Rafael Sanzio - A Academia de Atenas (detalhe) - 1509 |
Francisco Bendl
Um dado que
sempre deve ser levado em consideração sobre as publicações de muitos
filósofos, que ultrapassaram os tempos e ainda são motivos de estudos até os
dias de hoje, é que atestam ser obras exclusivamente advindas das mentes desses
notáveis pensadores!
Alguém lhes
ensinou as teorias e conclusões que publicaram?
Aprenderam a
filosofar?
Havia algum
manual de instruções, de modo que seguissem o roteiro para seus estudos?
Não, nada
havia que servisse de auxílio para os livros editados, fruto da mente de
pessoas que apenas... pensaram, refletiram, elaboraram, trouxeram luz à
humanidade.
Similar ao
talento dos mestres da pintura, que Pimentel nos apresenta eventualmente com o
seu costumeiro brilhantismo, que não aprenderam pintar os seus quadros espetaculares,
maravilhosos, pois suas mentes e habilidades construíram essas obras que serão
eternamente elogiadas, incluindo as escolas que criaram mediante seus estilos
através de seus talentos, habilidades, criatividades, o filósofo é o sujeito
que tenta compreender o que faz no mundo e quem ele é efetivamente neste
contexto.
Vive-se por
quê?
A vida tem
sentido?
Ela nos
representa ou nós que a representamos?
Queiramos ou
não, a filosofia faz parte da nossa vida diária.
Desde que
acordamos até deitar, usamos a filosofia sem saber, sem querer, mas esta
disciplina está presente em nossas existências permanentemente.
E, a cada
vez que paramos para pensar, refletir sobre nossas vidas, o que não sabemos,
que desconhecemos, que nunca ouvimos falar, exercitamos a mente, o raciocínio,
as conclusões, as interpretações, logo, filosofamos!
Certa feita,
li um trabalho de filosofia cujo título me chamou à atenção:
“A Filosofia
como tradição da não tradição”.
Pensei com
meu botões por muito tempo, de modo a entender o significado da frase.
Tradição da
não tradição... meio contraditório, paradoxal – concluí que era assim mesmo a
filosofia, complicada e para poucos.
No entanto,
dia seguinte, compreendi facilmente o recado que o título daquela obra queria
dizer:
Cada pessoa
tem um estilo ou forma ou jeito de conduzir ou levar a sua vida.
Algo
próprio, inato, individual; mesmo a vida em família tem indivíduos muito
diferentes na sua composição.
Pois bem,
podemos traduzir que cada um de nós tem uma espécie de “filosofia” de vida, um
ritmo, maneiras peculiares de enfrentar as dificuldades e saborear as
facilidades.
E, a cada
alvorecer, a cada sol nascendo, aquele dia será diferente do anterior, a ponto
que nos vemos obrigados, ocasionalmente, a reagir muito diferente do que
faríamos em condições normais.
Tais reações
intempestivas, agressivas, que fogem à nossa personalidade, à nossa índole, ao
nosso “gênio”, obrigam-nos a tomar medidas que jamais imaginamos que seriam
possíveis, pois sequer pensamos nos resultados
porque imediatas, instantâneas,
ocasionais.
Logo, a “filosofia”
que escolhemos para viver, consciente ou inconscientemente foi alterada, e não
importam as circunstâncias, pois o dia que habitualmente vivemos sempre terá um
novo significado e aprendizado.
Ora, eis a
filosofia como tradição da não tradição, a grosso modo, claro.
Se a cada
dia eu me renovo, da mesma forma a tradição filosófica torna-se tradição em não
ser jamais a mesma no dia seguinte, lógico.
A vida é
renovação constante. Não nos é permitido estabelecer uma existência sem
qualquer mudança, alteração, rumo modificado; até mesmo a forma como entendemos
nos apresentar e ser para as demais pessoas, também sofrerá modificações porque
precisamos considerar que anexamos às nossas vidas mais experiências com a
idade que avança no tempo - boas ou más -, porém servirão para nosso
amadurecimento, crescimento pessoal, profissional, familiar ou não, lá pelas
tantas!
Portanto, a
filosofia não será a mesma no dia seguinte, haja vista que sofrerá influências
positivas e negativas, que nos obrigarão a repensar se o que fazemos está
correto ou se precisamos de reciclagem, de aperfeiçoamento...
