Ana Nunes
Os fios de led tão delicados e festivos foram desligados. As
pilhas não esgotadas à deriva aparecem em lugares estranhos. Multiplicaram-se?
Ou foi a vontade dissimulada de vê-las mais um pouco nas luzes da pequena
árvore de metal cinza?
As casinhas brancas tão lindas que acesas me levaram aos morros
tristes da cidade, que nesta época de festas cintilam como árvores gigantes de
luzes, sombras e misérias escondidas. As casinhas brancas voltaram para a caixa
como bonecas de infância choradas no desuso. Já não servem mais. Porque a
infância já se foi há muito. E o que sobrou dela mal dá para o gasto, para os
sorrisos rotos, o carinho já saudoso e as brincadeiras desgastadas.
Os guizos prata escuros desamarrados dessa árvore emendaram os
barbantes de sisal e confundiram minhas mãos. Estão atadas nessa despedida
melancólica? Gasto nesse desamarro um tempo que sobeja. Enquanto penso e meio
que me despeço. Não só esses enfeites são postos de lado mas as dores da
saudade voltam para a urna de mármore para que eu viva mais um ano e me alegre
e me construa mais um pouco e faça novas idades e novos amigos.
Muito úteis essas fitas sobradas dos presentes. Ataram de vermelho
minhas casinhas brancas e guizos se deixaram ficar nos laços de cetim verde
claro. A fita azul aprisionou o fio iluminado das estrelas vazadas e gorduchas.
As caixas e os papéis coloridos do vestido novo, dos livros ainda
desconhecidos, construídos na junção de palavras tão antigas como as estrelas,
e dos vinhos saboreados em mesa enfeitada com arvorezinhas de luz escapada dos miolos
acesos em led das camélias brancas (led, led, led. Que maravilha!) perderam seu
sentido e já se deixaram no lixo da festa.
Psiu! Silêncio. Porque a coroa de flores e folhas secas feita há
tempos para a mãe querida já dorme na sua caixa velha de papelão surrado. A
mesma de todos esses anos. Lágrimas secas não escorridas se misturaram ao pó
dos amassados da caixa velha. E a coroa de cerâmica escondeu sua flores duras
em vermelho terra nas folhas de plástico bolha que estalam na tristeza do
guardar.
Subo na escada. E lá no alto bem alto guardo esses tesouros brilhantes
de luz. Lá no alto onde estão os sonhos e as esperanças. Todos juntos numa
ilusão grotesca porque estão juntos em pacotes separados. Assim, assim como eu,
inteira aos pedaços.
Queria menos presentes. Amor já tenho de sobra. Mas sei que eles
são frutos da querência de me fazer alegre e de me saber amada. Mas nessa
serenidade sábia que só o tempo confere já sei disso. E sou grata!
E nessa gratidão enorme me perco nas lembranças recentes das
panelas e dos aromas. De frutas secas que perfumaram como as terras secas do
oriente porque hoje é Dia de Reis, do cominho borbulhando no azeite quente
porque ontem foi dia de ceia. Os cheiros atravessando a casa e dando as boas
vindas nas promessas do que viria.
E das risadas e dos brindes onde me alegrei com o mirtilo no fundo
do espumante bem gelado. E não é que é muito bom? Tinha também amoras nas taças
com tilim de toque.
E nessa riqueza de detalhes lembranças penso de novo na miséria do
em volta. E fico para sempre triste.
Mentira! Nada é para sempre, nem o bom nem o ruim! Então, ainda
com o travo doce amargo do aspartame no céu da boca (já disse isso...) passo
perfume presente novo Chanel Mademoiselle Coco, direto de Paris para os meus
deleites! Calço meus tênis amarelos confortáveis e me enfio nas calças
camufladas, guardo as dores da alma e do corpo, espreito a chuva do começo do
ano e me preparo para, se tiver sorte, fazer tudo de novo daqui a um ano.
Feliz Ano Novo para os meus amigos! Incenso, ouro e mirra como
sinais bons do meu carinho.
