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Heraldo Palmeira
Música,
música
Companheira
do quarto dos rapazes
Entre
revistas e fumaça
Confidente
do quarto das meninas
Entre
calcinhas e sandálias
Música,
música
Farol
na cerração dos grandes medos
A
força que levanta os bailarinos
Elétrica
guitarra entre os dedos
Aflitos e
quentes dos meninos
Eu era
apenas um rapaz latino-americano sem dinheiro no bolso e vindo do interior quando
esta canção foi lançada, e sua letra logo me chamou a atenção por ser uma
delicada forma de falar de música por meio de imagens surpreendentes, reais,
com importância para nos colocar dentro delas, com significações próprias mas
intensamente relacionadas a outras coisas intrínsecas à vida.
Nenhuma
outra arte tem o poder de transformar em retrato ou em filme da memória os
momentos importantes, com a nitidez que a música consegue. E basta ouvir os
primeiros acordes da música símbolo de qualquer momento para que ele volte
quase como se estivesse acontecendo de novo. Ainda mais em se tratando dos amores.
Hoje, eu me
peguei pensando quando foi que o primeiro humano teve noção de alguma
sonoridade e percebeu que era mais do que apenas um dos muitos sons ao redor,
que poderia se somar a outros e virar algo que se tornasse um ornamento tão
definitivo e precioso para a vida.
Como terá
sido a primeira manifestação musical? Imagino que tenha acontecido muito tempo
antes do primeiro registro histórico. Consta que os homens pré-históricos
somavam o som dos movimentos corporais aos sons vocais. As pinturas rupestres registradas
nas cavernas já sugerem pessoas em atitudes de tocar instrumentos, cantar e
dançar.
Os arqueólogos
também encontraram fragmentos da época, que indicam a existência de
instrumentos musicais primitivos. Permanece a dúvida crucial a respeito de quem
surgiu primeiro, se as vocalizações ou os sons rudimentares – muito provavelmente
percussivos e obtidos por meio de varetas tocadas contra superfícies ou por
contatos das mãos com o corpo.
Esse
mistério ainda insolúvel nos conduziu até as divisões que passamos a conhecer
mais amplamente com a chegada da modernidade, tendo a música erudita europeia
como primeira grande matriz cosmopolita.
Talvez como
consequência do poderio econômico, a Europa foi capaz de gerar uma produção
espetacular, bancada por mecenas e divulgada pelo mundo a partir de reinos interligados
em razão dos laços comerciais e políticos das famílias nobres.
O século 20 alargou
todas as fronteiras a partir do caldeirão múltiplo da música norte-americana,
que brotou do fervor das igrejas, das dores das plantações de algodão e da fervura
dos night clubs com suas orquestras e seus bambas.
A fonte foi
generosa e em pouco tempo tudo explodiu na força de rapazes cabeludos e moças
descoladas, com vozes transmudadas do conformismo para o inconformismo, vestidos
em roupas exóticas e fazendo as bases harmônicas e guitarras do gospel, blues e
jazz cuspirem o fogo sagrado do rock, que atravessou o Atlântico e ganhou eco nos
domínios de Sua Majestade.
Depois veio
a maturidade e esse caldo foi ganhando fusões, dando origem ao pop, adornado
por sonoridades cada vez mais belas fornecidas pela tecnologia embarcada em
estúdios e palcos do mundo. Passo seguinte, essa tecnologia entrou em quartos
solitários e tudo parecia possível a todos.
Talvez tenha
passado por aí uma perigosa estrada que parecia sem fim, que fazia crer que
qualquer um podia ser músico, cantor e produtor ao mesmo tempo. Isso fez cair e
muito a qualidade da produção.
Se falarmos
do Brasil, basta olhar a parada de sucessos, onde gente pouco expressiva se
arrasta e se engana numa celebridade efêmera e que não deixa memória.
Ainda bem
que existe o projeto Playing for change garimpando nas ruas do mundo as
pepitas de fogo que vão renovar nossa fé na boa música. E que assim seja, pois,
não há qualquer dúvida, a música é a manifestação de arte mais entrelaçada às
pessoas.
