Ana Nunes
De manhã bem cedo no clube. Céu azul, piscina vazia de gente e
convidativa no calor já tanto no dia que nem bem começa. E numa cena bucólica
um monte de maritacas se banqueteando no topo da goiabeira fértil e generosa.
Quase não as vejo no verde das folhas. Só os biquinhos amarelos na polpa
vermelha e macia das frutas. E a barulheira nesse pequeno almoço da manhã. São
mesmo como as mulheres nessa algazarra sem limites. Bem diz o ditado, falam
como maritacas, esses seres interessantes nós mulheres. Mas como conseguem
comer e conversar ao mesmo tempo? Voar e matraquear tipo aviso, venho de longe
e estou chegando? Alegres e verdinhas na folia!
Me preparo para entrar na água, touca, óculos, pés de pato e
palmares. E eis que aparece uma senhorinha baixa e gordinha. Super arrumada,
nos trinques. Vestida de verde em cima e verde estampado em baixo. E se põe a
pegar goiabas. E conversa comigo que nem conhece! Mas também nem se liga se
estou escutando ou não. E vai colhendo suas frutas nos galhos mais baixos onde
maritacas não se aventuraram. E onde seu tamanho alcança.
Eu me divirto com a cena maritaca no topo e maritaca no chão, nas
sombras de galhos e folhagens. Viva o ditado!
Muito divertida essa manhã de maritacas. Que logo depois , na
volta para casa, se contrapõe ao mendigo descansando no passeio, sem dentes e
há muito sem teto. Sei disso pelos pés andarilhos quase irreconhecíveis, todo
ele numa cor só de sujeira meio marrom meio cinza e muito triste. Uma cor
tristemente só deles, como flicts é só do Ziraldo na lua. Estarei eu na “tentativa
de poetar a triste realidade”?
Essas pequenas coisas!
Às vezes chegando do aeroporto minha irmã carioca já me leva
direto para as compras de supermercado. Coisa chata e aborrecida e cansativa! E
ainda tenho de ficar feliz por poder fazê-las. Tem gente que não.
Inesperadamente entre pacotes, legumes, vegetais e flores delicadas e
longilíneas, assim tipo orquídeas, aparece uma mãozinha caridosa com uma
garrafinha verde, gelada e aberta para mim! Eu, a velhinha da casa, um pouco a
imagem da mãe ausente, fazendo por mim o que certamente faria por ela! Que
beleza, que alento, que frescor! Tudo sob olhares críticos da irmã mais nova,
caretinha!
Pequenas coisas de novo entre tristes e alegres. Pequenas cenas.
Chego em casa cansada de calor, sol ardente, notícias fakes de
chuva prometida e ainda a noite que não dá avisos. Na procura ansiosa dos
comentários no blog encontro meu inseparável amigo íntimo, de confidências e
conflitos e divertimentos, iPad surrado, trincado, de bordas seguras na fita
adesiva, regiamente instalado num novíssimo suporte bem lindinho, branco e anti
derrapante! Dirão alguns, “que bobeira!” (Meu neto fala assim, que bobeira vovó!). Presente very quiet.
Vejo carinho e romantismo antigo de um cara sério e discreto nesse presente que
eu nem sabia que precisava, ou de que gostaria tanto!
De novo pequenas coisas, pequenas causas, pequenas alegrias
grandes!
Agora uma cena íntima que quando lembrada, me divirto sozinha. Porque
de pé quebrado, antes da cirurgia, meu filho dormiu comigo no hospital. E no
meio da noite, na hora inevitável do banheiro, me levou carinhoso. E me disse
para não ficar de pudores. Se fosse necessário ele faria terapia depois! Não me
avexei! Generoso esse pequeno grande homem e com muito senso de humor. Sou
grata um tanto que nem sei dizer quanto! Aos dois que passaram grandes
aflições. Meu outro pequeno grande homem contou mais tarde pensar que eu nunca
mais iria andar.
A foto antiga da Mãe anos quarenta, cabelos meio curtos e soltos
emoldurando o rosto, elegante no costume escuro de saia justa, de braços dados
com o irmão e a cunhada, mandada via zap pela priminha querida que viu esse
tempo. É jóia do coração.
