Sandro Botticelli- O Nascimento de Venus (detalhe) |
Francisco Bendl
O dia estava
comprido, se arrastava, e estava quente.
Fui para a
frente da casa, na pequena área existente buscar uma leve brisa que fosse, pois
eu não queria mais ficar sob o ar condicionado.
Busquei a
minha cadeira, coloquei um travesseiro atrás de mim, e me sentei
confortavelmente tentando ler um livro.
O relógio
indicava as cinco da tarde, momento que as fábricas de calçados encerram seus
expedientes, e a minha rua recebe um movimento intenso de trabalhadores. Alguns
em veículos próprios, outros em suas bicicletas, muitos de moto, e uma boa
quantidade a pé, que vão para as suas casas alegres, rindo, falando alto, e se
despedindo dos colegas.
Levantei a
cabeça, deixando a leitura de lado, e assisti ao movimento de ida e vinda
dessas pessoas, chamando-me a atenção o dinamismo dos jovens, a vibração, o
entusiasmo, a certeza do dia de amanhã!
Assistindo a
esse desfile de trabalhadores empregados, então a alegria, imaginei - pois
mesmo que o salário que recebem não seja nada especial -, a verdade é que
estavam colocados no mercado de trabalho, tinham como sustentar suas famílias,
havia a segurança de uma simples renda a cada fim de mês.
Distraído,
me deparei com uma jovem belíssima.
Ela trazia
consigo um séquito de rapazes atrás e ao seu lado, que a seguiam admirando a
beleza da colega e o seu gingado inigualável, em consequência, as conversas sem
qualquer nexo, mas a necessidade de a bela moça ouvir as brincadeiras e
participar do clima contagiante entre eles.
Ela era
loira, cabelos longos bem tratados, revoltos, que lhe davam um toque a mais de
charme. Usava uma saia comum, verde-água, e uma blusa branca, que realçava o
colo firme, bonito, discretamente empertigado.
Mas, o seu
andar, o jeito como o quadril ia de um lado para outro, subindo e descendo a
cada passo dado, exaltava a sensualidade, o encantamento que ela produzia
naturalmente nos homens que a olhavam.
A bela
flutuava, ela não caminhava. A sua imagem de esplendor, de homenagem à
natureza, e o encantamento que ocasionava nos seus seguidores era exatamente o
sonho idílico, a idealização da perfeição, que alimentava imaginações do sexo
masculino tanto férteis quanto áridas.
O andar da
bela era incomparável.
Eu a vi por
minutos, que pareceram segundos, mas a sua presença me deixara pensando em
escrever algo que registrasse a visão de uma mulher linda, do efeito que causa
no homem, da perturbação e tristeza nos idosos que nada podem fazer a não ser
admirar a beleza que lhes passa à frente!
Na tentativa
de amenizar o impacto que eu sentira, de acomodar meus pensamentos, criei uma
identificação para aquela fada, e passei a murmurar baixinho para mim mesmo que
ela seria a “Rebolation”, e que animaria as minhas tardes diárias.
Dia
seguinte, à tarde, lá estava eu sentado na minha cadeira, na área da frente, à
espera da rebolation, da visão do paraíso, uma vez que Eva deveria ter sido uma
mulher magnífica quando morava no Éden, a ponto que seduziu Adão, logo, a bela
moça, a meu ver, representaria com folga a imagem da primeira companheira do
homem que, diante do seu poder, sucumbiu aos seus encantos e desobedeceu a
Deus!
De certa
forma era assim que eu me sentia com relação à Marli, uma certa desobediência
ao olhar para outra mulher com olhos concupiscentes, mas eu não passaria dessa
situação, de ver e admirar aquela mulher encantadora.
Nada
pecaminoso, claro.
Faz alguns
dias que venho observando o ir e vir da rebolation.
Dia desses,
a Marli me perguntou os porquês de tanto eu me alegrar à tarde, e ir para a
frente da casa com a minha cadeira e ficar por lá por um bom tempo, até mesmo
com os dentes escovados!
O que eu
estava vendo com tanto interesse, foi a pergunta advinda do sexto sentido
feminino, da sua capacidade de ler nossos pensamentos por mais lacrados e
indevassáveis que estejam (nesse meio tempo me assaltou a dúvida se a
rebolation não estaria percebendo que eu nunca havia permanecido na frente da
casa, e agora lá estava eu todo o santo dia olhando-a sem qualquer discrição)!