A vida
sempre nos exigirá inventar, criar, construir uma pequena gambiarra
existencial, formular conceitos!
Sabemos que
conceito quer dizer aquilo que se concebe no pensamento sobre algo ou alguém.
A partir de
então, dos conceitos que formulamos sobre a nossa existência, certamente um
deles seria “viver a vida”, pois se a filosofia estará sempre questionando o
que se sabe, definitivamente não temos a menor ideia de como será o dia de
amanhã.
Para Deleuze,
a filosofia é a arte de formar, inventar, fabricar conceitos.
O filósofo
inventa e pensa o conceito;
Pitágoras
criou um conceito: o de amigo da sabedoria;
Descartes
criou um conceito: o do cogito (pensar);
Leibniz o de
mônada (átomo inextenso com atividade espiritual, componente básico de toda e
qualquer realidade física ou anímica, e que apresenta as características de
imaterialidade, indivisibilidade e eternidade);
Bergson o de
duração.
Que conceito
poderíamos criar para nossas vidas, nossas existências?
Teimosia?
Luta?
Esperança,
enquanto temos forças?
Enganar a
nós mesmos?
Lealdade?
Amizade?
Confiança?
Ou a própria
existência humana é o conceito de cada pessoa, ou seja, manter-se vivo?!
Vida que se
caracteriza através de dores, sofrimentos, alegrias, realizações, frustrações,
decepções, fugazes momentos de felicidades, companhia, afeto, amor, desamor,
ódio, tolerância, intolerância, consideração, solidariedade, desprezo,
caridade, respeito... que necessitamos entender e nos manter equilibrados,
conscientes.
Se
observarmos mais detidamente, o ser humano é o conceito do legado de cada
filósofo que mencionei acima.
Evidente que
sem querer saber mais do que eles, mas cada definição citada sem o homem e seus
temores, dúvidas, inseguranças, os pensadores se não se baseassem neles mesmos
não conseguiriam enunciá-las, de chegarem às conclusão obtidas, levando-se em
conta o momento, a época que existiram em confronto com a atual, onde temos
muito mais conhecimentos de nós mesmos e do que nos rodeia.
Não havia
parâmetros, referências, paradigmas, para que pudessem se fundamentar e
apresentar seus estudos com a profundidade que escreveram ou falaram, mas
pensaram, refletiram, criaram as suas circunstâncias, conforme Ortega y Gasset
(O homem é o homem e a sua circunstância).
Estudar
apenas sobre o que os filósofos pensaram sobre a humanidade, seus conceitos
ontológicos, epistemológicos, renunciamos a uma das mais importantes funções da
Filosofia, que é refletir sobre o nosso tempo atual e não de ontem, e tentar
resolver os dilemas de nosso dia a dia, menos o passado!
Viviane
Mosé, filósofa e poeta, deixa-nos uma reflexão:
“O
sofrimento é causado pela falta de ética, pela falta de respeito à vida, ao
corpo, à natureza, às pessoas”.
Por outro
lado, também cita:
“Tratamos
mal os que se lançam, se arriscam. Somos uma sociedade de impotentes,
deprimidos”.
Quando
debatemos o que é certo, errado, ética, moral, comportamento... estamos nada
mais, nada menos, que pensando filosoficamente.
Logo, a
filosofia contribui sobremaneira para o indivíduo ter uma visão de mundo mais
ampla, melhor, mais abrangente, sendo essencial à cidadania, ao indivíduo.
Em seu
livro, 101 Experiências da Filosofia Cotidiana (Editora Sextante), Roger-Pol
Droit descreve pequenas tarefas que podem deflagrar questionamentos
filosóficos:
Experimentar roupas:
pode levar o
indivíduo a pensar em outras realidades
e nos dilemas de outras vidas e outras culturas;
Tornar-se santo ou carrasco:
a pessoa se
esforça para observar em si e nos outros todas as características boas e más e
ficar, assim, menos propenso a julgamentos morais;
Encontrar lembranças perdidas:
constatar
que se possui na memória mais lembranças do que se supõe. Faz pensar sobre o
potencial de cada memória humana;
Tornar-se música:
deixar-se
levar pela música e sentir-se parte dela pode levar a pensar sobre as conexões
por trás de toda a realidade que nos cerca;
Ver uma mulher na janela:
sonhar e
criar realidades possíveis. Ao olhar para a mulher na janela, o indivíduo imagina
uma outra vida para si e uma história com o personagem que dura por toda uma
vida e termina ao final da rua;
Colocar-se no planeta dos pequenos gestos:
a rede dos
pequenos gestos forma um mundo à parte, e a proposta é fazer pensar a respeito
de todos os pequenos mundos que formam o nosso mundo. O mundo de uma mosca não
tem nada a ver com o seu;
Sorrir para qualquer um:
buscar a
cumplicidade momentânea de um sorriso desconhecido que compartilha dilemas e
inquietações em comum ou que simplesmente enfrenta a vida na mesma cidade.
