-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------

22/10/2019

A estrada romana


fotografia Moacir Pimentel

Moacir Pimentel 
A escritora Helene Hanff com certeza percorreu a rua Fleet - ou a Fleet Street como a chamam os londrinos - de ponta a ponta pois era uma fã ardorosa dos Diários de Samuel Pepys que foi um dos seus mais ilustres moradores.
A rua pediu seu nome emprestado ao Rio Fleet, que corria manso ao seu lado desde suas duas nascentes em Hampstead separadas pela colina do Parlamento, para desembocar no Rio Tâmisa. Só que, ao longo dos séculos, enquanto a metrópole crescia, o curso d’água foi diminuindo e se tornou tão poluído que deixou de ser navegável e teve que ser em parte aterrado e em parte desviado em 1700 para abastecer dois reservatórios d’água de modo que hoje no seu antigo curso não há nenhuma água à vista: o Fleet é, como dizem os nativos, um “rio subterrâneo”.
Mas o fato é que rio e o seu vale são conhecidos desde a época romana sendo que uma de suas pontes foi originalmente batizada de Ponte da Batalha - Battle Bridge - em uma referência ao local onde se diz que o exército da rainha celta Boadiceia foi derrotado pelos romanos no ano de 60 dC. O velho rio já correu defronte da Igreja de São Pancras, perto da atual estação ferroviária de mesmo nome, um dos locais mais antigos de culto cristão da Europa, possivelmente datando do início do século IV. E já foi até mencionado nas famosas Viagens de Gulliver!
Ou seja, a Rua Fleet é simplesmente a antiga estrada que outrora os romanos construíram como parte das fortificações de Londres cujo portão oeste, chamado de “Lud Gate”, ficava no que hoje é chamado de Ludgate Hill – a Colina de Ludgate - a meio caminho entre o Ludgate Circus e a Catedral de São Paulo.
fotografia Moacir Pimentel

Helene Hanff menciona a rua várias vezes nos seus livros porque ela conheceu a história da Inglaterra através dos Diários de Samuel Pepys que, entre os anos de 1659 a 1669, fez observações detalhadas de eventos como a praga de 1665, o Grande Incêndio de Londres e, de quebra, registrou os seus pensamentos e opiniões sobre os mais variados assuntos: de descrições de algumas das principais figuras da época, incluindo o arquiteto Christopher Wren e Isaac Newton e até algumas revelações de suas próprias infidelidades conjugais.
Ora, tendo nascido e vivido nas imediações da Fleet Street, o mundo de Samuel Pepys se estendia de Westminster até a Torre de Londres e, quando ele não o atravessava de barco pelo Rio Tâmisa, percorria uma rota regular: tendo como ponto de partida Whitehall, o cronista virava à direita em Charing Cross, seguindo pelas ruas Strand e Fleet, passando pela Catedral de São Paulo e atravessando a Ponte de Londres.
Nesse percurso poucos prédios sobreviveram nos últimos quase quatro séculos, mas muitos dos marcos históricos - principalmente as igrejas – continuam de pé e os nomes das ruas são os mesmos, se não suas antigas casas de madeira e o calçamento de pedra. Até hoje as ruas Strand e Fleet continuam sendo uma mistura agitada de predinhos de quatro e cinco andares, ocupadas por um mar de pedestres correndo entre escritórios e cafés e pubs e mesmo o tráfego, dominado por ônibus e táxis, ainda parece ecoar o clamor distante de carruagens, cavalos e carroças.
São poucos os arranha-céus nessa parte de Londres onde as ruas não são mais largas do que eram séculos atrás. A sensação de uniformidade através do tempo só desaparece à medida que a gente avança para as cercanias da Catedral de São Paulo, onde o moderno centro financeiro da cidade é dominado por torres e escritórios espelhados e impessoais.
O certo é que na rota entre Westminster e a Catedral de São Paulo, a Fleet Street foi a paisagem da vida de Pepys, um frequentador assíduo das suas tavernas para tomar uns goles de cerveja e fazer suas refeições em meio a boas conversas. A rua coleciona pubs e tavernas pitorescas, lugares que foram mencionados em tantos enredos de escritores que apreciamos e que, ainda hoje, mantêm as portas abertas sob suas placas charmosas. Um desses ícones da cidade é a Taverna George, abaixo à esquerda.
fotografia Moacir Pimentel

Do outro lado da rua, por uma estreita passagem, chega-se ao mais velho pub londrino, Ye Olde Cheshire Cheese, que de fora, parece ser estreito e pequeno, mas que tem vários bares e salas no subsolo. O pub Ye Olde Cheshire Cheese dá o ar da graça dele no dickensiano Conto das Duas Cidades mas tem pedigree literário mais amplo, tendo sido descrito também por Samuel Johnson, W.B. Yeats e Mark Twain.
Diz Dona Lenda que a casa preferida de Samuel Pepys foi outra, a Ye Olde Cock Tavern – A Taverna do Velho Galo - mencionada por ele nos seus diários. Na verdade a Taverna do Galo original, como nos informa a placa instalada na sua entrada, foi inaugurada em 1549, no lado oposto da rua, em outro prédio e com o nome de O Galo e a Garrafa.
fotografia Moacir Pimenel

Em 1887 a taverna e outros prédios foram demolidos para dar lugar ao Banco da Inglaterra. O pub foi transferido para o número 22 da Fleet, onde se encontra até hoje, vizinho do prédio das Royal Courts of Justice, que há séculos abriga os tribunais que julgam, em primeira instância, os casos mais importantes do Reino Unido. O pub sempre foi, portanto, frequentado por advogados e juízes.
Também a Ale and Pie House e a Punch Tavern são pubs famosos e frequentados por hordas de turistas. Das versões originais da maioria das velhas tavernas muito pouco chegou até nós. Da Taverna do Galo, por exemplo, só sobrou a escultura dourada do penoso e uma lareira decorada por esculturas para lá de imodestas (rsrs) Eu sinceramente prefiro beber em paragens mais calmas, mas como não clicar as placas e fachadas?
fotografias Moacir Pimentel

