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26/02/2019

Essas pequenas coisas!




























Ana Nunes



De manhã bem cedo no clube. Céu azul, piscina vazia de gente e convidativa no calor já tanto no dia que nem bem começa. E numa cena bucólica um monte de maritacas se banqueteando no topo da goiabeira fértil e generosa. Quase não as vejo no verde das folhas. Só os biquinhos amarelos na polpa vermelha e macia das frutas. E a barulheira nesse pequeno almoço da manhã. São mesmo como as mulheres nessa algazarra sem limites. Bem diz o ditado, falam como maritacas, esses seres interessantes nós mulheres. Mas como conseguem comer e conversar ao mesmo tempo? Voar e matraquear tipo aviso, venho de longe e estou chegando? Alegres e verdinhas na folia!
Me preparo para entrar na água, touca, óculos, pés de pato e palmares. E eis que aparece uma senhorinha baixa e gordinha. Super arrumada, nos trinques. Vestida de verde em cima e verde estampado em baixo. E se põe a pegar goiabas. E conversa comigo que nem conhece! Mas também nem se liga se estou escutando ou não. E vai colhendo suas frutas nos galhos mais baixos onde maritacas não se aventuraram. E onde seu tamanho alcança.
Eu me divirto com a cena maritaca no topo e maritaca no chão, nas sombras de galhos e folhagens. Viva o ditado!

Muito divertida essa manhã de maritacas. Que logo depois , na volta para casa, se contrapõe ao mendigo descansando no passeio, sem dentes e há muito sem teto. Sei disso pelos pés andarilhos quase irreconhecíveis, todo ele numa cor só de sujeira meio marrom meio cinza e muito triste. Uma cor tristemente só deles, como flicts é só do Ziraldo na lua. Estarei eu na “tentativa de poetar a triste realidade”?
Essas pequenas coisas!

Às vezes chegando do aeroporto minha irmã carioca já me leva direto para as compras de supermercado. Coisa chata e aborrecida e cansativa! E ainda tenho de ficar feliz por poder fazê-las. Tem gente que não. Inesperadamente entre pacotes, legumes, vegetais e flores delicadas e longilíneas, assim tipo orquídeas, aparece uma mãozinha caridosa com uma garrafinha verde, gelada e aberta para mim! Eu, a velhinha da casa, um pouco a imagem da mãe ausente, fazendo por mim o que certamente faria por ela! Que beleza, que alento, que frescor! Tudo sob olhares críticos da irmã mais nova, caretinha!
Pequenas coisas de novo entre tristes e alegres. Pequenas cenas.

Chego em casa cansada de calor, sol ardente, notícias fakes de chuva prometida e ainda a noite que não dá avisos. Na procura ansiosa dos comentários no blog encontro meu inseparável amigo íntimo, de confidências e conflitos e divertimentos, iPad surrado, trincado, de bordas seguras na fita adesiva, regiamente instalado num novíssimo suporte bem lindinho, branco e anti derrapante! Dirão alguns, “que bobeira!” (Meu neto fala assim, que bobeira vovó!). Presente very quiet. Vejo carinho e romantismo antigo de um cara sério e discreto nesse presente que eu nem sabia que precisava, ou de que gostaria tanto!
De novo pequenas coisas, pequenas causas, pequenas alegrias grandes!

Agora uma cena íntima que quando lembrada, me divirto sozinha. Porque de pé quebrado, antes da cirurgia, meu filho dormiu comigo no hospital. E no meio da noite, na hora inevitável do banheiro, me levou carinhoso. E me disse para não ficar de pudores. Se fosse necessário ele faria terapia depois! Não me avexei! Generoso esse pequeno grande homem e com muito senso de humor. Sou grata um tanto que nem sei dizer quanto! Aos dois que passaram grandes aflições. Meu outro pequeno grande homem contou mais tarde pensar que eu nunca mais iria andar.

A foto antiga da Mãe anos quarenta, cabelos meio curtos e soltos emoldurando o rosto, elegante no costume escuro de saia justa, de braços dados com o irmão e a cunhada, mandada via zap pela priminha querida que viu esse tempo. É jóia do coração.
Ou alguém que inadvertidamente põe Stand by me para tocar. E eu vejo minha mãe no seu teclado tocando para mim! E fico grata ao desconhecido que tocou meu coração! A prima querida também manda versões novas pelo zap.

