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Moacir Pimentel
Sri Lanka é mais paraíso quanto mais a gente vai para o sul na direção
de suas praias surpreendentemente bonitas de areia cor de mel que têm atraído
visitantes por décadas. A costa sul da Ilha Abençoada, mais remota e menos
povoada, vai do porto de Galle até o de Hambatota, com praias muito menos
turísticas do que aquelas da movimentada costa oeste. Não é incomum a gente
encontrar-se sozinho em longos trechos de areia sombreados por palmeiras,
especialmente a leste de Matara.
Tais praias, assim como algumas do nordeste brasileiro, estão entre as
mais belas do vasto mundo. Após uma curta estadia em Galle seguimos para a
praia de Mirissa onde, nos meus anos dourados, os mochileiros viviam como reis.
Essa terra de palmeiras onde piam os periquitos é considerada como
verdadeiramente cingalesa, como um bastião do patriotismo cingalês.
No início dos anos oitenta as primeiras cabanas para mochileiros e dois
ou três restaurantes foram erguidos nas curvas da baía de Mirissa que naquele
tempo eram intocadas pelos guarda-sóis ou espreguiçadeiras para turistas.
Na minha cabeça eu guardava da praia uma visão perfeita: de sua
extremidade leste até o promontório no oeste, mais conhecido pelo nome de Pedra
do Papagaio, a costa emoldurada por palmeiras moldava um vasto mar turquesa. Se
um barco fosse lançado ao mar saindo de Mirissa na direção sul não teria terra
alguma à vista antes de chegar à Antártica, a meio mundo de distância.
Mirissa era “naquele tempo” uma das mais famosas praias “virgens” da
Ásia e para vê-la e curtir seu povo amigável e a atmosfera descontraída da Baía
da Lua os mochileiros começaram a chegar devagarinho principalmente da Europa e
da Austrália.
Naquelas paragens não havia hotéis com qualquer número de estrelas, de
luxo ou de meio luxo, e a gente se hospedava nas cabanas construídas na areia
sobre precárias palafitas ou alugava quartos nas casas simples dos nativos e
comia entre as árvores do quintal as refeições incluídas nas diárias.
Nadávamos, surfávamos e dançávamos nas festas da lua cheia, nas noites
regadas por muita birita de quinta e planos para mudar o mundo. Tirávamos fotos
dos famosos pescadores no alto de suas estacas mas não lhes dávamos trocados,
pois ficariam ofendidos se lhes oferecêssemos a grana extra tão necessária em
uma das regiões mais pobres do mundo.
Lembro de ter acordado várias manhãs para encontrar a praia deserta, sem
ninguém à sombra de suas palmeiras balançando na brisa ou mergulhando no oceano
bom e calmo e quente. Um paraíso. De volta à casa não deixei de acompanhar as
raras notícias sobre a ilha que mergulhara, cerca de um ano após minha última
visita, numa guerra civil que se prolongou por mais de duas décadas.
E então, em vinte e sete de dezembro de 2004, na t’rrinha, eu assisti
pela televisão as cenas do tsunami na Ásia e quando começaram a falar de Sri
Lanka mostraram Mirissa: a estreita faixa costeira de não mais de cem metros de
largura fora totalmente devastada. Confesso que fiquei passado. Não era uma
cena de assassinato genocida ou de ultraje terrorista. Era a força da natureza
destruindo um paraíso terrestre e desastres da espécie não deveriam acontecer
em paraísos. Só que acontecera.
Vista do ponto mais alto de Paragalle, a praia ainda parecia perfeita,
mas à medida que a câmera se aproximava da aldeia a destruição era imensa:
casas demolidas, paredes desmoronadas, telhados pendurados em ângulos loucos de
pedra, um vaso sanitário de frente para o mar, sem o banheiro.
