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28/04/2019

O final de um sonho

imagem Columbia Pictures Corporation




Moacir Pimentel
O fato é que a bulimia literária entre a Helene e o seu “Frankie” preencheu as privações diárias na Inglaterra sob racionamento e trouxe para a roda os demais funcionários do livreiro, para os quais Helene se tornara gradualmente a amiga “misteriosa” da América. O certo é que nos primeiros anos da correspondência ela jamais deixou de enviar alimentos para seus amigos lá no número 84 da Rua Charing Cross.
A direção do filme dá um show de bola ao transformar essa presença distante de Helene em um símbolo da modernidade, confrontando, por exemplo, o seu estilo de vida independente ao da secretária que fazia chá para a equipe da livraria e, principalmente, a abertura da mente da escritora versus a simplicidade da de Nora, a esposa que Frank amava mas com quem dificilmente teria condições de fazer “literatura” a quatro mãos.
Também funcionou intercalar as passagens livrescas mais eruditas com trocas em terrenos mais triviais e ilustrativos das diferenças culturais: por exemplo, quando Helene exalta os méritos da equipe de beisebol dos Dodgers que disputam a Liga Mundial, Frank responde demonstrando o seu afeto pelo seu time de futebol, o Tottenham.
Em 1953, Cecily diz a Helene para esquecer os pacotes de mantimentos pois o racionamento tivera fim:
 “Agora tudo está disponível nas lojas até mesmo as benditas meias de nylon.”
E, em seguida, aconselha a americana a economizar para uma viagem a Londres. Helene acompanha a aquisição do primeiro carro de Frank e Nora e lhes escreve que teve que comprar “um novo apartamento de verdade com móveis de verdade e carpetes de parede a parede”, embora isso signifique adiar, mais uma vez, sua viagem para Londres.
Mas as cartas retornam sempre à velha e boa conversa literária. Depois de comprar por seis dólares e de receber a primeira edição do livro Ideia de uma Universidade, de John Henry Newman, Helene escreveu:
O Newman chegou há quase uma semana atrás e só agora estou começando a me recuperar. Eu me sinto vagamente culpada por possui-lo. Todo esse couro brilhante e lindas letras douradas pertencem a uma biblioteca de painéis de pinho de uma casa de campo inglesa. Ele quer ser lido perto do fogo na confortável poltrona de couro de um cavalheiro - não em um sofá de segunda mão em um quarto-e-sala”.
Apesar das dificuldades, de viver empobrecida mais da metade de sua vida, do livreiro constantemente a consolá-la quando estava desempregada, Helene jamais desistiu da carreira de roteirista e nunca se mostrou deprimida, muito ao contrário. Ainda ficava toda animada toda vez que começava um novo roteiro que para ela significava que estava novamente um passo mais perto de seu sonho de infância: viver de escrever o que lhe dava na telha. Isso é expresso, com fervorosa emoção, em uma de suas cartas para Frank, datada de 1959:
“Escrevo-lhe para dizer que tenho trabalho. Eu ganhei! Ganhei um adiantamento mais do que o suficiente para eu me manter por um ano, enquanto escrevo as dramatizações da História Americana!”
O adiantamento de cinco mil dólares da CBS significava que ela sobreviveria por mais algum tempo, feliz da vidinha dela. Ela diz ao amigo que seu primeiro roteiro versará sobre Nova York sob os sete anos de ocupação britânica:
“Eu me maravilho de como eu sou amigável e indulgente, mesmo que o comportamento de vocês por aqui, de 1776 a 1783, tenha sido simplesmente imundo”.
No começo de 1960, Helene foi forçada a vigiar suas finanças mais de perto. Quando a moça avisou que não tinha mais dinheiro para comprar livros, Frank insistiu em enviar-lhe seis volumes fiado garantindo-lhe que “seu crédito sempre será bom com a Marks & Co.”
“FECHADO!”
É bonito acompanhar essa amizade se fortalecendo, alimentada pela capacidade que os personagens têm de rir de si mesmos e de nos divertir quando, por exemplo, a moça fica indignada ao receber livros de segunda mão embrulhados com as páginas amareladas de outros livros velhos:
“Vivemos em tempos depravados, destrutivos e degenerados, quando uma livraria começa a destruir belos livros antigos para usar como papel de embrulho”.
Só para depois concordar com a explicação de Frank Doel sobre a conveniência da prática de se usar folhas soltas de livros caindo aos pedaços e muito além da possibilidade de restauração como papel de embrulho em vez de derrubar árvores para obtê-lo. É admirável a generosidade de espírito de ambos, como eles expressam livremente seus pensamentos, críticas, queixas e perdão.
Esse filme enfatiza os detalhes com calma, com intimidade, de forma tal que, de repente, ninguém estranha quando os dois passam a falar diretamente para a câmera, como se estivessem realmente conversando um com o outro a milhares de quilômetros de distância. Bem, é que o roteiro precisou usar todos os meios e artifícios possíveis para transcrever, em termos cinematográficos, uma narrativa literária na primeira pessoa do singular.
Às vezes, Helene e Frank surgem escrevendo e/ou lendo as cartas, às vezes eles simplesmente se movem pelas suas vidas enquanto ouvimos suas palavras e às vezes eles se dirigem à câmera, até mesmo em falas simultâneas, como é o caso da cena abaixo.
imagem YouTube


