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23/08/2019

Efeitos do Pan-Americano

imagem Freepik


Ana Nunes
Dias de jogos panamericanos.
Assisti muito. Só não assisti tudo porque tinha que comer, dormir e trabalhar.
Fiquei impregnada. E como em mim tudo é misturado, ficaram-me na cabeça vôlei, caratê, judô, natação, saltos ornamentais, lançamentos de dardo e peso, salto de vara e distância e altura, arco e flecha, corrida dos cem e duzentos e muitos metros. Fiquei de passagem só na luta livre, boxe, tênis de mesa e levantamento de peso.

Eis o panorama panamericano que temos que aguentar:

Quando vou para a cozinha sou vôlei e dou cartão vermelho para os peixes e outros colegas de esporte e amarelo para as comidas complicadas. Ponto para o outro time - o das comidinhas fáceis, saladas e até pizza no pão sírio. Sério! Não invado a outra área, nem piso fora da linha. Corto os legumes e jogo as pontas num saque perfeito para o lixinho. Assim como a coroa do abacaxi, a casca da banana, as sementes das frutas. Manejo colheres de pau e dou cortadas certeiras com a faca afiada. Gosto da bancada seca e corro sempre para secá-la com meus panos branquinhos. Não tenho ajudante , tenho que fazer eu mesma. Meus raros treinadores são os livros de receita, palpites do meu google ambulante (que quando é questão de cozinha está sempre por perto) e a criatividade de fim de mês como desafio.
Me defendo com os temperos e ataco com panelas. Também faço meus ataques por cima da rede. Faca de queijo por exemplo. Diz o sr. Editor que foi tentativa de maricídio. Acho mesmo que foi um saque especial, tipo Lucarelli ou Wallace, meu preferido. A faca perdeu o cabo.
Cozinho em sets de vinte e cinco minutos podendo ir até trinta e seis ou mais se preciso.

Quando sou natação dou ouvidos aos coaches, marido e irmã geralmente, que me chamam de bocão e me mandam desacelerar. Dou de peito e pernadas e os coloco no lugar. Sou uma velhinha em formação, não uma promessa de atleta. Promessa é para quem tem tempo e juventude. Que aliás andam juntos. Mas no revezamento de copos e tarefas domésticas, medalhei! PÓDIO!

Quando não desacelero, piso na bola e preciso do VAR. Entro na pequena área dos assuntos proibidos e delicados e faço gol contra. Pronto, falei demais! Todos me olham consternados, meio de campo com saia justa. Tento consertar no escanteio das desculpas esfarrapadas e justificativas imbecis. Também, futebol não é o meu forte.
Parabéns! Dei o meu melhor!

Já ia me esquecendo do basquete. Eu pulo, eu corro contra relógio, estou misturando um pouco com ciclismo, mas avisei antes, comigo é tudo misturado, para dar conta do recado. As tarefas são muitas, cestas plenas de roupa para lavar, faço muitos pontos fáceis. Ainda bem que nessa casa tem Brastemp! Preparação das folhas para o almoço, a aula de cerâmica... bola de três pontos. E as chamadas de zap! Cometo faltas, dedos errados no tecladinho minúsculo do telefone. Vou para o banco e escrevo tudo de novo. Sou a nova cestinha! Não muito nova, concordo. Mas a Hortênsia também não é!
O jogo acaba no Netflix. Melhor que cestas. Ou melhor, a melhor das cestas.

Pensando em escrever... sou judoca. Às vezes consigo uma frase de efeito ou um comentário adequado e faço um Wazari. Posso até desenvolver um tema, um poema em ternura e aí certo, Ippon.
Mas quando dá branco nessas cruéis e ardilosas “pretinhas” sei que estou enrolando e vai ter penalidade, certamente. Apelo para o sr. Editor e peço ajuda com as palavras. Repescagem, segunda chance. Medalha de bronze. Ainda bem, saí-me mais ou menos bem. Não envergonhei os filhos atentos ao menor passo. Me pensam meio doida, eu acho!

Também na escrita me valho das flechas. Muita concentração. Proteção no ego para não extrapolar, alguma coisa boa na minha xícara de asas moles pretas, um jazz ou Nina Simone inclassificável, lapiseira na mão. Tenho pouco tempo. Mas se acerto no meinho... Bingo! Posso até medalhar. Tenho que esperar os comentários. Nesse quesito eles comandam as medalhas! E o espetáculo!