Pois é. O grande incêndio de Londres começou em uma padaria e destruiu a parte mais central da capital durante quatro dias em setembro de 1666. A estrutura medieval do centro - ruas estreitas e casas de madeira muito próximas umas das outras – contribuiu para a propagação das chamas que transformaram em cinzas mais de treze mil casas, oitenta igrejas e quarenta prédios públicos. Como dizem os portugueses, “arderam” entre outros, o centro administrativo da cidade conhecido como o Guildhall, a biblioteca de teologia do Sion College, a Ponte de Londres e a velha Catedral de São Paulo. Finalmente, no quinto dia de pesadelo, conseguiram deter o fogo em frente à igreja construída pela Ordem dos Cavaleiros Templários.
Os registros da época falam em um total de cem mil desabrigados e nove óbitos. No entanto pesquisas atuais afirmam que milhares de pessoas podem ter morrido, já que das mais pobres não eram mantidos registros. O prejuízo foi colossal mas o rei Charles II logo tomou providências contratando o famoso arquiteto Cristopher Wren para reerguer a Catedral e reconstruir Londres, começando pela área hoje conhecida como a “City”, o distrito financeiro.
Um dos antigos edifícios que sobreviveram sem cicatrizes à catástrofe ocupa o número 17 da Fleet Street e foi construído em 1610, acredita-se que pelo filho mais velho do Rei Jaime I, o príncipe Henrique, que usava uma sala do primeiro andar para reunir o seu conselho. Originalmente chamado de Taverna Prince's Arms, o prédio foi rebatizado como A Fonte em algum momento durante o século XVII. A sala, com um teto original ornamentado e painéis de carvalho é agora conhecida como Prince Henry's Room – O Salão do Príncipe Henrique – e alberga o museu de Samuel Pepys.
fotografia Moacir Pimentel

Talvez uma das fachadas mais fotografadas de Londres seja a dessa antiga estalagem, onde Dona Lenda jura de pés juntos que, séculos depois, Charles Dickens costumava ler os jornais todos os dias.
Sim, vale a pena caminhar pela Fleet Street e conhecer as estreitas passagens e pátios onde se escondem as casas de pretéritos e ilustres moradores, como por exemplo, a do Dr. Samuel Johnson, em Gough Square. Moram na rua uma estátua em sua homenagem e, bem assim, outra de Hodge, o seu gato de estimação, onde se lê a sua famosa frase: “Quando o homem está cansado de Londres, ele está cansado da vida”.
Vários escritores estão associados à Fleet Street incluindo John Milton, Izaak Walton, John Dryden, Alfred Tennyson, William Hazlitt e Samuel Coleridge. Muitos famosos ou foram batizados - como Samuel Pepys - ou se casaram ou foram sepultados – como o poeta Richard Lovelace - na antiga igreja de St. Bride's, obra do arquiteto inglês Christopher Wren, cuja torre – dizem! - inspirou o tradicional bolo de noiva de vários andares.
As lendas urbanas sobre essa rua são muitas. Quem já não ouviu falar do barbeiro assassino da Fleet Street? Dizem que Sweeney Todd nasceu em 1748, como Benjamin Barker, e que cresceu em uma Londres empestada por doenças, poluição, pobreza e corrupção. Foi aprendiz de barbeiro, teve noções de anatomia e de como roubar com mão leve os bolsos de seus clientes. Ele abriu uma barbearia na Rua Fleet e casou-se com uma bela jovem, atraindo a inveja de um poderoso juiz que preparou uma cilada para os pombinhos, separando-os.
Ele passou quinze anos em uma prisão na Austrália e ela se matou. Após cumprir a injusta pena, Todd voltou à Europa em busca de vingança e na barbearia da Rua Fleet reencontrou a proprietária do imóvel, a Senhorita Lovett, que guardara suas navalhas na gaveta e um amor incondicional pelo antigo inquilino no coração. Unidos em uma trama de vingança, o casal decidiu reinaugurar a barbearia dele e a loja de tortas dela e deu no que deu: as vítimas tinham as gargantas cortadas na cadeira do barbeiro e viravam recheio das tortinhas. Ao todo foram mais de cento e cinquenta mortes.
Essa história surgiu pela primeira vez em 1846, no romance The String of Pearls – O Fio de Pérolas. Um ano depois ganhou adaptação para os palcos e o subtítulo “O barbeiro demoníaco da Rua Fleet”. O certo é que hoje esse serial killer rivaliza em fama com outro assassino cruel do século XIX: Jack, o Estripador. Verdade ou fake news? Bem, como dizem os antigos: “onde há fumaça há fogo” (rsrs)
fotografia Moacir Pimentel