As técnicas e truques funcionam e o filme é muito bem sucedido ao nos convencer que a amizade é credível e os personagens importantes um para o outro.
Além disso a direção coloca em primeiro plano o entorno imediato e as condições sociais de seus personagens do final dos anos 40 até o final dos anos 60, conseguindo transmitir muito bem a próspera atmosfera da Nova York na qual Helene lutava para manter o nariz acima da linha d’água. Mostra-nos a rotina da moça em um predinho dilapidado revestido pela famosa pedra “brownstone” bem ali no coração do Carnegie Hill de Manhattan e à beira do Central Park, a livraria frequentada por ela na Madison.
Faz-nos participar dos seus reforçados e tardios cafés da manhã de ovos e bacon e torradas e suco de laranja, dos bicos que fazia como babá cuidando dos filhos dos amigos casados – ela lia poesia para os pobres bebês (rsrs) - das lasanhas e do pudim Yorkshire compartilhados com os vizinhos no seu quarto-e-meia-sala bastante bagunçado, dos seus passeios pelo parque, da iluminação das árvores e a música de Natal na cidade.
O texto se desenrola cronologicamente através das cartas datadas que registram os fatos que ocorrem nas vidas dos personagens e servem um pouco como uma crônica histórica de 1949 a 1969, pois versam sobre o pós-guerra de Londres, a reeleição de Winston Churchill em 1951, a coroação da Rainha Elizabeth II em 1953 e a campanha presidencial dos EUA de 1960.
E o tempo todo a gente simplesmente gosta dessa senhora encomendando livros, recebendo livros, lendo sossegada, com calma e paciência, segurando firmemente as velhas edições, gostando do livro recém chegado do velho mundo como de um novo amigo que poderá ser para sempre. É adorável o jeito como ela acaricia os livros desconhecidos postados de além mar, como se fossem amantes já lhes demonstrando uma amizade quase amor, só de ler-lhes enlevada o título, as orelhas, os prefácios, os índices, numa coreografia amorosa que a gente sabe que vai dar em um casamento com uma vida de duração.
Enquanto os anos vão passando para Helene Hanff e Frank Doel, o filme vai mostrando habilmente todas as mudanças nos cenários, nas conversas, na moda e na arquitetura. Em 1949, quando a troca de teclas começou, Helene e Frank viviam em moradias e ruas claramente distintas daquelas que lhes servem de cenário no final da história. As filhas de Frank e Dora vão crescendo, e as mudanças nos costumes, rotinas, roupas, estilos de cabelo, eventos, no som da música saindo de um rádio, agem como relógios para lembrar ao espectador do tempo dessa amizade.
Tais pistas visuais da passagem do tempo incansável compõem apenas uma das muitas linguagens com as quais o filme se comunica. O significado da sua mensagem, passado através de detalhes muito sutis, é que essas duas pessoas estão investindo tempo um no outro em um mundo que muda radicalmente, que gira precariamente em torno deles. Mas desde o famélico pós- guerra até o advento da escandalosa minissaia Helene e Frank continuaram ali, separados pelo oceano mas disponíveis um para o outro.
São muitas as maneiras através das quais este filme conta sua história e nenhuma delas tem nada a ver com as cenas convencionais de “amor”. Só que, ao fim e ao cabo, o espectador conhece Helene e Frank e seus sentimentos, de uma forma que muito poucos filmes permitem que os seus personagens sejam percebidos.
Nós podemos observá-los em flashes de suas vidas reais: Frank todo desajeitado dançando uma coreografia tribal à beira do Tâmisa ou jantando com a esposa, ou passeando com as filhas, ou atendendo um cliente na livraria versus Helene correndo esbaforida escada acima abraçada a seus pacotes de livros e a alegria dela ao encomendar para os amigos os quitutes dinamarqueses, sua revolta quando é presa por desacato durante um protesto estudantil nos anos sessenta e os dois falando dos livros, guardando-os nas suas mentes e corações para que juntos possam compreender melhor o mundo e se surpreender com o sempre imprevisível ser humano.
Anthony Hopkins deu a Frank Doel momentos realmente inspirados nesse screenplay, sutis expressões faciais capazes de nos dar dicas sobre as emoções mais profundas por baixo do verniz civilizatório e da densa reserva do livreiro. Ele é responsável por muitas das grandes cenas do filme, como a que nos mostra Frank no seu escritório quando de repente escuta, vinda da loja, uma voz feminina com sotaque americano. Ele vai até o umbral da porta e se depara com uma belíssima mulher, esguia e elegante sendo atendida por Bill. Por um breve momento ele teve esperança que fosse... Helene??!! Não era...
Ou a contida porém imensa satisfação estampada em seu rosto quando lê que Helene finalmente conseguira um emprego decente como roteirista do programa de televisão “As Aventuras de Ellery Queen”, que receberia duzentos dólares por episódio escrito e que tinha a firme intenção de usar o dinheiro extra para estar presente em Londres quando da coroação da Rainha Elizabeth II, em 1953.
Ou aquela expressão de profunda decepção que o pessoal do marketing – que entende das coisas ! - eternizou no cartaz do filme: o olhar dele quando lê a carta na qual Helene lhe comunica que terá de cancelar a viagem por causa de um inesperado e extenso e caríssimo tratamento dentário. Quando ele permanece imóvel, no meio da loja, meio abestado, olhando para o nada com saudade do que não foi e murmura: “Ela não virá”. Ou quando ele lê poesia e pensa na moça...
imagem You Tube

Tais expressões faciais nos provam que um bom ator pode, com grande sensibilidade, expressar tudo sem dizer nada. Frank terminou por comprar o livro que lê na foto acima como um presente para Helene. E ela respondeu tão logo o recebeu:
“Eu queria que você não tivesse escrito a dedicatória em um cartão mas sim em uma das páginas. Foi o livreiro em você que falou mais alto com medo de diminuir o valor de um livro raro. Mas você só o aumentaria para a presente proprietária e, possivelmente, para o futuro dono. Adoro as inscrições sobre as folhas e as anotações nas margens, gosto do sentimento generoso de virar as páginas que outra pessoa já folheou”.
Também é bonita a tomada que nos mostra Helene no cinema, perdida na sua fantasia de Londres enquanto assiste um dos clássicos da telona, o filme de nome “Brief Encounter” – cujo título no Brasil foi Desencanto - sobre um caso extra-conjugal. Essa escolha de filme diz muito sobre como Helene se sentia com relação ao Frank.
imagem Columbia Pictures Corporation

Last but not least é bom testemunhar essa senhora, que jamais lia ficção mas amava poesia, encomendando-a ao alfarrabista nos seguintes termos :
“Mande-me um livro de poemas de amor com a primavera chegando. Nada de Keats ou Shelley. Envie-me poetas que saibam fazer amor sem babar. Wyatt ou Jonson ou alguém, use seu próprio julgamento. De preferência, uma edição pequena o suficiente para escorregar dentro de um bolso e ir passear comigo no Central Park”.
Seguinte: se eu tivesse recebido uma carta inteligente e bem humorada dessas, escrita por uma mulher desconhecida que, na minha delirante imaginação, se parecia com a estonteante Lauren Bacall...
Lauren Bacall - imagem www.sheknows.com

pode apostar que, como o prezado Frank, eu também teria enviado para a moça o poema Cloths of Heaven - Tecidos do Céu – do grande William Butler Yeats:
“Tivesse eu as sedas bordadas dos céus,
Entremeadas de luz de ouro e de prata,
Os azuis e os pálidos e os negros tecidos
Da noite e da luz e da meia luz,
Deitava-os todos aos teus pés.
Porém, sendo pobre, só tenho os meus sonhos;
Então os estendi sob teus pés.
Pisa de leve, são meus sonhos que pisas.”
Noutra sequência, simples e eloquente, vemos Frank sentado em um parque londrino, quando diante dele passa uma inglesinha de minissaia: a velha Londres sisuda do terno, chapéu coco e do guarda-chuva se transforma diante de nossos olhos na Swinging London dos Beatles e dos Rolling Stones, com direito a trilha sonora.
Só que, no final de 1968, Helene Hanff se encontrava no ponto mais baixo e no momento mais crítico de sua carreira. Durante anos, ela escrevera peças que nunca foram produzidas, fizera leituras críticas mal remuneradas para a Paramount Pictures, rascunhara artigos para enciclopédias, scripts de televisão e livros infantis até que uma bela noite ela se sentou para fazer um inventário de si mesma e do futuro dela.
“Eu era uma dramaturga falida. Eu não era nada”.
Talvez a grande ironia da vida dessa mulher, que sempre sonhou ser uma autora teatral, que viveu martelando dezenas de peças em uma velha máquina de escrever, seja que a única coisa de sua lavra que foi encenada na ribalta tenha sido uma adaptação do seu famoso livro.
Foi nesse buraco negro profissional que, no dia 8 de janeiro de 1969, Helene foi informada da morte de Frank. Ele fora levado às pressas para o hospital por causa de um apêndice supurado e falecera uma semana depois vitimado por uma peritonite. O homem de quem há mais de vinte anos vinha comprando os livros que agora não tinha mais como pagar, o livreiro que generosamente lhe dera um link com a Inglaterra que tanto amava, se fora.
Esse é outro dos momentos tocantes do filme, porque na cena anterior, falando para câmera como se falasse com o amigo, Helene perguntara:
“Você ainda está aí, Frankie?”
Quando percebemos que aquela havia sido a última das cartas-conversas e que, quando rolara, Frank Doel já havia seguido para o andar de cima, a cena é emocionalmente eficaz. Helene, é claro, desaba:
“A notícia foi devastadora. Pareceu-me que a última âncora da minha vida – a minha livraria - fora tirada de mim. Comecei a chorar e não pude parar.”
Pudera!
Frank havia se tornado o melhor amigo que ela já tivera, aquele que “a entendia melhor do que qualquer outra pessoa”. É claro que nunca ter ido para Londres tornou-se um dos maiores arrependimentos de Helene. E então uma carta de Nora Doel, a amável viúva do livreiro, chegou a Nova Iorque cerca de vinte dias depois:
imagem Columbia Pictures Corporation