Na arte vou de Taekwondo. Tem que ser por quilo. Categoria sessenta quilos. Na cabeça capacete de idéias. Com pulinhos e pulinhos vou traçando pegadas no projeto das casinhas, favela na diagonal, argila do momento, branca pintadinha, canela, vermelha ou granito. Também faço pontos na tradição do lápis ou nanquim. Primeiro, segundo e terceiro tempos, onde escolho o melhor posicionamento, cadeira confortável. E lá vou eu pro que der e vier. Medalha de bronze por certo, todos ganham mesmo... E se não me derem, faço uma de argila mesmo!

Ah! Luta livre!
Bem, essa é com a vida!
Luta dura, machuca mas encanta!

Sabes qué?
Até o próximo Pan!


15 comentários:

  1. Lea Mello Silva24/08/2019, 09:05

    Esta menina não está pra brincadeira ...ou está ?
    Leva tudo com humor mesmo com dor!! É craque com as palavras e esquece tudo na Netflix
    É saber viver com tudo que a vida nos trás de bom ou ruim !
    E o pequeno apartamento vira uma quadra de volley, uma piscina olímpica, um campo de futebol ...
    Me divirto com vc e desejo que continue a lidar com suas pretinhas nesta mesma valentia
    Parabéns pelo ótimo texto !!
    Com afeto o meu abraço e minha risada 😘

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  2. Adoro você priminha querida!

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  3. Francisco Bendl24/08/2019, 11:51

    O texto da Ana é tão vibrante quanto ela:
    dinâmica, explosiva, versátil, que atua em várias frentes, irrequieta, vibrante, e que encontra após tanta atividade febril, a devida paz para repor as energias consumidas ao assistir a Netflix, ou seja, a sua atividade mental continua plenamente!

    Achei sensacional quando relata como age na cozinha, em alusão ao Panamericano.

    Além de ser sensacional assisti-la, Aninha deve ser uma equilibrista maravilhosa, pois não teceu uma palavra que fosse sobre não derrubar nada no seu laboratório, mesmo usando do seu malabarismo atlético no local sagrado para mim, claro!

    O que mais gostei e apreciei em demasia foi a metáfora usada pela nossa escritora, utilizando as variedades de esportes praticados no Pan com relação à sua pessoa, isto é, esposa, mãe, avó, sogra, irmã, prima, sobrinha, amiga, escritora, poetisa, cronista, atleta, pois exímia nadadora ... ufa!

    Conviver com a Aninha deve ser um exercício pleno de agitação, movimentos, ideias, pensamentos, conclusões, tarefas, indo, vindo, subindo, descendo, entrar, sair, ficar em casa, viajar, escrever, gostar, modificar, experimentar, aceitar, devolver e ... amar!

    A nossa amiga, esposa do Mano, é uma mulher muito além do seu tempo.

    Não permitiu que a sua experiência de vida, a sua versatilidade, rebeldia, dissidência, suas conquistas pessoais e profissionais, maternais e conjugais, a deixassem sentada em uma poltrona a fazer tricô e vendo TV.
    Não mesmo!

    Aninha quer participar, ser ativa, quer frequentar ambientes alegres, quer conversar, opinar, nadar, frequentar academias, cuidar da sua casa, do seu marido, filhos, e dar atenção às suas belas e também inteligentes irmãs!

    Logo, usou o Panamericano para nos dizer com a sua conhecida e costumeira capacidade de descrição dos fatos, a sua sensibilidade, como vive, como entende a vida, como associa viver com alegria, entusiasmo, determinação, objetivos, um ser absolutamente em compasso com a velocidade dos acontecimentos diários!

    Aninha quer aproveitá-los, saboreá-los, deixar de lado o que não quer, que não gosta, e filtrar o que lhe serve, que é útil e aproveitável, mesmo sendo espontânea, decidida, de ter uma personalidade e caráter poderosos, que não a deixam desequilibrar-se nos tatames escorregadios da existência ou sair do curso em piscinas da vida sem as costumeiras raias.

