Paul Klee - Vista de Kairouan (1914) |
Ana Nunes
Hoje vou falar de paixão antiga porque fui a uma bela exposição de
Paul Klee, paixão minha desde que fomos apresentados. Exposição de nome
Equilíbrio Instável, bem climatizada com duas portas em cada saída e entrada,
onde uma só era aberta depois de fechada a outra, para manter a temperatura.
Tivemos sorte, o Mano e eu, de chegarmos lá numa tarde de quinta
feira, tudo vazio e fresquinho e escuro. Vi tudo, li quase tudo e voltei
maravilhada. Celebrei com Heineken!
Lá fiquei sabendo do Paul Klee músico, filho de músicos, que com
sete anos começou a tocar violino. Aos onze era membro honorário da Sociedade
de Música de Berna.
Bem novinho a avó Anna Catharina, ilustradora de livros, colocou
lápis e pincéis em suas mãos. O que fez surgir lindos desenhos pequenos como
suas mãos. Guardados pela irmã passaram por muitas outras mãos até chegarem
aqui para meu deleite. São traços delicados a lápis em pequenos formatos,
cheios de detalhes e movimento. Tem almoço em família, tem carroça pioneira
puxada por cavalo. Lógico, me lembrei dos netos. E amei ainda mais esses
desenhos infantis. Preciosidades.
Paul Klee - Desenhos (1883 / 1885) |
Com suas duas artes, e música e os desenhos e pinturas, Paul Klee
se atormentou pela vida afora. Diversas vezes largou uma pela outra. E de outra
vez largou as duas por um sabático pelos bares e mulheres. Vida e boemia. “...disse interiormente adeus à literatura e
à música. Deixei de me esforçar para adquirir uma experiência sexual refinada
neste caso particular. Praticamente não penso nas artes plásticas, só quero
cultivar minha personalidade”, palavras suas escritas no seu Diários.
Paul Klee - desenho (1925) / Esboço para aula (década de 1920) |
Vale a pena ler suas opiniões sobre a música, apogeu e decadência
segundo ele, que não se interessava pelos novos compositores, ignorando
Schönberg e seu círculo.
Num concerto conheceu a pianista Lily Stumpf com quem se casaria
depois desse tempo de esbórnia(!) Com ela tocou em diversos concertos e festas
e teve um filho, Felix. Por um bom período foi “dono de casa” cuidando dele e
das tarefas domésticas. O que, com certeza, travou sua criação artística
levando-o a um desenvolvimento tardio. Mas com Felix certamente descobriu a
delicadeza e a simplicidade nos desenhos. Mas se pensarmos em infantilidade e
ingenuidade nos seus trabalhos estaremos nos enganando. Por trás deles existe
um homem estudado, viajado, conhecido de Seurat, Matisse, Derain, Toulouse
Lautrec, Edvard Munch, James Ensor. Mais tarde Kandinsky. E Picasso e os
cubistas. Admirava e reconhecia a importância de Paul Cèzanne mas não chegou a
conhecê-lo. Deve ter sofrido boas e belas influências desses artistas todos
porque ninguém passa incólume por essas artes admiráveis. Estudou com Macke a
teoria da cor de Robert Delaunay.
Passeou pelas águas-fortes num ciclo de onze gravuras chamadas
Invenções. Leves, delicadas e estranhas. Segundo li na exposição “a série reflete sua visão cética de mundo e
seu desdém pelo código de conduta burguês próprio daqueles anos.”
Paul Klee - Fênix Envelhecida (1905) |
No meu gosto e afeto Paul Klee ganha o mundo
com suas aquarelas feitas na Tunísia.
Klee ensaiava nas cores a sua arte. Mas sabia
do caráter artificial delas porque ainda não era a sua criação. A viagem ao
oriente veio lhe dar essa autonomia tão desejada. No diário, mais tarde
publicado, escreveu: “Fico possuído pela
cor; não preciso de ir à procura dela. Ela possui-me para sempre, sei-o.”
Para mim lá ele produziu seus mais belos trabalhos, com a
sobreposição de cores, transparência e leveza das aquarelas.
Numa de suas últimas obras na viagem, As Portas de Kairouan, teve
a certeza de ter se tornado pintor. Segundo ele, nela conseguiu se afastar do
objeto e abstrair-se dele.
Paul Klee - Ãs Portas de Kairouan (1914) |
Paul Klee - No Estilo de Kairouan (1914) |
Na Primeira Guerra Mundial Klee perdeu Mack,
seu companheiro de viagem. Também Franz Marc, um grande amigo. Ao contrário de
seus amigos perdidos serviu durante a guerra como oficial. Nesta época Klee
tornou-se socialista apesar de um certo ceticismo. Falava de si como “globalmente
revolucionário”. Segundo suas palavras falando do socialismo disse que não lhe “seria hostil, pois é o único movimento
honesto”.