As ondas haviam varrido a praia e as palmeiras e a floresta por mais de
um quilômetro terra adentro, derrubando a escola primária, os muros do templo
budista, os pequenos restaurantes à beira mar, as casas de hóspedes, que foram
inundados por mais de um metro e meio d’água. Muitas pessoas pereceram,
turistas inclusive, dezenas de casas foram totalmente destruídas e centenas
ficaram gravemente danificadas. No total, dois terços das famílias de Mirissa
tiveram suas vidas destruídas pelo tsunami por causa da perda de vidas,
propriedades ou meios de subsistência. Vendo impotente o sofrimento daquela
gente que me recebera tão bem, cá comigo decidi que voltaria a Sri Lanka tão
logo fosse possível.
Antes do advento do turismo, Mirissa fora conhecida por sua pesca,
principalmente do atum. O seu porto pesqueiro chegou a ser o maior da costa sul
e Mirissa prosperou. Mas o tsunami naufragou dezenas de barcos e danificou
centenas deles.
Quem pesca já leva uma vida precária na melhor das hipóteses. Com o
tsunami os turistas se foram e os pescadores que pescavam para os hotéis,
pensões e restaurantes, foram os mais duramente atingidos economicamente. Quase
mil deles perderam seus empregos como resultado do tsunami juntamente com
outros tantos que trabalhavam para a infraestrutura turística. O desemprego,
que já era o maior problema social da região, foi significativamente agravado.
Também foi impressionante a escala e a natureza da resposta que o
tsunami provocou. O noticiário mostrava que somas astronômicas de dinheiro eram
arrecadadas todos os dias naquilo que foi o maior ato de generosidade coletiva
da história. Talvez o timing tenha contribuído para tamanha ajuda humanitária:
o drama estava se desenvolvendo nas telas de TV de bilhões de pessoas que,
cercadas por suas famílias entre as festas de Natal e Ano Novo, testemunhavam
uma grande tragédia humana em uma parte do mundo que muitos, como eu, tinham
visitado e aprendido a amar.
Além disso não havia culpados naquele desastre: nada de terroristas
armados nem de governos omissos e corruptos. Havia vítimas mas não bandidos e
isso talvez tenha ajudado a abrir os corações e as carteiras. Pois não foi só
dinheiro que as pessoas deram.
De volta a Mirissa em 2009 eu ouvi muitas conversas dos moradores locais
sobre o tsunami. Alguns dos relatos do mar recuando para em seguida as ondas
avançarem – foram três! –, das mortes e desmoronamentos foram de arrepiar os
pelos e marear os olhos. Mas também soubemos que, enquanto os governos se
concentraram nos grandes problemas - alimentar e abrigar os sem-teto, restaurar
a água e o saneamento - indivíduos comuns de todos os cantos do país e do mundo
deixaram suas casas e desembarcaram nas areas costeiras mais afetadas, em
Mirissa inclusive, com pouco dinheiro mas uma boa dose de boas intenções para
fazer o que podiam, às vezes com resultados inesperados.
Naquelas conversas eu ouvi de várias fontes que apenas um mês após a
catástrofe, embora Mirissa ainda estivesse esmagada sob o peso de suas perdas,
alguns sinais de renovação já eram visíveis. Contaram-nos, por exemplo, de um
engenheiro alemão que de férias na praia primeiro ajudou a recolher os mortos e
a transportar os feridos para em seguida coordenar a instalação de uma escola
improvisada no templo budista e de como uma turista inglesa arregaçou as mangas
e foi à luta para confeccionar uniformes escolares novinhos em folha para as
crianças.
Eu faço ideia da sensação de normalidade e do que deve ter significado
para aquela gente ver de novo seus filhos e netos vestidos de branco a caminho
da escola pelas ruas arenosas que uma vez haviam sido pontilhadas por arbustos
de hibisco escarlate e bananeiras brilhantes.
Não sei se ouvi lorotas para turistas dormir, se aquelas conversas eram
lendas praianas, mas o fato é que, segundo os nativos, semanas após a tragédia
as fundações para as primeiras novas casas já estavam prontas e os barcos sendo
reparados e os negócios recomeçando.