    Fenomenal metáfora, repito, da sua vida.
    Apropriada, adequada, pontualíssima, alegre, e graciosa, compenetrada e equilibrada.

    Parabéns pelo excelente trabalho.
    Gostei muito.
    Arquitetado com a tua reconhecida inteligência feminina, bom gosto e ineditismo, ao usares um encontro onde um conjunto de esportes apresentados e suas variações serão os atrativos tão esperados, e com muita ansiedade por pessoas que não conseguem os recordes e limites ultrapassados, que verão em atletas vigorosos e determinados tais feitos espetaculares.

    Eis a Aninha, insuperável em seus afazeres domésticos, pessoais, familiares, conjugais, amistosos, e dona de uma têmpera especial na arte de escrever e de nos encantar!

    Abraços, respeitáveis, como sempre.
    Saúde, muita saúde, extensivo aos teus amados.



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    1. Olá Chicão Francisco,
      Incorrigível elogiador de mim! Você é assim com todas as mulheres? Você ē um perigo gigantesco!
      Mas uma coisa infelizmente tenho que corrigir: não sou uma mulher à frente de seu tempo. Minha Mãe sim, e todos ainda dizem isso dela dezesseis anos depois de sua morte. Sou cria dela e tive seu exemplo mas tive sempre que correr atrás para conseguir crescer. E continuo correndo. E aprendendo cada dia com os queridos, com o em volta, com as perdas e danos. E vou seguindo o meu caminho me tornando o que sou hoje, que poderá ser um pouquinho diferente amanhã (espero que para melhor). Você sabe, o rio não passa duas vezes debaixo da mesma ponte.
      Um pouco triste disse hoje cedo para o Editor, Que pena! Temos pouco tempo e tanto para fazer e aprender! Ao que respondeu, Então vamos aproveitar muito! O que seria de mim sem esse Editor que às vezes me tira do sério!
      Corro atrás dessa política que entendo cada vez menos, desse emaranhado da economia, da informática e da tecnologia,onde não passo de um Brucutu( lembra dele?). Meu neto menor está na segunda fase da Olimpíada Brasileira de Informática.
      Certamente não saiu a esta avó, mas ao pai e avô.
      E assim, vivendo e aprendendo, feliz de ouro com os comentários, me sentindo a tal, espero sempre você com saúde e seus abraços respeitosos.
      Até mais.

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  4. Flávio José Bortolotto24/08/2019, 16:06

    Prezada Autora, Sra. ANA NUNES,

    A Escritora e Artista Plástica Sra. ANA NUNES, brinca com as palavras, como seu conterâneo PELÉ brincava com a bola de futebol.
    E como a redonda bola docilmente obedecia PELÉ, as palavras obedecem a Escritora Sra. ANA NUNES.

    Tendo como Tema os Jogos PanAmericanos
    de Lima-Peru, a Autora vai discorrendo sobre seu cotidiano.
    Na cozinha é Vôlei, seus raros Treinadores são os Livros de Receitas e sugestões do Sr. Editor-Moderador Sr. WILSON BAPTISTA JÚNIOR, que gosta muito de Vôlei (Comidas caseiras).
    Na Área de Serviços é Basquete lavando Cestas plenas de roupas na Brastemp, benditas Brastemps.
    Ao Escrever é Judoca, Faixa Preta, melhor Faixa Púrpura do Décimo Dan. Nessa difícil Arte de Escrever, também se vale do Tiro ao Arco, maioria das vezes mandando a flecha "na mosca".

    Este comentarista lhe dá "Medalha de Ouro com Louvor".

    Parabéns e Saudações.

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    1. Olá Flávio Bortolotto,
      Ando feliz por aí afora com minha medalha de ouro, com louvor!
      Pódio. Que maravilha!
      Muito obrigada, gentil cavalheiro.

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  5. Heraldo Palmeira24/08/2019, 17:59

    Ana,
    A cozinha, o maior campo por onde a vida passa numa casa. Não podia ser outro o lugar para você fazer seu jogo de sabores e lições, sua (mais uma) exibição de gala. E ainda tirando onda de atleta.

    Há algum tempo, você falou de desânimo, a partir de algo que escrevi. Por favor, se mantenha, então, assim, desanimada. Sob pena de não caber dentro de casa, de colocar em risco o prédio. Evitemos as quedas e pronto. Até mais.

