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Domingos Ferreira
A IDA
O menino
passava horas na parte de ré do convés do Navio Fluvial “Benjamim Guimarães”,
descendo velozmente o Rio São Francisco, no período das cheias. Sua atenção se
concentrava nas grandes pás da enorme roda na popa que mergulhavam nas águas do
rio, em movimento contínuo, impulsionando o barco para frente.
A embarcação,
oriunda do rio Mississipi, estava lotada de passageiros com destino ao Nordeste
e Norte do país, evitando viajar nos navios da empresa de cabotagem “Costeira”,
os famosos ITAs. Até aquele mês de agosto de 1942 os submarinos alemães já
haviam afundado, nas nossas costas, mais de três dezenas de navios brasileiros,
de carga e de passageiros, com centenas de mortes.
O pai do menino,
engenheiro, funcionário público, trabalhava no Nordeste, tentando minorar os ancestrais
problemas causados pelas violentas e históricas secas. Por sua competência, ele
fora transferido para Santa Catarina, a fim de atacar a urgente falta de carvão
importado, causada pelo torpedeamento dos navios. A pouca gasolina e o
querosene, importados em latas de vinte litros, também ficaram muito escassos.
As cidades brasileiras dependiam, quase totalmente,
de carvão para iluminação, transporte e uso de qualquer outra máquina, todas
estrangeiras. Os poucos automóveis sofreram uma adaptação para operarem com um
fogareiro no traseiro, queimando carvão de madeira, para produzir gasogênio, que
tocava o motor, com muita fumaça. Uma verdadeira trapizonga...
As outras
fontes de energia eram o vento, a lenha, os descendentes de escravos e os quadrúpedes.
Era fundamental que os trilhos chegassem às bocas das minas de nosso útil carvão,
mesmo pobre em energia, por ter muita cinza. E assim foi feito.
A família
nordestina do menino sofreu muito com os gelados ventos uivantes do primeiro
inverno passado em Tubarão, no Sul. Em especial a mãe, com uma asma terrível. E
o menino, frágil, quase morreu com um crupe violento. O resultado foi a decisão
de a família deixar Santa Catarina, porém com o pai lá permanecendo, no “esforço
de guerra”.
As três
meninas ficaram em um internato de freiras no Rio, apoiadas por parentas
cariocas. E a mãe e o menino voltaram para o abençoado calor do Maranhão. A
viagem foi “por dentro”, de trem e de ônibus, longe do mar... O trecho
Rio/Pirapora foi de trem, via Belo Horizonte. Nesse porto fluvial, a criança e
a mãe embarcaram no “vapor” fluvial.
O espetáculo
do salvamento de uma vaca atolada nunca mais saiu das lembranças do menino. Foram
salvas três vacas durante a viagem de dez dias, percorrendo, no coração do
Brasil, 1.370 km pelo rio São Francisco abaixo, entre Pirapora, em Minas
Gerais, e Juazeiro, em Pernambuco.
A primeira
faina ocorrera perto de Bom Jesus da Lapa, onde há uma famosa gruta de milagres.
O rio subira muito. A vaca, distante da margem, tinha água até o meio da
barriga e mugia tristemente, já perdendo as forças.
O navio se
aproximou aproado à correnteza, arriou um bote com dois marinheiros, que bem amarraram
o animal ao chicote (ponta) de um cabo (corda) de bom calibre (grossura). A
outra ponta foi levada até a margem, onde fez retorno em uma árvore encorpada e
veio até a bordo, onde foi amarrada em um cabeço no convés.
Tudo pronto,
o navio deu à ré (andou para trás), puxando a vaca para a margem, orientada
pelos homens do bote. Em pouco tempo o bicho pisou em terra firme e os
marinheiros desfizeram o nó do chicote do cabo que a amarrava. A vaca, livre,
saiu correndo, sem agradecer. Isso foi possível, porque os profissionais haviam
dado um nó, chamado “laís de guia”, que tem a qualidade de se soltar sozinho, à
distância. Boa marinharia... Boa sugestão para casos complicados...
Depois de outras
duas vacas desatoladas e centenas de quilômetros de navegação, houve uma parada
para “fazer lenha”, na pequena vila com o curioso nome de “Pilão Arcado”. Algum
tempo depois, o “gaiola” chegou a Juazeiro, na fronteira da Bahia com Pernambuco.