Disseram-nos que naquelas primeiras semanas mais de uma centena de “turistas
caridosos” acamparam em Mirissa à sombra das altas palmeiras e que, para eles,
as crianças de olhos escuros voltaram a rir e a gritar “hello”, quando eles
chegavam nos tuk-tuks trazendo água, comida, colchonetes e material de
construção.
E que à noite, ao lado de pilhas de móveis em ruínas e pedaços de
alvenaria, os homens nativos e os estrangeiros conversavam como nos velhos
tempos e faziam planos para o dia seguinte.
E então o medo e o sofrimento foram diminuindo com o passar do tempo e o
conhecimento de que muitos se saíram muito pior como foi o caso da aldeia de
Thal Aramba, não muito distante da minha praia predileta, que foi literalmente
obliterada pela força das ondas.
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Aquelas conversas me fizeram lembrar de uma frase que eu ouvira há
valentes anos em um filme que assistimos com nossos filhos ainda crianças. Dele
não me recordo do nome nem do enredo ou dos atores mas dessa cena específica na
qual um ET contava para uma terráquea – estava rolando um clima! – como a sua civilização
mais evoluída nos observava lá de cima. Disse o herói para a mocinha embevecida
ou pelo menos eu tenho lembrança do alienígena ter dito:
“Vocês humanos são uma espécie mentirosa,
mesquinha, preguiçosa, covarde, egoísta, corrupta, ladravaz e assassina. Até
que algo realmente grave acontece: uma guerra, uma epidemia ou um desastre
natural. Aí vocês mudam, se unem, são solidários e se transformam em seres
verdadeiramente encantadores.” (rsrs)
Será?
O fato é que em 2009 já não havia qualquer sinal visível da catástrofe.
O mato crescera sobre as ruínas dos muros derrubados e a cerca de um quilômetro
da praia entre mangueiras e palmeiras e passarinhos - martim pescadores e
periquitos! - o governo construíra um vila nova para os pescadores. O paraíso
se erguera dos escombros.
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Reencontrei Mirissa indiscutivelmente bela e mantendo aquela ambiência
sonolenta típica das aldeias de pescadores. Entre as muitíssimas praias bonitas
nessas paragens do sul - Matara, Welligawa, Kogalla - fora do caminho batido
dos turistas metidos a besta, Mirissa é o lugar para se ficar, seja à beira mar
ou nas suas colinas com vistas espetaculares.
De Mirissa se pode visitar outros locais em bate e voltas, como as
cidades de Matara e Hambantota e Tangalle, um porto de pesca com uma longa
praia que é muito popular entre a população local de tartarugas marinhas
gigantes. Essa região é o lar de cinco das sete espécies de tartarugas
existentes e uma das melhores oportunidades para se observar sua reprodução.
Na vizinha praia de Rekawa, um dos mais importantes locais de
nidificação de tartarugas marinhas de Sri Lanka, de novembro a maio quando o
sol se põe elas aparecem para por os ovos na areia, se bem que a festa fica
mais animada nas noites de luar. Dizem que a moçada da tal Fazenda Habaraduwa
de 1986 para cá já testemunhou mais de quinhentos mil filhotes de tartarugas
marinhas conseguindo chegar até o mar.
No sul os pôr-do-sol eram surpreendentes e transformavam o céu em uma
tela ondulada do mais suave rosa até o mais flamejante vermelho, com as
palmeiras dançando douradas como fogos de artifício no primeiro plano e os
adolescentes, nada mais do que silhuetas, surfando as enormes ondas ao fundo.
Aqueles garotos, na água espumante, pareciam um exército de soldadinhos de
chumbo com os braços estendidos vitoriosamente enquanto deslizavam para a costa
onde as meninas de tranças esperavam-nos na maior algazarra e risadagem
enquanto vendiam uma versão local de caramelos para os turistas. Tem um quê de
antigamente, da nossa inocência perdida em Sri Lanka e é ISSO que cativa.