Perambulando por Fleet Street, pelos quarteirões ao redor da Catedral de São Paulo, somos surpreendidos, a cada passo, por tesouros escondidos. Você sabia que há uma muralha romana no coração de Londres, surpreendentemente intacta, apesar de ter sido erguida no século 2 dC? Em Love Lane, por exemplo, mora um pequeno jardim dedicado a Shakespeare, ou melhor, a Heminge e Condell, os dois homens que publicaram o seu trabalho vários anos após sua morte. O modesto parquinho fica a poucos passos da agitada Catedral, sua tranquilidade oferecendo uma pausa no caos das ruas próximas, dos becos e prédios circundantes por onde esbarramos com muitas evidências da Blitz.
É que em 29 de dezembro de 1940 a Luftwaffe alemã bombardeou essa parte de Londres na tentativa de destruir a Catedral, um dos orgulhosos símbolos da cidade. Eles quase conseguiram. Hoje quem caminha por essas paragens imediatamente percebe que a maioria dos edifícios é relativamente nova. O vidro e a pedra e o cromo contrastam com as velhas colunas e fachadas ornamentadas dos prédios mais antigos, enquanto as evidências das restauração e reconstrução pós-guerra estão por todos os lados.
Uma das histórias mais pungentes da Blitz refere-se ao fogo que varreu a Shoe Lane - na saída da Fleet Street. Ali, um bombeiro foi atingido quando uma parede desmoronou e não pode ser alvo apesar do esforço desesperado dos colegas. Mas a esquina da Shoe Lane – em livre tradução a Alameda do Sapato - entrara para a história de Londres antes.
É que Fleet Street há muito tempo é associada ao quarto poder: a imprensa. Diz Dona História que, no início do século XVI, a impressão e a publicação tornaram-se ali o comércio dominante. Explico: por volta do ano de 1492 um cidadão de nome Wynkyn de Worde montou a primeira impressora da cidade no adro da Igreja de St. Bride's, na mesma Shoe Lane.
Essa estranha associação da impressão com a igreja pode ser explicada porque os vigários medievais gostavam de ler. Assim, o empreendedor tinha um mercado à sua porta e fez um sucesso estrondoso com todos os tipos de textos. Logo Richard Pynson abriu uma outra editora ao lado da Igreja de St Dunstan, fornecendo principalmente livros de Direito para os advogados e magistrados que trabalhavam nos tribunais vizinhos, mas também publicando ficção, poesia e peças de teatro.
Em março de 1702, rolou também na Fleet Street, ao lado do pub King’s Arms, a primeira edição do primeiro jornal diário do reino, The Daily Courant, estabelecendo uma ligação antiga entre jornalistas e bebida. Em seguida, foi a vez do Morning Chronicle abrir as portas e por aí foram, de modo que no alvorecer do século XX tanto a Rua Fleet quanto a área circundante estavam dominadas pela imprensa britânica e indústrias relacionadas. Embora muitos jornais proeminentes tenham se afastado dessa vizinhança a velha rua ainda serve de metonímia para a imprensa. Todos os jornais britânicos já moraram nesse endereço.
O prédio do Daily Telegraph, concluído em 1928, no número 120 da Fleet, é um excelente exemplo de arquitetura Decô, com detalhes escultóricos típicos dos edifícios públicos da época cujas fachadas falam da paixão dos anos 20 por todas as coisas egípcias. No topo do prédio duas máscaras esculturais portentosas de nome “Passado” e “Futuro” dão testemunho da importância que os proprietários do jornal se davam, confirmada no friso acima da entrada principal, que mostra uma infinidade de Mercúrios voando da Grã-Bretanha para enviar notícias aos seus domínios e além (rsrs)
Todo o glamour e o entusiasmo da velha Fleet Street foi turbinado quando alguns anos mais tarde, em 1932, a apenas quatro portas de distância do Telegraph, o novo edifício do Daily Express abriu suas portas e imediatamente fez o vizinho parecer obsoleto, autoproclamando-se um ícone da modernidade. O prédio do Express é uma mistura agressivamente moderna de vidro e cromo pretos contrastando com a brancura da igreja St. Bride, não aquela medieval original que o seu paroquiano Samuel Pepys descreveu sendo destruída pelo fogo, mas a St. Bride's que foi erguida por Wren e mora bem à frente do jornal, sua torre alva se refletindo sombriamente na fachada inescrutável do vizinho.
A ampla entrada com dossel cromado leva a um átrio bizantino que contém dois enormes relevos batizados de “Britânia” e “Império”, criados pelo escultor Eric Aumonier.
fotografia Dar(io) Tar - Wikimedia

Ambos os edifícios, do Telegraph e do Express, são agora propriedade do Grupo Goldman Sachs, com os seus fabulosos interiores Decô guardados a sete chaves e os turistas barrados no baile. Mas para quem procura ecos das aspirações vertiginosas dos anos 20 e 30, esses edifícios resumem as preocupações de sua década e são relíquias de um mundo perdido. E há outros!
Sim, entre a rua Fleet e o Rio Tâmisa há mais surpresas, como é o caso da Igreja do Templo - a Temple Church - que, com mais de oitocentos anos de história, foi construída pela Ordem dos Cavaleiros Templários. Muita gente conhece a Igreja do livro/filme O Código Da Vinci, do Dan Brown, que a tirou do anonimato e a transformou em atração turística. Até porque fica escondida entre prédios comerciais em uma espécie de pracinha à qual se chega através de um arco de pedra e, se você não sabe da sua existência, é difícil que a descubra por acaso. Inspirada na Igreja do Santo Sepulcro em Jerusalém e consagrada no fim do século XII, mais precisamente no ano de 1185, essa igreja é interessante embora tenha sido bombardeada e reconstruída no pós guerra.
John Salmon / Temple Church, Temple, London EC4 / CC BY-SA 2.0

Ela não tem a grandiosidade de outras igrejas, catedrais e abadias londrinas mas é uma das raras igrejas redondas conhecidas, uma característica das construções feitas pelos Templários. O seu pátio tranquilo abriga uma coluna de mármore dominada pela estátua de bronze de dois cavaleiros em cima de um único cavalo. Trata-se do símbolo dos Templários porque simboliza o seu voto de pobreza: eles eram muito pobres para comprar cada um o seu próprio cavalo ( rsrs)
Hoje são famosos os concertos musicais realizados na igreja e as apresentações do seu coral, conhecido como um dos melhores da Inglaterra. Mas a Temple Church não tem apenas importância arquitetônica, religiosa e musical. Ela também foi o primeiro banco de Londres. Pois é.
Os templários eram monges guerreiros, membros de uma ordem religiosa com uma hierarquia inspirada na teologia, um rígido código de ética e uma missão declarada: proteger os peregrinos em rota para a Terra Santa durante as Cruzadas da Idade Média. Eram um exército armado e dedicado à guerra santa, à defesa da onda de peregrinos cristãos que viajavam milhares de quilômetros pela Europa a caminho de Jerusalém.
Esses peregrinos precisavam, de alguma forma, bancar meses de comida, transporte e acomodação, sem carregar grandes somas de dinheiro consigo, já que isso os tornava alvo fácil para os salteadores de estrada. Os Templários acharam uma solução para esse problema: um peregrino poderia deixar seu dinheiro na Temple Church em Londres e depois pegá-lo de volta em Jerusalém contra a apresentação de uma carta de crédito.
Não se sabe direito como os Templários faziam esse sistema bancário funcionar, nem como se protegiam contra fraudes nem se havia um código secreto para verificar os documentos e as identidades dos viajantes/depositantes. O certo é que o banco privado - embora pertencesse ao papa aliado a reis e príncipes ao redor da Europa – foi gerenciado brilhantemente por monges que tinham feito voto de pobreza, ali na Fleet Street, apelidada por eles, na Idade das Trevas, de Rua da Vergonha!
fotografias Moacir Pimentel