Mas, a
mulher é mágica. Tanto pode ser pelo lado da maldade quanto da bondade, usar
seus subsídios naturais para nos humilhar, nos trazer de volta à realidade e
dizer para quem quiser ouvir que ela é quem manda!
O fim do meu
observatório com a rebolation foi hoje à tarde.
Aboletado na
área, quando a rebolation vinha descendo a rua não me contive e fiquei em pé,
para olhar melhor aquele contorcionismo que seu quadril propiciava às mais
libidinosas intenções.
Não sei se
esfreguei as mãos quando a bela se aproximou, mas quando ela estava à minha
frente por uns metros apenas, passando pela minha calçada, eu rente à cerca de
metal para ficar mais perto, a Marli sorrateiramente abre a porta da sala, e
berra:
- Chico, quando é que tu pretendes ir ao mercado comprar o teu
penico??!!
Acho que foi
a risada da rebolation que ouvi.
Sei que
aquelas ancas balançaram mais do que antes, certamente das gargalhadas que ela
não teve como conter, e da cena hilária e patética que eu havia proporcionado!
Ao me voltar
para a Marli, abrindo os braços como a questionar as razões pelas quais ela me
fez passar tamanha vergonha, ela me acenou com a mão espalmada no clássico
gesto que alguém vai levar uns pescoções.
Concluí que
podemos ter fortes emoções na velhice.
Não só porque
ainda conseguimos ver as belas passando, que faz palpitar nossos corações
descompassadamente, mas a esposa agindo depois para acalmar o coração rebelde,
mesmo que à base da vergonha, pois elas sabem ser cruéis quando querem!
Imagino a
rebolation contando este episódio para seus amigos!
Terei de me
mudar desta casa o quanto antes.
1) Chicão cronista consagrado, pela TI e pelas Cdm = Conversas do Mano!
ResponderExcluir2) Na primeira aparição da beldade, chamou minha atenção: "Usava uma saia verde-água e uma blusa branca".
3) Pensei cá com os meus botões: "Verde e branca... essa jovem tem bom gosto".
4) Bom final de semana para todos.
Rocha, meu amigo e professor,
ResponderExcluir"Cronista consagrado" por tua conta, meu caro, pela tua gentileza comigo.
Obrigado pela participação e comentário.
Mas, bem que poderias dia desses, escrever sobre os porquês deste teu gosto pelo verde e branco, de onde veio esta tua preferência ou, lá pelas tantas, se têm algo com o Budismo.
Agora, esqueci de mencionar, Rocha, que a saia contra a luz, quando a moça desfilava a sua beleza rua abaixo ou rua acima, FICAVA TRANSPARENTE!
Um forte abraço.
Muita saúde.
Feliz Páscoa!
Olá Francisco dos Pampas!
ResponderExcluirVocê gauchão escreve de bombachas, chimarrão ao lado. Estilo forte e direto como deveria ser. Sem pampas, ops, papas na língua. E bem atrevido, malandro! Bem, olhar não tira pedaço como diz o ditado.
E assim como quem não quer nada, dentes escovados, outra tarde na varanda, outro fim de expediente...outro reboleixo. Mas tem sempre um anjo da guarda para te colocar no jeito,nem que seja com um penico dito em alto e bom som. Nem é uma ameaça, já é um ataque! Bem colocado esse penico no fim de tarde na varanda. Anjo cruel mas eficiente.
E você me fez rir. Pelo improviso, pela surpresa do final.
Até muitos mais.
Feliz Páscoa para todos. Muito chocolate, muita alegria. E um vinho para acompanhar.
Aninha,
ExcluirMuito obrigado pela participação e comentário.
Confesso que eu estava ansioso para ler a impressão das mulheres com esta espécie de conto, de narrativa.
Sabes aqueles olhares furtivos, pelo canto dos olhos?
Pois entendi que, na minha idade, casado há tanto tempo, a Marli iria deixar passar em branco, afinal das contas erá somente olhares, nada mais.
Mas, as mulheres/esposas não admitem "olhares e mais nada". Não aceitam que admiramos a beleza feminina, o gingado sensual, a sedução da mulher apenas com a sua presença. Não.
Dizer que aprendi depois de tanto tempo casado e velho seria exagero. Na verdade, deixei de considerar que É PROIBIDO!
Agora, a cônjuge foi maldosa, cruel.
Ela me esmagou perante à "rebolation", me humilhou.
Com o seu alerta, que eu deveria sair e comprar o meu penico, a Marli disse aquilo que uma coleção dos piores palavrões não diria,
então ela foi extremamente inteligente.