E por aí vai...
Aliás, tenho
para mim que estudar filosofia ou saber o que vem a ser esta ciência - de amor
pela sabedoria, experimentado apenas pelo ser humano consciente da sua
ignorância -, tanto para encontrarmos a nossa essência, o nosso âmago, quanto
para as indefectíveis comparações com comportamentos alheios, torna-se
fundamental para entendermos o contexto social em que nos inserimos a partir do
grupo que nos identificamos, movimentos políticos, sociais, religiosos...
Ao indagarmos
os porquês dessas aproximações com pessoas, porém NÃO deixando de lado as
razões pelas quais também seria útil o isolamento como reflexão ao modo como
vivemos e entendemos a vida, e a nossa existência em relação ao mundo,
indiscutivelmente estaremos avançando neste processo filosófico, de se saber
mais sobre o próprio eu.
Não devemos
porém, esquecer de atribuir ao dia a sua devida importância como oportunidade
de crescimento pessoal, mental, intelectual, e de se saber mais sobre a
nossa compreensão e conhecimento, isto
é, nada melhor que o dia seguinte para nos animar e catapultar para novos
enfrentamentos, e de aumentar nossas resistências às invasões de influências
negativas ou decisões que nos ocasionarão arrependimento.
Para
Bergson, o nosso contato com o mundo exterior se efetua em dois planos
distintos:
De um
lado, o comportamento do “eu de
superfície” e, do outro, do “eu profundo”, revelando dois tipos de existência
em face do modo de conhecer.
Heidegger
fala-nos de uma existência inautêntica e de uma existência autêntica.
O homem comum se deixa levar por uma séria de
questões superficiais, por uma curiosidade inconsequente, que se perde no
conhecimento das simples notícias, sem maiores exigências. Pois esta
curiosidade vã coloca o homem diante de uma existência inautêntica, em
consequência de conhecimentos adquiridos
sem profundidade.
Somente
quando o homem substitui esta curiosidade inconsequente pela angústia, que é a
expressão de uma percepção dramática da existência humana, em que o homem se vê
permanentemente em uma encruzilhada, em que cabe decidir a sua vida, é que o
homem vive a sua existência autêntica.
Quando
pensamos a vida, efetivamente, não se trata apenas de recordar o passado ou
imaginar o futuro, como escrevi acima.
Trata-se de
julgar a nossa participação na existência, e decidir a nossa vida em função de
uma consciência e de uma responsabilidade assumida, que efetiva a possibilidade
de existirmos como seres livres, segundo o que dispõe a nossa natureza, de
direito, e nem sempre de fato.
Pensar a
vida não é pensá-la em termos de caminho que percorremos, uma espécie de trilha
a seguir, não, pois viver não é passar, mas é ser.
Justamente
por isso, importa é saber como participamos da vida, como sentimos a vida, o
que construímos de nosso próprio ser no nosso próprio modo de ser!
O ser humano
é criatura e é criador; não o criador de si mesmo nas suas origens, mas é
criador de si mesmo no seu modo de ser, na sua maneira de assumir as forças de
sua própria existência, na forma pela qual participa e se integra na
existência.
Caminhar na
vida não é percorrer um caminho anteriormente traçado, repito. Trata-se de
construir o seu próprio ser à procura de um sentido na sua vida.
Como diz um “filósofo”
de conversas nos bares, um tal de Chico Bendl:
Há mais verdades entre o que desejamos ser e efetivamente somos,
do que podem discernir as filosofias já conhecidas!
Com a devida
permissão do notável Shakespeare, obviamente.
Belo e profundo Artigo do Sr. FRANCISCO BENDL sobre Filosofia, que é a Ciência da Sabedoria.