Se o sul é vanguardista e cosmopolita ele também carrega muita nostalgia
da história colonial do país. O chá da tarde ainda é servido às cinco da tarde
e ainda se joga gamão nos bares da praia.
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Os passeios de bicicleta pelo interior, entre aldeias e campos de arroz,
bandeiras nacionais verde-e-laranja e a brisa brincando com plantações e
coqueirais são sempre cheios de surpresas, como o pavão imóvel sob o calor do
meio dia no seu poleiro que também é um poste de eletricidade e as barraquinhas
vendendo cocos-rei que sabem ao Brasil.
Só que Dona Dona História jura de pés juntos que os nossos descendem dos
deles. Cortados em dois a golpes de faca, eles revelam as polpas de translúcida
carne branca cuja doçura é universal não dando bola para nacionalidades. Tinha
razão o vendedor de cocos que, balançando a cabeça como se estivesse negando o
que dizia, repetia para os estrangeiros desconfiados:
“É o melhor do coco!”
Por lá não faltam imensas vacas pelos caminhos, como na Índia, mas
veem-se mesmo é macacos por todos os lados. Viajar entre as praias do sul seja
de carro, moto, tuk-tuk, ônibus ou de trem é divertido. Ainda mais se for na
segunda classe ferroviária. Um bilhete de Galle para Mirissa custa praí uns
quatro dólares e viaja-se por quase três horas esmagado por cavalheiros suados
e senhoras perfumadíssimas, sacos de arroz e outros produtos e sendo assediado
por vendedores que passam a cada dois minutos vendendo camarões fritos,
bolinhos e os mais variados lanches em caixas de papelão.
Ninguém pode afirmar que conhece Sri Lanka se por lá não andou de trem.
A paisagem que corre pelas janelas é realmente linda; através da exuberante
vegetação tropical, animais, campos cultivados, pequenas aldeias, e o mar
sempre ali perto nas curvas da estrada e o tempo voando apesar das frequentes
paradas.
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A praia de Mirissa não desapontaria o mais exigente dos ratos de praia.
Todos os dias, os restaurantes à beira mar disponibilizam espreguiçadeiras e a
cada pôr-do-sol, eles iluminam a areia com tochas entre mesas para jantares de
frutos do mar à luz de velas e muita baila.
Além dos vendedores ambulantes de coisas artesanais, os pescadores nos
andaimes de pesca continuavam lá. Nos últimos vinte e sete anos os mercados de
legumes e frutas e o de peixe em nada haviam mudado.
No mercado de peixe - não mais do que uma reunião de barcos puxados para
cima na areia - o produto da captura da madrugada fica exposto nos cascos e é
mantido fresco com água do mar.
Tem razão quem afirma que muitos dos homens que pescam empoleirados nos
postes cravados no meio das ondas se “profissionalizaram”. Eles descobriram que
podem ganhar mais posando para as câmeras dos turistas do que efetivamente
pescando.
Mas esse artigo de grande consumo fotográfico – o pescador de palafitas
- ainda é genuíno por lá. Os ônibus turísticos levam seus grupos para praias
perto de Galle e Welligama onde estão os dublês de pescadores.
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Porém poucos quilômetros depois de Mirissa, na pequena praia de muitas
palmeiras e poucas casas de Polhenna, ali onde um muro de recifes corre por
praí uns cem metros paralelo à praia, entre as pedras e a beira d’água na parte
superior da praia, há um grande número de postes de pesca e pescadores da gema,
dando duro e não sendo mimados pelos caras-pálidas, tão reais quanto a água é
clara e o peixe é farto. A grande maioria deles, em trôpego inglês, se
manifesta muito satisfeita por conhecer gente que veio do Brasil para vê-los e,
é claro, trata de nos vender o seu peixe.