Ainda nesse período integrou a Bauhaus que reunia a antiga Escola
Superior de Belas Artes e a antiga Escola das Artes Decorativas. Foi uma tentativa
de agrupar os vários ramos da arte. Lá estudou seu filho Felix que mais tarde
viria a se tornar diretor de ópera onde ironizava e brincava sobre a vida na
Bauhaus. Klee criou fantoches maravilhosos que estavam na exposição a que fui,
ricos, criativos, parecendo feitos com materiais recicláveis. Deles se utilizou
Felix para essas encenações.
Paul Klee - Marionetes Para Meu Filho (1916 - 1925) |
Ainda vi sua série de anjos alados muito loucos. Me pareceram
influências do cubismo em suas formas fragmentadas.
Paul Klee - Anjos (1939) |
Depois de Túnis, onde começou a se abstrair do objeto, foi ao
Egito. Mas relatou em carta para Lily que as experiências de lá não eram tão
puras quando as de Túnis.
Daí partiu para quadros muito abstratos, de linhas e quadrados
coloridos. Por essas minhas bandas muitos professores e artistas beberam nessa
fonte. Normal! Com certeza também eu bebi nessa fonte de água pura chamada
Klee.
Paul Klee - Tapete - Caminhos Principais e Caminhos Secundários (1929) |
No final de sua vida foi acometido pela
esclerodermia, doença autoimune degenerativa que ataca tecidos conjuntivos, a
pele e às vezes órgãos internos. Mas não abandonou sua arte. Usava pincéis com
espontaneidade. “...simplificação técnica de um lúdico encantamento com o
grotesco”. Certamente lúdico mas nem tão grotesco. A sua pintura Flora no
Rochedo é linda de nome, de cores e de grafismos. Amo Paul Klee! Em qualquer
fase onde esteve!
Paul Klee - Flora no Rochedo (1940) |
Paul Klee nasceu e morreu em Berna, na Suíça,
em 1879 e 1940 respectivamente.
E assim, ainda cheia de coisas por dizer, vou
guardar meu livro de folhas soltas de tão folheado, rasgar minhas anotações e
reler o Diários (que foi escrito na intenção de ser publicado) onde Paul Klee coloca,
entre outros textos, as cartas que escreveu para Lily durante sua vida.
Só para ficar mais perto.
Ana
ResponderExcluirneste blog vou aprendendo com cada um dos participantes
Na minha ignorância sobre Paul Klee gostei de conhecer e descobrir um pouco de sua vida e cores
Uma aula agradável e escrita com sua sensibilidade
Obrigada ❤️
Olá Primaléa,
ExcluirÉ primavera já com as nossas avenidas cor de rosa e tapetes amarelos de florezinhas nos passeios. E assim penso sempre em Primaléa! Será sua alegria, sua delicadeza, serão suas flores na varanda? Não sei. Mas não importa. Importa que você gostou de conhecer Paul Klee.
Beijo.
Aninha, minha prezada amiga,
ResponderExcluirDesta vez caí na tua armadilha!
Elaboraste um texto tão refinado, que não me atrevo a comentá-lo!
Em princípio, o artigo trata de paixões antigas, que as classificamos como eternas, e guardadas no interior de nossos corações com extremo cuidado e carinho;
Depois, aborda um tema que jamais vou me atrever a elogiar ou criticar porque não entendo absolutamente nada de artes, ainda mais sobre pintura, onde és uma especialista e artista.
Mas, se nada sei sobre esta manifestação humana tão importante na caminhada que percorremos desde que surgimos neste planeta até o dia de hoje, a certeza que tenho comigo é que postaste mais um artigo digno dos teus elevados conhecimentos neste particular.
Então, se não posso registrar nenhuma letra com relação ao assunto que escolheste para nos brindar com a tua cultura, teu bom gosto, com esta tua sensibilidade e inteligência que relatas as tuas emoções e sentimentos, posso, sim, escrever que mais uma vez foste impecável, brilhante, pois transformaste um assunto sobre pinturas que a mim seria enfadonho, para um artigo que aplaudo e admiro pela forma como te expressaste:
singela, a descrição da pintura como significativa para a tua vida, e termos e expressões que se coadunam com a ênfase que empregas a uma das tuas paixões antigas.
Vou dizer o quê?
Vou comentar o quê?
Aplaudo este teu trabalho; admiro como o escreveste; reverencio a pessoa que vê na arte o sublime; eu o conceituo como um ser humano muito além da minha capacidade de entender através do trabalho alheio o significado da existência.
O artista não pinta, ele elabora um quadro da vida; nós, que não somos artistas e não os compreendemos é que somos pintores de obras inacabadas, de ilusões, onde queremos mostrar através de pinceladas desconexas a imagem do vitorioso, enquanto a realidade nos atira na cara a mediocridade de uma existência sem cores, sem brilho, sem a devida expansão que deve ter o espírito, a alma, e o que diz o coração!
