ilustração - Gustave Doré |
Wilson Baptista Junior
Vivo cercado
de telas.
Há mais
tempo do que gosto de lembrar. Desde que os primeiros terminais de vídeo de computador
vieram tomar o lugar dos cartões perfurados e das folhas quadriculadas em que
escrevíamos a lápis os comandos de programação.
Olho agora
em volta de onde estou e vejo, da esquerda para a direita, a tela do meu
laptop, as duas telas do meu computador de mesa, a tela do laptop da Ana, a
tela do meu iPad. Sem contar, claro, as dos telefones, que já não reconhecem
esse nome e viraram, de uns tempos para cá, pequenos computadores disfarçados.
Como se não
bastassem as telas, o bloco de papel à minha direita, com a lapiseira amiga
antiga sempre pronta para escrever.
E todos, as
telas e o bloco, inteira, cruel e desesperadamente vazios...
Para onde
foi? Me pergunto.
Para onde
foi a faísca que saltava através dos dedos para as teclas obedientes que povoavam
as telas de causos e de histórias?
Olho para
mim como o motorista desacorçoado olha para o carro que parou de funcionar no
meio da viagem, sem saber qual, dentro das tantas e misteriosas partes que o
compõem, não quer mais trabalhar.
Olho para
dentro, para as minhas lembranças, mas as que me vêm à mente não são boas para
contar aqui, não que eu não quisesse que vocês as lessem, talvez vocês
gostassem, mas porque muitas não teriam como não abrir as portas para o tipo de
comentário de que fugimos no blog.
E como o
motorista que quando se cansa de olhar para o carro olha em volta em busca de
quem o ajude, olho à minha volta em busca das coisas que ajudavam minhas ideias:
os quadros nas paredes, os discos, LPs, CDs, fitas, livros – ah, muitos livros,
dezenas, centenas, milhares talvez, ocupando cada canto e cada superfície
livre, tantos que o vizinho de baixo se preocupa com a resistência da laje, mas
o prédio é antigo e firme e feito no tempo em que as pessoas liam, e me sinto
um pouco como o velho marinheiro do Coleridge pensando: Livros, livros a toda a
volta, e nem uma palavra para contar!
Terei eu,
como ele, flechado meu albatroz? Mas se ele foi condenado a nunca mais parar de
contar sua história, porque o terei sido eu a nunca mais ter histórias para
contar?
Já que olhar
em volta não adianta, olho de novo para dentro. Em vão. Em nenhum ponto da
longa linha do tempo vejo ao menos a sombra da imagem do pássaro caindo.
E abro outra
vez os olhos. E de repente, percebo que enquanto isso a tela à minha frente se
encheu de letras, e as letras se juntaram e formaram palavras, e as palavras se
juntaram e formaram frases.
Não disseram
muito, é verdade. Mas será um recomeço?
Com um agradecimento a Samuel Taylor
Coleridge,
em sua bela “The Rime of the Ancient Mariner”:
em sua bela “The Rime of the Ancient Mariner”:
“Water, water, every where,
Nor any drop to drink.”
Mano
ResponderExcluirde vez em quando as palavras fogem e neste mundo novo é difícil saber o que falar
Mesmo sem escrever muito vc nos envia um recado urgente
Precisamos viver melhor
Nas entrelinhas vc fala e como !!
Bom ter vc aqui
Um abraço
Léa, que bom é ter você como nossa leitora. Muito obrigado pelo elogio. Um abraço do Mano
ExcluirWilson,
ResponderExcluirPara começo de conversa a cada vez que a gente se depara com posts do quilate desse seu “Branco” criativo, inspirado no longo poema do Coleridge e ilustrado por Gustave Doré, é impossível não lamentar a raridade dos seus textos sempre cultos, inteligentes e bem escritos.