Música,
música
Irmã,
imã, irmã
Feroz
como a ira do Irã
Ou
mansa como o último carinho
Quando
já chega a manhã
Música,
música
Trechos de:
Música, música (Sueli Costa-Abel Silva)
Trecho
incidental:
Apenas um rapaz latino-americano (Belchior)
Concordo plenamente com Palmeira, que a música é a arte em seu pleno vigor, que permite milhões de pessoas dela participar, encantar, emocionar e se balançar ao mesmo tempo, em vários locais deste mundo de Deus.
ResponderExcluirO livro é individual, exclusivo, precisamos adquiri-lo;
Quadros, esculturas, pertencem a poucas pessoas apreciá-los e admirá-los, a menos que expostos em museus mas, a música, basta ouvirmos o som que iniciamos a nossa viagem no tempo ou nos lembramos de alguém ou de um local ou de um momento de grande enternecimento ou imensurável alegria.
A música, a meu ver, faz parte do organismo da pessoa, compõe tanto o aspecto físico quanto mental.
Na razão direta que nos movimentamos, que descansamos, que ficamos quietos, a música tem o condão, a magia de fazer o contrário ou nos acompanhar no estado de espírito momentâneo.
Ela nos movimenta – ah, um bom samba, bolero, chá chá chá, twist, valsa, Olodum, forró ... -, apazigua – uma bela música erudita, ópera, concerto ... – e nos relaxa.
Tanto nos tira do marasmo, de quando “estamos para baixo”, quanto nos anima, nos impulsiona, nos motiva.
Gosto de música, de qualquer tipo. Claro, existem situações que pedem por um ritmo específico, porém viver sem som, sem ouvir os acordes de uma canção, sem vibrar legitimamente com a sua força prodigiosa, a vida não teria essa alegria, esse colorido.
Não dançaríamos, não acompanharíamos os ritmos frenéticos, não haveria rock, tangos, polcas, foxtrote, sertanejo ... o mundo seria silencioso, sem ânimo, irritantemente pacato e sem graça.
Belo texto, Palmeira.
Gostei em demasia do que escreveste, como sempre, aliás.
Forte abraço.
Saúde.
Bendl,
ResponderExcluirObrigado pelo comentário sempre generoso. A música está em nós e de tal forma associada à vida, que ela é regida pela pulsação. Não preciso lembrar que o nosso coração pulsa. Se você der mais um passo e quiser falar de ciências, ela é exata como a matemática, porque é feita de intervalos regulares, métricos. Ela é inexata porque tem o componente emocional - os solos, por exemplo. E até fala por nós, em letras que gostaríamos de ter escrito. Ela é a coisa abstrata mais concreta que conheço. E se fosse pouco, ainda faz parte do conjunto que tem as outras artes que nos encantam a ajudam a completar o caleidoscópio das nossas manifestações mais sublimes.
Sem a música, não há vida. A minha, pelo menos, jamais teria sentido sem ela. Obrigado pelo texto, querido HP.
ResponderExcluirVerdadeiro,
ExcluirPara nós, algo como o ar que respiramos. Abração.
Olá Heraldo,
ResponderExcluirMuito interessante o seu post. Foi pouco. Poderia ter nos contado mais.
Nunca me perguntei quando e onde e como a música apareceu. Tenho a impressão que foi quando o primeiro bebê chorou no colo da mãe. Idéia muito romântica?
A música é realmente a mais entrelaçadora de gente. A clínica psiquiátrica me mostrou isso quando trabalhei lá. Olhos tipo poço negro e fundo tomavam um pouco de vida na oficina de música. Também como dançam as crianças aos primeiros ritmos.
Quando escuto no talo certas clássicas como Sherazade de Rimsky Korsakov, a Suíte Peer Gynt do Grieg e outras, não sou mais eu que escuto, mas a música toca em mim, a música sou eu. Inteira. Plena.
Ainda bem que tivemos as trocas, influências e fusões pelo mundo. Para sermos mais felizes. E o Plaiyng for change para mover a nossa fé.
