fotografia Moacir Pimentel |
Moacir Pimentel
Em Sri Lanka eu desisti de lutar contra o turismo “clichê” ao fazer um
passeio de barco no mar aberto, saindo do porto de Mirissa. Baleias, golfinhos,
peixes voadores, tartarugas e tubarões podem ser vistos facilmente a poucos
quilômetros da costa daquela praia porque o extremo sul da ilha de Sri Lanka é
surpreendentemente próximo das águas profundas da plataforma continental. Ali
nadam gigantes: as baleias azuis que são as maiores criaturas da Terra.
É uma situação única pois em nenhum outro lugar do vasto mundo essas
baleias se aproximam tão perto da terra. Sucede que a constante presença dos
animais encorajou os nativos a investir em passeios que começam uma hora antes
do nascer do sol para que os cara-pálidas possam observar as baleias.
E lá fomos nós – seis marinheiros de primeira viagem! - passando por
pescadores que já vinham equilibrando enormes caixas de peixe em suas
bicicletas do cais onde nos aguardava um barco de fibra de vidro de seis metros
de comprimento, pouco mais do que uma canoa, mas com um motor de popa que
surpreendeu a todos pela potência dos seus vinte e cinco cavalos.
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Saímos do porto na companhia de não sei quantos outros barcos cheios de
turistas, em direção a um horizonte ainda invisível repleto de luzes de dezenas
de barcos de pesca se preparando para voltar para casa depois de uma noite no
mar.
À medida em que o sol se elevava e a ilha ficava cada vez mais diminuta
à distância, metido em um colete salva-vida, eu olhava para os barcos de pesca
ao largo e para o fundo azul do mar cuja ondulação sombreava tudo o que poderia
estar abaixo e acabei adormecendo sob a proa desconfortável mareado pelo
balanço do barco e o som das ondas batendo no casco.
De repente, o humor mudou. A praí alguns quilômetros de distância o horizonte tinha sido quebrado pelo que parecia ser um jato de
vapor. O inglês do barqueiro era para lá de incompreensível mas não o que ele
berrou:
“Baleia!”
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É complicado encontrar um animal tão grande e tão alto quanto um avião a
jato. Quinze minutos depois, a baleia apareceu na superfície a apenas cinquenta
metros do barco.
P@rr@!!
Desculpem mas não deu para segurar o palavrão ainda mais ali dentro
daquela canoa precária. Como reagir de outra maneira a um animal tão grande? O focinho,
com seus grandes buracos, atravessou a água bem ao lado do barco - caracas! - e
então percebi com um frio na espinha o extraordinário volume da criatura. Era
pelo menos quatro vezes maior do que o nosso barco!
Acredite, me senti dentro de outra embarcação de nome Pequod nas páginas
do livro Moby Dick da lavra de Herman Melville.
E se aquela monstruosidade se enfurecesse? !
Além do tamanho maciço - esses animais podem atingir mais de trinta
metros de comprimento e pesar quase duzentas toneladas - ao respirar, as
baleias azuis soltam um jato espectacular, uma única coluna d’água que sobe
praí uma dezena de metros no ar.
Acredite o tempo como que parou na minha cabeça enquanto aquele animal
deslizava em câmara lenta na nossa frente pela lateral do nosso barquinho. No
looongo tempo que a criatura levou para nos deixar para trás – graçasadeus! -,
ela riscou de um tom mais escuro o azul do mar e entre todos foi esse o byte de
memória que me restou mais nítido. Fiquei impressionado com a sua cor.
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Era azul, realmente azul - um azul petróleo profundo e manchado de cinza
- compondo com o mar e o céu uma sinfonia de tons. Naquele dia fomos “abençoados”,
como dizem os nativos. Antes que a maioria dos pescadores voltasse para a terra
firme para tomar o seu merecidíssimo café da manhã, vimos mais duas baleias
azuis, comendo o próprio desejum de minúsculos camarões - iguaria da qual uma
baleia azul consome em média seis toneladas por dia.
Nos explicaram que o encontro das águas costeiras mais quentes com as
águas mais frias da plataforma continental cria um ciclo de nutrientes, pois a
matéria rica e apodrecida do fundo do oceano alimenta os cardumes de camarões
que, em seguida, alimentam as baleias. É uma troca eficiente, um sinal da
fertilidade oceânica.
Apesar de todo esse tamanho esses animais dependem de nós e de nossas
ações. No século XX, as baleias azuis foram quase extintas e muitas delas foram
mortas nessas mesmas águas de Mirissa. Como resultado direto, agora restam
apenas quinze mil - ou menos! - baleias azuis em todo o mundo.
O povo de Sri Lanka se orgulha de que apenas no seu país pode-se ver o
maior mamífero terrestre do mundo, o elefante, e seu maior mamífero marinho, a
baleia azul, em um único dia.
E então depois que a terceira baleia deu o ar azul da graça dela pedimos
ao barqueiro para rumar para casa.
“Terra à vista!”
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Era mais do que chegada a hora de, em terra firme, ir conferir os elefantes
que, depois das baleias, com toda certeza nos pareceriam diminutos (rsrs)
Mas isso vai ficar para outra conversa...
Muito bom o texto. Não consegui ler Moby Dick até o fim de tão bombardeado que me senti com mais informações sobre baleias do que consegui processar. Muito daquilo além de chato e exaustivo deve ser inventado, rs. Mas tiro o chapéu à sua habilidade narrativa que vai terminar me convencendo a visitar o Sri Lanka.
ResponderExcluir...