“Eu só queria que você e Frank tivessem se encontrado e conhecido pessoalmente (...) Às vezes, não me importo de lhe dizer, eu sentia muitos ciúmes de você, pois Frank gostava tanto de suas cartas, e elas, ou algumas delas, eram tão parecidas com o senso de humor dele. Além disso, eu invejava a sua habilidade para a escrita. Frank e eu éramos tão opostos. Ele sempre tão bom e gentil e eu, com meu passado irlandês, sempre lutando por meus direitos. Eu sinto tanta falta dele. A vida era tão interessante, ele sempre explicando e tentando me ensinar alguma coisa sobre os livros.”
Quando finalmente Nora e Helene se encontraram – noutro livro escrito em 1973! – a primeira contou à segunda: “Eu perguntava para ele, que tipo de marido você é, para trazer as cartas de outra mulher para casa?
E a segunda respondeu à primeira: “Se ele não as tivesse levado para casa, você teria tido motivos para se preocupar.” E Nora assentiu:
“Isso é exatamente o que Frank costumava dizer”.
Merece respeito o depoimento dessa esposa irlandesa para quem o marido lia as cartas de outra mulher falando de livros que ela desconhecia. Um fato que adiciona uma pitada de estoicismo ao casamento (rsrs)
A despedida de Frank, a princípio, desnorteou Helene. Ela foi forçada a encarar que sua mais preciosa amizade, uma história de quase amor, inteligente, delicada e epistolar, chegara ao fim. Terminavam com Frank as cartas tão carinhosamente enviadas e recebidas e as alegrias dos livros de segunda mão, pois a livraria Marks & Co não conseguiu sobreviver ao seu gerente e cerrou as portas.
A longa correspondência com “a sua livraria”, e especialmente com Frank, no entanto, dera-lhe um vínculo precioso com a cidade que ela agora parecia destinada a nunca mais conhecer. Para um amigo que estava em Londres ela escreveu:
“O homem abençoado que me vendeu todos os meus livros morreu há alguns meses. Mas a livraria Marks & Co ainda está lá. Se você passar lá no número 84 da Rua Charing Cross, beije-a por mim! Eu lhe devo tanto”.
Mas, no fundo do poço, realmente desolada, de alguma forma essa senhora reagiu e soube que tinha que escrever a história de seu relacionamento com a loja e, em particular, com Frank Doel, tinha que tentar teclar o seu “pequeno livro de nada”. Foi então que ela pensou em transformar as cartas trocadas com o livreiro britânico em um conto, uma short story, uma espécie de tributo ao amigo alfarrabista.
A carta seguinte vinda da Inglaterra chegou assinada por Sheila Doel, uma das filhas de Frank e juntamente com ela veio um pacote contendo as cartas que Helene escrevera para o seu pai e uma autorização para que publicasse a correspondência sob a forma de livro. Anos mais tarde, quando o livrinho bombou e foi transformado em peça e por fim no filme, a mesma Sheila, em uma entrevista, declarou que Helene garantira à sua família grande parte dos direitos autorais do seu sucesso.
“Enquanto crescíamos nós a imaginávamos como uma fada madrinha americana. Como uma mulher tremendamente rica e glamourosa, como Lauren Bacall. Foi um choque, quando eu finalmente a conheci e percebi o quanto estivéramos enganados”.
Quando finalmente terminou de escrever o conto, Helene tinha datilografado mais de sessenta páginas, o que seria demais. Então um amigo sugeriu-lhe que incluísse mais algumas cartas e transformasse um longo conto em um pequeno livro. Bingo!
O livro epistolar brotou do profundo sentimento de perda de Helene e, publicado nos EUA em 1970, foi um sucesso instantâneo. Inesperadamente, a escritora foi catapultada da obscuridade para os holofotes e passou a ser festejada na mídia como uma nova celebridade literária.
Escreveu Helene:
“Como eu ia saber que o milagre estava esperando para acontecer quando eu virasse a esquina no final da meia idade? 84, Charing Cross Road não foi um bestseller nem me tornou rica ou famosa. Só me trouxe centenas de cartas e telefonemas e provocou resenhas maravilhosas. Ele restaurou as minhas auto confiança e estima que eu havia perdido em algum lugar ao longo do caminho, só Deus sabe há quantos anos atrás. “
Na Grã-Bretanha, o livro foi publicado alguns meses depois e em junho de 1971 Helene Hanff finalmente desembarcou no aeroporto de Heathrow para aproveitar cinco semanas na cidade de seus sonhos. É que o seu pequeno livro fez ainda mais sucesso no Reino Unido do que nos EUA e com milhões de fãs ingleses Helene transformara-se em um fenômeno.
Em 1975 o livro foi adaptado para uma série de televisão pela BBC. Em 1981 subiu na ribalta e bombou em um teatro do West End londrino. Mas a escritora só atingiu o auge da fama quando lhe telefonaram de Hollywood e o produtor Mel Brooks adquiriu o roteiro para ser estrelado por sua então esposa, Anne Bancroft.
Sucede que o bom Frank Doel era apenas uma parte dos sentimentos de Helene pela Inglaterra, por Londres, pela literatura inglesa e não o romance completo. O filme termina com a nota certa, logo na sua primeira cena – o resto é flashback - quando Helene finalmente viaja para a Inglaterra e a vemos primeiro em um avião que se aproxima de Londres, sendo acordada pelo sol através da janela. Para, em seguida, nos oferecer a visão da cidade pela janela do seu táxi e por fim uma peregrinação à livraria vazia e empoeirada onde ela finalmente diz para os seus fantasmas:
“Eu estou aqui”.
Na real Helene desembarcou na Inglaterra a 17 de junho de 1971, dois anos e meio depois da despedida de Frank. As semanas que passou em Londres a inspiraram a escrever um diário de bordo de nome The Duchess of Bloomsbury Street – publicado no Brasil sob o título Duquesa de Bloomsbury – que de certa forma é uma continuação do primeiro best-seller. Sendo uma amante confessa dos livros do tipo “eu estava lá”, Helene está na sua melhor forma literária quando descreve suas próprias experiências e os seis livros que publicou – dizem! - formam uma autobiografia quase contínua.
Quando a peça 84, Charing Cross Road estreou no West a platéia aplaudiu de pé quando Helene subiu ao palco para abraçar a atriz principal, no final da apresentação. No dia seguinte, o Times publicou:
“A visão de Helene Hanff piscando no cenário da livraria que ela tornou famosa sob o aplauso da cidade que nunca antes pudera se dar ao luxo de visitar, transformou a estreia da noite passada no final de um conto de fadas: carinho obscuro coroado por aclamação pública “.
Foi nas páginas da Duquesa de Bloomsbury que reencontrei Helene estreando um programa mensal na BBC de nome Carta de Nova Iorque e realizando o seu sonho de visitar a “Londres literária”, de John Donne a Charles Dickens.
E nós estaremos lá, naquelas paragens enevoadas, desvendando a cidade que foi o personagem oculto do primeiro e a protagonista do segundo livro dessa escritora surpreendente que eu gostaria de ter conhecido.
Enquanto espera a próxima conversa e os “negócios inacabados” da Helene, dê uma espiada, por favor:


24/04/2019

Páscoa de Cinzas



desenho Ana Nunes


Ana Nunes

Esse mundo é tão injusto que tem dias que não sei se quero saber dele.
Domingo de Páscoa.
Propaganda de belos ovos de chocolate, tabletes tentadores e bolinhas enroladas em papéis cheios de cores e brilhos. A tv, sem permissão, invade minha casa de imagens tentadoras e proibidas. Por estética, no meu caso, que nem deveria acontecer aos setenta. Mas sou gente, mulher ainda por cima, e vivo no dilema dessas coisas de beleza e juventude. Em vão! O viver já se manifestou há tempos.
Do mesmo jeito essas imagens invadem as casas de famílias não tão privilegiadas. Plenas de crianças cheias de sonhos e desejos. E pais pressionados que saem para os supermercados cruéis. E se endividam entre os ovos para suas crianças e as crianças sobrinhas e as crianças vizinhas amigas.
E tem as Ongs caridosas que na propaganda de si mesmas, de sua bondade e assistências, levam ovos às creches e abrigos e orfanatos. Mulheres e rapazes bonitos e bem vestidos, maquiagem e cabelos tratados de luxo ao vento prontos para as fotos. Onde lógico exibem sorrisos de dentes brancos e certinhos, sem desalinho, nos cuidados dos ortodontistas com phd nos abroad da vida. Acabaram a Páscoa e as pessoas bonitas e volta o cotidiano triste de privações e assédios e dores de dente. E estupros. Fazer o que? Já vi isso na literatura inglesa e triste de Charles Dickens.
Como os ativistas de araque que fazem passeata ridícula, vestidos de branco, levando flores pelos becos das favelas. Não sabem de nada mas acham que sabem de tudo. Fazem alguma diferença? Nada, nada, tudo na mesmice das violências.
Voltando ao chocolate doce e aveludado dos apelos da mídia.
Sentem os mesmos desejos do doce preto doce dos anúncios em placas de parada de ônibus, no mercadinho na beira do córrego podre que navega por ali, os abandonados da sorte (Sorte? Sou muito vivida para pensar em sorte). Buscam água em latas e baldes e usam a luz de “gatos” na vizinhança. É com essa luz que esperam a mãe drogada que, num momento de lucidez, saiu em busca do leite e do biscoito, a refeição do dia. Ou com o dinheiro da trepada triste e sem prazer vai em busca da cesta básica para essas crianças eternamente sem pais. Ou serão visitadas pelos conselhos tutelares. O que é pior?
Cadê o bacalhau tão falado no noticiário? E o vinho? E o refrigerante dos meninos descabelados, remelentos e fedidinhos? Certamente estão, nessa divisão desumana dos bens, no sobejo do lixo, nas sobras do exagero dos fartos e bem nutridos que no apagar das luzes vão para suas caminhas de mola cobertas de lençóis de mil fios egípcios, um pouco bêbados de felicidade. Será mesmo?
Ainda nem falei das crianças feitas e paridas e crescidas nas ruas, que dormem enroladas em papelão e sujas como lixo e más como os monstros das estórias infantis. Inocentes e más, que paradoxo! Me comovem e me incomodam ao ponto de mudar de passeio. Tenho medo e dor. Muitas delas já quase jovens roubam por profissão, nasceram nas ruas e foi esse o aprendizado. Chocolate, Páscoa? Como saber disso se nem conhecem o valor da vida? Matam por um colar de ouro falso ou um celular muito usado. Nem respeitam as mulheres pobres na fila do ônibus depois de um dia de faxina brava nas casas abonadas. Poucas delas encontram alguém ou algum lugar que muda seu caminho. Poucas, muito poucas no conjunto da realidade.
Uma miséria humana. Uma tristeza sem conserto e sem perdão.
E, eu aqui, que já ouvi uma criança ensinando à outra o que fazer em estado de fome: dormir, na proteção da minha casa querida, de banho tomado, vestida e alimentada, no embalo de jazz e whisky, sem fazer nada. É torturante, tortura maior que da ditadura, porque imposta por mim mesma, nessa vida louca de visões e vivências, e certeza de que o que eu fizer é muito pouco nesse mundão sem Deus. “De ratos e homens”. Tudo é muito pouco nesse mundo privilegiado de misérias extremas.
Boa Páscoa?
Não para mim, atormentada de nascimento.


20/04/2019

A Rebolation

Sandro Botticelli- O Nascimento de Venus (detalhe)



