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24/01/2019

Conversas íntimas


Henri Matisse - Nu Rose (1935) - alterado por Ana Nunes




Ana Nunes
Roupas penduradas no varal.
Acho lindo. Já desenhei e aquarelei muitos varais. E encantei-me com um a caminho de serras, terra vermelha, casinha outrora branca e o varal com roupas coloridas nessa imensidão de mundo.
Tudo muito lindo, poético, tipo “alma funda”, de que fala o amigo.

E aí toca o varal comum. De apartamentos próximos, áreas de serviço um pouco devassadas. É preciso pudor! Muito pudor. Roupas íntimas em cantos reca(n)tados. Pensa no vizinho vendo uma calcinha vermelha pendurada sem vergonha na reta branca do varal suspenso... trágico!
E de repente me deparo com um sutiã pendurado sozinho num canto do varal, comum, triste, sem rendas nem fitas, nem preto nem prata. Bege! Como aquela velha piada, “Bege, vou pintar de bege”, o teto!

E não sei porque, porque o pensamento tem causas que nem Freud explica, a razão tem razões de que nem sabe, pensei num troféu. Um troféu nem triste nem alegre. Melancólico. Um troféu de vida. Que veio mudando no correr da vida útil. Da dona, lógico.
Foi de algodão branco ou rosa, “o primeiro sutiã a gente nunca esquece”. Aqueceu seios botões adolescentes, pequenos anúncios de uns seios mais redondos, mais cheios, mais ambiciosos. Para esses vieram os sutiãs de bojo, os wonderbra, pop up, que elevam os seios às alturas. E que sempre me lembram capacetes de aviadores de guerras passadas. Aqueles com os protetores de ouvido. E que, mesmo debaixo de roupas pesadas, fazem o homem sonhar com o desconhecido! Esses são Darlings pretos, Victoria Secrets importados, Intimissimis prateados, combinados com calcinhas mais que audazes. Trazem alças móveis para concordar com o vestido, ou são cruzadas estilo nadador, e outros modelos para decotes profundos.

É um ápice. Os seios que chegam ao auge pedem sutiãs compatíveis. E dá-lhe ouro, incenso e mirra na forma de rendas e fitas e brilhos. Nem precisava de tanto para a desejada sedução. Seduzem eles, os seios, pelo próprio projeto arquitetônico, empinados e oferecidos, vestidos em pele de pêssego. Nem Niemeyer seria capaz de tais curvas impensáveis e perfeitas.

Mas a vida continua, o tempo é implacável, a força gravitacional imperdoável megera!
Dizia um amigo francês que as mulheres, quando fazem plástica de seios, deviam colocá-los nas alturas das bochechas por dois motivos: quando cumprimentadas com dois beijinhos poderiam ter os seios beijados no lugar das bochechas e, com o tempo, eles estariam nos devidos lugares. Pode, conhecer um francês para ouvir isso? Bem safado ele!
E eles, os seios bem amados e já maduros amaciam um pouco e fazem umas curvas doces, suaves e mais bonitas. Encantadoras! Não gritam, sussurram! Sem atrevimento adoram mãos em concha num capricho delicado.
Por mais um tempo.

E os sutiãs vão mudando com a dona desses seios. Que agora quer mais conforto. E mais exigente, quer sedução por ela mesma. Sem a necessidade de truques disfarçados em fitas e rendas. Mais segura, mais sedutora, mais direta. Muito mais seletiva.

Esse sutiã de história longa e duvidosa, já foi brassière para os franceses, simples bra para os ingleses e, porque não, porta-seios para os portugueses. São wonderbra, viraram adesivos. E agora, de longe, vem notícia francesa de sutiã em spray de proteína. Será mesmo?

De qualquer modo são roupas íntimas. São troféus. Como as fraldas e as calcinhas e as cuecas. Cuecas essas que também acompanham a história de seus donos. Primeiro são cuequinhas de algodão de Batman ou SuperHomem (Tomara!), depois fantasias eróticas de seda em samba canção, em lycra atualizada macia ao toque e às carícias, boxer, ciclista ou cavadas, e com costuras invisíveis para maior conforto! Envolvendo bundinhas tesudas, mira secreta de muitas mulheres. Ou deixando entrever volumes cobiçados.

Elas vieram com os homens das cavernas. E sei consternada que, mesmo assim, tem cuecas ausentes  que não fazem parte  das gavetas. Serão homens mais práticos, prontos para o embate? Ou mais Sugismundos?
Não sei, meu conhecimento não é tão plural.