O sorriso da criança no carrinho de bebê, a gentileza do motorista que me deixa sair da garagem, homem certamente, mulher quase nunca faz isso. Pena mesmo! Pelo sim, pelo não, sempre desço o vidro e aproveitando o cabelo branco dou um sorriso de velhinha toda simpática. E tem o atendente do posto onde abasteço que sempre pergunta pelo pé quebrado.

A chuva fria da nuvem cinza que me traz uma paz quase nunca sentida. Para mim é como se ela parasse o mundo para poder cair. Já chorei andando na chuva. Não por causa dela mas me aproveitando dela para misturar lágrimas e afrouxar mazelas!
Nada parecido! Experimente!

O gato Ziggy, cinza e peludo, focinho com focinho comigo, me cheirando e com seus olhos laranja, parecendo jóias, querendo me reconhecer. O Skank já disse mais ou menos assim, “...é como ver um bichano pelo chão e não sorrir.”
O macaquinho que pula da árvore para o fio de luz, do fio para a outra árvore onde está seu amigo de aventuras urbanas. Me olha rápido e finge que não me vê. Bichinho esperto e atarantado. De tão ágil, no pulo mal calculado, despenca lá de cima. E depois corre como se conhecesse o terreno hostil no rumo do protegido.

A faxineira, amiga de tempos, me surpreende com uma caixa de ovos da galinha de ouro do seu terreiro. Ou serão os ovos de ouro da galinha? Isto não tem preço! Nem tem jeito de lhe dizer como me sinto.
A dentista querida que me dá de presente de aniversário a limpeza dolorida e necessária dos seis meses! Linda ela, linda de corpo e alma nos seus irreconhecíveis sessenta anos. Sai com as filhas e parece uma delas.

E a orquídea na grade da janela que se enfeita toda de novas flores. A violetinha tímida e delicada que dá seu ar da graça entre as folhas peludinhas. Soberba no seu acanhamento. Quando namorados, meu pai levava amarrados delas para minha mãe. Quanta delicadeza de amor!
É tanta coisa feliz na vida da gente! Pequenas, que passam desapercebidas se não se estiver atento nesse caminho do viver!

Penso também na generosidade do meu povo nas tragédias. Solidariedade e ajuda de quem talvez já tenha perdido tudo. Aliás tanto maior quanto mais despossuídos! É o bombeiro de salário atrasado, o voluntário que limpa suas roupas e seu descanso.
Me emociono e percebo que o mundo ainda é bom. Apesar de tudo.

Ah! As pequenas jóias do blog do Mano!

Há tempos, no escritório de arquitetura cheia de desenhos e sono, a engenheira elétrica, elétrica mesmo não eletricista, já devia ter levado uns choques, me surpreende com um cafezinho para espantar o sono e ir adiante. Sem alarde, sem aviso, uma dádiva! Comovida sem palavras cheguei em casa e escrevi pra ela:

A terra fofa, a semente
húmus, sol e calor.
Chuva e um pouco de cuidado.
A folhinha verde, o cabinho
de repente a árvore, a planta e o fruto
vermelho fruto, torrado, moído.
Café, aroma e afeto.
Uma xícara sem pires
uma palavra
apanha de surpresa o cansaço
amolece o corpo, enternece o coração.
E uma xícara sem pires
com café amargo
comove tanto como o por do sol,
o mar azul de um porto seguro, a chuva pingando do telhado,
a lua prenhe no céu escuro,
o cheiro da madrugada.
Obrigada.

Se já escrevi isso antes me desculpem. Desconfio mas não me lembro. É que este café sem pires marcou a maturidade da minha vida. E me ensinou muitas coisas!

Essas pequenas coisas...!


9 comentários:

  1. 1)A sabedoria do cotidiano nas pequenas coisas. Parabéns Ana, você vai filmando, observando, documentando o dia a dia. É uma forma de meditação.

    2) O Buda recomendava prestarmos bastante atenção nas coisas, aparentemente simples, mas que tem grande conteúdo: foram feitas por seres humanos que tem alegrias e tristezas e parentes como todos nós, cada um com suas histórias.