Francisco Bendl
O dia estava comprido, se arrastava, e estava quente.
Fui para a frente da casa, na pequena área existente buscar uma leve brisa que fosse, pois eu não queria mais ficar sob o ar condicionado.
Busquei a minha cadeira, coloquei um travesseiro atrás de mim, e me sentei confortavelmente tentando ler um livro.
O relógio indicava as cinco da tarde, momento que as fábricas de calçados encerram seus expedientes, e a minha rua recebe um movimento intenso de trabalhadores. Alguns em veículos próprios, outros em suas bicicletas, muitos de moto, e uma boa quantidade a pé, que vão para as suas casas alegres, rindo, falando alto, e se despedindo dos colegas.
Levantei a cabeça, deixando a leitura de lado, e assisti ao movimento de ida e vinda dessas pessoas, chamando-me a atenção o dinamismo dos jovens, a vibração, o entusiasmo, a certeza do dia de amanhã!
Assistindo a esse desfile de trabalhadores empregados, então a alegria, imaginei - pois mesmo que o salário que recebem não seja nada especial -, a verdade é que estavam colocados no mercado de trabalho, tinham como sustentar suas famílias, havia a segurança de uma simples renda a cada fim de mês.
Distraído, me deparei com uma jovem belíssima.
Ela trazia consigo um séquito de rapazes atrás e ao seu lado, que a seguiam admirando a beleza da colega e o seu gingado inigualável, em consequência, as conversas sem qualquer nexo, mas a necessidade de a bela moça ouvir as brincadeiras e participar do clima contagiante entre eles.
Ela era loira, cabelos longos bem tratados, revoltos, que lhe davam um toque a mais de charme. Usava uma saia comum, verde-água, e uma blusa branca, que realçava o colo firme, bonito, discretamente empertigado.
Mas, o seu andar, o jeito como o quadril ia de um lado para outro, subindo e descendo a cada passo dado, exaltava a sensualidade, o encantamento que ela produzia naturalmente nos homens que a olhavam.
A bela flutuava, ela não caminhava. A sua imagem de esplendor, de homenagem à natureza, e o encantamento que ocasionava nos seus seguidores era exatamente o sonho idílico, a idealização da perfeição, que alimentava imaginações do sexo masculino tanto férteis quanto áridas.
O andar da bela era incomparável.
Eu a vi por minutos, que pareceram segundos, mas a sua presença me deixara pensando em escrever algo que registrasse a visão de uma mulher linda, do efeito que causa no homem, da perturbação e tristeza nos idosos que nada podem fazer a não ser admirar a beleza que lhes passa à frente!
Na tentativa de amenizar o impacto que eu sentira, de acomodar meus pensamentos, criei uma identificação para aquela fada, e passei a murmurar baixinho para mim mesmo que ela seria a “Rebolation”, e que animaria as minhas tardes diárias.
Dia seguinte, à tarde, lá estava eu sentado na minha cadeira, na área da frente, à espera da rebolation, da visão do paraíso, uma vez que Eva deveria ter sido uma mulher magnífica quando morava no Éden, a ponto que seduziu Adão, logo, a bela moça, a meu ver, representaria com folga a imagem da primeira companheira do homem que, diante do seu poder, sucumbiu aos seus encantos e desobedeceu a Deus!
De certa forma era assim que eu me sentia com relação à Marli, uma certa desobediência ao olhar para outra mulher com olhos concupiscentes, mas eu não passaria dessa situação, de ver e admirar aquela mulher encantadora.
Nada pecaminoso, claro.
Faz alguns dias que venho observando o ir e vir da rebolation.
Dia desses, a Marli me perguntou os porquês de tanto eu me alegrar à tarde, e ir para a frente da casa com a minha cadeira e ficar por lá por um bom tempo, até mesmo com os dentes escovados!
O que eu estava vendo com tanto interesse, foi a pergunta advinda do sexto sentido feminino, da sua capacidade de ler nossos pensamentos por mais lacrados e indevassáveis que estejam (nesse meio tempo me assaltou a dúvida se a rebolation não estaria percebendo que eu nunca havia permanecido na frente da casa, e agora lá estava eu todo o santo dia olhando-a sem qualquer discrição)!
Mas, a mulher é mágica. Tanto pode ser pelo lado da maldade quanto da bondade, usar seus subsídios naturais para nos humilhar, nos trazer de volta à realidade e dizer para quem quiser ouvir que ela é quem manda!
O fim do meu observatório com a rebolation foi hoje à tarde.
Aboletado na área, quando a rebolation vinha descendo a rua não me contive e fiquei em pé, para olhar melhor aquele contorcionismo que seu quadril propiciava às mais libidinosas intenções.
Não sei se esfreguei as mãos quando a bela se aproximou, mas quando ela estava à minha frente por uns metros apenas, passando pela minha calçada, eu rente à cerca de metal para ficar mais perto, a Marli sorrateiramente abre a porta da sala, e berra:
- Chico, quando é que tu pretendes ir ao mercado comprar o teu penico??!!
Acho que foi a risada da rebolation que ouvi.
Sei que aquelas ancas balançaram mais do que antes, certamente das gargalhadas que ela não teve como conter, e da cena hilária e patética que eu havia proporcionado!
Ao me voltar para a Marli, abrindo os braços como a questionar as razões pelas quais ela me fez passar tamanha vergonha, ela me acenou com a mão espalmada no clássico gesto que alguém vai levar uns pescoções.
Concluí que podemos ter fortes emoções na velhice.
Não só porque ainda conseguimos ver as belas passando, que faz palpitar nossos corações descompassadamente, mas a esposa agindo depois para acalmar o coração rebelde, mesmo que à base da vergonha, pois elas sabem ser cruéis quando querem!
Imagino a rebolation contando este episódio para seus amigos!
Terei de me mudar desta casa o quanto antes.