ResponderExcluir"Não faz sentido caminhar se não sabemos aonde queremos ir", e a bússola que nos dá o azimute constante, é a Filosofia, conforme nos explica o Sr. FRANCISCO BENDL.
Quem somos?; De onde viemos?; E para onde vamos?
Quem de Nós, em algum momento, já não pensou sobre isso.
E vemos que mais do que boas Respostas, a Filosofia nos dá "boas Perguntas".
PLATÃO Séc. IV AC, recomendava para uma Vida Feliz, perseguir sempre:
A Verdade; O Bem; e a Beleza.
KANT Séc. XVIII DC, analisava: Que posso saber ( Metafísica); Que devo fazer ( Moral); Que posso esperar ( Religião); e que é o Homem ( Antropologia).
Mas a meu ver, Nenhum Povo analisou a coisa mais racionalmente que o Povo Hebreu, " O Povo da Sabedoria".
ABRAÂO, ISAAC, JACOB, JOSÉ, MOISÉS o grande Legislador, DAVID, SALOMÃO a personificação tradicional da Sabedoria, Os Profetas, os grandes Rabbis ( Mestres), os Escritores do Talmud ( O Estudo, com seus magníficos Comentários), etc, e a suprema Sabedoria de Nosso Senhor JESUS CRISTO que declarou que não mudava nem um "til" da "LEI e OS PROFETAS", mas que veio para faze-los cumprir na sua pureza inicial.
Abração.
Mestre Bortolotto,
ResponderExcluirAgradeço o teu comentário e o importante texto abrangendo o conteúdo deste artigo em tela.
E escreveste uma verdade apodítica, estocástica:
A filosofia, se não nos dá as respostas que esperamos, ela nos faz questionar tudo e todos e, de forma mais ampla, até a nos mesmos.
Acredito que a falta de raciocínio, de se saber a nossa colocação no contexto social da rua onde moramos, do bairro, da cidade, e dentro do lar, esse desconhecimento leva à confusão, à insegurança, à instabilidade emocional e pessoal.
Faz-se mister que saibamos as nossas limitações mas, paradoxalmente, termos consciência que o céu é o limite para o ser humano.
Claro que contesto o ditado que, "querer é poder", longe disso.
No entanto, o trabalho, a vontade, a determinação, o estudo, o aperfeiçoamento, o interesse em crescer e se desenvolver, podem nos conduzir por caminhos melhores e distâncias maiores, levando-nos ao ápice que podemos atingir, de acordo com as circunstâncias que implicam em certos balizamentos do que almejamos, mesmo com esforços redobrados para vencer os obstáculos inerentes do dia a dia.
Enfim, mestre Bortolotto, penso que quanto mais questionarmos a vida, o homem, o sentido da existência, se vale a pena ser honesto ou não, decente ou não, obediente às leis ou desviar-se delas, entender o próximo, sabermos quem somos e no que podemos nos transformar, atrelarmo-nos ao Universo, a antepassados, à nossa origem, quem sabe até trazer à tona uma outra discussão filosófica, mais de acordo com esses tempos de hoje, seria uma espécie de catapulta para nos lançar mais longe do corpo físico que nos impõe restrições.
Saber equacionar, buscar o equilíbrio necessário entre mente e corpo, onde a primeira é ilimitada mas, o segundo, de acordo com a abertura de nossas pernas e sobre o que enxergamos, decididamente é fundamental para uma vida que possa ser mais agradável de se viver, de ser mais feliz, mais participativo e colaborador.
Um grande abraço.
Saúde, e vida longa, mestre Bortolotto.
1) Grande artigo Bendl. Parabéns !
ResponderExcluir2) Viver é bom, viver com Sabedoria e Filosofia é melhor ainda. Cedo aprendi com essas duas: Sabedoria e Filosofia sofremos menos.
3) Gosto muito de estudar e pesquisar as diversas correntes das Filosofias Orientais e Ocidentais.
4) Boa semana para todos (as) !
Meu amigo e professor Rocha,
ResponderExcluirObrigado pelo comentário.
Pressinto que tenho de me dedicar aos estudos do Budismo, pelo menos para ter um pouco deste teu otimismo e paciência superiores.
Em face de que Buda não é um Deus, logo, o que prega é filosofia, ensinamentos, maior visão da vida e seu sentido, começarei a ler mais profundamente a respeito.
