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Moacir Pimentel
O registro mais antigo de que se tem notícia da cidade de Galle se
encontra no Mapa Mundi de Ptolomeu datado de 125 DC, quando a aldeia já era um
porto movimentado, negociando com a Grécia, países árabes, China e outros. O
local também é mencionado como “porto de escala do Levante” na cosmografia de
Cosmas Indicopleustes.
Na virada dos séculos XV e XVI, a ilha então conhecida pelo mundo
“civilizado” como Serendib e que hoje é chamada de Lanka já tinha, ao longo dos
séculos, experimentado uma variedade de influências culturais, principalmente
porque se tornou parte natural das rotas marítimas mais meridionais que ligavam
a Ásia ao Mediterrâneo. Foi assim que marinheiros e comerciantes chineses,
gregos, romanos, persas, árabes e indianos convergiram para a Ilha e lá
deixaram suas marcas em maior ou menor grau.
Mas o ano de 1505 viu o início de um tipo completamente diferente de
influência cultural.
“Cessem do sábio Grego, e do troiano,
As navegações grandes que fizeram:
Cale-se de Alexandro e de Trajano,
A fama das vitórias que tiveram,
Que eu canto o peito ilustre Lusitano,
A quem Netuno e Marte obedeceram:
Cesse tudo o que a Musa antiga canta,
Que outro valor mais alto se alevanta “
( Os Lusíadas- Luís de Camões)
Pois é. Uma frota portuguesa foi desviada do curso perto das Ilhas
Maldivas e acabou arribando em um porto na região ao sul da ilha. Porto esse
onde os portugueses desembarcaram sob o comando de Dom Lourenço de Almeida para
depois “causar” como diz a juventude, uma mudança notável na ilha, em grande
parte facilitada - dizem! - por uma estreita e estranha amizade que
desenvolveram com o então rei do país.
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Foi em Galle que rolou o primeiro contato dos nativos com os europeus e
seu estilo de vida diferente e seus equipamentos militares avançados. Os
ilhéus acharam os portugueses muuuuito estranhos, pelo menos na crônica
histórica cingalesa de nome Rajavaliya, mais exatamente nos capítulos que
versam sobre a construção do forte de Colombo em 1517, onde os tugas são
descritos como seres “pálidos e bonitos em excesso”. Tem mais.
Há relatos históricos da lavra tanto de cingaleses quanto de tamils
narrando como os lusitanos usavam “botas e chapéus de ferro” e como não descansavam
nem um minuto andando de um lado para o outro, comendo pedaços de “pedra
branca” – o pão! - e bebendo sangue - o vinho!- e trocando dois ou três pedaços
de ouro e de prata por um peixe. Mas nada foi tão minuciosamente descrito
quanto a “voz dos canhões” europeus “mais alta que o trovão” e cujas balas
voavam e quebravam fortalezas de granito.
Numa época em que a então Serendib era vulnerável à invasão pelo norte,
a chegada dos portugueses impediu- a de se tornar uma província indiana. Em vez
disso, o Ceilão, como foi de novo rebatizado, ganhou uma identidade única, pois
os portugueses foram só os primeiros dos três povos colonizadores - os outros
foram os holandeses e britânicos - a ter uma influência marcante sobre aquela
cultura ao longo de um período de quatrocentos anos.
Nem todas as influências dos colonizadores foram benéficas, mas sem
dúvida que os lusitanos contribuíram para uma sociedade extraordinariamente
diversa, na qual os aspectos tradicionais felizmente sobreviveram mesmo tendo
as senhoras nativas aprendido a fazer rendas de bilro.
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A presença portuguesa na Ásia foi geralmente limitada às áreas urbanas,
mas Sri Lanka foi uma exceção à regra, onde os portugueses deixaram suas
pegadas no campo e na administração, na sociedade e na religião, nas artes e na
linguagem.
O catolicismo foi introduzido, é claro, por missionários portugueses, e
os números indicam que eles foram mais bem sucedidos em fidelizar seus
convertidos do que os holandeses que pregaram o protestantismo depois de
expulsar os ibéricos. Segundo o censo de 2012 os católicos, que incluem
cingaleses e tamils, compõem mais de seis por cento da população da ilha
enquanto que os protestantes representam apenas um por cento.
Infelizmente só permanecem de pé as ruínas das igrejas portuguesas. Na
verdade, a arquitetura colonial portuguesa que chegou aos nossos tempos é
insignificante pois até mesmo os fortes que os portugueses construíram foram
reconstruídos pelos holandeses, os mestres-construtores da época.
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Muitos cingaleses adotaram sobrenomes portugueses modificando-os um
“poucachinho”. É divertido conhecer vestindo sarongues e sáris os Croos – de Cruz - os Alwis – de Alves - os Saram – de Serra, os Fonseka, os Gomis, os Mendis, os Perera e os Vaas – de Vaz.
Passados tantos anos hoje eu entendo que o meu afeto pela ilha talvez
tenha nascido das suas semelhanças com meu velho Portugal e com o Nordeste da
minha infância, nos flashes familares que, de repente, eram capazes de fazer um
expatriado de vinte e poucos anos, lá no fim do mundo, sentir-se em casa.