A dica é comprar o bicho e levá-lo para assar no restaurante que
escolhemos para chamar de nosso em vez de ficar experimentando um tempero novo
a cada dia. É uma questão de sobrevivência fazer camaradagem com a família que
gerencia o boteco – e, atenção! - é de bom tom e sinal de respeito chamar os
patrões de tio ou tia - e pronto! Estão garantidos os sushis de tudo,
caranguejos enormes, peixes honestos, curries, dhals e sambals deliciosos e o
onipresente arroz na palma da banana e - @#$%@!!-
as enormes ostras de Koggala e o atum assado com uma crosta de sementes de
sésamo esmagadas e misturadas com canela, a especiaria que já foi a maior
riqueza da ilha, valendo mais do que seu peso em ouro.
Em Sri Lanka a comida é sempre fresca e tenho algumas predileções: as
bananas oferecidas em grandes cachos em um arco-íris de vermelho, verde e
amarelo, os potes de barro de coalhada de búfalo, selados com papel branco e
corda, empilhados na frente das barraquinhas até a altura da cintura, que é um
dos pratos favoritos da galera no café da manhã servido com frutas tão
estranhas quanto saborosas e com mel.
Todas as nossas refeições - peixe fresco, arroz e curries de uma grande
variedade de legumes - eram preparados a um custo mínimo. A praia em frente do
nosso refúgio estava sempre vazia. É uma das peculiaridades de uma costa na
qual em muitos trechos nadar é proibido devido às pedras. Mas havia uma baía
encantadora apenas dois minutos de distância, onde o mar era seguro.
Me alegrei de ver um monte de mochileiros da gema hospedados nas ruas “de
trás” e Mirissa me intrigou e seduziu de novo com seu charme áspero. Pelo menos
essa Mirissa que reencontrei ainda não fora invadida pelos Marriot da vida como
é o caso da Baía de Weligama, onde já se erguiam construções de múltiplos
andares à beira mar totalmente inadequadas ao seu contexto.
A praia já tinha sim comercialização demais da conta e sinais claros de
ocidentalização. Mas fazer o quê? Trabalhar é preciso e eles dependem do
turismo e à noite, transformada pelas luzes das tochas, a gente esquecia os
pecados de Mirissa preferindo acreditar que ainda tínhamos vinte anos e que,
como na canção, éramos “strangers in paradise”.
Fomos ao templo budista no topo da colina a uns duzentos metros da praia
cuja pequena stupa não foi danificada pelas ondas do tsunami mas que perdeu
milhares de livros de sua biblioteca. Um dos monges estendia roupas em um
varal. E foi só. Depois fomos caminhar pela beira d’água com as famílias
nadando de um lado e as crianças jogando bola do outro. Sempre apareciam alguns
vendedores de frutas e cocos, o onipresente encantador de serpentes e mergulhadores
surgindo das pedras – ou do sorriso da praia? - com lagostas e polvos nas mãos.
E o resto?
De papo para o ar torcendo para que Sri Lanka se adapte para ser um
destino turístico mais íntimo, ao invés de sucumbir ao turismo de massa que
muitos moradores acreditam será a salvação econômica do país. Querendo com
vontade absoluta que daqui a outros vinte e seis anos caminhando pelas
redondezas das suas aldeias praianas outros viajantes possam ainda encontrar
pescadores encarapitados em varetas pescando em praias idílicas porque
desertas.
Moacir,
ResponderExcluirA sua praia é bonita demais e talvez você tenha voltado a Sri Lanka para ter certeza que o paraíso ainda estava lá e que os tios, os pescadores, os soldadinhos de chumbo e as meninas de trança estavam bem. É verdade que diante das grandes tragédias a humanidade se dá as mãos. Basta ver os bombeiros mineiros se arrastando na lama de Brumadinho tentando salvar vidas sem receber os salários atrasados. Tenho rezado pelos que se foram e pelos que continuam à mercê dos responsáveis e vítimas da impunidade.