Até muitos mais
Ana,
ExcluirNão fui mais por absoluta incompetência de conhecimento.Talvez, antes do choro do bebê, tenha havido algum estrondo do cosmo se formando, das águas batendo em pedras, de fogos crepitando.
Sim, a música tem mesmo esse poder de agir direto na mente. Além dessas experiências que você cita, não são poucas as experiências positivas de pessoas com Alzheimer.
Essas duas clássicas listadas, nem precisa que seja no talo, até num sussurro sobre o silêncio ao redor já levam para outra dimensão. E que sempre haja uma torrente de fusões, para que tudo fique plural. Até muitos (sons) mais.
Mestre Heraldo,
ResponderExcluirJá se cogitou que teria sido do tatibitate amoroso entre as mães e os bebês que surgiu a linguagem e que os nossos ancestrais inventaram a música ao tentar imitar os sons da natureza: o piar dos pássaros, o som do trovão, o mar batendo nas pedras, o barulho do vento soprando nas estepes etc. Sou de opinião que primeiro assoviamos e vocalizamos antes de tentar fazer sons instrumentalizados. Mas nada disso é tão importante quanto o fato da vida que você coloca na roda: todos nós temos uma trilha sonora e onde quer que o bicho homem tenha estado, a música também disse presente. Sempre a cometemos e sem dúvida sempre a cometeremos e portanto a música tem sido e continua sendo essencial. A grande questão é: por quê?
Sabemos que a nossa espécie precisa de comida, roupas e abrigo, linguagem e interação social, escambo de informações e bens, sistemas de crenças e limites e por aí vai, e que essas necessidades ajudaram a definir a condição humana. Mas por quais razões sempre necessitamos da música tão remotamente relacionada à sobrevivência?
Trata-se de uma pergunta fascinante porque as tentativas de respondê-la obrigam-nos a lidar com a nossa natureza mais profunda. No dia em que pudermos explicar porque precisamos de música já teremos entendido o que significa ser humano.
Abração
Caríssimo,
ExcluirVamos mesmo seguir sem noções precisas de como tudo começou a tocar e cantar. Confesso que não tenho alcance para entender esse mistério. Por isso, vou apenas apreciando a música concordando com você: é gênero de primeira necessidade. Abração.
Ah há, ah há, só para complicar, só para atazanar ...
ResponderExcluirDeixo uma questão em aberto, até para ampliar os comentários elogiosos, merecidamente, sobre o texto do Palmeira:
Se o Universo é completamente sem som, silêncio absoluto, então por que a espécie humana gosta tanto de música, eim, eim???
Ora, se somos parte desse Universo, eu gostaria de saber - e pergunto seriamente, apesar do humor da indagação - as razões pelas quais a música, a canção, não o som da natureza, tais como os pássaros, latidos, mugidos, barulho das ondas, da chuva, dos raios ... não - refiro-me à composição, a junção das notas musicais, a melodia, com o seu início, meio e fim, têm o mistério de nos envolver tanto física quanto emocionalmente?!
O assunto em tela é apaixonante, portanto, e com a devida permissão dos colegas, proponho estendê-lo por mais um pouco.
Agradeço a compreensão.
Bendl,
ExcluirAí eu me permito perguntar: quem já esteve aí pelo infinito, com gravador em punho, para nos provar que o Universo é mudo? (rsrs). Por gostarmos tanto de música, termino acreditando que tem som em todas as órbitas.
Falando sério, acredito que essa capacidade da música de nos envolver vem do fato de termos nela uma forma de aliviar nosso cotidiano. Abraço.
1) Texto importante para refletirmos sobre as belezas infinitas da música.
ResponderExcluir2) Me fez lembrar do excelente livro "Nada Brahma" que analisa a multimilenar proposta hindu de que "o mundo é som"
3) Se eu já falei deste livro, estou repetindo, me perdoem, se não falei fica a dica.
4) Nada em sânscrito podemos traduzir como "A Voz do Silêncio" e Brahma é o Deus Criador, informa o Glossário Teosófico.
Antonio,
ExcluirGrato pela leitura.