Quem caminha por Fleet pode até passar batido pelo cavalo dos pobres templários, mas não tem como não reparar no monumento que marca o início da rua, na fronteira com Westminster: a estátua do dragão-símbolo da City em cima de um nicho que dá guarida a outra escultura da Rainha Vitória. Como também no arco do Temple Bar, na torre da Igreja São Clemente e na primeira casa de chá de Londres – a Twinings Tea Shop! - inaugurada em 1706 e responsável pelo sucesso da bebida no país.
Diferentemente do que deve ter acontecido com Helene Hanff - lembre-se que a moça detestava ficção! - Fleet Street a mim lembra de outra Londres literária imperdível: a dickensiana. A rua, o bairro, a atmosfera da cidade são mencionadas em várias das páginas desse romancista de quem sou fã de carteirinha: Charles Dickens.
Mas essa já é outra conversa.


17 comentários:

  1. Mônica Silva23/10/2019, 08:59

    Parece que você percorreu a rua Fleet catando os 'ecos' das histórias contadas pelos grandes escritores kkk Na minha imaginação o Pelourinho de Salvador também nunca vai deixar de ser como li nos romances de Jorge Amado e o Rio Antigo vai ter sempre a cara da Rua do Ouvidor do jeito como ela aparece em Dom Casmurro, do meu querido Machado de Assis. Acho que nestes lugares antigos você se sente como eu na Colombo. Adoro a atmosfera! É tão bom sentar lá e me encher de açúcar conversando com amigos sobre os bons velhos tempos. Obrigada!
    ...

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Moacir Pimentel26/10/2019, 10:41

      Mônica,
      Dia desses o Sr. Editor teclou algo que assino embaixo: “Cada escritor cria na mente dos seus leitores uma cidade que só existe dentro da dele”. Com certeza que a pulsação das cidades, as suas “atmosferas”, sempre inspiraram obras-primas de grandes nomes da literatura e sim, de certa maneira, foram os escritores que as desenharam no imaginário coletivo. Como não existe uma única cidade famosa que a gente não tenha a curiosidade de saber como era no passado, nos tempos e ritmos das tantas estórias que tanto nos encantaram nas páginas e telas, concordo com você, são da lavra deles esses ecos e cacos que "catamos".
      Só que nenhuma cidade tem apenas uma cara! Cada morador, visitante e/ou personagem nelas viveram e vivem e viverão as mais diversas experiências em diferentes momentos históricos e delas têm visões completamente diferentes. A Londres de Shakespeare nada tem a ver com a de Charles Dickens, a de Helene Hanff diverge da minha que é diferente da que você conhecerá em breve. E assim como a Rua do Ouvidor pode ser considerada a síntese do Rio machadiano – embora o Bruxo do Cosme Velho tenha nascido no Morro do Livramento! (rsrs) - Nelson Rodrigues nos fala de um outro Rio, quase sempre suburbano. Cada leitura representa uma viagem inédita e a cada viagem resulta em uma nova leitura. E essa acumulação é uma beleza! Quantas mais Londres descobrirmos e quantos mais Rios conhecermos , melhor. A minha única tristeza quando estou flanando pelos centros históricos de Londres e do Rio é constatar que sobrou tanto do primeiro e tão pouco do segundo.
      “Obrigado!” e abração

      Excluir
  2. Francisco Bendl23/10/2019, 10:26

    A Europa sempre foi um continente em ebulição.
    No século passado, duas guerras mundiais eclodiram com as maiores quantidades de mortos entre civis e militares, afora inúmeras nações terem sido devastadas pela Primeira e Segunda Guerra Mundial.

    Mesmo a Inglaterra sendo uma nação insular, a sua capital, Londres, foi muito prejudicada pelos bombardeiros nazistas, ocasionando mortes e danos irreparáveis e incalculáveis.

    Bom, onde quero chegar:
    Os países que mais foram destruídos no maior conflito da História da Humanidade, Alemanha, Japão, Bélgica, França (apesar de Paris ter sido poupada pelos alemães), China, União Soviética, Polônia, Ucrânia, Holanda, a antiga Tchecoslováquia, Yugoslávia (hoje desmembrada em várias outras nações), e outros tantos mais, tiveram depois uma fabulosa capacidade de reação, de reconstruírem o que havia sido arrasado, e de se desenvolverem.
    A cidade de Londres foi uma delas.

    Portanto, ler os relatos de Pimentel sobre a capital dos ingleses, as suas belezas, a sua história, o rio, os cais de seus vários portos, suas ruas, avenidas, prédios suntuosos e históricos, monumentos, praças, livrarias, cafés, restaurantes, cassinos, ônibus de dois andares, pontes, caminhos que seguem o rio Tamisa, afora seus escritores de renome mundial, mesmo após a cidade ter sido quase que destruída pelas bombas V1 e V2 dos alemães, mais os artefatos que eram despejados pelos aviões bombardeiros, faz-se mister salientar a determinação deste povo na reconstrução da sua cidade, da sua capital, da importância de Londres para a Inglaterra e mundo.

    Dito isso, meu aplauso a mais este brilhante artigo postado da lavra de Pimentel.

    Abração,
    Saúde, meu caro.