A mãe e o
menino atravessaram o São Francisco, em um bote à vela, chegando a Petrolina -
a cidade na outra margem do rio. Lá, embarcaram em um trem para Paulista, no
Sul do Piauí, onde chegaram no mesmo dia. Contudo, as coisas se complicaram ali.
O último arremedo de ônibus - um caminhão com bancos e cobertura de lona - “quebrara”
por falta de peças. A única solução para chegar à Teresina era um caminhão sem
lona, com sacos de sal e tudo mais que se possa imaginar.
A mãe e
outra mulher, com um neném, foram na boleia, ao lado do motorista e dono do
carro, um italiano perdido, chamado Orfila, que falava sem parar. O menino
ganhou um grande chapéu de palha e ficou na parte da frente da carroceria,
sentado em um saco de sal, acompanhado por mais de uma dúzia de caboclos,
homens, mulheres e crianças. Destoando, havia um senhor grisalho, engravatado
em um terno de caroá impecável, com relógio de algibeira e chapéu elegante.
Todos torrando ao sol e comendo poeira, sem uma gota de chuva.
Até Teresina,
foram três dias desbravando centenas de km de caatinga, por um arremedo de
estrada, através de riachos secos, com paradas para esticar as pernas, aliviar
a bexiga, ou beber água em uma cacimba, na sombra de algumas árvores.
As duas
dormidas ocorreram em pensões de lugarejos, nas redes que se levava ou alugava,
após uma comida frugal na mesa da varanda. As partidas, nas madrugadas
seguintes, nos primeiros cantos dos galos, foram anunciadas pelo senhor do
terno de caroá, que dizia a hora, em voz alta, olhando em seu relógio de
algibeira.
Após dois
dias em Teresina, na casa de parentes, a mãe e o menino subiram em outro
caminhão, com bancos e teto. Nele percorreram, por algumas horas, uma estrada paralela
ao rio Parnaíba, em demanda da fazenda de Santa Cruz, do outro lado. Para
tanto, tiveram de atravessar o rio em canoa, onde havia uma pequena vila,
chamada “Pouca Vergonha”, por abrigar uma renomada “Casa de Mulheres” da
região.
Avisado por
telegrama recebido no Brejo - município vizinho da fazenda- um tio estava
esperando a irmã, acompanhado por caboclos, “agregados”, em várias montarias. Dentre
elas a “Mimosa”, égua preferida da mãe, exímia amazona. O menino, que nunca
havia montado, foi na garupa do tio. O percurso, por trilhas, até a “Santa Cruz”
era longo, e lá chegaram ao entardecer.
O menino descobriu
outro mundo e se adaptou logo à vida na fazenda. Em pouco tempo, passou a andar
sem camisa e descalço, cultivando “bicho do pé”. Como neto mais velho e com o
nome do coronel, era tratado por “sinhozinho”. Também ganhou um guardião que o
acompanhava fora da casa grande. Era um jovem negro, o “Gambá”.
Juntos com
eles, se formara um grupo de moleques que passavam o dia explorando todos os
recantos da bela e organizada fazenda, sede dos negócios do avô, que incluíam
mais cinco outras, ao longo do rio.
Educado na
Europa, no final do século XIX, ao vir de lá, ele libertara os escravos, cuja
quase totalidade permanecia na fazenda. Seu pai, o bisavô, lutara na Guerra do
Paraguai, comandando uma centena de voluntários de suas terras. Razão para ser
condecorado pelo Imperador.
O menino
também gostava de ver o funcionamento do “engenho”, montado pelo avô, em três níveis,
no declive ao lado da “casa dos brancos”, situada no topo de um morro baixo, a
certa distância do riacho. Os modernos equipamentos, importados da Inglaterra, foram
desembarcados do navio inglês da Booth Line, no porto de Parnaíba.
De lá, subiram
o rio em barcaças rebocadas, e foram descarregados em um trapiche junto a uma
clareira, a mais próxima possível da fazenda. O trecho seguinte fora percorrido
por trilhas desmatadas, em carros puxados por duas juntas de bois cada. Uma
espetacular epopeia cabocla...