Não se trata de eu estar te prometendo nada, mas não me custa tentar eu entender mais e melhor as palavras de Buda, principalmente no que tange à reencarnação e, o mais grave, a meu ver, em qualquer forma de vida!
Hoje homem, amanhã leão, depois um jacaré, ali adiante um cachorro, mosca, rato, minhoca, gato, tigre, papagaio ...
Acho que seria involução, se cheguei até o homo sapiens.
Um grande abraço.
Saúde, muita saúde.
Prezado Bendl,
ResponderExcluirLi com muita satisfação o seu post. Primeiro porque gosto de boas perguntas, segundo porque buscar respostas é uma árdua missão já que não existem atalhos para o conhecimento, terceiro porque sei que Dona Filosofia é considerada uma chata pela maioria dos bípedes do terceiro milênio, que querem ter um casamento monogâmico com Dona Ciência, ter certezas, ganhar o debate, vencer o conflito, resolver a parada ontem em vez de desenvolver consciência, paciência e sabedoria. Ou seja, manter essa sua atitude filosófica nesses tempos de internet onde tudo é comprado pelo valor de face e sob a forma de resumos publicados, repercutidos, copiados e colados e compartilhados para consumo imediato, é difícil. Por isso louvo o seu entendimento socrático de que só uma vida examinada pela filosofia nossa de cada dia vale a pena ser vivida.
Entendo essa voracidade com a qual busca saber sobre tudo: realmente o seu HD infinito precisa continuar a ser compartilhado, a ser escrito, senão a sua cabeça explode! Creio que Aristóteles respondeu por que filosofamos no início de sua Metafísica: “Todos os homens, por natureza, desejam saber”. Daí as grandes questões da humanidade sobre nossa origem, o significado da existência, o nosso destino etc. Só que preciso filosofar com moderação, por partes, matutando uma pergunta de cada vez e pedindo desculpas pela prolixidade da resposta! (rsrs) Portanto vou tentar focar na sua primeira questão: “Como aprenderam a filosofar?”.
No momento ando às voltas com o estudo da aurora da nossa espécie que se caracteriza justamente pela mente emergente, o pensamento abstrato, a habilidade de pensar simbolicamente em coisas e conceitos que não são concretude. Dona Arqueologia nos prova que os ancestrais dos nossos primos neandertais que viveram há 400 mil anos na Serra de Burgos, no norte da Espanha, já praticavam ritos funerários e que enterravam seus mortos com seus instrumentos de trabalho o que sugere que já tinham encarado a mais antigas perguntas filosofais e apostado em uma outra vida após a morte.
Dizem os doutos que evoluímos graças à necessidade que temos de nos comunicar. Não é à toa que a primeira das abstrações do humano moderno foi a fala – sons representando objetos – a segunda, a arte – formas pintadas representando coisas – e a terceira a palavra escrita misturando os sons e as formas das duas abstrações anteriores. Ou seja, palavras e pensamentos estão intimamente ligados e para os segundos as primeiras funcionam como uma cola, permitindo-nos agrupar diferentes experiências e conceitos e os pensar melhor. É fácil imaginar um sapiens das cavernas falando uma proto-língua - "eu Tarzan...tu Jane" - rica de gestos e substantivos e aos poucos sendo invadida por verbos e adjetivos - "quero mamute quente!" Afinal comunicar algo concreto é moleza porque podemos nos valer de detalhes como cor, forma, textura, sabor, som, cheiro e tudo o que percebemos através dos sentidos. Mas pergunto : como o primeiro bicho homem traduziu para os colegas de fogueira o substantivo abstrato “dissidência”? (rsrs)
(continuo teclando)
Caro Pimentel,
ExcluirObrigado pelo comentário acima, onde mencionas o crescimento do homem ao longo do tempo, e como fomos evoluindo, citando as etapas mais cruciais da espécie humana para atingirmos o estágio atual, e que não termina aqui, mas segue adiante e de maneira inexorável!
Gosto dessa discussão, pois até mesmo as discordâncias se identificam, pois o assunto debatido é exatamente o que gerou o antagonismo entre as partes que o abordavam.
Aquela velha história que o bonito para alguns, pode ser feio para outros, e vice-versa, mas a discussão versa sobre a beleza, mesmo que esta seja interpretada de várias formas e, a arte, evidencia exatamente essa questão, caso contrário não haveria tantas escolas e onde tu és o mestre neste particular.
