Ana Nunes
Porque hoje
é sábado.
Ou domingo.
Ou terça ou quinta .
Os dias se
misturam. A semana perdeu sua sequência na sequência macabra das mortes nas
notícias. Os dias se misturam porque na luz desavergonhada da manhã os barulhos
que me acordam não são mais os mesmos. E
eu nem sabia que eram eles que me me norteavam. Quase não ouço carros e ônibus.
Até os aviões largaram de lado seus barulhos nas rotas conhecidas. Ninguém
passeia seus cachorros e as crianças em casa parecem mais silenciosas. Ou
adivinham em suas cabecinhas frágeis o clima de mistério e dor.
Só a
natureza continua a mesma. Não deveria ela dar o seu tributo fúnebre fazendo o
sol vermelho e escondendo as estrelas em raios e trovões? Ou ventar os sinos em
badaladas tristes e calar as maritacas em seus voos de algazarra? Calar as
ondas em camas de areia e de verde mar? E fulgurar as montanhas diante da nossa
pequenez trágica e dolorida?
Mas todo o
resto é diferente. E eu me perco nos caminhos sabidos de cor da minha casa
porque envelheci nas imagens dos noticiários. Me pego andando sem rumo pelos
quartos antigos conhecidos. Porque as notícias se tornaram o presente e o
futuro e não consigo me afastar da tevê.
Me obrigo e
me abrigo nas aquarelas aproveitando sobras. As cores desbotadas não têm a
mesma graça nem beleza. O papel branco ficou velho e amarelado e não me convida
mais. Mas fico ali na tentativa de uma imagem mais leve e alegre.
Paro um
pouco e volto porque as notícias me esperam. E me desesperam. Entre caminhões
fechados com os pobres mortos e a imagem de morrer sozinho na cama fria de um
lugar estranho vejo criaturas dessa mesma natureza dando ordens suicidas. E são
tão enfáticas que arrebanham os homens
como o Flautista de Hamelin. Não somos mais homens, somos ratos sob o comando
mortal.
Não temos
nem caixões nem cemitérios. Onde colocar os novecentos mortos de cada dia? Em
mortalhas não escolhidas certamente. E já somos orientais, europeus, indígenas
e homens das cavernas. Neste momento somos realmente iguais, a morte nos
irmana. Porque a matéria humana se desmancha em podres, do bom e do mau.
Não existe
caixão de luxo nem velório especial, nem despedidas de queridos nem lágrimas
compartilhadas. Só dor e solidão.
E ainda
recebo dez dicas de monjas me ensinando
a ser feliz ou dez lições estéticas para não engordar. Exercícios para se fazer
em home office e mesmo em quarentena ficar em forma. Tudo ficou inútil nos meus
olhos e no meu entender. Pelo menos os cachorros abandonados sumiram do meu
iPad.
Linda foi a
imagem solitária do grande homem Francisco na praça imensa e vazia e cinza
parado diante de um Cristo de outras pestes. Solitário na sua fé e na sua dor
de muitos povos. Na sua oração sincera solidária com a dor do mundo. Sem
política, sem campanha, sem Bolsa nem pregão. Ele e seu Deus crucificado numa
silenciosa prece de esperança.
Entre
arrepios guardo essa imagem iluminada para os dias que virão.
Para acordar
em sonho triste nas manhãs mortas.
Sem palavras neste momento...procurando achar coisas boas no meio desta pandemia
ResponderExcluirVer com alegria a solidariedade das pessoa e me policiar pra não ter pessimismo
Bom ter esta comunicação virtual e poder conversar
Apesar da ausência física ...
E ter esperança na volta de um mundo melhor depois de tudo isto
Obrigada por este momento de reflexão
Com um abraço afetuoso apesar da distância
Querida Léa,
ExcluirSó podemos mesmo, no meio desse luto de corpo e alma, ter um pouco de esperança de um mundo melhor. Que esse seja o saldo!
As palavras estão ficando fracas e escassas diante de uma tragédia tão grande.
E aí, nos abraçamos á distância e fazemos de conta que estamos juntas no café das quatro. Soube que meu sobrinho neto de três anos, preso em casa, todo dia inventa uma festinha, troca atē de roupa e finge que está comendo brigadeiros. Outro dia a mãe fez mesmo o doce e a festinha foi quase real.
Um beijo para você prima querida.