    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Moacir Pimentel26/10/2019, 10:53

      Prezado Bendl,
      Obrigado pelo pertinente comentário. Sim, a Luftwaffe alemã durante a Blitzkrieg lançou milhares de bombas incendiárias em Londres além dos V-1 e dos primeiros mísseis balísticos V-2, a partir de 1944. No final da guerra, setenta mil edifícios tinham sido pulverizados e um milhão e setecentos mil outros danificados, grande parte das docas tinham sido destruídas e quase trinta mil pessoas mortas. Mas tal destruição empalidece em comparação com as de outras cidades da Ásia, da Europa e mesmo da Grã-Bretanha, como por exemplo Coventry, que perdeu todo o seu centro histórico em apenas uma noite e Hull, que teve noventa e cinco por cento de seus prédios demolidos. A reconstrução de Londres foi tão bem planejada e cometida que hoje se vê pela cidade mais memoriais do que evidências de danos causados pela guerra. Mas enquanto se caminha, por exemplo, por uma rua vitoriana muito bonita, cheia de casas geminadas, de repente, bem no meio delas, aparece uma diferente, baixa, muito funcional e quadrada, anos 60 e a gente se liga de que ela resultou dos danos causados pelas bombas. O certo é que toda a Europa, em 1945, era uma paisagem de devastação sem precedentes: a Alemanha morria de fome enquanto o Reino Unido, tonto diante do fim do império, demorou um pouco para introduzir o racionamento até de pão, uma privação que conseguira evitar durante as tribulações da guerra. E em Portugal, dizem os antigos, “ só havia sopa e broa na mesa, porque plantávamos hortaliças, legumes e milho no quintal”. No entanto, das cinzas desse terrível cenário nasceu a prosperidade.
      Penso que a reconstrução da Europa foi o resultado da percepção geral de que um mundo pobre é muuuuito instável e perigoso e do trabalho da geração que testemunhou as consequências catastróficas da década de 1930: do nacionalismo extremo, das políticas econômicas ruinosamente protecionistas e da anarquia internacional. É claro que os vencedores reagiram esforçando-se por criar um mundo imbuído de valores liberais tendo na vanguarda os Estados Unidos - cuja economia mais do que dobrara com a guerra -, tanto que aprovaram e bancaram o programa de recuperação concebido pelo general George Marshall, conhecido como Plano Marshall. Nunca antes um vencedor militar tratou os conquistados com tanta generosidade: bilhões de dólares foram investidos na reconstrução da Europa - incluindo a Alemanha e a Itália. Note que apenas um quinto desse auxílio foi recebido sob a forma de empréstimos, tendo sido o restante dado de mão beijada, como doação para minimizar os futuros encargos financeiros da Europa. É claro que a esquerda gritou "imperialismo" e é lógico que não foi por altruísmo que os EUA encorajaram as democracias liberais capitalistas: uma Europa ocidental estável e próspera significava mercado para seus produtos e uma barreira para a expansão soviética na Europa.
      (continuo)

      Excluir
    2. Moacir Pimentel26/10/2019, 10:57

      Mas a questão é a seguinte: enquanto defendiam os próprios interesses, os americanos o fizeram em termos suficientemente amplos e esclarecidos para promover não apenas a recuperação, mas a criação de relações econômicas e estruturas políticas que levaram os estados europeus, gradativamente, à União Europeia que, apesar de todas as suas falhas, é o exemplo mais bem sucedido de soft power na história do mundo.
      Nos oitenta anos desde a eclosão da Segunda Guerra Mundial, inventaram as guerras Fria e aquelas por procuração, o Muro caiu, o império soviético se dissolveu, apareceu o fundamentalismo islâmico, ressurgiu o nacionalismo agressivo, pintou a crise financeira de 2007/08, o autoritarismo disse presente em várias esquinas do vasto mundo, o modelo totalitário da China parece mais estável e mais capaz de proporcionar progresso econômico do que as democracias confusas, as cruéis desigualdades persistem e com certeza as suposições e estruturas dentro das quais o mundo ocidental tem vivido por décadas, agora parecem muito mais contingentes.
      Mas a conclusão a se tirar disso tudo, na minha opinião, não é que as bandeiras da nossa geração - democracia, direitos humanos, inclusão, igualdade, tolerância, livres expressão e mercado, pluralismo e Estado de Direito - estão condenadas, mas que precisam de constante defesa e evolução. Essa foi a principal lição dos horrores da guerra: que a paz, a liberdade e a prosperidade nunca podem ser consideradas garantidas mas têm que ser eternamente trabalhadas. Mundos melhores só acontecem quando a visão e o discurso para concebê-los são combinados com a vontade e a viabilidade de criá-los.
      Abração

      Excluir
  3. Flávia de Barros23/10/2019, 10:45

    Moacir,
    Estou amando viajar no tempo e conhecer esta Londres antiga tão peculiar. Depois de nos mostrar o coração literário da cidade batendo na Rua Charing Cross você nos oferece uma aula sobre outra rua que chegou aos nossos tempos sagrada e profana, com suas belas igrejas e tavernas e um grande amor pela escrita. Gostei de aprender mais sobre a cultura dos pubs, os templários bancários e os prédios dos jornais. Vou esperar ansiosa por Charles Dickens.
    Um abraço para você

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Moacir Pimentel26/10/2019, 11:01

