Jesus e Ano Novo Civil.
"Era só um botão branco" é uma linda Peça de Literatura desta Artista Plástica e Escritora de mão cheia, Sra. ANA NUNES.
Nossas Saudações.
Olá Flávio Bortolotto,
ExcluirMais uma vez um gentil comentário
Obrigada pelos elogios e por estar aqui conosco. É gratificante.
Desculpe a demora, mas andei de "perambulanças" com minhas irmãs.
Até mais.
Ana,
ResponderExcluirNa verdade, todo esse cerimonial que se faz no montar e desmontar antes e depois das festas, sempre me pareceu o toque de magia que a vida precisa para não ser triste. Talvez, por isso, haja nele tantas lembranças, tantas forças poderosas que saem e entram nas gavetas, armários e no coração da gente. Até mais.
Olá Heraldo,
ExcluirÉ verdade que é um toque de magia. Nem sempre triste nem sempre alegre.
Mas sempre vida no coração.
Muito obrigada.
Até outros mais.
Ana querida, texto lindo e tocante. Que 2020 nos traga esperanças e alegrias.
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