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14/06/2019

Descabimentos

Aquarela e colagem - Ana Nunes



Ana Nunes
O sol se põe na caixinha dourada
onde mora o pensamento descabido
dos olhos já vazios que querem luz
mas dormem atrás dos cílios macios.

As palavras coadas já não têm pouso
e a boca murcha deita no pensamento interrompido
e os dentes de porcelana esbarram no céu escuro
que sem estrelas já não tem sabores.

A linha tênue do vidro quebrado
corta as palavras e o pensamento
que agora seguem a teia de aranha
no arranhão partido.

Por ali na fenda escorrem as letras
e no fundo forrado de pixels
residem os cacos dos afetos desencontrados
que colados com dizeres não ditos
formam placas que aderem às veias preguiçosas
e aos dentes malcuidados.


11 comentários:

  1. Francisco Bendl15/06/2019, 08:47

    Descabido, descabimento, despropositado, desacertado, desnecessário, disparatado, desapropriado, desarrazoado, descadeirado, descabelado, despenteado, decepcionado ... a poesia da Ana nos propicia um sem número de sinônimos para o título que deu ao seu trabalho, Descabidos.

    E que nos deixa mesmo desregulados, desacreditados, pois ela nos desafia para que a acompanhemos no desenvolvimento do seu raciocínio, de modo que deságuem no mar de ideias que ela possui sobre nos desapegarmos do que vemos, para nos desafogarmos de anseios e limitações que tanto nos têm desagradado e desaprovado.

    Ela nos faz despontar para novos horizontes, que desabrocham a nossa mente para diferentes modos de entendermos a realidade, um desabafo diante daquilo que nos pressiona a existência, e que nos faz desabar sobre nós mesmos!

    A Aninha desabotoa nossos pensamentos para abri-los em lugares desabitados, onde a amplidão de espaços ainda não preenchidos nos permitam expandir ideias e conceitos, interpretações e conclusões, que irão nos despertar para momentos de maiores alegrias, de valores antes jamais imaginados, que nos desapegarão de antigos modos e sistemas que ocasionavam o nosso desentendimento com relação às pessoas e até mesmo conosco.

    Os textos da Ana fazem desaparecer as barreiras que nos impomos; desanuviam nossas ideias de negatividades que nos desamparam, que
    desalojam nossas capacidades de enfrentamento e de resistência ao que nos mantém desprotegidos e desarmados contra certas circunstâncias e momentos.

    Na poesia de hoje, Ana nos desobriga das formas que nos delimitam, que desaparecem nossas reações, que nos desamparam. A essência do que nos diz desafivela-nos da obrigação de comedidos, para nos acrescentar visões mais claras e maiores sobre nossos destinos, atualmente causadores de grandes desatinos.
    E nos desapropria de maus presságios, das más lembranças, de modo que nos desabriguemos de desalentos e desânimos que desfilavam à nossa frente de maneira desproporcional, destrutiva, desabonadora.

    Obrigado pelo incentivo, pelo impulso para seguir em frente, pois eu me desacostumara de mim mesmo, daquilo que me desiludia, que desalinhava a realidade com a fantasia.

    A Aninha nos desaponta quando nos comprova a nossa desunião entre a vontade de querer ser com o que somos verdadeiramente, e que nos deixa desagregados como indivíduos, fragilizados, fragmentados, para nos incutir desagravos sobre os meios que estão à nossa disposição para uma vida melhor, mais compreensiva, mais tolerante, e não mais desanimadora, desagradável, desafortunada.

    Um grande e forte abraço, Aninha, não desrespeitoso, claro.
    Saúde, muita saúde, inclusive para teus amados.





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    1. Olá Francisco Bendl, dos pampas e de Rolante.
      Acho que Rolante é sua. Fico imaginando você andando pela rua, ao sol do meio dia,grandão, destemido, braços a postos, ao encontro de um duelo. Tipo o filme far, far west, como Gary Cooper em Matar ou Morrer.
      Descabidos, disparatados, despropositados elogios. Mas fico muito feliz que você ache isso tudo. Que responsabilidade a minha!
      Será que é por sermos amigos? Ou será você um querido das minhas letras? Ou escrevinhador desenfreado?
      Ou é nada disso e devo parar de refletir e só ficar grata e feliz?
      Somos realmente o que somos. E você é generoso.
      Até mais.

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  2. 1) Oi Ana,

    2) Leio, releio, treleio, sua bela poesia como uma reflexão sobre os nossos caminhos e descaminhos nesta existência.

    3) Bom final de semana para vc e todos os seus.

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    1. Olá Antonio,
      Tenho gratidão enorme pelos seus comentários.
      Bom domingo para vocês também.
      Até mais.

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  3. Lea Mello Silva15/06/2019, 20:17

    Ana

    Senti a desilusão no seu poema
    Gostei da interpretação do Francisco e vejo um desencanto na minha interpretação
    Ainda quero encontrar com vc para saber o motivo deste texto
    Pensar e refletir na vida que passa
    Sempre gosto do que vc escreve e acho que me faz observar melhor o nosso viver
    Sempre uma surpresa !!
    Meu abraço e minha admiração

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  4. Prima Léa,
    Sim, é meio desilusão.
    E um dos motivos ,além dos sentimentos e pensamentos que me atacam de vez em quando, é a trinca no vidro do ipad. Fico imaginando que por alí vão as palavras, letras e sílabas, os malditos acentos me deixando num branco enorme!
    Se um dia ele cair novamente, e quebrar de vez, vai ser um turbilhão de letras voando. Como tempestade de areia!
    Eu brinco de pensar. E me divirto!
    Um abraço de queridice!