      Flávia,
      É divertido perceber, por exemplo, que a identidade do pub escuro e empoeirado mencionado en passant por Charles Dickens no romance “Um conto de duas cidades” é reivindicada por vários estabelecimentos londrinos e que todos eles são mais populares entre os turistas do terceiro milênio do que o seu próprio enredo que, aliás, tem uma das “aberturas” mais famosas da literatura: “Aquele foi o melhor dos tempos, foi o pior dos tempos; aquela foi a idade da sabedoria, foi a idade da insensatez, foi a época da crença, foi a época da descrença; a primavera da esperança, o inverno do desespero (…)”
      Tudo bem que não se escrevem mais começos nem epílogos como os de antigamente (rsrs) mas note que essas belas pretinhas não fazem sentido enquanto não percebemos que as duas cidades do título são Londres e Paris, durante a Revolução Francesa. Ou seja, as estórias precisam ter cenário, local e hora. Tais elementos são mais do que um pano de fundo. O tempo e o espaço determinam as circunstâncias da narrativa, os humor, tom, possibilidades de ação, caráter e escolhas dos personagens. Quando lemos um livro inventamos um mundo mítico nas nossas cabeças só que precisamos dar a ele uma realidade tangível e mensurável, precisamos organizar a fantasia para ajudar a imaginação (rsrs)
      Então penso que os amigos dos livros que frequentam as livrarias de Charing Cross Road - apinhadas com a sabedoria da humanidade que cada autor passou anos refinando! - não o fazem para resgatar um passado que seria melhor do que o presente. Nada disso. Também não creio que os amantes da palavra escrita perambulem pela Fleet Street buscando a sensação de “voltar para o tempo” quando a rua fervilhava de jornalistas. Sou de opinião que pelo menos os turistas/leitores desejam apenas fazer uma espécie de reconstituição das cenas dos crimes, dos cenários onde foram cometidos os livros que os encantam na maturidade ainda mais do que encantaram na meninice.
      É por isso que frequentam as ruas históricas, que tomam umas e outras nas seculares tavernas: porque naquelas paragens é mais fácil de imaginar os escritores sentados em poltronas de couro vermelho, buscando inspiração, rascunhando, amassando páginas de papel, escrevendo sobre as contradições da vida, sobre os seus bons e maus momentos, sobre mudanças e desafios, sobre o que tornou Londres a cidade que é hoje. Querem apenas continuar aprendendo sem sofreguidão, degustando calmamente suas leituras como se bebe um bom vinho e experimentando suas “viagens” sem pressa de perseguir-lhes os desenlaces.
      Outro abraço para você

      Excluir
  4. Márcio P. Rocha23/10/2019, 14:17

    Um artigo bem escrito com informações muito interessantes sobre uma rua icônica que sobrevive desde a época romana sem que eu nem desconfiasse da sua longa relação etílica com o jornalismo, rs. Valeu!
    ...

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Moacir Pimentel26/10/2019, 11:06

      Márcio,
      Há valentes anos fizemos um tour a pé guiados por um guia profissional estoniano que nos traduziu a rua do oeste para o leste pela calçada norte e depois do leste para o oeste na calçada sul atravessando-a algumas vezes para que seu rebanho pudesse admirar e clicar melhor os edifícios. A se acreditar nas palavras dele e nas plaquinhas nas fachadas todas as janelas dos andares mais altos de todos esses predinhos estreitos pertenceram aos escritórios de pequenos jornais irlandeses, escoceses e/ou provincianos de parcos recursos (rsrs) Percorrendo a Fleet pode-se imaginar, sem muito esforço, as impressoras rugindo abaixo do nível da rua, os caminhões chegando de dia carregados de rolos de papel de jornal e saindo à noite para levar as edições às estações ferroviárias e se percebe que a Fleet Street foi o local ideal para se correr atrás das “notícias” primeiro porque liga a sede do poder financeiro, a City, à sede do poder político, Westminster, e segundo porque mora a poucos minutos de caminhada do Old Bailey, o Tribunal Criminal que julgava crimes de gelar o sangue e das "Cortes", que lidavam com adultérios e divórcios picantes, falências e fraudes vergonhosas, difamações e injúrias graves etc,etc,etc.
      E é claro que a rua tinha os bares cumprindo uma tradição que começara quando o primeiro jornal da cidade foi parido na soleira de uma taverna: cada jornal tinha um pub para chamar de seu! Pois obtinham grande parte do seu conteúdo através das fofocas que neles rolavam regadas a gim tônica, uísque e cerveja. Aliás, antigamente, um repórter de respeito podia cobrar do patrão o álcool que ingeria enquanto estava esperando algo acontecer no seu boteco de estimação, o epicentro da vida de todo jornalista britânico que honrava o seu ofício (rsrs) Assim, os caras do Telegraph só precisavam descer as escadas para chegar ao King and Keys, a galera do News of the World bebia no Tipperary, vulgo Tip e o Harrow era o território dos repórteres do Daily Mail. Os rapazes do The Sun praticamente moravam no andar de cima do Ye Olde Cheshire Cheese e a Taverna Punch foi assim batizada em homenagem aos clientes que trabalhavam bem ao lado para a Revista Punch. Com certeza essa turma bebia demais mas o contato próximo com os colegas do próprio e de outros jornais mantinha os caras honestos: quem escrevia lixo, era expulso do pub no dia seguinte antes de pedir a primeira bebida (rsrs)
      Pela rua a fora há placas homenageando donos de jornais, editores e jornalistas e, bem assim, os locais de nascimento de inúmeros periódicos. Da Fleet Street também saem inúmeros becos chamados de “courts” em cujas calçadas há placas comemorativas de fatos ligados ao mundo da imprensa. Quem se aventura pelo Ashentree Court, por exemplo, até que o beco se transforme na Alameda Magpie, dá de cara com um mural de azulejos com desenhos de antigas prensas, de cenas de impressão e redação, além de fotos históricas dos prédios dos principais jornais.
      https://baldwinhamey.files.wordpress.com/2012/10/magpie-alley-1.jpg?w=529&h=705
      Keep Walking!


      Excluir
  5. 1) Com as belas fotos e os textos esclarecedores do Pimentelji, lembrei que sou meio roceiro e morria de medo de andar nesses ônibus de dois andares, eu sempre achava que numa curva podia virar... tombar...

    2) Mas, para alegria minha o ônibuszão "virava" a curva e seguia seu destino sem tombar...

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Moacir Pimentel26/10/2019, 11:09

      Antonioji,
      Nunca tive receio de rodar nesses busões vermelhos, no entanto, apesar da Donana achar que sou “rabudo” por ter passado em Londres dias de verão no inverno, foram exatamente as boas condições climáticas aliadas à minha falta de juízo que me fizeram lá passar por um aperto. Em dezembro de 2008 acordei e vi pela janela um céu azul de brigadeiro. Consequentemente vesti um sweater leve, sem gola, um casaco de couro, sem enchimento, e fiz de contas que esquecera o cachecol. Subi em um dessas maravilhas “descapotadas” e comecei a clicar a cidade banhada de sol. Só que estava muuuito frio e ventava demais e de repente comecei a ter dificuldades para mover o maxilar! Pois é. Congelei! Saltamos na primeira parada, entramos em um café onde tomei meio litro de chá com leite fumegando temperado com o que me pareceu ser um quilo de açúcar e algum conhaque. Depois de meia hora estava novo. Mas aprendi a lição: com frio não se brinca.
      Bom final de semana e namastê!