As
atividades comerciais das fazendas do coronel eram múltiplas. Por isso, ele
educara os muitos filhos em engenharia, agronomia, medicina, advocacia e
professorado primário. Para gerenciamento, ele contratava cearenses, refugiados
das secas, que “sabiam escrever e fazer contas”. A mão de obra bruta, masculina
e feminina, incluía descendentes de escravos, negros analfabetos...”Casa Grande
e Senzala”, pura...
O menino foi
“adotado” pelo tio, engenheiro civil, que o recebera na chegada. Ele era o “gerente
geral” do avô e passou a levar o sobrinho em suas múltiplas atividades,
explicando-lhe os fatos, razões e consequências deles. Assim, em pouco tempo, a
criança curiosa acumulou um bom conhecimento do que ocorria na fazenda.
Além disso,
o tio acompanhava a evolução da II Guerra Mundial, em um radio primitivo,
ligado na bateria da camioneta da fazenda. A estação era a BBC, de Londres, em
Português, diariamente, ao anoitecer. Isso era ouvido pelos dois, com um mapa-múndi
e outro da Europa na mão, o que auxiliava bastante a entenderem a evolução
daquela barbárie.
Quando acontecia
um evento mais importante - como o desembarque anfíbio dos “aliados” na
Normandia, ou a explosão atômica em Hiroshima - o tio se entusiasmava e tocava
o sino da “varanda de fora” do casarão. Esse procedimento era para chamar os
moradores da fazenda até a “casa dos brancos”, a fim de tratar de assuntos
importantes.
Com isso, se
reunia um grupo masculino de certo porte que ouvia, atentamente, as notícias
que o “doutor” dava da Grande Guerra. Poucos entendiam direito o que tinham
ouvido, mas a conversa se esticava noite adentro. E na loja da fazenda, nos
dias seguintes. Era importante...
O menino
ficou três anos na fazenda. Nesse período, centrado no casarão, no engenho, na
loja e no riacho, conheceu bem todos seus recantos e atividades. Via, atento, no
galpão superior do engenho, uma caldeira queimando bagaço de cana para tocar a
máquina a vapor (locomóvel) que fazia girar, no galpão do meio, a enorme moenda
na produção da garapa do açúcar. Daí, fervendo em enormes tachos de cobre, surgiam
os tijolos de rapadura, o açúcar mascavo e até o açúcar branco, refinado em uma
turbina veloz.
Além disso,
havia um “puxado” no casarão, com dois belos alambiques destilando pacientemente
uma cachaça de renome na região. Armazenada ali mesmo, em barriletes de madeira
de lei, era vendida na região, em garrafas importadas, com o nome “Castello”,
gravado.
Em outro
período do ano, era a vez da “farinhada”. A mandioca substituía a cana e, por
um processo similar no engenho, se transformava em farinhas de diversas
qualidades, para múltiplos usos deliciosos. Inexistia trigo no cardápio. Era
desnecessário...
Além dessas
atividades, a fazenda, em um solo abençoado, mantinha vigorosa atividade
agrícola, incluindo milho, feijão, arroz, verduras, frutas, além de criação de gado,
porcos, equinos, aves...Também, se dedicava à exploração extrativa abrangendo
açaí, castanhas diversas, buriti... E, em especial, desenvolveu a exploração de
cera de carnaúba, de grande valor para exportação, agregado em forma de pratos...
O menino
também mergulhou nesse universo, do qual tem memórias vivas e insubstituíveis. Tal
como quando, vestido em um “gibão” de couro e “chapéu” de vaqueiro, montou, sozinho,
em um jerico, com sela especial, acompanhando o tio e os homens na “subida para
a chapada”.
Esse
deslocamento durava uma semana. Ele ocorria uma vez por ano, quando era levado
o gado de corte, engordado no ponto certo, a fim de embarcar no trem para o
abate em Fortaleza. A comida dos vaqueiros era “paçoca de carne de pilão com
rapadura”, levada em um “surrão” (bolsa) pendurado na sela. Dormia-se em redes
armadas nas árvores...
A Guerra amaldiçoada
acabou na Europa com a conquista de Berlim e morte de Hitler, em 30 de abril de
1945. Seu fim, no extremo Oriente, ocorreu com a rendição do Japão, em 1º de
setembro de 1945, sob o impacto de duas explosões nucleares.