15/04/2019

O começo de tudo


imagem http://bibliophemera.blogspot.com

Moacir Pimentel

O script de Nunca te Vi, Sempre te Amei começa em outubro de 1949, quando a escritora Helene Hannf lê na revista Saturday Review of Literature um anúncio de uma livraria londrina de nome Marks & Co, que vendia livros usados pelo correio. Incapaz de adquirir em Nova York as edições específicas que o seu indizível desejo literário exigia, ela respondeu ao anúncio, enviando uma relação dos títulos que não conseguia adquirir.
O que se segue é um comércio amoroso de livros e uma entusiasmada troca de cartas cruzando o Atlântico para frente e para trás, entre a jovem mulher e Frank P. Doel, o gerente da Marks & Co.
“Prezados Senhores,
Eu sou uma escritora pobre que ama livros antigos. Como no meu dicionário “antigo” quer dizer “caro”, caso vocês tenham cópias de segunda mão, mas limpas, de qualquer um dos livros da lista em anexo, por não mais de cinco dólares cada, vocês podem considerar essa carta como um pedido de compra e enviá-los para mim”.
Sucede que Frank muito se divertiu com a carta, conseguiu resolver dois terços dos “problemas” listados, mandou-lhe belas edições antigas cobrando-lhe menos de duas libras por tudo - “um pound, dezessete shillings e seis pence” - e, solícito, prometeu à moça cuidar dos itens ainda pendentes. Frank dirigiu-se a ela como “Prezada Senhora” e assinou “Atenciosamente, FPD, por Marks & Co”. Tudo muito formal, muito britânico, mas não ficaria assim por muito tempo.
Para começo de conversa, na sua próxima carta Helene se recusou a pagar pelos livros com remessas bancárias, conforme tinha sido orientada a proceder, declarando que, em vez, continuaria a enviar seus bons dólares dentro de envelopes pois confiava nos serviços postais tanto de Sua Majestade, o Rei, quanto do querido Sam, o Tio. De quebra, ela pediu ao gerente que, por favor e doravante, convertesse os preços dos livros de libras para dólares, pois tivera que pedir ao namorado inglês de sua vizinha de cima para traduzir o alienígena valor informado por ele para “cinco dólares e trinta centavos americanos”. Explicando ao formal inglês, é claro, que não era lá muito boa nas quatro operações nem mesmo em inglês americano e que, portanto, não tinha qualquer esperança de um dia vir a dominar uma “aritmética bilíngue” (rsrs)
O que nos encanta nesse filme,  pois permanece imutável mesmo em uma época de livros digitais, é o prazer que Helene sentia ao receber os velhos livros enviados da Inglaterra.
Nunca imaginei que tocar um livro fosse uma alegria e um prazer tão grandes! Estou receosa de folhear as páginas de veludo tão suave e cor de creme”.
Segundo ela o primeiro item da sua coleção, um “maravilhoso” exemplar dos Ensaios de Robert Louis Stevenson, “tinha outra história além daquela impressa dentro das capas e fazia as suas prateleiras feitas com caixas de laranja corarem de vergonha”.
E ela termina com um PS:
Espero que “madame” não signifique aí o mesmo que significa aqui” (rsrs)
Sem qualquer dúvida quem gosta desses objetos chamados livros, da fisicalidade deles, de manuseá-los, quem aprecia o layout das capas, quem curte olhá-los de longe espremidos lá na estante, quem tem prazer em folheá-los e até de cheirá-los com o mesmo prazer que se sente o aroma de um vinho ou de uma fruta ou de um charuto, vai gostar mais desse filme do que o resto dos mortais.
“Eu lhe disse que finalmente encontrei o cortador de páginas perfeito? É uma faquinha para cortar frutas com um cabo de madrepérola. Minha mãe me deixou uma dúzia mas não tem a menor chance de eu vir a ter um dia doze convidados sentados ao meu redor comendo frutas”.
Quem é chegado a uma boa leitura vai compreender melhor essa senhora, deliciada enquanto escreve cartas à maquina e namora seus livros antigos, especialmente aqueles nos quais os donos anteriores deixaram as suas impressões rabiscadas a lápis.
Sim, porque antigamente quando uma leitura nos agradava ou incomodava a gente ou sublinhava o texto ou o comentava nas beiradas. Quem lia bem, o fazia com um lápis à mão, escrevendo enquanto lia. Porque uma boa leitura é sempre uma apaixonada conversa com o autor e não uma aceitação passiva de tudo o que o livro diz. Ler significa compreender e isso significa interpretar, discordar, discutir e ampliar as fronteiras.
Então não tem como não gostar da Helene e daqueles diálogos que ela fazia a três, às vezes até mesmo com quatro ex-leitores de um livro, com o nariz enfiado nas páginas amareladas. No dia em que ela recebeu uma rara edição do escritor,  crítico de arte e historiador inglês William Hazzlit – um prosador do mais elevado grau de excelência que emprestou o seu nome para o hotelzinho no qual nos hospedamos no Soho – ela contou ao Frank que simplesmente sentia vontade de gritar... “Olá camaradas!”... para os pretéritos donos que, antes dela, já haviam rabiscado seus pensamentos nas mesmas páginas.
Sabemos muito bem o porquê dessas anotações de pé de página: a memória é limitada. Com o passar dos anos a gente lembrará sim da história, mas não dos detalhes e muito menos das ideias que a leitura provocou. Helene anotava porque já havia aprendido aquele parágrafo na vida, porque já havia pensado uma daquelas frases mas jamais fora capaz de pô-la em palavras, para bater palmas para um verso perfeito, para criticar uma opinião, ou simplesmente para poder, mais tarde, voltar e repensar melhor um trecho de onde parara.
“O livro parece muito novo para ter sido lido por qualquer outra pessoa, mas foi: ele continua se abrindo nas páginas mais deliciosas e os fantasmas de seus ex-donos me apontam para coisas que eu nunca li antes.(...) Morrerei feliz de saber que vou deixá-lo para trás para alguém amar. Deixarei pálidas marcas de lápis através dele apontando as melhores passagens para algum amante dos livros ainda não nascido “.
Helene tinha uma fome insaciável pelas obras clássicas da literatura inglesa – de Jane Austen, Leigh Hunt, John Donne, Chaucer, Samuel Pepys e, com destaque, do cardeal John Henry Newman, o humanista que fundara a Universidade Católica da Irlanda e cujo livro a Ideia de Uma Universidade ela reverenciava. Mais e mais pedidos chegavam nas mãos do livreiro e mais e mais livros eram despachados para o minúsculo apartamento da moça em Manhattan.
Helene se colocava por inteiro em suas cartas, através de comentários auto-depreciativos mas bem humorados se definindo, por exemplo, como “pequena, mordida e desajeitada, fácil e segura no papel, mas estranha e rígida em pessoa”. Na verdade o que vemos na tela é uma mulher com o corte de cabelo de um monge e um jeitão amigável, enérgico, animado, mas com uma aparência desmazelada e – quem sabe? – algumas nódoas não muito católicas decorando suas roupas:
“Eu gostei de ler sobre a freira que comia tão delicadamente com os dedos que e nunca gotejava gordura em si mesma. Eu nunca fui capaz de fazer tal afirmação usando um garfo” (rsrs)
Quando ela pede ao livreiro As Conversas Imaginárias do escritor e poeta inglês Walter Savage Landor – mais precisamente o diálogo entre Ésopo e a Rainha Rhodope da Trácia que na mitologia, juntamente com o marido, é transformada pelos deuses nos montes Balcãs - a gente tem mais um vislumbre da profundidade das leitura e mente da protagonista. Pois As Conversas são uma leitura acadêmica, o que é uma pena, pois nelas o autor dota de voz inúmeras figuras históricas, mas esquece o que delas dizem os livros e simplesmente cria diálogos imaginários.
E o papo rola livre e solto entre gregos e romanos, soberanos e estadistas, filósofos e escritores e mulheres famosas, capítulos inteiros da experiência humana, em vários volumes habitados, por exemplo, pelas estupendas arengas entre George Washington e Benjamin Franklin, Diógenes e Platão, a Rainha Elizabeth I e o Conde de Salisbury, Henrique VIII e Ana Bolena e os Condes de Mercia, Leofric e Lady Godiva, aqueeeela que Dona Lenda e os chocolates juram ter se revoltado contra o senhor seu marido e desfilado “peladeca” pelas ruas de Coventry montada em um corcel branco.
Em apenas um mês de correspondência o tom de Helene já mudara completamente, embora o de Frank Doel permanecesse inalterado. É claro que nem sempre o prestimoso livreiro acertava com as encomendas, como foi o caso da Bíblia que não foi mas deveria ter sido uma edição da Vulgata, a tradução do original da Bíblia em hebraico para o latim, feita na virada dos séculos IV e V por São Jerônimo.
“Por favor, informe à Igreja da Inglaterra que conseguiu destruir a mais bela prosa já escrita”, escreve Helene, revelando assim sua consternação ao receber uma Bíblia que não atendia às suas expectativas. Ela justifica seu desapontamento “literário” e não “religioso” recitando sua própria árvore genealógica, que abriga judeus, cristãos variados, uma cunhada católica, primos presbiterianos e uma tia metida com a Cientologia, entre outros. Depois de se despedir da Igreja Anglicana da Inglaterra – “Para o inferno com ela!” - Helene finalmente aceita a ideia de usar a Bíblia errada até que Frank lhe encontre uma adequada.
A escritora nos mostra, de saída, que pode ter reações bem dramáticas - mas só quando do recebimento de um livro indesejável! - e que desconhece os salamaleques da escrita de cartas comerciais, pelo menos quando eram endereçadas ao Frank (rsrs) Exasperada, ela simplesmente não pode acreditar que o seu adorado livreiro lhe enviara um livro de excertos do Diário de Pepys, em vez da obra completa.
“QUE RAIO DE DIÁRIO DE PEPYS É ESSE?”, ela grita, furiosa, depois de receber sua encomenda. “ISSO não é O Diário de Pepys, mas uma coleção miserável de alguns de seus textos que um editor idiota qualquer considerou excelentes. O Editor e o seu reles diário por mim podem apodrecer. Eu simplesmente tenho vontade de cuspir neles!”
Frank pede mil desculpas e passa a falar de política, explicando à moça como tempos melhores viriam se Winston Churchill fosse reeleito (rsrs) É bem possível que esse alfarrabista tão bem educado tenha se alarmado ao receber algumas das cartas de Helene, mas suas respostas quase nunca revelam que ela escrevera algo errado e/ou ofensivo. Ele é o cavalheiro britânico por excelência, ou pelo menos escreve como um (rsrs)
Embora Helene Hanff e Frank Doel não pudessem ser mais diferentes, o cálido e abrasivo conhecimento que a moça demonstra ter das pretinhas, seus comentários tutoriais dirigidos ao Frank por não fazer seu trabalho com a agilidade esperada e sua alegria ao receber os livros quebram completamente o exterior engomado do livreiro.
O que é mais marcante ao ler as cartas desses dois é justamente como eles são diferentes. Imediatamente emergem das suas respectivas cartas duas personalidades opostas. De um lado, Helene é direta, pessoal e expressiva, a típica novaiorquina sempre pronta para falar - ou escrever! – o que lhe vem às telhas, quer seja louvar a beleza dos livros ou para moer seus conteúdos.
Enquanto as cartas de Helene são muitas vezes emotivas - sua indignação geralmente é transmitida através do uso de letras maiúsculas - as cartas iniciais de Frank são formais e contidas, praticamente ao ponto de parecerem anônimas e impessoais. Ele age como um profissional deve agir, é educado, mas distante. Mas é exatamente o choque de personalidades entre a espontaneidade de Helene e a reserva de Frank que enche de energia essa história.
A graça do filme é justamente o estilo animado e irreverente de Helene martelando a sua velha máquina de escrever, franzindo a testa e desafiando Frank a encontrar os livros que deseja enquanto ele ri discretamente, perdoa-lhe os inteligentes desaforos e responde com cortesia e cumplicidade, compartilhando com ela o amor pela palavra escrita.
Esse é o coração do filme: a correspondência. Luminosas, melancólicas, obsoletas e frágeis como laços antigos, as cartas são os elos fora de moda que ligam seus protagonistas separados pelo oceano. Embora nós jamais percamos de vista,  nesse script, as sérias fontes literárias, são muitos os seus momentos engraçados. É claro que Frank e Helene superaram a aberração da Bíblia anglicana traduzida diretamente do latim, a péssima edição de Samuel Pepys, o atraso da chegada dos livros e/ou a impaciência americana, e a história finalmente coloca em paralelo suas vidas pessoais.
Mas, verdade seja dita, a efervescência de Helene e o seu apetite autodidata por livros incomuns e obscuros, textos clássicos e versos de poetas esquecidos levaram mais de uma década para fazer o livreiro evoluir, nas suas assinaturas de despedida de “FPD por Marks & Co” para “FPD”, em seguida “Frank Percy Doel”,”Frank Doel”, “Frank” e finalmente para um afoito “Amor, Frank”,  isso quando a moça já se transformara na sua “Querida Helene”.
A reserva de Frank e o seu jeitão de manter suas cartas estritamente no terreno literário não o tornam frio e distante. Muito pelo contrário, escancaram os seus afeto e apego, as suas simpatia e devoção à sua correspondente para quem não hesita em contar as novidades sobre sua esposa Nora e suas filhas Sheila e Mary.
Muitos terão visto Helene, equivocadamente, como uma solteirona solitária. Sim ela morava sozinha mas conhecera o amor até porque em um lugar de honra na sua sala havia uma bela foto em p&b de um garboso oficial de uniforme da Marinha com a seguinte dedicatória: “Dear Heart, how like you this?”Meu coração, o que você acha disso? – que nos faz pensar em um namorado, um noivo, morto na guerra. Será?
Possivelmente, mas não que a moça o tenha mencionado. Simplesmente ela não convivia com a tristeza nem era melodramática, nem aparentemente estava preparada para escrever sobre o lado mais privado de sua vida. Mas quem se dedicava como ela, apaixonadamente, à leitura jamais sofrerá de tédio, desânimo e/ou indiferença. Quem lê degustando como essa escritora, não saberá jamais o que é apatia existencial, nem padecerá do vazio de ideias, do deserto de raciocínios, da ausência de desafios intelectuais.
A leitura consciente e reflexiva de Helene dotava de vida seus livros, dava fecundidade às suas páginas e pulsação aos seus personagens. Helene e seus livros se revitalizavam, se enverdeciam. Ela lia porque era uma escritora. Lia para achar conceitos e significados, perguntas e respostas, suspeitas e informações, dúvidas e certezas, para sentir a vibrante inquietação e a secreta satisfação das emoções alheias. Não, ela não era solitária, isso seria impossível em tão povoada solidão.
O certo é que o leitorado e os apreciadores da sétima arte se encantam por essa leitora fiel, para quem não havia atalhos para o conhecimento, as leituras dinâmicas, os resumos, as seleções, o analfabetismo das entrelinhas. Ela era apaixonada pelas nuances, pelos matizes, pelas sutilezas e pelas mensagens fundamentais que nem nos passam pela cabeça em uma primeira e apressada leitura. Uma das coisas realmente interessantes para mim nesse filme é acompanhar as escolhas de livros que ela vai fazendo porque um livro sempre conduz a outras leituras (rsrs)
E, enquanto vamos descobrindo como os amantes dos livros faziam antigamente, quando ainda não dispunham da internet na ponta dos dedos para encomendar suas leituras, também percebemos a bondade e generosidade de Helene. Não demorou muito para a missivista cativar com seu temperamento esfuziante pessoas que não conhecia: quem poderia resistir ao seu estilo de escrita? Com o passar do tempo e das cartas e do seu humor peculiar, Helene tornou-se simpática a todos os funcionários da livraria e essa simpatia virou amor e gratidão quando ela passou a enviar para a galera da Marks & Co cestas natalinas abarrotadas de mantimentos, através de uma empresa dinamarquesa.
É que ela fora informada por Brian, o tal namorado inglês de sua “vizinha de cima”, que desde o fim da Segunda Guerra Mundial os cidadãos do Reino Unido viviam sob um cruel racionamento: um ovo por pessoa por mês e duzentas gramas de carne por mês por família.
Os relatos de fome durante a Segunda Guerra e de racionamento depois dela são impressionantes. Com certeza os europeus nascidos nos anos 30, como os meus sogros por exemplo, tinham e tem uma relação com a comida diversa de quem jamais experimentou na pele a falta das coisas mais básicas. É difícil para nós compreender que mais de quatro anos após o armistício, em 1949, a Inglaterra ainda enfrentava, como mostra o filme, um racionamento que normalmente associamos aos períodos de guerra: filas, vitrines e prateleiras vazias, açougues e mercados desabastecidos.
Porém - não esqueça - essa jovem mulher sobrevivia sem um emprego certo, como leitora crítica e roteirista freelancer para o teatro e/ou a televisão e fazendo bicos como babá, sem jamais conseguir economizar dinheiro suficiente. Ou seja, o dinheiro que Helene gastava com as prendas lhe fazia falta.
Numa das cenas, enquanto Frank monta com as suas filhas a árvore, ele pergunta à esposa o que ceariam na Noite de Natal e ela responde que uma torta com “uns fiapos de carne moída”. Os filhos da secretária da livraria, por exemplo, só conheciam ovo em pó!
imagem www.telegraph.com.uk