Um abraço para você
Flávia,
ExcluirAcho que todos sentem vontade de voltar para onde foram tão bem recebidos que se sentiram em casa. Mas, sim, talvez eu tenha retornado à ilha para me certificar de que estava tudo bem. Talvez não o bem que a gente queria, mas bem de todo modo.
E sim, apesar das muitas mentalidades criminosas circundantes, a solidariedade é da nossa natureza por necessidade e não por boniteza. Houve um tempo, tanto tempo faz, em que sem ela a nossa espécie não teria sobrevivido.
O seu comentário me fez lembrar do trecho mais famoso da Meditação XVII do escritor e poeta e clérigo inglês John Donne:“A morte de qualquer homem me diminui, porque na humanidade me encontro envolvido; por isso, nunca perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti”.
Ernest Hemingway, séculos depois, usou a citação na abertura do livro Por Quem os Sinos Dobram. Parece que as palavras dos escritores não mais conseguem nos fazer refletir sobre o temos feito de nossas próprias caminhadas. Hoje o descaso com a vida humana é tamanho que os sinos só dobram no plantão do Jornal Nacional ou nos trending topics do Twitter.
Sim, reze muuuuito para que sigamos em frente tentando não desacreditar que, sabe-se lá como e quando e a que preço, um dia os nossos filhos e netos conseguirão construir um mundo melhor.
Outro abraço para você
Muito bom o seu relato do tsunami. Parece que o Sri Lanka aprendeu com as dificuldades e graças à educação está crescendo com inclusão e sustentabilidade. Mudando de assunto, é engraçado como as coisas do mar ficam mais gostosas quando são compradas direto dos pescadores e preparadas e comidas à beira mar. Fiquei com água na boca com a descrição do atum, rs. Aliás jamais entendi porque apesar do nosso enorme litoral e incontáveis rios não estamos entre os maiores consumidores e exportadores de pescado do mundo.
ResponderExcluirPois é, Márcio.Também não percebo por quais cargas d’água os peixes e os frutos do velho mar são tão caros nas nossas praias. Veja o Chile, por exemplo, que é um dos top exportadores de pescados e crustáceos que por lá, como se diz no Nordeste, " são baratos que nem bolinho de goma". Certa vez, na cidadezinha de Puerto Montt, passei horas em uma das barraquinhas do mercado de peixe à beira do lago, comendo por uma ninharia maravilhas preparadas pelas mulheres dos pescadores: centollas, choros, piures, machas, locos, picorocos etc, etc, umas criaturas estranhas mas absolutamente deliciosas.
ExcluirDia desses descobri que um dos mais valorizados peixes de águas profundas do mundo, o peixe-sapo, é abundante no litoral brasileiro entre o Rio de Janeiro e o Rio Grande do Sul. No entanto os pescadores os desprezam por causa da sua feiura, sem terem nem ideia do seu sabor que lembra o da lagosta. Diga a palavra "tamboril" para um português e o cara começa a salivar de imediato, porque o Arroz de Tamboril é uma iguaria na t’rrinha.
É difícil de abstrair que das nossas redes de pesca os bichos sejam devolvidos ao mar sem que ninguém tenha pensado em os comercializar! Que não se aprecie o peixe-sapo nas nossas praias, tudo bem, mas o porquê dele não ser exportado se há quem goste, me escapa. Obrigado por participar.
Olá Moacir,
ResponderExcluirVocê não imagina o quão gostoso de se ler está o seu texto. Parece que você está
falando e quase ouço sua voz que nem conheço.
Você é realmente um privilegiado por ter estado nessas paragens maravilhosas de areia cor de mel. Um paraíso com mochileiros de fora e gente de dentro, com filhos de olhos escuros e uniformes brancos a caminho da escola. Mas...não volte! Guarde intactas sua lembranças primeiras e segundas.