    3) Para quem pula, bom carnaval. Para quem descansa, como eu, bom carnaval. Eis que, mais uma vez, maravilhosa como sempre, Teresópolis me espera.

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    1. Olá Antonio,
      (é muito bom escrever seu nome sem acento!)
      Gostei tanto de você comparar esse processo do olhar e pensar à meditação! Mas não é mesmo uma meditação na vida e ao longo dela?
      Um bom carnaval-descanso,para vocês nessas montanhas maravilhosas. Só não invejo porque você é um budista de verdade.
      Muito obrigada pelo comentário.

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  2. Lea Mello Silva26/02/2019, 08:58

    E hoje eu descobri que somos parecidas e primas amigas
    Me emociono com tudo isto e amo este chorar com tantas delicadezas
    A cada dia descubro coisas lindas no meu viver e por tudo iisto eu agradeço
    Obrigada Ana ❤️

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    1. Oi Léa,
      Coisas lindas do viver descobertas pouco a pouco para suavizar dias mais sombrios e pensamentos mais pesados.
      Obrigada prima querida.
      Beijo.

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  3. Maria Laura Baptista26/02/2019, 14:52

    Ah! Estas pequenas coisas! Como amo estas pequenas coisas! Estas lembranças, estas coisas do dia a dia. Não podemos deixar passar e não sentir. Obrigada Ana querida, por despertar meu olhar, e não me deixar perder a consciência desta importância! Beijos!!!

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    1. Oi Laura, cunhada querida,
      Obrigada digo eu por compartilhar comigo essa simplicidade do viver.
      Beijo.

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  4. Moacir Pimentel26/02/2019, 16:59

    Caríssima Donana,
    Obrigado por mais essa pequena grande joia do blog do Mano! Pois é : a essa altura da estrada já sabemos que a lua e os pés são flicts, que "achar beleza na feiura é a província do poeta" e que é apenas humana essa mania/agonia de querer tudo e um pouco mais. Mas há que ter calma! Vivemos tão estressados correndo atrás do queremos que esquecemos de apreciar o que já conquistamos. É como se em vez de nos alegrarmos nesse exato momento, focássemos nossa atenção nas coisas que ainda não são, longe do aqui e agora e de todas as alegrias que podemos encontrar nele. Como abraçar os nossos depois de longas ausências, sentar com a família completa em volta da mesa, ver todas as crianças juntas, rir até os músculos da barriga começarem a doer, beber o primeiro gole da bebida favorita, provar aquele arroz delicioso de novo,ter direito a sobremesa numa terça feira, sentir o cheirinho do café vindo da cozinha, assistir a um bom filme, reler um grande livro, andar descalço, ficar exausto depois do treino, tomar uma longa ducha fria, receber um lindo cartão dias antes do dia, dormir e acordar e viver com ela enquanto a chuva bate na janela.
    E fotografar essas coisas pequenas tão infinitamente mais importantes da vida e pendurá-las nas paredes ou transformá-las em posts/poesias para não esquecer que deveríamos desejar "impossivelmente o possível”.
    “Até sempre mais”

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    1. Olá Moacir,
      Depois do post do Mano sabichão culto e, principalmente depois do seu comentário a ele, fiquei em sérias dúvidas. Por que escrever, o que escrever, como escrever, se valia a pena escrever. E o pior, exibir!
      Mas penso demais, questiono demais , o que me tira do sério e me tira a ação. É como pensar tanto num desenho que já não há como faze-lo.
      Aí chutei o balde.
      Conversei então coisas banais, simplistas e sinceras. Desejei o impossível possível.
      E você me vem com um comentário desses, rico, complemento de idéias postas, mãos dadas na mesma prece. E lindamente escrito o que é coisa sua.
      Me chama de poeta mas não sou. Sou apenas rabisqueira. Mas...também sou gente e adorei o afaguinho no ego!
      Continuemos pois juntos nesse varal de idéias com pregadores de palavras.
      Até sempre mais.

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  5. Sinto falta do meu amigão dos Pampas nessa conversa.
    Estou com saudade Francisco!

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