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A interação dos portugueses e dos ilhéus levou à evolução de uma nova
língua, o crioulo português, falado pelos membros da comunidade Burgher – os
descendentes dos portugueses e holandeses – e pelos da comunidade Kaffir – os
escravos africanos trazidos para a ilha pelos portugueses e mais tarde pelos
holandeses e britânicos. O crioulo português é composto por palavras em
português, cingalês, tamil e até mesmo holandês e inglês e é considerado o mais
importante dialeto crioulo na Ásia por causa de sua vitalidade.
A influência portuguesa no vocabulário dos ilhéus foi notável.
Muitíssimas palavras foram absorvidas com pouca ou nenhuma alteração fonética.
Das duas primeiras vezes que visitei a ilha tomei o cuidado de anotar em uma
caderneta de bordo algumas delas, à medida que as ia identificando.
Os exemplos incluem: tuwaya de
toalha, almariya de armário, narang de laranja, annasi de ananás, saban
de sabão, viduruwa de vidro, sumanaya de semana, masaya de mês, baldiya de
balde, sapattuwa de sapato, bonikka de boneca, lensuwa de lenço, bottama
de botão, kamisaya de camisa, kussiya de cozinha, salada, simenti de
cimento e mais outras mil.
Também é grande a influência portuguesa na música cingalesa, pois os
colonizadores introduziram instrumentos ocidentais como o violão e formas
musicais como a balada. Mais significativa, entretanto, foi a importação da
música rítmica instrumental chamada baila, que era popular entre os
comerciantes portugueses e seus escravos Kaffir. Caracterizada pela batida ora alegre ora triste, a baila tornou-se um sucesso com suas letras que devem ser hilárias
pois fazem rir a todos e instrumentos modernos como guitarra elétrica, teclados
e bateria.
Engana-se quem acredita que os molhos saborosíssimos da culinária de Sri
Lanka são criação dos ilhéus. Os portugueses introduziram os pimentões e os
tomates na gastronomia local, além, é claro, da panificação e de alguns bolos
como o fiado - um bolo folhado, recheado
de castanhas de cadju. Adivinha quem
levou o cajú, fruto nativo do Brasil, para a Ásia?
Amei! O que você quer mostrar com seus maravilhosos artigos e fotos é que o mundo é pequeno, né Moacir? Pois você conseguiu! Nunca vou esquecer desta ilha tão distante da gente mas onde as vovozinhas fazem renda e as meninas brincam de ‘bonikka’. Obrigada!
ResponderExcluirMoacir,
ResponderExcluirSeus artigos continuam deliciosos. São os detalhes como os pratos típicos e as influências portuguesas na cultura da ilha que me fazem viajar com você e querer saber mais.
Um abraço para você
1) Belíssimo texto. Escreva-nos sempre Pimentel !
ResponderExcluir2) Estou devendo comentários, mais do que inadimplente... vamos ver se até o final do ano consigo zerar meu débito com o blog.
3) Correrias tipo corrigir provas dos alunos, lançar notas nos diários de classe, verificar burocracia do Estado meu patrão, conselho de professores etc.
4) Ana gratidão imensa a todos vcs: minhas meninas: Heloisa, agradece; minha filha, meu genro e mais a netinha de quase quatro estão chegando. Só alegrias !
5)Respeitosamente a todos (as): Beijos e Queijos ! Feliz Natal e Ótimo 2019 !
Pimentel dissecou a ilha de Sri Lanka, complementando suas postagens anteriores com a história da formação deste minúsculo e insular país.
ResponderExcluirEm razão das tuas viagens, Pimentel, e pela forma como nos relatas as tuas andanças com detalhes e peculiaridades que só tu consegues, publica, do mesmo jeito, outras impressões a respeito de nações que são ilhas e que as tenhas visitado:
Chipre;
Taiwan;
Nova Zelândia;
Indonésia;
Irlanda;
Islândia;
Malta;
Madagáscar;
Jamaica;
Ilhas Salomão ...
Certamente seriam tão bem acolhidas quanto à postagem em tela.
Aplaudo mais uma vez esta tua obra de fôlego, importante e informativa.
Abraços.
Saúde e paz.
Olá Moacir,
ResponderExcluirAtrasadíssima por causa dos encontros e das despedidas de fim de ano. "O trem que chega é o mesmo trem da partida..." Melancolia pura!
Tanta coisa por saber, tantas maravilhas para ver. Que seus textos não terminem nunca!
Até sempre mais.
Prezado Autor Sr MOACIR PIMENTEL,
ResponderExcluirExcelente seu Artigo sobre Sri Lanka ( Ilha Abençoada ), desta feita enfocando a conquista e influência Cultural de nossos Pais Portuguêses, desde 1505, quando a primeira frota Portuguesa armada com potente Artilharia Naval chegou ao Porto de Galle para negociar.
O Autor Sr. MOACIR PIMENTEL que pela primeira vez esteve na Ilha ( Mochilando com vinte e poucos anos) nos conta que se sentiu em casa principalmente no Oeste da Ilha ( Colombo-Kutte, especialmente Galle, etc,) onde se fala um dialeto baseado no Português, também nas Comidas e Bebidas.
Podem muito bem nossos Pais Portugueses se orgulhar dessa epopéia das grandes Navegações Oceânicas e formação do primeiro grande Império Marinho do Mundo, e um pouco desta glória deve recair também sobre Nós Brasileiros.
Abração e Feliz Natal a Todos (as) deste Oásis de boas Conversas/Leituras do "Conversas do Mano".