Dito isso, se não mais engatinhamos quanto ao conhecimento, indiscutivelmente nos encontramos na infância.
Ainda brincamos; nosso alcance mental está limitado; nossa imaginação por mais que seja criativa, sequer imagina a nossa colocação no Universo, se somos mesmo parte dele ou uma excrecência, uma afronta, um ponto fora da curva.
Por este teu primeiro texto, curvo-me ao que postaste, pois absolutamente indiscutível que avançamos conforme escreveste, a fala ou sons guturais, mas a emissão de ruídos nem que fossem para avisar do perigo que corriam em certos momentos.
Depois a arte, as mensagens deixadas nas paredes ou relatos de feitos e vitórias contra grupos inimigos ou animais selvagens.
Por último, e sempre avançando, a escrita, os registros de nossos antepassados, os primórdios da comunicação levada adiante de povos para povos, mediante amizades, desafios, narrativas, códigos, leis, regras, valendo a escrita como testemunha de acordos selados, alianças, assim como serve para declarações de guerra!
Abração.
Saúde.
A resposta é simples: com a imaginação! Porque só os humanos, entre todos os animais do planeta, são capazes de não só criar mas acreditar em ficções. O mais sofisticado ponto de virada na evolução da humanidade, a revolução cognitiva, foi o momento no qual nossos ancestrais se tornaram capazes de expressar com palavras e através de FÁBULAS toda a complexidade de seus pensamentos abstratos, todos os significados das suas percepções subjetivas e das suas novas e revolucionárias ideias. Foi aí que o homo começou a filosofar, a conceituar necessidades e propósitos pessoais, a narrar não apenas a dinâmica existencial mas a si mesmo, as suas ações e experiências "dissidentes", as emoções que desencadearam, a sua verdade. As histórias pintadas nas rochas e contadas pelos mais velhos da tribo foram as primeiras filosofias da humanidade e como todos acreditavam na mesma ficção, na mentira que falava verdades, na moral da história, todos cooperavam, seguiam as mesmas normas e tinham os mesmos valores.
ResponderExcluirDaí até que os macacos sapiens virassem filósofos profissionais foi um pulinho no tempo. Logo estavam se perguntando com que objetivo faziam isso e aquilo, questionando se suas motivações eram inteligentes, coerentes e éticas em vez de argumentar tipo faço isso porque é assim que sempre foi feito, porque fulano e sicrano fizeram, porque os deuses mandaram e se não o fizer serei punido. Na verdade o Sócrates dançou depois que começou a fazer esse tipo de questionamento (rsrs) Mas desde Atenas nós passamos para um modo racional, ativo e consciente de pensamento que submete todos os aspectos do chamado senso comum à razão, verificando o que é razoável e o que é autoritário, o que é pertinente e o que é tolice, o que é conceito e o que é preconceito, o que é verdade e o que é conversa fiada e por aí vai. E começamos a examinar nossas próprias mentes, a buscar o autoconhecimento, a perceber que as nossas emoções estão diretamente ligadas às nossas crenças, opiniões e interpretações e a nos preocupar com as razões que nos fazem reagir assim ou assado.
Quem lê os grandes Mestres do pensamento percebe que a história da filosofia é composta por repetidas tentativas, ao longo dos séculos, de abordar a nossa crônica insensatez e que ser sábio significa tentar viver e morrer bem, levando uma vida tão boa quanto possível. Enfim, na minha modesta opinião, filosofar é jamais ter certeza, é duvidar, é desafiar perenemente os nossos próprios pontos de vista em vez de agir como se já tivéssemos chegado ao último capítulo da história humana quando na verdade estamos dando os primeiros passos de uma looooonga jornada.
Abração
Caro Pimentel,
ExcluirAs nossas conclusões são idênticas quanto à imaginação do homem para atingir os níveis que alcançou. Sem darmos asas aos pensamentos e ideias, continuaríamos muito atrasados em relação aos dias de hoje, aos desenvolvimentos e descobertas científicas e tecnológicas.
Observa que, no entanto, se evoluímos materialmente no que tange aos sentimentos, eles são os mesmos desde que surgimos neste planeta!