Parabéns, Aninha!
Forte abraço, caloroso e fraterno.
Saúde, muita saúde, Aninha, junto aos teus amados!
Chicão, meu prezado amigo,
ExcluirTe boleei e te fiz cair na armadilha!
E se você não sabe nada das artes coloridas como viu TANTA coisa boa de mim na postagem sobre o Klee? Ele é assim, na sua singeleza transporta a gente para a alegria, para as cores. Simples linhas e quadrados viraram mágica nas suas mãos.
Você disse: "Aplaudo este seu trabalho...reverencio a pessoa que vê na arte o sublime." Não é assim você com a ópera? E com as músicas de todos os tempos?
Somos todos seres à milanesa nessa farinha do mesmo saco. (Quase bife preferido...)
Saúde. Muita.
Um abraço caloroso. E muito respeitoso!
Até mais.
Prezada Autora Sra. ANA NUNES,
ResponderExcluirMuito interessante a sua visão sobre a Arte da Pintura de PAUL KLEE, Artista Alemão que viveu quase toda vida na Suíça, e que é um dos seus preferidos, principalmente no uso das cores.
É impressionante que PAUL KLEE tendo visitado boa parte do Mediterrâneo, local de muitas luzes, ele tenha tido o maior insight de cores na Tunísia, Terra da antiga Cartago. A História tem suas influências.
Googlei e aprendi que PAUL KLEE, Músico e Pintor, tinha o desejo de associar cada nota musical a uma tonalidade de cor, de tal forma que seus Quadros expressassem em Cores uma melodia em Notas Musicais equivalentes.
Acho que se não conseguiu, chegou perto.
E a senhora também faz uma bela Arte, admirando o trabalho deste Gênio do Abstrato e principalmente das Cores.
Parabéns junto com nossas Saudações.
Olá Flávio Bortolotto,
ExcluirÉ sim muito interessante essa estreita relação de Klee com as duas artes. Também, iniciado que foi tão criança pelos pais músicos e a avó ilustradora!
E ele sempre ficou indeciso entre as duas. Quando jovem, pelas minhas pesquisas, ele se decidiu pelas imagens um pouco para contradizer os pais que o queriam músico. Ganhamos nós pelos seus dons e indecisão.
Obrigada pelo comentário.
E pela gentileza do "nossas saudações".
Até mais.
Olá Moacir,
ResponderExcluirSo sorry!
Invadi sua praia onde você nada muito melhor do que eu. É que fiquei assanhada com Paul Klee. E velhinha assanhada é obra de Satã. Rsrsrs. Só falando sobre ele para ter um apaziguamento.
Esse maravilhoso peixe dourado, conhecido mundo afora, é da fase em que Paul Klee descobriu a pintura escura, as tintas pretas. Ia escrever sobre isso mas o texto estava ficando grande e muito cheio de imagens. Mas como você bem sabe e deve sofrer na hora da seleção, não dá para falar de arte sem mostrá-la.
E essa maravilha Death and Fire de que você poeta maravilhosamente é da fase final, a mesma da Flora no rochedo, quando ele já estava bem doente. Irreconhecível se olharmos fotos. A Fatal Senhora já se fazia anunciar.
Belas palavras suas de que nada resta de Hitler (será mesmo?) enquanto Paul Klee sobreviveu em folhas de música e aquarelas.
Fiquei sabendo que na exposição estão levando crianças de escola e tentando fazê-las perceber a relação música e imagem nos trabalhos. Levam também crianças bem novas, de jardim. A neta de uma amiga foi. E gostou!
Por favor, vá depressa ao Zentrum e me conte tudo, não me esconda nada!
Estou esperando muito mesmo essa franquia dos antepassados. Que já antecipavam o Pontilhismo. E por esperar muito (há mais ou menos uns 25 anos que te pedi ) vou invadir de novo seus domínios e escrever sobre Morandi. Outra paixão minha. Como o Klee ele é inclassificável. Não há rótulo que o rotule.
Obrigada pelo comentário.
Até sempre mais.
1)Gostei da fotos, dos desenhos e demais técnicas do Paul Klee.
ResponderExcluir2) Gostei tb do texto da Ana, uma artista falando das artes de outro artista.
3) Lucram os leitores. Parabéns.
4) Parabenizo tb o blog que aproxima-se de meio milhão de visitas.
Antonio,
ResponderExcluirMuito obrigada pelo comentário tão gentil!
Com tanta visita, não é que deu certo? Parabéns a vocês colaboradores!
Até mais.
Foi mesmo uma bela exposição, e um post melhor ainda.
ResponderExcluirGostei muito de ter ido lá com você.