Tenho um texto preparado estes dias em que falo da generosidade em tempos de teagédias. Sejam elas trazidas da natureza ou feitas pelo homem, "essa espécie mentirosa, mesquinha, ladravaz ( faz tempo que ouvi essa palavra!)..." Será? Tudo indica.
Matara, Hambantota, Tangalle, Habaraduva, Polhenna, uns nomes bonitos, exercícios vocais para mim. E muita atenção para escrever. Ou terão letras de mais ou letras de menos.
Sedutor o "charme áspero". Posso usar? E os trens...adoro, passeei neles, acredite.
Belas praias, belos mares e belas fotos que nos fazem ir até elas. E não posso esquecer de agradecer o varal de cores monásticas. Um escândalo! Já sabe, acho poesia em varais. ( Será coisa de mulher doméstica? Domesticada? Credo!)
De papo pro ar, e também os pés, fiquei eu lendo o belo texto, acompanhada de um pequetito cálice de mamãe, com doce Carolans escondendo uma pedrinha de gelo. Quer vida melhor se não se pode ir até Mirissa?
Gratíssima!
Até sempre mais.
Caríssima Donana,
ExcluirUse e abuse do charme áspero (rsrs) A senhora nem imagina o quanto me alegra saber que leu e comentou o post como se estivéssemos conversando. A sua visão da minha praia – os exercícios vocais e o varal de cores monásticas jamais domesticadas! - só a enriquece. É triste perceber que quase ninguém está mais para conversas e/ou perguntando : Será?
Ando farto de escutar todos certos de estar certos sobre tudo no mundo o tempo todo, de ver as ideologias escorrendo dos editoriais para o noticiário, de ler as narrativas infalíveis - mas doidas de pedra! - dos explicadores da realidade.
Isso não é conversa. Conversar é justamente não saber e questionar, é ter mais dúvidas que certezas, é trocar experiências que, de outra forma, não poderíamos vivenciar, é procurar a melhor expressão das nossas próprias opiniões. Conversar é respeitar, é ter tato para ouvir e sensibilidade para descobrir as razões e os íntimos porquês por trás dos pensamentos alheios : os motivos, medos, esperanças, associações, experiências, saltos de lógica e deduções silenciosas, todas as coisas que se somam para explicar porque alguém pensa assim ou assado.
Não somos herdeiros de uma civilização ou de um banco de dados mas de uma loooonga conversa, iniciada nas florestas e cavernas primitivas e ampliada e tornada mais articulada ao longo dos séculos. Então e por favooooor, jamais deixe de conversar conosco!
“Até sempre mais”
Nas fotos e nas suas lindas descrições a praia de Mirissa parece mesmo uma praia do Nordeste, Moacir. Que saudade! Fiquei feliz de saber que os moradores da cidadezinha deram a volta por cima. Mas o artigo me deixou triste porque os ‘tsunamis‘ de lama no Brasil não são obra da natureza mas de criminosos e corruptos que deveriam estar na cadeia há muito tempo. Me desculpe pelo desabafo.
ResponderExcluirMônica,
ExcluirVocê não tem do que se desculpar. Realmente é revoltante e não se pode manter o teclado sossegado sabendo que tem gente engolindo lama e lama engolindo gente e que os responsáveis pelos genocídios, por enquanto, continuam mentindo impunemente. Há que botar pressão. É triste saber que nossas tragédias foram anunciadas desde o poema profético Lira Itabirana, de Carlos Drummond de Andrade, natural de Itabira, a mesma cidade na qual surgiu, em 1942, a Vale do Rio Doce:
“O Rio? É doce. A Vale? Amarga. Ai, antes fosse mais leve a carga”.
Obrigado e um grande abraço
De volta só para esclarecer: eu li ontem, portanto o Carolans não é desta manhã. O Mano é que me alertou para o possível mal entendido. Mas não impossível...
ResponderExcluirAté.