Prezada Autora Sra. ANA NUNES,
ResponderExcluirSeu Artigo sobre a emergência que o Mundo vive no combate a pandemia do perigoso vírus Covid-19, mutação perigosa de outros vírus da doença Gripe, que entre outras coisas nos obriga a isolamento social, (ficar em Casa), para reduzir a velocidade de espalhamento e assim ganhar preciosíssimo tempo para Hospitais se equiparem, aumentarem leitos, etc, e para nos utilizar da experiência no tratamento que melhor deu resultado nos Países que nos precederam no pico. Também reduzimos o tempo que nos separa da preciosíssima VACINA Covid-19, que agora centenas de Laboratórios mundo a fora buscam concretizar no menor tempo possível.
Como bem explicita a Autora Sra. ANA NUNES, Poetisa de enorme sensibilidade, que mais do que Outros se comove com as perdas Humanas, com o sofrimento da Humanidade, nos ajuntemos na Oração solitária do Papa FRANCISCO solicitando as Bençãos de D'US para que a Ciência descubra logo a solução do problema.
Como bem diz nossa Colega Sra. LEA MELLO SILVA, acima, vemos com alegria a Solidariedade das Pessoas ajudando-se Umas as Outras, Os Cientistas, Pesquisadores, especialmente os Médicos e Enfermeiras que são a Infantaria do combate a perigosa doença contagiosa, nossas homenagens a Eles.
N.S. JESUS CRISTO ensinou: Bem-Aventurados os Misericordiosos, porque eles alcançarão Misericórdia, ( Mat. 5 -7), e a Poetisa Sra. ANA NUNES, neste Artigo, mostrou-se Misericordiosa.
Olá Flávio,
ExcluirViramos parte triste da História que nossos netos e seus filhos estudarão no futuro.
Enquanto isso vamos pagando um preço bem alto e bem sofrido. E tenho sabido que uma pandemia já tinha sido prevista. E os governantes não fizeram nada.
O que ainda me alegra e emociona são os pequenos, sem falar dos grandes divulgados pela mídia, atos solidários ao meu redor: os mais jovens do condomínio que se oferecem para as pequenas compras, o entregador do correio que me contou feliz ter recebido uma máscara de uma cliente, uma vez que a empresa não lhes forneceram nem álcool gel. A minha irmã que, contra todo o meu pedido para ficar em casa, trouxe para nós lindas , úteis e saborosas compras. E nem pude abraçá-la. Chorei, chorei, chorei. E nem sou disso! Uma vez começado a gente aproveita e chora por todos.
Mais uma vez obrigada por seu comentário gentil.
Até mais.
Dois artigos da Aninha, um depois do outro, certamente está deixando os leitores desse blog extraordinário muito alegres (de antemão, deixo como ideia ao Mano, que a nossa articulista tenha uma sequência de postagens ininterruptas)!
ResponderExcluirAninha, o blog abordou meses atrás o célebre Hemingway, onde uma de suas melhores obras foi Por Quem os Sinos Dobram.
Numa interpretação simplória, eu poderia dizer que os sinos dobram – como em Rolante – para anunciar a morte de alguém ou evento especial, que mereça a atenção de todos.
John Donne, inglês, foi pastor, poeta e advogado, deixou uma frase que será lembrada para sempre:
“A morte de cada homem diminui-me, porque sou parte da humanidade. Portanto, nunca procure saber por quem os sinos dobram; eles dobram por ti”.
O texto em tela, entendi como se o livro e a frase acima fossem renovados nesta crônica pungente, contundente, incisiva, onde a Aninha lamenta como ser humano a morte de tantos da mesma espécie e, de certa forma, injusta e inexplicável.
O mais doloroso é que essas milhares de vítimas até agora estão morrendo pra nos salvar!
A morte de crianças, jovens, adultos e, preferencialmente, idosos, obrigaram os cientistas, pesquisadores, a encontrar urgente alguma vacina ou medicamento que consiga debelar o vírus. Desenvolvido ou descoberto um tratamento adequado, a humanidade estará a salva de mais uma doença grave, que volta e meia nos rouba milhões de pessoas.
(continua)
Nada mais autêntico e legítimo, justo e correto, o artigo postado. O seu título é tão apropriado ao momento atual, que as manhãs surgem trazendo centenas de óbitos no Brasil e no mundo, solicitando que a nossa escritora e poetisa nos apresentasse outra obra de fôlego, densa, pelo fato de abordar a tragédia atual, que está alterando a vida das pessoas.
ResponderExcluirE, conforme Aninha escreveu, a vida vai perdendo o seu sentido, apresentando-nos novas maneiras de seguir adiante, carregando no coração essa dor pelas perdas de pessoas que seus familiares e amigos choram copiosamente.