Ainda deitada na minha cama recebo está crônica delicada e me envolvo em lembranças
ResponderExcluirE encontro a sabedoria da idade que sabe ver com clareza e saudade
E a esperança que renasce todo dia felizmente
Agradeço estes momentos que me encantam
E desejo a todos um um feliz ano novo
Olá Léa querida,
ExcluirSeu comentário é poesia. Que te acompanha sempre!
Um beijo.
Depois da esfrega que levei na semana passada, onde o meu ano novo seria interrompido em definitivo no seu início, em casa e já restabelecido parcialmente, me defronto com esse texto muito interessante da nossa querida amiga Aninha, que aborda a costumeira árvore de Natal ser desmanchada a cada ano que passa, com os mesmos enfeites e imagens por anos a fio nas suas montagens, porém trazendo sempre a esperança de dias melhores, de mais alegrias, realizações, e mais experiência ou idade - escolham o melhor!
ResponderExcluirAo guardar essas relíquias para o novo período, elas dão a entender que teremos surpresas, algumas boas, outras nem tanto, raras serão ruins.
Que ao serem retiradas para que comemoremos mais uma passagem de ano, talvez a nossa disposição, ânimo, vontade e determinação não sejam mais as mesmas, menos o encanto, a alegria de montar mais uma árvore de Natal, que será guardada e desmanchada no Dia de Reis, e com mais nostalgia, mais cuidados, com menos movimentos bruscos, menos atabalhoamento, menos pressa!
E, lembrar, a cada objeto devidamente embalado e encaixotado, os bons momentos que tivemos.
O amor que temos e que recebemos;
A família que sempre deverá ser unida;
As amizades duradouras e leais;
O que mais nos alegrou e menos nos deixou animados;
As perdas irreparáveis e inevitáveis - cada enfeite com o seu brilho e cor representa a lembrança de sinais de Led, fracos ou fortes não importam, trata-se de jamais serem esquecidos e que deveremos ter ternura pelo que embelezaram as noites de Natal e Ano Novo, e na presença de nossos amados.
Evidente que desejo a todos e, em especial, a esta fraternidade, a este grupo de amigos, que se comunica através de postagens e comentários, sem que seus participantes se conheçam sequer pessoalmente.
No entanto, o meu abraço enorme, forte, fraterno, carinhoso, à escritora deste belo artigo e seu marido, o nosso Wilson, simplesmente o agente que nos trouxe tantas emoções ao longo do ano passado com o seu Conversas do Mano, e que muito nos impulsionou para seguirmos em frente e com mais disposição!
Pois, aproveitando as palavras mágicas da Aninha, digo que guardo meticulosamente com carinho, com belíssimas lembranças, o que o blog publicou, pois certamente teremos para este Novo Ano a repetição de crônicas maravilhosas, artigos memoráveis, e seguiremos nos cumprimentando e desejando sempre o melhor, cada vez mais alegrias, felicidades, realizações pessoais e profissionais, e sermos testemunhas de nossas famílias viverem cada vez melhor, assim como nossos diletos amigos.
Feliz 2.019 para todos, indistintamente.
Saúde e paz.
Salve Francisco amigo!
ExcluirA vida é mais corrida hoje. Só vi que 2018 terminava quando começou a muvuca do Natal.
Mas se nessa correria toda a gente para no silêncio e quietude do pensar vemos,ou deveríamos, gratidão imensa. Pelos queridos, pelos amigos, pelo fazer, pelos livros e pela música, pela água gelada no copo comprido. Por tudo. Por estarmos vivos para fruir. E fruir cada momento porque isso é Vida!
E assim estaremos juntos mais um ano. Dividindo generosamente nossas estórias, nossas experiências e nosso sentir, as viagens e o conhecimento. E vai ser muito bom. Aposto!
Vamos juntos?
1)Ontem foi Dia de Reis, como bem falou o artigo da Ana, por um lado me pareceu triste, por outro realista e por fim, otimista. Contemplou as três fases.
ResponderExcluir2)Hoje, 07/01/19, é Dia do Leitor. Agradeço a todos que escrevem. lêem e comentam neste belo blog.
3)Feliz Ano do Porco ou do Javali. Saúdes e boas realizações para todos (as).
Olá Antonio,
ExcluirVocê acompanhou todo o processo que passei no desmontar dos objetos afetos do Natal. Tristeza, realidade e depois otimismo.