Ódio, raiva, inveja, repúdio, simpatia, carinho, amor, abraços, beijos, socos, pontapés, agressões verbais e físicas, guerras, mortes, preconceitos, consideração, bondade, intrigas, calúnias, elogios, reconhecimento, admiração, veneração ...
Se o homem está restrito às circunstâncias que o rodeiam, a sua imaginação voltada ou para o bem ou para o mal, segue a mesma.
Se aceitamos melhor nossos desafetos, decididamente não devemos ao aumento de nossa compreensão e tolerância, mas às leis que nos delimitam comportamentos que não se coadunam no meio social onde vivemos.
Logo, a liberdade única para o ser humano é a sua imaginação, até porque mantida em segredo e praticamente indevassável à especulação alheia.
Paradoxalmente à preservação de nossos pensamentos, sabemos de antemão que tanto podemos decepcionar quanto alegrar;
que podemos nos defrontar com ideias melhores que as nossas;
que temos consciência de vidas em melhores condições que as nossas;
de pessoas mais inteligentes do que somos;
de mais conhecimentos dos que temos;
de mais cultura que supostamente pensamos que demonstramos.
De fato, a nossa caminhada ainda tem um longo trecho para ser percorrida até a nossa maturidade como espécie.
O mais grave, entretanto, diz respeito a possíveis mudanças de planeta, de outra vida completamente diferente desta, de onde nos originamos.
Na razão direta que o fim da vida se aproxima, com a chance cada vez mais ampa de um asteroide se chocar com a Terra, o homem elabora meios de fugir desse encontro mortal, dando início a um novo homem, deslocado de onde se originou, viveu, teve filhos, foi descendente, pois terá de deixar essa trilha de milhões de anos para trás e ir em busca de outros mundos.
Novos valores, princípios, alimentos, bebidas, cultura, história;
haverá condições para nossa reprodução?
O ser humano se transformará na aparência, caráter e personalidade?
Quando me dizem que estamos longe dessa possibilidade, penso comigo mesmo que meu interlocutor é ingênuo, afinal das contas, o que sabe ele do Universo, esta máquina de moer galáxias, estrelas, planetas e satélites, exatamente como fazemos com aqueles que não gostamos ou que se atreveu a discordar do modo como vivemos?!
Obrigado, Pimentel, por este segundo comentário.
A nossa troca de ideias foi salutar para mim, cuja imaginação está distante anos-luz da tua.
Eu ainda me encontro engatinhando, enquanto estás saindo da infância e adentrando na adolescência.
Somos incompatíveis, nessas alturas, em nossos pensamentos, conhecimentos, razão pela qual deves me puxar pela mão, de modo que eu pelo menos me aproxime de ti nesta maneira de entenderes o nosso desenvolvimento pessoal, e não somente material!
E, seriam as artes, que tu as domina tão bem, exatamente as medidas que nos comparam ao passado remoto; os índices indiscutíveis de progresso em nossas habilidades, que concretizam a imaginação, que as realizam.
Reitero e repito meus agradecimentos pelos dois comentários sobre a filosofia nossa de cada dia, ao mesmo tempo que te elogio pela compreensão e entendimento que tens do uso diário desta ciência, que nos eleva sobremaneira como ser humano.
Abraços.
Saúde!
Querido FBendl,
ResponderExcluirComo foi bom ler o seu post.
E ver a filosofia asssim tão na minha vidinha dia após dia. Nos embates, nas decisões, nas escolhas por menores que sejam. Usada assim como você bem o disse, sem saber. Permanentemente. Certeira na tradição sem tradição.
Estive lendo um livro da Gertrude Stein sobre Picasso e ela diz mais ou menos assim: que nós não nos mudamos nada, somos sempre os mesmos. O que muda é o em volta, a cor, a forma, o circundante. E vamos aprendendo a viver com essas mudanças.
Mas não seria isso um pouco nos mudarmos também? Porque se aprendemos, usamos de novo e nos preparamos para novas aprendizagens.
Se Heidegger nos fala de uma existência inautêntica e outra autêntica, aí se misturam o homem social e o individual. Que se fundem na angústia.
Eh angústia angustiante que nos acompanha até para escolher uma roupa ou uma palavra!
E, com roupa e com angústia, vamos "construindo nosso próprio ser no nosso próprio modo de ser".
A ignorante do pedaço se manifesta!
E espera mais.
E viva a contribuição hebraica e budística!