Ambos os
eventos foram celebrados em festas no pátio em frente da “varanda de fora”, com
os moradores atendendo aos chamados pelo bater do sino. Vararam as noites com música,
dança, pinga e até foguetório...
A VOLTA
O menino
precisava voltar para o Rio de Janeiro, para estudar. A mãe e o pai tinham regressado
antes, a fim de reunir a família. Na verdade, as aulas, para a molecada, da tia
solteirona na “varanda de fora” do casarão, eram irregulares e careciam de
material didático.
De qualquer
maneira, o menino tinha aprendido a ler e fazer contas ainda em Santa Catarina,
em um ótimo jardim de infância. Daí, ele passou a devorar qualquer texto que
caía em suas mãos, incluindo revistas e jornais, recebidos com grande atraso na
fazenda. Também, havia livros em francês, inglês e português, e catálogos de
produtos remetidos, anualmente, por fornecedores de Londres e de Paris.
Decisão
tomada, ele se despediu daquele mundo maravilhoso que tanto o marcara e foi
levado até Teresina pelo tio querido. Lá, na segunda madrugada, saiu da casa
dos parentes para o aeroporto, só com a roupa nova e sapatos lhe apertando os
pés desacostumados.
Entusiasmado,
ele se aproximou do avião que iria levá-lo até o Rio de Janeiro. Era um
trimotor, em cuja escada o esperava, com um sorriso, uma linda aeromoça loura e
perfumada. Ela lhe deu um beijo na bochecha e o fez sentar-se em uma janela da
direita, bem na frente. Ele já conhecia aquele perfume desde Santa Catarina...
O estranho
avião, com motores no focinho e nas asas, era alemão, nomeado Junker 52, muito
usado no transporte de militares alemães durante a Guerra. Ele pertencia à “Cruzeiro
do Sul”, empresa brasileira derivada da alemã “Syndicato Condor”, que operava
no Brasil desde os anos 30. Sua capacidade era de dezessete passageiros e três
tripulantes
O primeiro
trecho da viagem foi Teresina - Bom Jesus da Lapa, na Bahia, nas margens do São
Francisco, onde o menino e a mãe tinham estado no “gaiola”, anos antes, na
vinda para o Maranhão. Foi um voo tranquilo de quase cinco horas. O menino
passou as primeiras horas atento a tudo, porém, cansado, “apagou” na hora final.
A parada em
Bom Jesus era para reabastecimento do avião, descanso da tripulação e almoço na
pensão próxima ao aeroporto. O trecho até o Rio durou mais ou menos o mesmo.
Porém, com a grande diferença de que o avião corcoveou como um cavalo bravo, por
voar em baixa altitude, na atmosfera agitada pelo calor da tarde. Ele enjoou
todo o almoço, em sacos de papel que a aeromoça lhe dava, penalizada.
O avião
desceu em um Santos Dumont pré-histórico O menino ganhou uma colorida caixa de
papelão da empresa, com uma miniatura do avião, uma revista sobre aviação e chicletes,
biscoitos e garrafinhas de suco. A bela aeromoça o levou até o pai, esperando junto
ao prédio do aeroporto.
Naquela
noite, a família ficou completa, em uma casa alugada na Tijuca.
Alguns meses
depois, o menino e a irmã do meio foram ao centro da cidade, no bonde “12-Tijuca”,
para ver a chegada da FEB - Força Expedicionária Brasileira, vitoriosa nas
lutas na Itália. A avenida Rio Branco estava toda engalanada para receber os
heróis.
A dupla de
irmãos se uniu à multidão na calçada, na altura do Clube Naval, perto do ponto
final do bonde, no Largo da Carioca. Ali, juntinhos, eles assistiram ao desfile
dos militares, em seus uniformes de campanha, marchando ao som de bandas de
música, cantos vibrantes, e um grande foguetório. Alguns deles, feridos, tinham
dificuldade para marchar... As pessoas se abraçavam e choravam... Havia muita
emoção...
O menino viu
aquilo tudo boquiaberto e não sentiu o tempo passar. De repente, o desfile
acabou e as pessoas começaram a ir embora. Ele se lembrou da irmã e constatou
que ela tinha sumido... Procurou, procurou e nada. Teve vontade de chorar, mas
segurou... E agora?... Como voltar para casa?... Sem dinheiro para o bonde...