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    1. Olá Heraldo,
      A cozinha ê mesmo o coração de uma casa. Nos outros cantos conversamos com amigos, travamos batalha com inimigos, muitos dentro de nós mesmos , fazemos amor, tomamos banho e lavamos a alma.
      Mas na cozinha...pomos o melhor, o carinho, os temperos, o calor. E se assim não for, mesmo quando não estamos a fim, não vale muito. Não passará de proteínas, carboidratos, vitaminas, sal e acúcar.
      Então, desanimada, mas nem tanto, continuo dentro da casinha!
      Com açúcar e com afeto,
      até mais.

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  6. Moacir Pimentel25/08/2019, 08:23

    Caríssima Donana,
    Creio que somos todos viciados em competições e jogos porque é muito bom ganhar nos gramados, nas quadras, piscinas e pistas as partidas que perdemos na vida. Tenha a certeza de que a essa altura das Conversas todos nós somos seus torcedores e que nesse Pan a senhora foi campeã. O post foi um gol de placa, aliás de várias placas se considerarmos como tal os comentários.
    Não ligue para a marcação cerrada dos seus curumins. Aqui entre nós e baixinho, na minha praia, o patrulhamento começou cedo. Nosso segundo filho, aos oito anos, enquanto me ouvia contando-lhes uma estória com bastante entusiasmo, me olhou com olhos muuuuito preocupados e mandou ver: "Pai, você sabe que ISSO é ficção, não sabe?"(rsrs)
    Gostei do termo que escolheu para definir o efeito dos jogos na sua pessoa: "impregnada". Daí em diante é fácil acompanhá-la, cumprindo a sua geografia cotidiana com as imagens das disputas na sua cabeça : tudo misturado! Creio a senhora sempre desafiará "inteira e aos pedaços" a geometria dos dias para criar, para misturar seus fragmentos, costurar seus retalhos, inventar suas cores, encaixar suas memórias, traduzir-se. É através dessa energia fraturada, da riqueza dos seus pedaços, que a sua artista se constrói, no meu entender, de forma muito inteligente. Porque é inteligente quem usa ao máximo o que tem de melhor, inclusive as doces rotinas, as aconchegantes sombras daquilo que chamamos de lar.
    Tomara que o set no pão sírio tenha sido da rúcula versus o tomate seco, que o Sr. Editor não seja alvo de outra "tentativa de maricídio" e que a senhora continue subindo nos pódios em muitos levantamentos de copo. Quanto aos gols contra e às pisadas de bola com direito ao VAR, relaxe: aposto que são o melhor das festas!
    "Até sempre mais"

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    1. Olá Moacir,
      Filhos são filhos, nossa maior lição de vida. No patrulhamento ou quando seguram nossa mão na angústia ou no abraço grande e quentinho!
      Você nos consola, a todos que o leem, quanto aos gols contra, "o melhor da festa". É melhor mesmo rir deles, sós ou acompanhados. A vergonha fica menor e a gente mais feliz. E mais preparados para os outros, que virão certamente.
      Com Nina Simone e uma xícara Win Wenders por companhia, vejo você poeta transformando em poesia um mero post, os "retalhos, a riqueza dos pedaços, a geometria dos dias, as doces rotinas e as aconchegantes sombras daquilo que chamamos de lar".
      De coração agradecido e afeto aquecido,
      atē sempre mais.

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  7. Wilson Baptista Junior25/08/2019, 21:14

    Ante essa beleza de página de esportes só posso dizer que depois de tantos anos de espectador desses jogos continuo achando que vale muito a pena. Ainda que seja prudente cuidar de não perder todos os antigos reflexos de esgrimista que me fizeram desviar a tempo da faca de queijo :)

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  8. Como diria o querido Chicão,
    Hehehehe

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  9. Maria Laura Baptista28/08/2019, 20:08

    Delícia de post! Me encantei!
    Beijos!

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  10. Oi Laura,
    Delícia de comentário.
    Quero vocē sempre aqui.
    Beijo.

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  11. 1) Parabéns Ana, juntou as dinâmicas dos esportes com os encantos da vida.

    2)É algo motivador, alegrador...

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