Ao ver o prazer daqueles ingleses ao receber ovos, manteiga, queijo, bananas, frutas e verduras em conserva, patês, salsichas, bolos, sopas, biscoitos, e outras iguarias enlatadas, alimentos que a maioria dos britânicos não via há anos, nem mesmo no mercado negro, incluindo um grande presunto de seis quilos, eu imaginei a própria Helen, sozinha, nas vésperas do Natal, ou pelo menos sem ninguém especial ao seu lado. Mas dessa mulher é impossível se sentir pena!
Na verdade, em uma dessas noites natalinas, já recolhida na cama, metida em meias horrorosas e uma camisola vitoriana, Helene de repente se toca que os nomes dos donos da livraria eram beeeeeem hebraicos.
“ Meu Deus! E o presunto?!”
Ela pula da cama e tecla agoniada:
“Acabei de notar, na sua última fatura, que B. Marks e M. Cohen são os proprietários. ELES SÃO KOSHER? Eu queria sumir junto com o presunto! “
Helene tem fome de ler, Frank e sua família e seus companheiros de trabalho têm fome de carne e ovos frescos. Livros e comida - tão pouco para fazê-los felizes! A história é contada assim, através de cartas com breves vislumbres nas vidas de Helene, Frank e tantos outros que entram e saem da história deles.
O fato é que os pacotes de Natal que ela enviava fizeram com que a moça fosse um sucesso unânime tanto para os funcionários da livraria quanto para os seus familiares. Na verdade, foi depois do tal apetitoso presunto que os demais funcionários da livraria começaram a escrever para a moça e através dessas cartas ela conseguiu ter uma foto mais nítida do livreiro Frank Doel, bem como da Inglaterra que, na cabeça dela, ele representava.
Em retribuição às lembranças natalinas, Helene recebeu da galera londrina uma série de ricos presentes: um belo livro de poemas elizabetanos encardernado em couro e gravado a ouro, uma receita de pudim de Yorkshire, uma toalha de linho irlandês bordada à mão por uma senhorinha também irlandesa vizinha de Frank e Nora Doel e promessas de cama e comida e roupa lavada e generosa hospitalidade se e quando ela decidisse visitar Londres.
Essa nova onda de cartas e trocas culturais revela um pouco dos laços entre a Grã-Bretanha e os Estados Unidos, como a própria Helene coloca em uma carta para toda a equipe:
“Envio-lhes saudações da América – essa amiga sem fé - despejando milhões para reconstruir o Japão e a Alemanha e deixando a Inglaterra morrer de fome”.
Assim, a cruzada de Helene para acabar com a fome nas paragens bretãs, esses presentes todos que na realidade ela não tinha como bancar, eram uma extensão do seu investimento pessoal na cultura inglesa, especialmente na sua literatura. Ainda mais do que uma patriótica lealdade às alianças de guerra, é o amor de Helene pela literatura inglesa que alimenta seu desejo de manter relações com pessoas que ela não conhece.
Até Nora Doel escreveu-lhe uma missiva carinhosa e agradecida e aproveitou para anexar fotos das filhas e do marido, frisando que “as de Frank, não lhe fazem justiça”.
imagem Columbia Pictures Corporation