Ele se deu
conta de estar na esquina onde fica o Clube Naval. Os porteiros varriam a
calçada... O menino se lembrou que conhecera um tio, oficial de marinha, que
vivia falando sobre o Clube. Daí, não teve mais dúvida e se dirigiu a um dos
funcionários...
Em poucos
minutos, o menino foi levado a um sócio, que morava em um dos camarotes do
sétimo andar do clube. O oficial, pacientemente, ouviu a história toda e queria
ligar para a casa do garoto, porém ele não sabia o número do telefone. Em
seguida, foram procurar a irmã nas redondezas do clube. Sem sucesso...
O sócio queria
levá-lo até sua casa na Tijuca. Mas, ele insistiu em voltar de bonde, desde que
lhe fosse “emprestado” o dinheiro da passagem. Foi o que aconteceu.
Com dinheiro
no bolso, bateu a fome e o menino fez uma conta.
Dava para
pagar o bonde e comer um sanduíche, regado com um copo de caldo de cana, conforme
o cartaz de um botequim próximo. Não hesitou e, pouco depois, estava no bonde,
voltando para casa de barriga cheia. E encantado com a beleza dos interiores do
Clube Naval e do tratamento gentil recebido, estava resolvido a entrar para a
Marinha.
Passada meia
hora, ele desceu do bonde no ponto a dois quarteirões de casa. Estava correndo
pela calçada quando, ao dobrar a última esquina, esbarrou no pai, esbaforido,
indo a uma delegacia para tentar encontrá-lo. O menino nunca esqueceu o abraço
apertado que o pai lhe deu. E houve uma choradeira geral quando chegou em casa,
principalmente da mãe e da assustada irmãzinha que o havia perdido...
P. S.
I - O
almirante assistia, na companhia de um filho, o ótimo filme intitulado “Operação
Valquíria”, de 2007, sobre uma tentativa de assassinato de Hitler, em julho de
1944, que quase deu certo. O protagonista, coronel Stauffenberg, havia
preparado uma pasta com a carga explosiva e a levava para uma reunião do “Führer”
com seus generais, em um abrigo nas montanhas centrais da Alemanha. A cena
mostrava o coronel chegando a um aeroporto, de onde voaria para lá.
II - O
almirante quase caiu da cadeira ao ver o avião em que o coronel embarcara. Era
um trimotor igualzinho ao que ele havia voado para o Rio, fazia mais de sessenta
anos. E voou de verdade no filme.
O menino foi
dentro, de carona. Emocionado, com um nó na garganta, revendo todos os detalhes
da aeronave. Só faltou a bela aeromoça...
III - “Avião
da Segunda Guerra cai nos Alpes”
A notícia,
de 8/8/2018 diz: “A aeronave, um trimotor Junkers JU52, fabricado em 1939, se
chocou contra a face oeste do pico de Piz de Segnas...Não houve sobreviventes
entre os dezessete passageiros e três membros da tripulação...Três unidades do
JU52 foram utilizados pela Força Aérea da Suíça por mais de 40 anos e, na
ocasião do encerramento das operações, uma campanha nacional arrecadou 600 mil
francos suíços que financiaram a restauração dos aviões para uso civil.”
Esse avião operava
rotas turísticas para a empresa JU-Air, desde 1982... Era mais um dentre o incrível
total de exatas 4.845 unidades fabricadas, nas décadas de 1930/1940/1950, na
guerra e na paz, na Alemanha, Espanha e França.
Saudade...
Amigo Domingos,
ResponderExcluirSeja muitíssimo bem vindo de volta!
Um belo post do qual além de me deliciar com as histórias de infância do menino pude compartilhar de segunda mão o Junkers e a Segunda Guerra Mundial, pelas histórias de meu pai ( eu nasci entre o final dela na Europa e o final dela no Pacífico) e por sua extensa coleção de revistas da época. Aliás, ele também era chamado quando menino de sinhozinho, e até a morte, muito velhinhas, de sua mãe e sua tia que moravam conosco para elas nunca deixou de ser "sinhô"....