Ganharam seu nome de uma palavrinha pequena e feia, de baixo calão, origem latina culus e do grego, eca que significa domicílio. Achei romântico, para mim agora serão para sempre domicílio! Domicílio das joias da coroa.
Elas também, como os sutiãs, vão tomando, com o tempo e a gravidade, um ar mais confortável, elásticos mais macios, cores mais neutras. Apesar de aparecem umas em estampado super colorido de flores e caveirinhas. Sensacional! Devem tentar os velhinhos em formação! Que antes não admitiam ter essas vaidades. E, com certeza, essas cuecas fashion divertem as velhinhas desses velhos! Tudo em formação, velhinhos, velhinhas e cuecas fashion.
E assim vão acomodando traseiros mais chapados e volumes mais tímidos. Uma gordurinha aqui e ali. E fazendo estórias de época e de uso. E de donos.
Certamente são também troféus de vida tomando ares de bandeira ao vento nos varais.
Roupas íntimas!
Quem diria!

9 comentários:

  1. Lea Mello Silva25/01/2019, 08:44

    Ana
    Vc surpreende e gosta de ver a reação
    Divertida esta prima e sútil nas entrelinhas !!
    Me diverti muito e vou saber pessoalmente destas histórias íntimas
    Bom dia com um baita sorriso 😄

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    1. Danadinha você.
      Como descobriu que gosto de testar, ver reações? De vez em quando me estrepo!
      Um beijo.

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  2. Francisco Bendl25/01/2019, 10:25

    O título da crônica em pauta, de autoria da Ana, engana (sim, isso mesmo).

    Não houve conversa íntima, mas um texto sensual, sofisticado, diante do que relata sobre as indefectíveis roupas de baixo!

    E, Ana disserta com muita naturalidade quando essas indumentárias são expostas, escancarando para os estranhos a intimidade, os cuidados com as peças que se usa em contato direto com as partes pudendas, e que devem ser preservadas de olhares maliciosos e imaginativos, principalmente quando sem maiores encantos ou furadas onde não deviam!

    No entanto, foi tão feliz ao escrever este texto, que pode ser usado como uma espécie de fetiche, principalmente para aqueles que sonham com mulheres vestidas de lingeries e cintas-ligas ou, então, somente de calcinhas, enaltecendo as suas curvas provocantes e encantos minimamente protegidos por um minúsculo vestuário, que leva o homem a imaginar os porquês de uma riqueza tão esplêndida sendo tão frágil e sensualmente oculta - sabe-se lá se não é por isso mesmo!

    Certamente são esses cuidados despreocupados que deixam os homens atordoados quando a mulher cruza as pernas, e se percebe a cor da vestimenta que mais nos acirra os desejos, que mais nos faz a libido funcionar, e que deixa o homem disposto a fazer guerras para ter a mulher de seus sonhos, Helena e Cleópatra que o digam.

    Portanto, estamos diante de uma Ana que nos mostra a sua qualidade em também abordar o tema que nos causa mais atenção, que nos faz ler e reler o que escreveu, pois uma obra escrita por uma mulher sensível, sábia, que conhece profundamente a psique feminina, e sabe através do seu esposo as reações masculinas quando percebem no varal as roupas íntimas da mulher, uma pedaço de pano, que não vem ao caso se delicado ou não, tecido nobre ou rude, porém nos remete para os mais recônditos pensamentos sobre a mulher que usa aquela calcinha exposta!

    Como será a musa daquela peça de roupa tão incomparavelmente sensual?
    Os devaneios tomam conta da nossa imaginação neste particular, ainda mais quando queremos ser aquele que pode tirá-la do corpo que a veste, e se deparar com a maior felicidade do homem, que o move nos confrontos, no dia a dia, em ser alguém, em ganhar dinheiro, e merecer a mulher que usa as peças mais enternecedoras e sensuais já produzidas na história da humanidade!!!

    Bela crônica, Ana, adequada para os dias de hoje, onde a violência contra a mulher extrapola a razão pela qual o homem existe, que beira à insanidade, à crueldade, à brutalidade jamais registrada neste longo caminho que percorremos em busca do desenvolvimento mental, e não só científico e tecnológico.

    Parabéns pela escolha do tema, digno de mulheres com as tuas qualidades, de coragem, independência, inteligência, sensibilidade, moderna, sempre atual e profundamente conhecedora tanto dela própria quanto do homem, pois teus filhos e marido são por ti muito mais conhecidos que eles sabem sobre si mesmos, pois nascemos do ventre feminino, de onde até o Filho de Deus precisou do corpo da mulher para vir a este mundo!

    Um grande e forte abraço, respeitoso, como sempre.
    Saúde e paz, extensivo aos teus amados.




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    1. Olá sempre amigo exagerado Francisco dos Pampas,
      Entre tragédias e lutos vou falando de coisas fúteis e talvez divertidas. Entre tragédias e lutos a gente vai de sutiãs e curvas provocantes.
      Esses " cuidados preocupados" como você diz, levam a esse embate físico com o desnudar -se para alguém, homem ou mulher. Ou a imagina-lo, como,seria e caso proibitivo. Tudo bem!
      Não renho tantas qualidades como você acha. Mas estou cada vez mais atentada. Velhinha encapetada aos 69 e atentada aos 70. Já estou em pleno treinamento! Não sei como estarei nos 71. Deixo o tempo me dizer...
      Obrigadíssima pelo comentário. Exagerado! Exagerado!
      Até muito mais.
      Por falar nisso quando você aparece?