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  5. Flávio José Bortolotto16/06/2019, 09:43

    Prezada Autora Sra. ANA NUNES,

    Os Artistas tem a sensibilidade a flor da pele, e a senhora é uma grande Artista, na Pintura, nas Artes Plásticas em geral e na Escrita.
    Sua pintura em aquarela com colagem, como sempre é muito bonita, e a Poesia que acompanha "Descabimentos", de estilo hermético, de difícil compreensao forma um todo harmônico.
    "Pensamentos Desacertados" conforme a pesquisa de nosso Colega Sr.FRANCISCO BENDL, é fruto de uma corrente de pensamentos inspirados na emoção do momento.
    Os Poetas as vezes são assim, difíceis de entender,e "Descabimentos" refletem um momento.
    Sabemos que no geral, a senhora que foi uma excelente Filha, é excelente Mãe e Avó, é uma Pessoa Otimista e alegre, do qual dão testemunha as belas cores que usas na pintura.
    Eu que sou tri-falido (Não fraudulentamente), muitas vezes penso e falo mais de meus erros do que dos acertos, que os houve, tanto que ainda estou acima da linha d'água, e com a grande Artista que a senhora é,tem muito mais "Cabimento" que "Descabimentos".

    Saudações.

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    1. Olá Flávio Bortolotto,
      Seu comentário delicado e generoso me faz pensar que você também tem a sensibilidade à flor da pele. E se "os poetas às vezes são assim difíceis de entender" penso que o somos todos. Porque fazer-se entender é difícil, complicado. Mas a teimosia é do ser curioso. E a gente tenta e tenta. Às vezes, sucesso!
      Os erros e acertos são de todos. Os acertos fáceis de carregar mas os erros...muitas vezes precisam de um expurgo para se ficar "acima da linha d'água". E assim falamos deles.
      Muito obrigada pela sua delicadeza desse nosso cabidos descabimentos.
      Até mais.

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  6. Moacir Pimentel16/06/2019, 18:45

    Caríssima Donana,
    Sim, é uma "pegadinha" e a tela trincada foi o gatilho mas o fato é que a senhora hoje nos brindou - ainda que de brincadeirinha - com um poema triste. Mas qual é o problema se tem dia que é de noite e tem noite que é comprida? Que mal faz se estar triste, rascunhar melancolia e pintar um sol lilás aos pedaços se pondo? Nenhum! Talvez , acostumados que estamos com a sua vivacidade, o seu irrequieto pensamento e o seu humor fino, a gente estranhe um poucachinho. Besteira! Sempre nos sentiremos tristes por causa disso e/ou daquilo, uma perda, uma experiência difícil, uma situação dolorosa ou decepcionante. Em outras palavras, se nos sentimos tristes com alguma coisa ...beleza!
    O problema é ficar triste com tudo como aquele personagem dos desenhos animados cujo bordão era “Oh vida, oh céus, oh azar! Isso vai dar errado” (rsrs) Complicado é deixar que a ansiedade, de forma difusa e crônica, contamine nossos pensamentos. Perigoso é dar espaço para que o pessimismo escureça nossas vidas e nos roube energia e capacidade de sentir alegria, prazer, antecipação, conexão e significado.
    Para afastar a nuvem negra às vezes o melhor remédio é sair da “caixinha”, se afastar dos “pixels”, mudar de ares, cair de boca nos “sabores”, ver estrelas , reencontrar afetos, mergulhar de cabeça na vida lá fora e não deixar nada "sem ser dito". Inclusive mais uma dose do Quintana....

    Eu escrevi um poema triste
    E belo, apenas da sua tristeza.
    Não vem de ti essa tristeza
    Mas das mudanças do Tempo,
    Que ora nos traz esperanças
    Ora nos dá incerteza...
    Nem importa, ao velho Tempo,
    Que sejas fiel ou infiel...
    Eu fico, junto à correnteza,
    Olhando as horas tão breves...
    E das cartas que me escreves
    Faço barcos de papel!

    “Até sempre mais"

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  7. Olá Moacir,
    Suave é a noite mas também, como você bem disse, temos delas escuras e compridas. Mas aí agente aproveita para ver a lua cheia, tão linda, tão Mãe!... e deixa livre e redimido um chorinho furtivo, raro e precioso.
    Mas sei que o céu vai clarear devagarinho e preparar um dia cheio de descobertas, cabidas ou descabidas. Porque o sol é para todos mas os descabimentos são particulares.
    Saio da caixinha com a ajuda de um cappuccino cremoso (não, não é o cappuccino da Wim Wenders, aquele é "cafezinho"!) para encontrar afetos e não deixar nada sem ser dito. Mesmo que seja seja uma saia justa, uma sinuca de bico ou uma tremenda rata! Sou craque nisso!
    Quisera ser uma Quintana. Ficaria hoje à beira d'água soltando,barcos de papel.
    De coração,
    Até sempre mais.

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  8. Heraldo Palmeira19/06/2019, 01:00

    Ana,
    Mesmo que a gente queira, não há como desistir. Mesmo com todas as falhas e desencantos, esse negócio de viver está impregnado na gente. Portanto, até muito mais.

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