      Excluir
  6. Alexandre Sampaio23/10/2019, 19:05

    Pimentel,

    Nem mesmo assistindo O Código da Vinci eu descobri que a igreja dos templários existia. Durante o tour que fiz em Londres passei sem parar por esta rua a caminho da Catedral de São Paulo. Na ocasião o guia só mostrou o monumento do dragão, uma ou duas tavernas e um jornal. Não sabia que a rua Fleet tinha tanta importância histórica e literária nem que já foi o endereço de todos os jornais ingleses. Meus parabéns por mais um artigo fora de série.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Moacir Pimentel26/10/2019, 11:18

      Sampaio,
      O monumento encimado pelo dragão - que é o símbolo da "City of London"- divide a Fleet Street, ao leste e dentro da City, da sua continuação para o oeste, em Westminster, chamada de Strand. Ele foi erguido no final do século XIX para marcar a antiga localização do Temple Bar - que literalmente significa "Portão do Templo" - na mais importante entrada da cidade na histórica rota real entre a Torre de Londres e o Palácio de Westminster, as duas residências principais dos monarcas ingleses. Sucede que, na Idade Média, Londres crescera para além de suas muralhas tornando necessária a construção desses novos portões, chamados de "bars", que pelas ruas passaram a funcionar como "barreiras", como postos de controle nos quais o comércio era regulado e taxado. Ou seja , a igreja dos templários - que mora mais ao sul invisível para os passantes - simplesmente emprestou o nome ao Portão.
      Quanto ao jornalismo diz Dona História que começou a agonizar na Fleet Street quando o tubarão da mídia Rupert Murdoch, em 1986, chegou à conclusão de que estava pagando cinco vezes mais do que deveria para manter um legado editorial de trezentos anos. O australiano demitiu toda a equipe de impressão e transferiu a publicação dos seus jornais - The Times, The News of the World e The Sun - para novas e modernas instalações em Wapping, um bairro industrial ao leste de Londres. Nas novas paragens, seguro de que desfrutava do apoio inequívoco do governo de Margaret Thatcher e munido das tecnologias de impressão eletrônica que substituíram milhares de empregos por toques de teclas, ele consolidou com sucesso - apesar dos protestos e piquetes dos desempregados e da oposição furiosa dos sindicatos - suas operações de impressão no Reino Unido e mudou para sempre a indústria jornalística.
      No mesmo ano o o The Sunday Times seguiu-lhe os passos , um ano depois o Financial Times saiu da Bracken House, perto da Catedral de São Paulo, e se instalou em Southwark do outro lado do rio e o Daily Telegraph trocou sua elegante sede egípcia pela primeira torre de vidro erguida em Canary Wharf. Em 1988 o Daily Express vendeu sua sede art déco e passou a morar perto da Ponte Blackfriars e, em 2005, a Reuters foi a derradeira das grandes empresas de mídia a bater em retirada trocando o belo prédio onde morava desde antes do início da Segunda Guerra Mundial por um edifício comercial em uma das modernosas praças pedonais nas antigas docas do Tâmisa, que logo foi rebatizada como “Reuters Plaza”.
      Dizem que os últimos dos moicanos, os dois repórteres que apagaram as luzes do Jornalismo na Fleet Street trabalharam para o Sunday Post da cidade de Dundee no número 185 da velha rua até 2016. A Fleet Street pode já não ser a “Rua da Tinta”, mas as memórias e as histórias que inspirou serão mantidas inclusive pela Fundação Saint Bride ou Santa Brígida que, ao lado da "Igreja dos Jornalistas" projetada por Wren, mantém uma Biblioteca dedicada à imprensa.
      Obrigado e abração

      Excluir
  7. Flávio José Bortolotto23/10/2019, 19:29

    Prezado Autor Sr. MOACIR PIMENTEL,

    Que maravilha tua descrição Histórica/com lindas Fotos ilustrativas, da Rua dos Romanos, Fleet Street do Centro de Londres-UK, visitada e revisitada pela Escritora Americana HELENE HANFF, ( 84. Charing Cross Road - 1970).

    Eu sempre pensei que a Fleet Street homenageava as Frotas de Guerra Inglesas que defendiam a integridade do Império, que até o advento da Arma Aérea tiveram eficiência total. Em vez, a Fleet Street foi nomeada devido ao Rio Fleet que antigamente margeava a famosa Rua.

    A Imprensa "escrita" concentrou-se nela e instalaram-se inúmeras excelentes Tavernas Clássicas, Hoteis, Casas de Chá, etc. O grande sábio e Jornalista Americano BENJAMIN FRANKLIN ali trabalhou e morou alguns anos em seu princípio de carreira de Impressor.

    Que bonita fachada tem o Clube do Príncipe HENRIQUE ( 1610), e como deve ser lindo por dentro também. Tinha muito Bom Gosto esse Príncipe.

    Que lindo o Templo (Igreja) da Ordem Templária, Ordem que de um começo humilde, entre outras coisas se tornaram grandes Banqueiros Internacionais desde a Idade Média.

    Parabéns Sr. MOACIR PIMENTEL pela prazerosa Leitura.

    Abração.