Ou alguém que inadvertidamente põe Stand by me para tocar. E eu vejo minha mãe no seu teclado tocando
para mim! E fico grata ao desconhecido que tocou meu coração! A prima querida
também manda versões novas pelo zap.
O sorriso da criança no carrinho de bebê, a gentileza do motorista
que me deixa sair da garagem, homem certamente, mulher quase nunca faz isso.
Pena mesmo! Pelo sim, pelo não, sempre desço o vidro e aproveitando o cabelo
branco dou um sorriso de velhinha toda simpática. E tem o atendente do posto
onde abasteço que sempre pergunta pelo pé quebrado.
A chuva fria da nuvem cinza que me traz uma paz quase nunca
sentida. Para mim é como se ela parasse o mundo para poder cair. Já chorei
andando na chuva. Não por causa dela mas me aproveitando dela para misturar
lágrimas e afrouxar mazelas!
Nada parecido! Experimente!
O gato Ziggy, cinza e peludo, focinho com focinho comigo, me
cheirando e com seus olhos laranja, parecendo jóias, querendo me reconhecer. O
Skank já disse mais ou menos assim, “...é como ver um bichano pelo chão e não
sorrir.”
O macaquinho que pula da árvore para o fio de luz, do fio para a
outra árvore onde está seu amigo de aventuras urbanas. Me olha rápido e finge
que não me vê. Bichinho esperto e atarantado. De tão ágil, no pulo mal
calculado, despenca lá de cima. E depois corre como se conhecesse o terreno
hostil no rumo do protegido.
A faxineira, amiga de tempos, me surpreende com uma caixa de ovos
da galinha de ouro do seu terreiro. Ou serão os ovos de ouro da galinha? Isto não tem
preço! Nem tem jeito de lhe dizer como me sinto.
A dentista querida que me dá de presente de aniversário a limpeza
dolorida e necessária dos seis meses! Linda ela, linda de corpo e alma nos seus
irreconhecíveis sessenta anos. Sai com as filhas e parece uma delas.
E a orquídea na grade da janela que se enfeita toda de novas
flores. A violetinha tímida e delicada que dá seu ar da graça entre as folhas
peludinhas. Soberba no seu acanhamento. Quando namorados, meu pai levava
amarrados delas para minha mãe. Quanta delicadeza de amor!
É tanta coisa feliz na vida da gente! Pequenas, que passam
desapercebidas se não se estiver atento nesse caminho do viver!
Penso também na generosidade do meu povo nas tragédias.
Solidariedade e ajuda de quem talvez já tenha perdido tudo. Aliás tanto maior
quanto mais despossuídos! É o bombeiro de salário atrasado, o voluntário que
limpa suas roupas e seu descanso.
Me emociono e percebo que o mundo ainda é bom. Apesar de tudo.
Ah! As pequenas jóias do blog do Mano!
Há tempos, no escritório de arquitetura cheia de desenhos e sono,
a engenheira elétrica, elétrica mesmo não eletricista, já devia ter levado uns
choques, me surpreende com um cafezinho para espantar o sono e ir adiante. Sem
alarde, sem aviso, uma dádiva! Comovida sem palavras cheguei em casa e escrevi
pra ela:
A terra
fofa, a semente
húmus, sol e
calor.
Chuva e um
pouco de cuidado.
A folhinha
verde, o cabinho
de repente a
árvore, a planta e o fruto
vermelho
fruto, torrado, moído.
Café, aroma
e afeto.
Uma xícara
sem pires
uma palavra
apanha de
surpresa o cansaço
amolece o
corpo, enternece o coração.
E uma xícara
sem pires
com café
amargo
comove tanto
como o por do sol,
o mar azul
de um porto seguro, a chuva pingando do telhado,
a lua prenhe
no céu escuro,
o cheiro da
madrugada.
Obrigada.
Se já escrevi isso antes me desculpem. Desconfio mas não me
lembro. É que este café sem pires marcou a maturidade da minha vida. E me
ensinou muitas coisas!
Essas pequenas coisas...!
1)A sabedoria do cotidiano nas pequenas coisas. Parabéns Ana, você vai filmando, observando, documentando o dia a dia. É uma forma de meditação.