Márcio,
ExcluirConcordo que a leitura pode ser cansativa. Você não terá sido o primeiro nem será o último a pular os capítulos cetológicos (rsrs) Tive que ler de A a Z para passar de ano mas ler 80% de Moby Dick não está com nada: fica-se exausto na mesma só que sem a emoção de ter conseguido cruzar a reta de chegada. Pior, não se é acometido pela “Síndrome de Estocolmo” nas páginas em que o Melville recompensa o seu leitor além de todas as expectativas. Ele criou um enredo sólido com personagens credíveis embora batizados com nomes alegóricos e neles gosto da variedade das vozes – do inglês de cais de Queequeg à dicção shakespeariana do capitão Ahab - e apreciei a fantasia da diversidade racial e cultural convivendo a bordo do Pequod. A arquitetura simbólica de Moby Dick, com seus conflitos polarizados e não resolvidos, se encaixa perfeitamente no nosso tempo. Note como ainda temos que escolher entre capitães ahabs imparáveis e ishmaels populistas (rsrs) Por fim o desfecho escolhido pelo autor nos mostra a enormidade do que se perde quando reduzimos uma nave de personalidades a um pensamento único. Obrigado por participar.
Moacir,
ResponderExcluirMe diverti com o artigo. Mas ele também é poético ao misturar na escrita e nas lindas fotos a praia o mar o céu e a baleia numa 'abençoada' sinfonia azul da natureza. Gosto das baleias apesar das suas dimensões jurássicas. Acho que por serem mamíferos como nós sinto uma sensação de parentesco reforçada pelo fato delas serem muito inteligentes.
Um abraço para você
Flávia,
ExcluirSinceramente? Sinto-me mais primo dos primatas (rsrs) Qualquer coisa desse tamanho e que passe a maior parte do tempo submersa no azul profundo e desconhecido do mar seria fascinante. Penso que a sensação não é de identificação mas de curiosidade por esses mamíferos de sangue quente que respiram como nós embora seus bebês nasçam com cinco metros de comprimento (rsrs) Sim podemos ver esses gigantes atravessando o oceano, encalhados tão dolorosamente, borrifando água e, se tivermos sorte, participar da sua incrível variedade de acrobacias aquáticas. Mas como as baleias vivem é ainda um enigma.Talvez seja essa uma das razões pelas quais elas continuam morando na nossa imaginação como nenhuma outra espécie do planeta. Ou - quem sabe? - o mundo delas relativiza e prejudica a visão que temos do nosso. Ou seja, a vida é mais rica e estranha do que nos lembramos diariamente. Existem outras "dimensões" - como por exemplo, o oceano - que são esquecidas e maltratadas por nós dia, noite e madrugada.
Outro abraço para você
Adorei! E quase caí pra trás com seus elegantes p@l@vr@@s kkk Mas observar as maiores criaturas da Terra no alto mar não tem nada de clichê. Lembrei que meu filho nem quis tomar café da manhã de tão agitado que acordou no dia que fomos ver as baleias e os golfinhos no Sea World. Na sua canoa qualquer um piraria de alegria ao ver os animais no elemento deles. Somos todos parte do mesmo planeta azul. Obrigada!
ResponderExcluirMônica,
ExcluirSó quando a baleia foi embora caiu-me a ficha da sua enormidade. Ver essa criatura, de não sei quantas toneladas, passando rente à minha precária canoa, para sempre e por segundos, foi algo que não abstraí de imediato e literalmente me fez engasgar de humildade. Quanto aos ooohs e aaahs e palavrões foram gerais se bem que logo se transformaram em palmas a cada vez que uma das acrobatas vinha à superfície, espirrava ou agitava o rabo. O bicho homem se acostuma com tudo (rsrs)
Dona Ciência jura de pés juntos que todos os viventes compartilham um mesmo DNA primordial e sim sei que moramos no mesmo endereço: o mundo. Mas parece que os da nossa espécie têm a mania de nele descobrir novos mundos desde a mais tenra infância. No momento, o filme predileto do meu netinho é “Como Treinar o seu Dragão 3” que, é claro, rola no mundo dos pets. Que como diz elogiosamente o moleque: “ É sinistro!” (rsrs)
“Obrigado”! e abração
Pimentel,
ResponderExcluirEu postei sobre a sua aventura com as baleias mas não sei onde foi parar o comentário em que eu dizia do quanto gostaria de observar as baleias azuis assim de perto, de dentro de um barco no mar aberto, como você fez. Viajei na leitura de mais um artigo nota dez.
Sampaio,
ExcluirMuito obrigado pela leitura e comentários. Fico feliz que tenha curtido a leitura sobre esses gigantescos animais que ‘humanidade” tem perseguido, explorado e trucidado quase à extinção. Eu diria que durante a minha “aventura com as baleias” , de repente, baixou o impressionável leitor de Moby Dick que fui. Como esquecer naquela canoa e cara e cara com o bichão que a ficção do Melville foi inspirada pelo ataque real de uma baleia ao navio Essex?(rsrs)
Abração
Olá Moacir,
ResponderExcluirDesculpe a demora. Fiquei gastando tempo com mal-estar, febres e PSs.
Isso é injusto, muito melhor ficar por aqui entre as "pretinhas".
Adorei o seu post de corajosa aventura junto à baleia azul. Só que fui me empolgando , empolgando e aí...acabou! De novo!
Pelas minhas contas faltaram golfinhos, peixes voadores, tartarugas e tubarões. (Eu não iria nunca! Elefante é tão bonito...)
Parece que vão aparecer no próximo já que é outra conversa.
Estarei aqui em terra firme no aguardo desses elefantes terrestres.
Atē sempre mais"
Caríssima Donana,
ExcluirAs pretinhas podem esperar. Nada é mais importante do que a sua saúde. Obrigado pelas boas palavras e cuide-se bem direitinho. E sim, que venham os elefantes e com eles o ponto final dessa looooooonga franquia.
“Até sempre mais”