Em outras palavras:
Me deu uma paulada na moleira, me fez cair ao solo nocauteado, e ainda botou o pé em cima de mim, desacordado.
Só não deu o famoso berro do Tarzã porque ela seria uma renovação da Jane e, eu, um homem de cidade, que desconhece o alcance das garras femininas.
A bem da verdade, a repercussão do chamado da Marli extrapolou o perímetro da minha casa, que, se antes eu dissera que teria de me mudar de endereço, agora confesso que deverá ser da cidade!
Um abração, minha querida amiga.
Feliz Páscoa junto aos teus amados.
Saúde, muita saúde!
Francisco
ResponderExcluira Marli está com a razão e vc brincando com fogo 😄
Brincadeiras à parte, o feminino mexe com os homens !!
Bom saber que vc está bem e com muito humor pra levar a vida
Nesta Páscoa quero abraçar vcs desejando um renascimento a todos deste blog 😘
Minha querida Lea,
ExcluirGrato pelo teu comentário e participação.
O homem desde quando descobriu como fazer fogo, indiscutivelmente aumentou sobremaneira a sua sobrevivência e preservação da espécie.
Logo, brincar com fogo tem sido corriqueiro para o homem.
No entanto, este "fogo" pode ter muitas interpretações e denominações, e disseste uma delas.
Neste caso específico, que me queimei até o 4º grau, ou seja, a minha dignidade e orgulho masculinos a Marli a carbonizou, ela usou o fogo, que pretensamente dominamos, para justamente resgatar a célebre frase que fiquei sabendo ser de autoria de uma mulher:
"Quem brinca com fogo acaba se queimando".
Lea, um grande abraço.
Feliz Páscoa junto aos teus amados.
Saúde, muita saúde.
Chicão, Chicão, com os teus sessenta e muitos anos bem vividos, desde a tua imersão da juventude na rígida disciplina militar até a incomparável experiência ouvindo teus pacientes nos teus seis anos passados como psicanalista itinerante, com os milhares de livros de história da humanidade e dos grandes filósofos que já leste, com toda essa escola da vida que te distingue, com a bela família que criaste, faltava-te aprender a coisa mais importante da vida do homem: que quem manda em casa não é o marido, ainda que ele assim prefira pensar.
ResponderExcluirVerdade que as mulheres, com a sua incomparável sabedoria, nos escondem ardilosamente esse fato deixando-nos na doce ilusão de que somos nós que dirigimos o casal, enquanto elas mantém discreta porém firmemente as rédeas da carruagem.
Foste trazido à realidade com um certeiro golpe de ferro esmaltado. Descobriste, nas tuas palavras, as fortes emoções que nossas amadas companheiras ainda nos podem proporcionar. Alegra-te, Chicão, agora, finalmente, és um adulto!
Um abraço do Mano
Prezado Bendl,
ResponderExcluirHoje não vou prolongar o comentário primeiro porque dizer que você escreve bem, que sabe como contar uma "estória" da primeira linha até o final, seja ele filosófico ou burlesco, é chover no molhado. E finalmente porque me ensinaram que em entrevero de marido e mulher não se deve meter o teclado (rsrs)
Abração
Pimentel,
ExcluirPô, meu, que decepção!
Pensei que eu teria um amigo que me apoiasse, que me fosse solidário e ele dá no pé?!
Certamente és um daqueles maridos que a esposa te controla por rédeas curtas, e com viseira, de modo não poderes olhar para os lados!
Então não quiseste comentar o meu infortúnio, pois ela iria ler e te repreenderia com rigor!
Tá bem, fazer o quê?!
Se fui humilhado, destroçado na minha dignidade masculina, tentei, pelo menos, admirar a beleza das mulheres, mas constato que amigos meus nem isso podem fazer, que pena, como foram muito bem domesticados!!!!
Brincadeiras à parte, Pimentel, obrigado pela tua participação, mas dizer que "escrevo bem" estás sendo sarcástico comigo, "tá me tirando", mediante o jargão popular e dos jovens.
Abraços.
Saúde, muita SAÚDE!
HEHEHEHEHEHEHEHEHEHEHEHEHEHEHEHEHEHEHEHEHEHEHEHEHEHEHEEHE!!!!!
ResponderExcluirGrande Mano!
Finalmente sou um adulto, mas a que preço, meu!
Antes, que eu permanecesse ainda ingênuo, imaginando ser o senhor de mim mesmo, ledo engano.