ResponderExcluir2) O Buda recomendava prestarmos bastante atenção nas coisas, aparentemente simples, mas que tem grande conteúdo: foram feitas por seres humanos que tem alegrias e tristezas e parentes como todos nós, cada um com suas histórias.
3) Para quem pula, bom carnaval. Para quem descansa, como eu, bom carnaval. Eis que, mais uma vez, maravilhosa como sempre, Teresópolis me espera.
Olá Antonio,
Excluir(é muito bom escrever seu nome sem acento!)
Gostei tanto de você comparar esse processo do olhar e pensar à meditação! Mas não é mesmo uma meditação na vida e ao longo dela?
Um bom carnaval-descanso,para vocês nessas montanhas maravilhosas. Só não invejo porque você é um budista de verdade.
Muito obrigada pelo comentário.
E hoje eu descobri que somos parecidas e primas amigas
ResponderExcluirMe emociono com tudo isto e amo este chorar com tantas delicadezas
A cada dia descubro coisas lindas no meu viver e por tudo iisto eu agradeço
Obrigada Ana ❤️
Oi Léa,
ExcluirCoisas lindas do viver descobertas pouco a pouco para suavizar dias mais sombrios e pensamentos mais pesados.
Obrigada prima querida.
Beijo.
Ah! Estas pequenas coisas! Como amo estas pequenas coisas! Estas lembranças, estas coisas do dia a dia. Não podemos deixar passar e não sentir. Obrigada Ana querida, por despertar meu olhar, e não me deixar perder a consciência desta importância! Beijos!!!
ResponderExcluirOi Laura, cunhada querida,
ExcluirObrigada digo eu por compartilhar comigo essa simplicidade do viver.
Beijo.
Caríssima Donana,
ResponderExcluirObrigado por mais essa pequena grande joia do blog do Mano! Pois é : a essa altura da estrada já sabemos que a lua e os pés são flicts, que "achar beleza na feiura é a província do poeta" e que é apenas humana essa mania/agonia de querer tudo e um pouco mais. Mas há que ter calma! Vivemos tão estressados correndo atrás do queremos que esquecemos de apreciar o que já conquistamos. É como se em vez de nos alegrarmos nesse exato momento, focássemos nossa atenção nas coisas que ainda não são, longe do aqui e agora e de todas as alegrias que podemos encontrar nele. Como abraçar os nossos depois de longas ausências, sentar com a família completa em volta da mesa, ver todas as crianças juntas, rir até os músculos da barriga começarem a doer, beber o primeiro gole da bebida favorita, provar aquele arroz delicioso de novo,ter direito a sobremesa numa terça feira, sentir o cheirinho do café vindo da cozinha, assistir a um bom filme, reler um grande livro, andar descalço, ficar exausto depois do treino, tomar uma longa ducha fria, receber um lindo cartão dias antes do dia, dormir e acordar e viver com ela enquanto a chuva bate na janela.
E fotografar essas coisas pequenas tão infinitamente mais importantes da vida e pendurá-las nas paredes ou transformá-las em posts/poesias para não esquecer que deveríamos desejar "impossivelmente o possível”.
“Até sempre mais”
Olá Moacir,
ExcluirDepois do post do Mano sabichão culto e, principalmente depois do seu comentário a ele, fiquei em sérias dúvidas. Por que escrever, o que escrever, como escrever, se valia a pena escrever. E o pior, exibir!
Mas penso demais, questiono demais , o que me tira do sério e me tira a ação. É como pensar tanto num desenho que já não há como faze-lo.
Aí chutei o balde.
Conversei então coisas banais, simplistas e sinceras. Desejei o impossível possível.
E você me vem com um comentário desses, rico, complemento de idéias postas, mãos dadas na mesma prece. E lindamente escrito o que é coisa sua.
Me chama de poeta mas não sou. Sou apenas rabisqueira. Mas...também sou gente e adorei o afaguinho no ego!
Continuemos pois juntos nesse varal de idéias com pregadores de palavras.
Até sempre mais.
Sinto falta do meu amigão dos Pampas nessa conversa.
ResponderExcluirEstou com saudade Francisco!