    ResponderExcluir
  8. Olá Moacir,

    "Dia de sol
    Festa de luz..."
    E você, que é tão rabudo de encontrar dias assim em Londres, tira fotos maravilhosas. Me faz pensar, porque imaginar é impossível, no tamanho e na qualidade do seu acervo. De vez em quando você se acha perdido nele e sumindo horas do convívio?
    Noite dessas passei pela toca do Sr. Editor e o encontrei olhando uma coletânea de fotos organizada para os cem anos do pai dele. Só foto de fatos e de gente. Tem homem barbado de hoje em fraldas de ontem, e ás vezes até sem elas, que custamos a identificar. Nos perdemos nas reminiscências e adivinhações e quando demos acordo de nós mesmos passava de meia noite. Dia novo nascido nos velhos tempos!
    Adoro esses ônibus e cabines telefônicas (vão acabar!) cartões postais. Também essas casas altas com "puxadinho" de varandas envidraçadas. São tão londrinas!
    Mas deve ser tudo muito úmido, não?
    E dá-lhe caminhar pela Fleet Street e achar esses arcos com pequenos pátios e parquinhos, pequenas igrejas e igrejas redondas reconstruídas. Não dá para rezar (rsrs) deslumbrada com tantas belezuras!O mundo ,apesar dos ismos idiotas e odientos, é um só, e tem Santo Sepulcro, átrio bizantino, um pouco de tudo nessa rua por mim conhecida agora.
    Sei do Isaac Newton e Christopher Wrenn e muitos dos outros, do Jack e do conjunto Sweeney/Lovet/tortinhas mas não sei nada do Samuel Pepys. "Onde há fumaça há fogo". Afogo!
    Pela Rua da Vergonha não me agradam os Templários. Mas o chá, que beleza!
    Espero o velho Charles Dickens e quem mais vier. Viajar com você é muito melhor que bom. E ótimo fica aquém. É fantástico.
    Desculpe o atraso. Bagunça na minha toca preparando peças para o bazar de fim de ano do atelier. E bagunça no resto do pedaço por causa da reação brava do Sr. Editor à vacina contra pneumonia que tomamos na segunda.
    Até sempre mais.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Moacir Pimentel26/10/2019, 11:34

      Caríssima Donana,
      Vou começar repetindo que seus ótimos comentários sempre me deixam flutuando "a três palmos do chão" e explicando porque o velho Samuel Pepys, aparentemente out of the blue, deu o ar da graça dele nesse post. Acontece que no filme do nosso encanto, Helene Hannf ficou FURIOSA com o pobre Frank ao receber não a edição que encomendara dos Diários de Pepys mas "uma coleção miserável de alguns de seus textos que um editor idiota qualquer considerou excelentes”(rsrs)
      A questão é : por que a moça tanto adorava as pretinhas dele? E a resposta é simples: porque ela odiava ficção mas amava os livros do tipo “eu estava lá”. E ninguém mais do que Pepys “esteve lá “. Além disso quem afirma que" I know not how to abstain from reading", é da minha tchurma (rsrs)
      Nascido em Fleet Street e formado em Cambridge, ele começou a escrever quando era um jovem funcionário público de 27 anos - secretário do Almirantado – e passou seus dez anos como diarista caminhando até as docas todas as manhãs, trabalhando duro , voltando para casa todas as tardes, parando em todas as tavernas do caminho, flertando com todas as atrizes bonitas de Covent Garden e escrevendo tudo isso todas as noites, timtim por timtim, no Diário que iniciara no dia 1º de janeiro de 1660. Esse primeiro diário de Pepys é a principal fonte de informações sobre a Londres do século XVII, sobre a praga de 1665, sobre a segunda guerra holandesa e , em setembro de 1666, sobre o Grande Incêndio que ele testemunhou da Torre de Londres e descreveu naqueles que são, na minha opinião, os melhores dos seus parágrafos. Os registros desses e de outros eventos são usados com avidez pelos historiadores porque a censura imposta pelo rei Charles II acabara com todos os jornais, exceto o London Gazette, totalmente chapa-branca. No entanto, o Diário de Pepys é muito mais do que apenas um relato inestimável do seu tempo, da sua cidade e da sua fé na palavra escrita.
      (continuo)

      Excluir
    2. Moacir Pimentel26/10/2019, 11:38

      O que torna a narrativa fascinante é a impressionante sinceridade do autor ao descrever seus momentos mais íntimos, suas aventuras amorosas e furiosas brigas conjugais, a sua crueldade ao destruir as cartas de amor trocadas com a esposa francesa e a sua paixão pela dama de companhia da mulher e, inclusive, como foi pego em flagrante delito: “Ela me encontrou abraçando a garota com minha mão debaixo das roupas dela”. Tudo bem que ele era um homem de seu tempo que se deleitava com a política, suas oportunidades e aventuras, que amava os prazeres urbanos, o teatro, a música, as mulheres, as tabernas, a boa mesa e o bom vinho. O que diferencia Pepys de seus pares é que ele foi tão incisivo e duro sobre suas próprias fragilidades quanto sobre todos os aspectos da vida que observava ao seu redor, pesando tudo e todos na mesma balança e criticando geral mas nos demonstrando que cada um de nós vive em um ambiente perpetuamente flutuante e que somos mudados, movidos e às vezes controlados por nossas marés internas e por ventos externos.
      Não se sabe o que levou Pepys a usar sua pena para manter um registro diário e indiscreto e detalhado e estenografado (rsrs) de suas vidas física e mental. Talvez o tenha feito para intensificar o gozo do momento presente, para ter não só a experiência, mas poder revivê-la ao escrever e, eventualmente, ter a chance de recordar tudo com tranquilidade. Mas com certeza a sua escrita teve a ver com a sua alegria de viver, o seu caráter exuberante, a sua descoberta entusiástica do seu "eu inigualável", o seu afeto inquebrantável pela própria natureza (rsrs) Essa determinação compulsiva de se colocar – com todo o seu vigor contraditório - na berlinda, no centro da conversa, de se fazer de tema, de escancarar o o melhor e o pior de si, durou nove anos e meio e nos legou um retrato vívido de um cara capaz de se olhar e auto avaliar com a mesma curiosidade e honestidade com as quais encarava o mundo, em um momento extraordinário da história inglesa. Ele escreveu dois outros breves diários mais tarde, úteis e informativos, mas que não possuem nenhuma das qualidades do primeiro: falta-lhes o grão que o levou a produzir a pérola. Quem sabe a mulher Elizabeth, falecida em 1669?
      E o resto? Será a FICÇÃO do Dickens!
      “Até sempre mais”

      Excluir

Para comentar, por favor escolha a opção "Nome / URL" e entre com seu nome.
A URL pode ser deixada em branco.
Comentários anônimos não serão exibidos.