Caríssima Donana,
ExcluirO Sr. Editor fica ligado e cuida da senhora dele. Faz muito bem! Mas que ele fique sossegado: esse leitor aqui entendeu perfeitamente que a leitura foi notívaga, porque a senhora só estaria de bobeira e pé para cima às 8 da matina bebericando um Carloansinho se tivesse caído de novo no buraco da Alice (rsrs)
“Até”
Pimentel,
ResponderExcluirPelo que li até agora desta sua esplêndida minissérie, o Sri Lanka precisa do turismo para empregar grande parte de sua população nos hotéis, pousadas, restaurantes etc. A ilha não irá se descaracterizar tão cedo porque é justamente a sua beleza natural e o exotismo da sua cultura que atrai os “strangers in paradise”, em primeiro lugar.
Sampaio,
ExcluirPara que os paraísos não sejam contaminados, o único caminho é um turismo sustentável e muito respeito pelos meio ambiente e cultura nativos. Sabe? Foi um inglês de nome Thomas Cook quem, em 1841, inventou o tal de turismo de massa quando organizou a primeira excursão de trem para um grupo de mais de quinhentos passageiros que, com certeza, compraram o primeiro "pacote" incluindo passagem, hospedagem e guia local sem abrir mão de qualquer comodidade. Nada contra a indústria turística!
Desde que os centros históricos continuem pertencendo aos pedestres, que os mercados como o de La Boquería de Barcelona, possam atender os seus clientes nativos em vez de serem tomados de assalto por milhares de turistas saídos de navios de luxo que não compram os alimentos à venda e que em Sri Lanka os Marriots da vida à beira mar, não sejam espigões, mas resorts horizontais misturados com os jardins de flamboyants nativos e proibidos de ter mais de dois andares para não atrapalhar a visão dos coqueiros (rsrs)
Note que o que tem acontecido desde a metade do século passado é que os mochileiros têm aberto o caminho para o turismo de massa, descobrindo destinos que acabaram despertando o interesse das grandes redes hoteleiras e cias aéreas. Tudo bem que dinheiro não tem cheiro e que trabalhar é preciso mas confesso que em vez de ser turista insisto em fazer parte do time dos viajantes, uma gente muito estranha que não transforma seus destinos em produtos e serviços mas busca conhecer a história, os hábitos alimentares, os costumes e outras características de um lugar através do modo de vida do seu povo.
Certa vez, há muito tempo, perguntei a uma jovem viajante australiana que dera a volta ao mundo o que tinha achado do Brasil e ela me respondeu que "arroz e feijão era uma deliciosa combinação". Brava! Ou seja, queremos ver todos hotéis da orla e todas as frisas do Sambódromo lotados no próximo Carnaval, mas fico muito feliz quando encontro cara pálidas na trilha de Dois Irmãos, na Prainha, no Parque Laje e/ou no pé sujo comendo o combo nacional (rsrs)
Obrigado e abração
Completando mais uma crônica deste país exótico eu me deliciei com estas prais e suas culinárias
ResponderExcluirE gostei muito de ver a solidariedade das pessoas
Que privilégio vc usufruir de tudo isto
Agradeço esta série sobre o Sri Lanka
Um abraço
Prezada Lea,
ExcluirQue bom lê-la de volta aos comentários, acompanhando minhas aventuras e gulodices por Sri Lanka. Sim, você tem razão: é um privilégio não apenas ter tantos quilômetros rodados mas ter encontrado pelos meus caminhos pessoas solidárias que me ajudaram a acreditar que a vida vale a pena.
Quem lhe agradece pelas boas palavras sou eu e aproveito para fazer propaganda: tem uma resenha de filme chegando! E mais não lhe posso adiantar sem levar uma chamada do Sr. Editor. Mas, como diz a juventude, “fique ligada” (rsrs)
Obrigado e outro abraço
E eu esperando ansiosa
ResponderExcluirJá sabia que vc ia escrever sobre filmes ! Adorei