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  3. Moacir Pimentel26/01/2019, 10:30

    Caríssima Donana,
    A senhora me lembrou de um amigo nosso português casado com uma brasileira: o pá jura de pés juntos que se apaixonou antes de conhecer a moça, no momento em que bateu os olhos em uma calcinha dela pendurada no varal (rsrs) Pois é: menos é mais! (rsrs)
    Desde que o mundo é mundo estamos mais interessados em remover as roupas íntimas das senhoras: sim, vale o que está por baixo, "seduzem eles, os seios, pelo próprio projeto arquitetônico, vestidos em pele de pêssego". Ou seja, uma roupa sexy é aquela que nos faz IMAGINAR sua dona sem ela.
    Talvez por essa razão apreciemos tanto as transparências, mas o clima não esquenta apenas quando elas se vestem para matar e usam seda negra e salto fino. Sim, tem o capítulo das tiras de renda, ais e uis e fogos de artifício, mas também são boas as noites tranquilas, descalços em casa, bebendo cerveja, ela com um pijama “fofo” e de cabelos molhados com cheiro de shampoo e creme rinse. Não é a roupa é a mulher!
    Penso que as damas devam usar o que as faz se sentir bem, o que acham confortável - tanga, fio dental, “wonderbra” etc - sem estresse ou drama. Uma calcinha branca e simples é mais do que suficiente para animar a festa sobre um corpo de pele bronzeada.
    Só faço uma ressalva no seu divertido post: ficou faltando um varal SEM soutiens porque muitas mulheres da nossa geração jogaram os seus na fogueira. Antigamente era tão bom ver seios livres em movimento debaixo das roupas (rsrs) Eles dançavam ao menor dos gestos enquanto suas donas se moviam em protesto pelo mundo (rsrs)
    "Até sempre mais"

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    1. Olá Moacir,
      Estou aqui bebericando um drink muito bom: vinho do porto, gim de excelente qualidade, água tônica e muito gelo. Aprendi recente e já ponho em prática. Não só porque happy hour corre solto no Japão ( desculpa que uso com o sr. redator, bicho bom!) mas porque ele censurou minha bandeira verde e preta pós texto, nem uma faixa de luto nem tirá-lo do ar. Porque esse texto ficou sem sentido com toda essa tragēdia. Quatrocentas vidas perdidas, quatrocentas famílias de luto. E eu bobinha falando de roupa íntima...desmiolada!
      Mas seu comentário me fez feliz. Penso muitas coisas como você. E não coloquei varais sem sutiãs porque tenho alminha de esquerda feminista e tento me policiar.
      Mas apesar de ser mulher que prefere homem, que artista gosta do belo ( não importa onde nem quando nem quem) tambēm acho lindo o movimento livre das mulheres em movimento. Lógico que existe a idade hábil. Não seria eu a desafiá-la!
      Amiga minha, viúva, fez plástica. Disse a ela para de vez m quando deixar as "maminhas ao léu". Mas ela é sensata e ajuizada! Que pena!
      E o fato do pá seu amigo ter se apaixonado pela dona da calcinha justifica um pouco manter o texto.
      Mais uma vez gratíssima. E retorno ao drink!
      Até sempre mais.



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    2. Em tempo,
      Vocé não achou que a rosa do Matisse ficou bem de sutiã? Me diverti à beça!
      Até.

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    3. Moacir Pimentel27/01/2019, 19:05

      Caríssima Donana,
      Passo por aqui só para pedir-lhe desculpas: por bons motivos ontem eu só tive praí uns quinze minutos para ler o seu post e comentá-lo. Confesso que perdi a piada. Reconheci o Matisse e, depois de ler o texto, me perguntei porque não tinha sido ilustrado com uma das suas tantas artes. Realmente o “wonderbra” de sua autoria me passou batido assim como o “alma funda, de que fala o amigo” (rsrs)
      Apesar da correria eu me diverti e ri alto com os “capacetes de aviadores de guerras passadas com os protetores de ouvido”, “os seios nas alturas das bochechas para serem cumprimentados com dois beijinhos”, “o sutiã em spray de proteína”, e as cullus + ecas greco-romanas “guardando as joias da coroa” (rsrs)
      Não lamente o texto nessa hora escura. O que seria de nós que estamos vivos sem o riso? Pela sua inteligência e senso de humor, pela vida e a graça das suas pretinhas , obrigado!
      “Até sempre mais”

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  4. Heraldo Palmeira28/01/2019, 22:09

    Ana,
    Ah!, as roupas íntimas, que vestem nossa imaginação! Até mais.

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