Fui conhecer o velho "Benjamin Guimarães" ancorado no porto de Pirapora, ele aposentado e eu visitando uma fábrica têxtil da Cedro Cachoeira, junto com um grande amigo, presidente de outra companhia têxtil, a Industrial Belo Horizonte, nós dois estudando se seria um bom local para construir uma fábrica nossa. Nunca me esqueço de nossa conversa com o gerente da fábrica, que se queixou do suprimento de energia elétrica, da fumaça de uma indústria a barlavento que interferia com a alvura do seu pano, da preguiça (segundo ele) dos ribeirinhos para trabalharem na fábrica, e assim por diante. O camarada nos desanimava completamente a cada pergunta que fazíamos. Até que meu amigo perguntou a ele: "E a pesca? Tem pescado muito?" e o gerente respondeu: "Também não presta". Nos despedimos dele e o meu amigo me disse: "Não devemos acreditar em nada do que ele contou. Só um mentiroso diria que a pesca aqui não presta!"
Bons tempos em que se podia dizer isso daquela parte de São Francisco!
Obrigado pelo post e pelas lembranças que me trouxe.
Um abraço do Mano
Prezado amigo Mano
ExcluirDe fato, estou muito feliz por retornar ao nosso blog.
O velho "Benjamim Guimarães" , vindo do Mississipi,via Amazonas, é um dos maiorers "gaiolas" a operar no São Francisco desde meados do século XIX. Existiram muitos outros , construídos no exterior e no Brasil, dos quais resta mais um com o pomposo título de Navio Museu "Saldanha Marinho", atracado em Petrolina. Há diversas lendas e fantasia embutidas nesses navios.
É muito interessante a descrição da conversa com o gerente da fábrica que vocês foram visitar para avaliar se convinha ampliar seus negócios na região. Brigado com a vida...Um primor de má vontade com tudo em volta. Estou curioso em saber se ele foi mantido, se fecharam a fábrica existente, ou abriram uma nova, com ele por perto...
Já quanto ao avião trimotor, foi uma enorme coincidência ocorrerem dois fatos quase simultâneos a respeito dele. Fiquei emocionado, de verdade, com as lembranças daquele tempo.
Vamos tocar o barco nas águas revoltas dos tempos atuais. O Brasil não merece isto...
Um forte abraço
Domingos
Salve Almirante,
ResponderExcluirEscusado seria dizer que senti falta dos seus posts. Só discordo de um detalhe desimportante nessa sua longa e bela viagem: você já era marujo muuuuito antes de, pela primeira vez, entrar no Clube Naval (rsrs)
Não importa que eu tenha nascido dez anos após o fim dessa guerra, que jamais tenha navegado o “gaiola” Benjamim Guimarães no velho Chico ou no Mississipi, que só conheça o ITA do Norte da canção e os Junkers 52 dos kits da Revell. Os bytes de memória do seu menino me trazem de volta parte da minha infância: o verde dos mares agitados de cana caiana, o cheirinho de rosas no jardim, o gosto das mangas rosa no pomar centenário. Em um piscar de olhos você me leva descalço – não me lembro de “bicho do pé” - para brincar no barracão, na casa de farinha, no arruado e na casa grande que, sim, também tinha varanda e duas cozinhas - a de baixo e a de cima – a diferença era o fogão a lenha.
Lendo você resgato os beijos da avó que se foi tão moça, as festas com cavalhadas e sanfoneiros, os banhos de açude, de bica e de cachoeira e os cozinhados das primas na campina- pra quê tanta prima, meudeus?
Viva as nossas meninices e nelas as "epopeias" nordestinas que deixaram em nós tantos sotaques e nuances! Viva o que sobrou dos moleques que fomos, tão parecidos com aquele outro, perdido na escuridão, de quem - diz Dona Lenda! - o próprio Currupira teve pena:
- "Vá por aqui, direitinho, com isto alumiando o caminho e você encontrará o que procura."
E ele saiu pelo sertão, procurando o sol da Terra, com uma lanterna de pirilampos na mão."
Obrigado e abração
Amigo de fé Moacir
ExcluirVocê tem toda razão. Sou marinheiro de muito antes.
Minha mãe estava grávida quando viajou em um ITA, comigo na barriga, de São Luiz, para o Rio de Janeiro, antes da Guerra. Como não poderia deixar de ser, eu estava dando muito trabalho, e fomos para o Rio para ser atendidos por um tio avô, cirurgião de renome na grande cidade.