Minha querida amiga Aninha,
ExcluirEnquanto eu e Pimentel escrevemos longos trechos para dizer o óbvio, tu, mulher, inteligente, sensível, de possuir uma visão mais ampla e abrangente da vida humana e de nossas condições para sobreviver a tantos percalços, vieste pelo atalho dos teus conhecimentos, resumindo em poucas linhas o que postamos em muitas!
Se, anteriormente, mencionamos as etapas do crescimento do homem até este patamar atual, a mulher desde cedo trazia consigo o poder da síntese:
- Marido, não temos comida, te vira!
Enquanto o caçador pensava em como encontrar o alimento, como consegui-lo, qual seria o caminho melhor, que arma deveria levar, se a lança, tacape ou suas próprias mãos, se construísse armadilhas, a mulher resumia seus pensamentos como acordando-o do sonho:
- Meu, temos fome, vai à luta!
Por essas e outras, Aninha, se os homens foram os grandes pensadores, filósofos famosos, elucubrações esplêndidas, raciocínios insofismáveis, as mulheres não precisavam de tantos pensamentos e ideias, pois eram e sempre foram, práticas.
Maravilhosos os pensamentos de Aristóteles, Sócrates, Platão, Kant, Leibnitz, Hulme, Tomás de Aquino, Erasmo, Descartes ... mas não se transformavam em alimentos, em sustento do corpo, pois não saciava a fome, que impedia justamente o homem de pensar, raciocinar, ter as suas ideias brilhantes.
Se o homem pensa, é a mulher que realiza, concretiza a sua imaginação, dá forma às suas ideias.
Vocês são o complemento indispensável à continuação da espécie humana, e até onde chegamos depois de milhões de anos que existimos.
Mas não foi apenas pela reprodução, pelo instinto de preservação da espécie, não.
Mas pelo fato de nos ter levado pela mão para vivermos, ficarmos contemplando, enquanto as mulheres trabalhavam, realizavam, construíam, e, diante de nossas frustrações e decepções pelo que não lográvamos êxito, ainda nos davam carinho, atenção, amor!
Dito isso, minha reverência à autoridade feminina, aos seus poderes, aos mistérios que as mulheres tão bem conseguem mantê-los, haja vista que o homem por mais pensador e brilhante na subjetividade, jamais conhecerá a mulher e seus recursos infindáveis, realistas, práticos, indispensáveis à nossa sobrevivência!
O abraço forte e amistoso que te envio não é somente pela amizade que temos um pelo outro, não, mas pela admiração e respeito que tenho pela mulher, infinitamente mais inteligente, sutil, mais bem preparada para enfrentar as dificuldades que nós, invariavelmente, nos borramos de medo quando nos deparamos com elas!
Ah, e com a devida permissão do Mano, claro, um beijo respeitabilíssimo neste rosto meigo, bonito e caridoso com nossas falhas tão gritantes e enervantes, e que vocês pouco se importam, pois sabem dos poderes que possuem, enquanto o homem desconhece a si mesmo!
Saúde, Aninha, e vida longa.
Em tempo,
ResponderExcluirViva a contribuição Pimentélica! Grande!
Gente !!! Um tratado de filosofia muito bom !!
ResponderExcluirProfessores excelentes e eu me atrevo a escrever aqui ...
Só tenho a agradecer pela contribuição de vcs
Um grande abraço a cada um
Minha querida Lea,
ResponderExcluirLamento não ter lido o teu comentário antes, peço perdão pela falha involuntária.
Por outro lado, minha cara, te asseguro que está muito longe de mim elaborar um "tratado" de filosofia.
Quando muito, umas frases simplórias, de acordo com a minha compreensão e entendimento sobre esta ciência.
Obrigado pelo teu comentário e gentileza para comigo.
Afirmo que tuas palavras sempre ajudam e animam para que, volta e meia, eu tenha a ousadia de enviar para o Mano um que outro texto.
Do alto da bondade e tolerância que o caracterizam, ele posta o que faço, pelo qual aproveito para agradecer tamanha deferência.
Um forte abraço, Lea.
Saúde, muita saúde.
Gostei do querida Léa ! Amigo da Ana é amigo meu também
ExcluirNão pare de escrever, gosto muito do seu estilo
E retribuo desejando a vc muita saúde e alegria para viver
Um grande abraço