Mas para entender porque os teclados se calam seria preciso saber, em primeiro lugar, porque raios eles cantam (rsrs) Sobre o tema o George Orwell, em um ensaio de nome Why I Write? falou do “propósito político”, usando o adjetivo no seu mais largo sentido: o desejo de botar ordem nas coisas e de empurrar o mundo em uma certa direção. Já o Papa Hem dizia que escrever era “sentar diante de uma folha em branco e...sangrar” e o Byron jurava que “se não escrevesse para esvaziar a mente, enlouqueceria"(rsrs)
Não duvido que se possa escrever movido pela vontade de mudar o mundo ou mesmo pelo desespero da certeza de que nunca se poderá colocar completamente na página o que se carrega na mente e no coração. Mas devo confessar que assim como viajo, escrevo light: me inclua fora dessa de ficar deprimido diante do teclado. Gosto de escrever desde moleque! Não escrevo para mudar nada mas para pensar melhor, fazer perguntas que valham a pena, superar as primeiras impressões e/ou as respostas fidagais, me mover mais facilmente entre fatos e opiniões e tentar compartilhar o pouco que aprendi.
Sabe aquele momento em que a leitura pega fogo e ganha vida na página e/ou na tela? É a mesma coisa com a escrita: de repente tudo faz sentido e você sabe do que se trata e porque está escrevendo: para escapar da mesmice circundante e sobreviver como indivíduo depois de tornar visível o seu pensamento. Como você acabou de fazer aqui e agora com brilhantismo. Acabo de lembrar daquele outro albatroz do Baudelaire:
Le Poète est semblable au prince des nuées
Qui hante la tempête et se rit de l'archer;
Exilé sur le sol au milieu des huées,
Ses ailes de géant l'empêchent de marcher.
Que você continue voando nas suas pretinhas!
Abração
Moacir,
Excluirser comentado com um verso do albatroz de Les Fleurs du Mal é coisa para parar e refletir. Quem dera poder pensar nessas asas de gigante, quando só se está sentindo o tombadilho do navio...
Ainda não consegui saber bem porque às vezes escrevo, além talvez do que está na capa do blog: "para descobrir se alguém ia se interessar pelo que eu disser de vez em quando". É bom saber que às vezes a gente consegue fazer isso :)
Não sinto, pobre de mim, aquela necessidade vital de por para fora o que explode na alma, para não enlouquecer, e poucos de nós podem ter as experiências guardadas no coração do Papa Hem, para poder simplesmente sangrar sobre as teclas. Quando leio isso dele me lembro de outro poema que fala também de um pássaro e de poetas, onde Musset termina dizendo destes últimos:
"Quand ils parlent ainsi d'ésperances trompées,
De tristesse et d'oubli, d'amour et de malheur,
Ce n'est pas un concert à dilater le coeur;
Leurs déclamations sont comme des epées:
Elles tracent dans l'air un cercle éblouissant;
Mais il y pend toujours quelques gouttes de sang".
Pelo menos com espadas já brinquei um pouco. Quem sabe um dia? Sonhar custa pouco.
1) Salve Wilson, me fez lembrar do grande poeta mineiro e maneiro, CDA = Carlos Drummond de Andrade.
ResponderExcluir2) Ele tem um livro que se chama "Impurezas do Branco".
3)Lembro tb do Zen, a folha branca é a perfeição, o caminho, o todo, e lá nos vamos escrevendo, publicando nossos pensamentos.
4) Abraços em todos (as).
Mestre Antonio, obrigado, é bom pensar no caminho pela frente como uma folha em branco. Que a escrita nele possa tender para o meio.
ExcluirOs velhos cartões perfurados "O job de dados" assim meu caro amigo vc povoou sua vida com muito trabalho e eu agradeço por desfrutar da sua amizade. Pura emoção o seu texto.
ResponderExcluirPaulo, que a nossa amizade ainda continue por muito tempo. Um abraço do Mano.
ExcluirJá se foi o tempo em que explodia alguma coisa, matava todo mundo e a estória acabava aí.
ResponderExcluirAcho que gosto mais agora.
Beijo, irmão querido, você é especial.
Primeira querida, especial é você, com sua força e sua coragem. E me deixa feliz você gostar de me ler.
ExcluirAmei, Maninho!
ResponderExcluirAté quando você está sem idéias, você as tem tão claras!
Tingó, prima querida, muito obrigado!
ExcluirExcelente, Mano!
ResponderExcluirVindo de quem vem e que sabe bem do que fala, é um elogio para se guardar com carinho, grande Agulhô.
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