Assim sendo, nasci no segundo andar da casa dele (hoje um prédio feio), na praia de Copacabana, local de minhas caminhadas. O quarto onde se deu o grande evento tinha uma ampla janela para o mar, de modo que meu primeiro berro já foi com ar salgado. E eu dormia ouvindo o barulho das ondas...
O passeio inaugural foi na praça do Lido, em frente ao Posto 2, e ao lado do Copacabana Palace, recém-construido. O "mergulho batismal", na primeira ondinha, também foi por ali. E, alguns meses depois, mãe e filho embarcamos em outro ITA, para São Luiz, de onde fomos para a fazenda Santa Cruz.
Grande alegria do meu avô, por ter sido quebrada uma "fieira de netas", como primogênito, para herdar seu nome e o anel "de direito". E , tambem, uma foto esmaecida no colo dele, pouco antes de falecer. Coisa de macho...
Naquela época distante, não existia esse negócio de empoderamento das mulheres. Uma grande injustiça. Viva elas!!!...
Obrigado por suas belas palavras. Convido o sensível amigo para obedecermos ao Curupira e, juntos, continuarmos "procurando o sal da Terra, com uma lanterna de pirilampos na mão".
Forte abraço
Domingos
Olá Domingos,
ResponderExcluirQue apareceu no Domingo!
E este menino que não se afeiçoou ao sul voltou para o norte em grande estilo aventureiro. Entre vacas tristes com água pelo meio, ônibus quebrado e caminhão sem lona construiu suas lembranças ricas. E entre o avô do engenho e o tio engenheiro no solo abençoado começou talvez a conhecer o mundo e virar gente.
Para depois aprender muitos outros perfumes e ser o homem de hoje.
E trazer para nós as letras montadas em suas lembranças.
Obrigada, Domingos.
Bem vindo sempre. Mesmo aos sábados, segundas, e todos os outros dias.
Olá Ana
ExcluirQue bom estar de volta, após algumas complicações da vida. Muito obrigado por suas palavras gentis.
De fato, tenho raízes fortes com o Nordeste. Talvez por ter vivido lá um período descompromissado, porém muito importante em minha formação. Outro fator relevante é o de meus pais serem da Bahia e do Maranhão.
Em contrapartida, tive o privilégio de a profissão me ter levado a conhecer todos os estados brasileiros e todas as ilhas oceânicas, navegando na superficie ou mergulhado. Ou sobrevoando, em pequenos bimotores"Bandeirantes", da fase inicial da Embraer, onde incluo 16.000 km de fronteira, com dez países, em um levantamento estratégico detalhado para o Ministério da Defesa.
Contudo, a maior paixão é o período de dois anos em que comandei uma Corverta na Amazônia. A "Última Página do Livro do Gênesis", segundo Euclides da Cunha, que também passou um período trabalhando lá. Apesar de ter vindo do Maranhão, o impacto da grandiosidade daquelas águas, bordando cenários improváveis e ofertando mil possibilidades, permanece indescritível na memória.
Assim como a presença do "amazônida" e suas soluções de sobrevivência, muitas vezes em isolamento abissal. Os índios, com sua simplicidade, as crianças remando em mágico equilíbrio em suas "montarias", as pequenas cruzes brancas, dos "anjos" enterrados atrás das casas, por absoluta falta de apoio...Os igarapés escuros que levam a vilas isoladas de leprosos...
Tudo isso marcou muito e me fez sofrer por esses milhões de cidadãos brasileiros isolados, com o recente encerramento, atabalhoado, do programa dos "Mais Médicos", mesmo com seus defeitos.
Amiga, desculpe o desabafo...
Domingos
Muito bom partilhar lembranças e eu voltei no tempo com suas histórias
ResponderExcluirO menino viveu tempos diferentes de agora e soube aproveitar a infância
Mano Moacir e Ana completaram seu relato e eu agradeço
Era menina e lembro bem o final da segunda guerra
Estimada Lea
ExcluirÉ muito gratificante acrescentar mais uma leitora desses textos que encaro com saudade de tempos idos, mas bem vividos. Em especial, quando se trata de pessoa que compartilhou a época dos acontecimentos. Seja bem-vinda.
Atenciosamente
Domingos
O Menino