O que antes aceitávamos e entendíamos como belo, tornou-se corriqueiro;
O brilho de antes agora está opaco;
A alegria encontra-se contida;
A expectativa de sobrevivermos a esta praga é preocupante;
Mas, a dor, o sofrimento, a nostalgia, a irresignação, mostram-se escancaradamente na distância que temos de manter dos filhos e netos!
O vírus roubou do idoso – a sua preferência – a sua felicidade, antes que ele desapareça dessa vida;
Extraiu dos avós, e com violência, o vínculo poderoso que nos mantinha viver com muita gana e por muito tempo, para que acompanhássemos a realização de nossos filhos, o crescimento de nossos netos, poder abraçá-los, beijá-los, ouvir-lhes as vozes vibrantes e permanentemente pedindo por alguma coisa:
- Vóóóó, ô vóóóó, quero um sanduíche e um suco! Eu te amo, vó.
Ou, então:
- Vôôô, o vôôô, tá surdo? Me dá o teu celular e liga o computador para “pesquisarmos” – que significa ver os lançamentos da LEGO, o terror das noras!
Que saudade, confesso.
Se a jornada final do idoso é marcada pelas dores físicas, limitações, visão pequena, caminhar claudicante, gestos lentos, lembranças não mais confiáveis, pernas bambas e fracas, a força de antes desapareceu e no seu lugar os gemidos, o que mais nos faz sofrer é a falta das crianças, de suas correrias pela casa, agitação, pedidos intermitentes, baderna, mexendo com a cachorrinha Lili, atazanando a vida dos gatos Lindoso, Amon e Mona, e querendo que a vó os acompanhe à padaria para tomar um café especial (na verdade, percebemos que a insistência não era ir à padaria, porém na loja ao lado, um bazar, onde os olhinhos brilhavam como se fossem faróis de motos)!
Que falta desses momentos encantadores e enternecedores;
Que falta de viver;
Quanta dor que sentimos em saber que estão todos bem, mas não podemos abraçá-los e beijá-los;
Como dói a ausência de nossos amados.
Brilhante texto, Aninha.
Solidário, amargurado, triste, como não poderia deixar de ser.
Ainda bem que existe o Conversas do Mano, que nos possibilita ler postagens significativas, além de nos colocar em contato nesses tempos de solidão, que, espero, não sejam cem anos, mediante o que escreveu um famoso escritor colombiano.
Querido Chicão FBendl,
ExcluirVocê não sabe como seu belo comentário me fez feliz. Até porque achei que tinha se esquecido de mim. Imagine só!
Não dá para fazer mini série dos meus escritos. Não sou escritora, sou rabisqueira de sentimentos. Ainda bem que vocês se agradam deles. Ou estão me enganando?
Mulher do sr. Editor, sabe? (rsrs)
Gostaria mesmo é de escrever como o José Agulhô e o Marcílio Godoi que aparecem no meu iPad colado de durex. O Agulhô quando fala de netos...que maravilha! Como fico encantada com vocês, cada um com seu estilo e seus temas . E vou aos poucos desenhando o perfil de cada um. A cada dia. Porque agora é um dia de cada vez.
Sim, esse foi um texto doído, desesperançado, triste, de acordo com nossos dias atuais. Para compensar o anterior que me deixou incomodada de publicar. Espero ter me redimido.
Obrigada de coração.
Até mais.
1) De uma forma ou de outra, estamos todos atônitos. Ninguém poderia prever, nem imaginar que um vírus faria tanto estrago, como está fazendo.
ResponderExcluir2) E Ana foi muito feliz em suas reflexões bem realistas, concordo plenamente.
3) Força para todos nós seguirmos adiante.
Olá Antonio Budista,
ExcluirÉ triste dizer mas acho que alguns sabiam que uma epidemia estava prevista. Como o mago Bill Gates alertou. Entre outros. E quem podia não fez nada. Triste, triste.
Muito obrigada pelo comentário. Foi bom saber que você concordou comigo.
Muita força para todos nós e muita oração para quem, privilegiado, está nesse mundo do crer! Como você sabe, sou "sou homem de pouca fé".
Atē mais.
Ana,
ResponderExcluirEstamos todos meio sem sentido, como ficou a vida. Há um desenho do inútil como sendo a imagem definitiva e onipresente. Nas janelas, nas telas, nos varais, nos pontos cardeais.
O que será? Quem sabe o que foi? Sequer sabemos o que é! Talvez a revelação de que tínhamos uma vida besta cheia de enfeites. Que estão guardados na garagem, no armário, em cofres e contas bancárias, instalados pela casa... Tanto que a natureza está lá do mesmo jeito, passando seus dias sem qualquer mudança. Nós é que teremos de acertar o passo enquanto dá tempo. Até mais.