Na verdade, também descobri que a aliança que portamos no dedo não é somente indicar que somos casados, não.
Quer dizer também que pertencemos a uma mulher que, repentinamente, e da forma mais perturbadora, anunciará que é nossa dona, ama e senhora!
Doce ilusão essa história de "chefe de família", o "homem da casa", papo furado.
Quem manda é a mulher, ainda mais quando decide anunciar solenemente tal condição para quem quiser ouvir.
Agora, te confesso que estou preparando um plano de retaliação pela humilhação sofrida.
A Marli vai até convidar a rebolation para nos visitar quando, então, mostrarei que não uso penico!
A minha preocupação é que, se não uso este acessório para minhas necessidades fisiológicas, a Marli dizer para a bela moça que tenho ótima caligrafia, e me dar uma vassoura para varrer a casa e o quintal, alegando que faço tais tarefas direitinho, com capricho, além de me exigir e colocar uma bantana estampada!
Jamais pensei em tanta decadência de um homem, do seu orgulho, altivez, e da perda do seu poder.
Mais um pouco, e vejo a Marli me chamando como faz com seus dois gatos:
pspspspspspspspspspspspspspspspsps!
Abração, meu amigo, que suponho ter passado pela mesma situação no passado, pelo que a Aninha nos diz quanto à sua personalidade através de suas crônicas e poesias!
Daí este teu conhecimento abalizado sobre o que somos para elas, né, meu?!
Nessas alturas, te desejo saúde física e mental, pois ser homem com nossas mulheres só mesmo tendo muita resistência nesses dois quesitos, e muito amor nosso para com elas!!!
Que tal?
Junto-me aos demais Colegas no elogio ao Escritor Sr. FRANCISCO BENDL. O Prof. ANTONIO ROCHA, especialista em Língua Portuguesa o classificou como um Cronista consagrado. A Sra. ANA NUNES disse que esse Gaúcho de bombachas, esporas e chimarrão, lá do Sul, escreve com muito bom Humor e sem "pampas" na língua. A Sra. LEA MELLO SILVA, muito prática também elogia o bom Humor e aprova atitude da Prof. D. MARLI, mulher do Autor, que deu "cheque mate", e completa: flertar com Mulher Bonita é "brincar com fogo", e eu diria, é como brincar com Glicerina Pura.
ResponderExcluirO nosso ilustre Editor-Moderador Sr. WILSON BAPTISTA JUNIOR lhe confere o epiteto de Escritor Adulto, depois de aprender que: Quem manda mesmo no casamento são as Mulheres, por mais que se diga que não.
Por fim, até o momento, o Escritor e Viajante Mundial, grande conhecedor da Alma Humana, especialmente da Brasileira, Sr. MOACIR PIMENTEL sintetizou muito bem: "O Sr. FRANCISCO BENDL sabe contar uma "estória" da primeira linha até o final".
Parabéns ao Autor, que brincou descuidadamente com glicerina e saiu ileso.
Feliz Páscoas a Todos(as) junto a suas Famílias.
Saí ileso, é, mestre Bortolotto?!
ResponderExcluirTô sendo obrigado a me mudar de cidade!!!
Meu caro amigo, obrigado pelo comentário e participação.
Tem sido sempre uma honra e alegria receber os teus textos referindo-se aos meus rabiscos e, ainda por cima, tu mencionando que gostaste do conto.
Quanto eu ter brincado com nitroglicerina pura (rsrsrsrsrsrsrsrs), confesso que não esperava a reação da Marli, e da forma a me pegar no contrapé, além de me humilhar solenemente na frente da rebolation.
Bah, mestre, tinhas que ver a minha cara, pois tive de apanhá-la do solo completamente fragmentada, em pedaços, após a Marli alardear que eu tinha de comprar o meu urinol, já imaginaste?!
Vou mais longe:
Ontem, depois de três/quatro dias após o episódio dantesco, a cônjuge ainda me vem com esta:
- Chico, te cuida, tu tá na corda bamba comigo!
Corda bamba??!!
Questionei a esposa sobre o que ela quis dizer que eu estava na corda bamba?
- Marli - perguntei -, que negócio é este?!
- Chico, quando eu me encontrar com esta moça, que tu a chamas de rebolation, ainda vou informá-la que, volta e meia, tenho de trocar a roupa de cama porque fazes pipi como criança!!!!
Mestre, tem casa para alugar na tua cidade?
Um forte abraço, meu caro amigo.
Saúde, muita SAÚDE!