Mas apesar do céu de brigadeiro no começo da primavera Helene já se queixava da “lentidão” do livreiro e expressava sua decepção por não ter recebido vários livros a tempo para as férias da Páscoa:
“O meu cartão da Biblioteca Municipal vai ser confiscado porque sou forçada a rabiscar nas beiradas de livros públicos. Eu combinei com o coelhinho para lhe levar um ovo e ele vai chegar aí e verificar que você morreu de inércia”.
Mas na Páscoa, ela os encanta novamente, com uma outra caixa contendo, entre outras maravilhas, ovos de verdade e então não deu mais para os de Londres se segurarem, inclusos os mais tímidos - Megan Wells e Bill Humphries – que se apressam a agradecer à moça dando início a uma relação transatlântica mais pessoal, mais afetuosa.
No início de abril ela recebeu a primeira das cartas de Cecily Farr, a secretária de Frank. Supostamente a garota escreveu-lhe para agradecer pelos presentes e contar-lhe que com os mantimentos conseguira fazer um bolo para os filhos. Na resposta Helene aponta para a desigualdade das trocas, dos livros versus ovos e passas: “Você comerá os seus em uma semana. Eu vou ter os meus até o dia em que eu morrer”.
As cartas de Cecily Farr foram se tornando mais reveladoras. Ela é mais ousada e escreve de um jeito muito mais íntimo, jovem e vibrante e pessoal que Frank:
Estava morrendo de vontade de lhe escrever mas Frank pode não achar que seja apropriado porque ele considera você como uma correspondente particular”(rsrs)
É claro que Cecily escreveu para Helene porque sua curiosidade sobre a escritora era imensa e ela experimentava uma necessidade absoluta de satisfazê-la. Ao antecipar a curiosidade de Helene, a inglesa reflete a sua e entrega de mão beijada à nova amiga detalhes íntimos da vida pessoal de Frank – aparência, idade, formação, que é casado em segundas núpcias etc - se justificando pela indiscrição com esse prefácio: “Se você está curiosa sobre Frank...”
Ela solicita um “instantâneo” de Helene – que jamais foi enviado durante vinte anos - e especula sobre sua aparência pois imagina que a escritora seja “jovem e muito sofisticada”, enquanto outros colegas acham que tem um estilo mais “estudioso”.
Helene vibra com as indiscrições da secretária, lê deliciada as revelações que Cecily lhe faz sobre Frank, reage tranquila à intrusão de Cecily em sua vida pessoal e, da mesma forma que faz com Frank, lhe oferece de bom grado detalhes sobre sua aparência,  seu trabalho, seu estilo de vida pouco glamoroso em New York, desprovido do romantismo que Cecily imagina.
imagem Columbia Pictures Corporation

A excêntrica e reclusa Helene Hanff, conhecida como H.H. por seus amigos mais próximos, faz então de si própria uma descrição que é qualquer coisa menos lisonjeira, aliás que é deveras auto-depreciativa. Ela afirma à moça que é uma criatura “reconhecidamente insólita”, que “jamais cursou uma faculdade”, que é “tão inteligente quanto um sem teto da Broadway” e confessa-lhe que, muitas vezes, é infantil em suas demandas:
“Pobre Frank, eu dou-lhe momentos tão difíceis, sempre gritando. Acho que eu sempre gritarei por algo. Eu continuo tentando penetrar aquela reserva britânica tão apropriada e, se ele tiver uma úlcera, a culpa é minha”.
Ela sabe que seus comentários e brincadeiras, chegarão aos ouvidos do alvo preferencial do seu sarcasmo, mas vai em frente, conscientemente, numa abordagem provocativa e sedutora com a intenção de alcançá-lo, de mexer o gerente, que já passara a chamar por um diminutivo carinhoso:
“Agora escute, Frankie, vai ser um longo e frio inverno, eu vou trabalhar de babá todas as noites e preciso ter o que ler. Levante-se, mova-se e encontre-me alguns livros!”
E ele obedeceu, por longos vinte anos, desarmado pela jovialidade envolvente da sua querida cliente, sobre quem continuaremos conversando... depois dos comerciais (rsrs)