Não somos todos assim? Um pouco de tudo nessa massa forte e flexível de que somos feitos?
Até muitas vezes mais no caminhar desse novo ano.
Prezada Autora Sra. ANA NUNES,
ResponderExcluirA brilhante Poetisa e Escritora, Sra. ANA NUNES, nos presenteia com essa bonita crônica do desmonte e guarda dos enfeites da árvore de Natal/Presépio, tradicionalmente executado no final do dia dos Santos Reis, 6 Jan.
Quantas lembranças, que essa rica época histórica (Natal de N.S. JESUS CRISTO ), nos traz a mente.
Ouro, incenso e mirra, com um excelente Ano Novo, para a Autora, sua Família, e Todos(as) Leitores/Escritores desse ótimo "Conversas do Mano".
Olá Flavio,
ExcluirOuro, incenso e mirra...não sei se pelas históricas estórias aprendidas desde cedo, se por eles próprios, mas acho encantadores esses presentes. Eles me trazem perfume de terra distante e a delicadeza de escolher e presentear.
Como são nossas conversas por aqui, os comentários delicados e dados nessa nossa troca tão generosa!
Pois que ouro, incenso e mirra nos acompanhem pelo ano afora!
Até mais.
Caríssima Donana,
ResponderExcluirDizer o quê depois de um post tão pungente, de toda essa poesia, dessa “tristeza do guardar” misturada com esperanças em pacotes separados, inteiras aos pedaços? Não sei. Sim, hoje em volta das nossas árvores de Natal estão faltando muitos mas e os olhos encantados dos recém chegados? A nossa responsabilidade imediata é com os sonhos dos netinhos(rsrs)
Desconfio que é da natureza dos artistas – e a senhora pertence à estirpe! - abrir portas e convidar o novo para se chegar. Deve ser mais fácil para quem cria perceber que viver é encarar o desconhecido a cada passo, é abraçar o que precisamos encontrar e que encontrá-lo é perder pedaços da gente, em escolhas conscientes, em rendições escolhidas na geografia cotidiana. Se perder nossos pedaços é inevitável então a questão passa a ser como perdê-los melhor, certo?
Note que o verbo perder tem dois significados distintos. Perder é o familiar desaparecendo, são as pessoas e as coisas amadas sumindo da nossa visão ou posse: nossos pais, amores, amigos, as velhas casa e árvore de Natal. Mas esse perder também é o desconhecido aparecendo para se fazer familiar.Imagine-se fluindo através do tempo jogando fora chaves, endereços, números de telefones, livros, caixas e garrafa vazias, o lixo da festa. É essa a visão que temos se sentamos no trem voltados para trás. Porém se sentamos voltados para o norte e olhamos para a frente a coisa muda: avistamos momentos de chegada e realização, de descoberta e aprendizado e vida nova impulsionando o mundo.
Concordo com a senhora: é claro que esquecer o passado é perder o sentido das perdas, a memória de uma riqueza ausente e um conjunto de pistas para navegar melhor o presente. O segredo não é esquecer mas deixar ir e, mais ricos em perdas, cuidar dos futuros quixotinhos, manter bonitos os rituais, guardar amorosamente os souvenirs e seguir em frente.
“O presente é tão grande, não nos afastemos. Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.”
"Até sempre mais"
Olá Moacir,
ExcluirTrazendo pretinhas delicadas d'além mar!
Ah! Esses quixotinhos! São luzes acesas todo o ano, toda a vida! Acho que são eles a cola mágica que junta os pedaços.
Como seu comentário feito de pedaços de poesia colados em linhas pretinhas de vida.
Vou andar de frente nesse trem, vou cada vez mais acolher o novo. Na vida, na casa, no meu fazer e no meu abraço. E se houver trincas como na queima da cerâmica vou rejuntar com cola mágica, com caquinhos coloridos de mosaico, com o que tiver à mão.
Adorei as "rendições escolhidas". Sem o saber ou planejar é um pouco isso que fazemos,não é? Caso contrário os pedaços não fariam sentido. Não seriam tão sentidos!
De mãos dadas, cheias de pretinhas generosas, até sempre mais.